1 ÔNIBUS 174 VERSUS TROPA DE ELITE: UM OLHAR SOBRE A VIOLÊNCIA1 Silvia Cristina Coser RESUMO As várias formas de violência serão conceitualmente analisadas por intermédio do livro “O que é violência”, clássico sobre o assunto escrito pelo filósofo Nilo Odalia. A idéia é analisar como a linguagem cinematográfica e documental, presente no filme “Tropa de Elite” e no documentário “Ônibus 174”, ambos de José Padilha, aborda a temática da violência na sociedade brasileira, sobretudo no que diz respeito ao papel da polícia como “servidora” e “protetora” dos cidadãos. No documentário vemos Sandro do Nascimento, 21 anos, sobrevivente da Candelária, emblema de uma juventude abandonada e por vezes corrompida. Já em “Tropa de Elite”, o papel principal fica para o heróico Capitão Nascimento, homem de bem, preocupado em fazer justiça e achar um substituto à altura para seu cargo. Passa o filme matando e prendendo marginais, subindo morro, batendo e torturando. É visto como um “mártir” da sociedade que acabará com a violência. No livro “O que é cinema” de Jean- Claude Bernardet, definimos linguagem audiovisual e vemos que o cinema em geral é uma arte que emociona o ser humano. Ele se retrata na tela fantasiando outras realidades. O importante é que o espectador se vê no filme, por isso “Tropa de Elite” se popularizou, todos querem ser o “justiceiro”. O cinema imortaliza a história, leva-a para dentro de nossa casa e por que não, muitas vezes para dentro de nós mesmos. Palavras- Chaves: violência, linguagem, desigualdade, cinema, documentário INTRODUÇÃO O interesse pelo estudo das linguagens do documentário “Ônibus 174” e do filme “Tropa de Elite”, ambos do mesmo diretor, José Padilha, surgiu pelo sucesso que “Tropa de Elite” fez, mesmo antes de chegar aos cinemas, sendo que “Ônibus 174”, que trata de um tema similar, porém por outra ótica, não fez tanto sucesso e tem um perfil de público também diferente se comparado a “Tropa de Elite”. O ser humano interessa-se pela ficção e se vê no filme pelo “herói”, no caso o “capitão Nascimento”, dizendo que “favelado bom é favelado morto”, transformando frases como essa em “gírias” populares até mesmo nas escolas, tornando o protagonista do filme um tipo de justiceiro visto pela sociedade como um ícone, exemplo de policial e cidadão. O documentário já não teve tanto impacto na sociedade. “Ônibus 174” conta a história por um ângulo que analisa a visão do seqüestrador, Sandro do Nascimento, um sobrevivente da Candelária, tragédia por ele antes vivida e que, portanto, carrega na bagagem histórias de agressão e criminalidade. 1 Trabalho apresentado ao curso de Comunicação Social – habilitação em Jornalismo da Faculdade Pitágoras, de Londrina-PR, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Comunicação Social, sob a orientação do Prof. Ms. Marco Antonio Rossi (JUL/2008) 2 O diretor do filme mostra como um menino, por ser vítima de uma sociedade altamente violenta, com esses fatores se transforma em um seqüestrador que acaba morto por asfixia dentro do camburão da polícia pelos próprios policiais. Por esses casos a sociedade não se interessa, ela está interessada em resolver a questão de forma rápida, ou seja, matando quem é bandido e não preocupada em educar jovens para serem cidadãos. O artigo busca definir como a linguagem surgiu e criou ramificações, diferenciando umas das outras e mostrando como as pessoas podem entendê-las de formas distintas. Partindo depois para uma breve análise sobre violência, conceituando-a e buscando levantar alguns dos formatos que ela adaptou-se na sociedade moderna. Para isso farei uma comparação entre um documentário e um longa de ficção, para explicar como o modo de contar uma historia altera sentido, intenção e multiplica as interpretações prováveis e até impossíveis sobre um mesmo tema. 1 A Linguagem O cinema é uma arte antropofágica, sugando os elementos que o cercam, como teatro, literatura, fotografia e pintura ele se firma como arte no século XX, pelo poder de criar sua própria linguagem2. Nenhum outro instrumento reflete tão sabiamente o homem e sua forma de ver o mundo. Da estrutura teatral à representação literária, o cinema criou uma linguagem visual nunca antes apresentada com o espectador moderno. Gênios como Griffith e Eisenstein ajudaram a formar essa linguagem de movimento. Isso diferenciaria o futuro da teoria da sétima arte: um bombardeio de opiniões quanto à representação e interpretação de sua imagem. O cinema artístico e o comercial. 2 Entende-se por linguagem moderna algo que só se pode compreender à luz da urbanização progressiva da vida social, a qual se vê imersa num caleidoscópio de identidades, pensares e agires. Na medida em que crescem as cidades, aumentam as formas do anonimato, da invisibilidade. Para crescer e a aparecer, o indivíduo das tribos urbanas consome e ostenta as coisas que pode demonstrar. A linguagem moderna, portanto, mais que qualquer outra, é atravessada pelas práticas de consumo e de aparição de mercadorias, fetiches. A palavra e a experiência comunitária cedem espaço para o cruzamento de imagens, tipos sociais. No cinema, essas individualidades isoladas buscam um reflexo, uma leitura de si mesmas. Provavelmente em busca de alento, auto-explicação. (SEVCENKO, 2000:63) 3 Segundo Maciel, o autor de um filme é sempre o diretor. Sua primeira responsabilidade é basear-se em pelo menos cinco fundamentos: a composição da imagem, seu significado, o movimento, a dramatização visual e o ritmo. “Isto quer dizer que a imagem oferecida ao espectador deve estar equilibrada, harmônica, com pontos de ênfase definidos.” (2003:122) A composição da imagem espelha-se na pintura clássica, exercida também na fotografia estática. A imagem sempre conta uma história, é imprescindível que o diretor estabeleça o significado de cada composição, não só contando com seus valores plásticos, mas unindo-os aos dramáticos. Também exercida pelos grandes pintores clássicos, é um importante recurso expressivo, pois permite uma comunicação sem palavras, assim como no cinema mudo. A arte do movimento no cinema leva-se não só em consideração o que acontece dentro do quadro, movimentação dos personagens, veículos, animais e outros elementos que podem compor um quadro. O importante também para se dar vida a esses elementos são os movimentos de câmera. Isso compõe toda uma linguagem para o filme, não apenas esteticamente como também o desenvolver da trama. O quarto fundamento da linguagem é a atividade de cada personagem. A forma como ele caminha, veste uma roupa, lava uma louça, faz um café, enfim, a maneira com que ele executa cada ação, caracteriza o filme e comunica-se com o expectador sem dizer nada. A atividade, como vimos, deve expressar a ação tanto quanto o diálogo, de maneira que pode, inclusive, dispensar a necessidade deste. Se o personagem veste uma roupa, ou a despe, descasca batatas, carrega uma pistola de balas etc. pode comunicar sua intenção sem dizer nada. (MACIEL, 2003:123) Finalmente, todos esses elementos devem estar sintetizados em um único, o ritmo. Ele é o fator ativo que prenderá a atenção do público, demonstrando o poder de comunicação de uma cena ou do filme todo. “O ritmo não deve ser imposto apenas na montagem, ou edição; ele resulta também da mise-em-scène, do comportamento dos atores, do comportamento da câmera etc. É tanto externo quanto interno.” (MACIEL, 2003:123) 1.1 Nascimento de uma linguagem 4 Os filmes até mais ou menos 1915 eram curtos e no fim do século nem contavam estórias, eram o que chamamos hoje de documentário, denominados na época “vistas” ou “filmes naturais”. Lumière, já em 1896, segundo consta, reuniu fotógrafos cinematográficos com equipamentos e os enviou Europa a fora. Com isso, no mesmo ano, apareceu o filme “Coração do Czar Nicolau”, filmado em Moscou visto como o pai da reportagem cinematográfica. O filme era um quadro em seguida do outro com diálogos em letreiros entrecortados, o que dava ao espectador a impressão de estar num teatro. “A relação entre a tela e o espectador era a mesma que no teatro. A câmara filmava uma cena como se ela estivesse ocupando uma poltrona na platéia de um teatro.” (BERNARDET, 2006:32) De acordo com Bernardet, a maior contribuição para o desenvolvimento da linguagem cinematográfica, se deve aos cineastas americanos. O cinema ia somando forças e tornando-se o grande contador de estórias. Com o tempo a ficção ganhou olhares e as estruturas narrativas se harmonizavam com o espaço. A câmera que antes permanecia estática ganha movimento e passa a explorar espaços, nasce os dois movimentos de câmera, que hoje a maioria dos movimentos é a combinação desses dois tipos básicos: travelings, ou carrinhos, e as panorâmicas. Hoje com a evolução tecnológica, a leveza dos equipamentos nos permite filmar com a câmera nos ombros. Filmar torna-se um modo de recortar o espaço, de determinado ângulo com finalidade expressiva, agrupando essas imagens uma após a outra, edição, denominada uma atividade de síntese. E como o cineasta americano D.W.Griffith, cujos filmes “Nascimento de uma Nação” (1915) e “Intolerância” (1916) marcam o fim do cinema primitivo e o inicio da maturidade lingüística. Poder-se-ia discutir longamente sobre as formas que ele e outros vinham intuitivamente pesquisando se organizaram num sistema. A partir dele, e numa época em que o cinema ainda era mudo, vê-se como momentos básicos de expressão cinematográfica. (BERNARDET, 2006:37) As formas de registro agora são questionadas e vistas de uma forma crítica, se será filmado o ator de perto ou de longe, de frente ou de lado, na montagem, ou edição são escolhidos os planos que farão parte do resultado final, isso vale tanto 5 para o cinema de ficção quanto para o documentário. O que torna ingênua qualquer interpretação do cinema como reprodução do real. Os planos aumentaram e evoluíram, o espectador passava a ver o filme do ponto de vista do narrador, esse ponto de vista que vê tudo de fora foi chamado de “ponto de vista de Deus”, tudo sem o espectador perceber, ele vai evoluindo, seus cortes quase invisíveis vão ajudando a dar forma `as estórias contadas apenas com imagens que dão a impressão de imitar a vida, que possa sair do cinema e comentar uma cena como se ela fizesse parte do cotidiano. Foi assim que também surgiram os erros de continuidade, um vão que aparece no meio da cena sem alguém o ter levado, uma mulher que sai do trem com uma camisa de bolinhas e na estação aparece com uma camisa listrada. Quando surge o som no cinema, a partir de 1928 com o filme “O Cantor de Jazz”, a estética torna o cinema cada vez mais real é absorvida com toda força. Os personagens falam, portas se batem, sapatos caminhando fazem barulho, os chamados ruídos “naturais” são reproduzidos em estúdio. Mas o ruído, mesmo quando tratado simbolicamente, ou musicalmente é sempre justificado de modo “realista”. A gente vê a fonte de ruído na imagem ou sabemos que ela esta por perto, de forma que os sons não aparecem como elementos de linguagem, mas como dados naturais. (BERNARDET, 2006:47) Tudo para reforçar as emoções, como na música, ela age sobre nós, mas mesmo assim passa despercebida, essa linguagem transparente, domina o cinema narrativo industrial até hoje. Esse é o chamado “modelo hollywoodiano” que predomina na história cinematográfica. Alguns movimentos não aderiram à linguagem transparente. Para os soviéticos, por exemplo, a montagem, ou edição, não teria o intuído de reconstruir o real, mas sim de construir uma nova realidade. “Filmo o rosto de uma mulher, a mão de outra, o pé de uma terceira, assim por diante, e monto: o espectador vê uma mulher, perfeitamente convincente, só que ela não existe, é uma invenção do cinema criada pela montagem”. (BERNARDET, 2006:49) Isso já tinha por curiosidade repetido em meados de 1910 por um cineasta russo chamado Lev Kuleschov. Ele produziu em 1919 um tipo de curta, em seis planos: prato de comida, rosto de um homem, criança brincando, rosto de um homem, um caixão e rosto de um homem, todos eram o mesmo plano, os 6 espectadores que interpretaram de outra maneira, como Bernardet descreve a seguir: Quem viu o filme concordou que o célebre ator Mosjukin interpretava maravilhosamente o desejo, a ternura e a tristeza. Só que...os três planos de Musjukin era exatamente o mesmo. Os sentimentos lidos na cara do ator foram interpretações dos espectadores, as quais nascem seus valores (a fome diante da comida, a ternura diante da criança), mas valores provocados naquele momento pela aproximação das imagens. Ternura ou tristeza não são expressadas pelo filme; elas resultam da reação do espectador diante da justaposição de duas imagens. (BERNARDET, 2006:51) A linguagem é totalmente expressiva, através de ações, como por exemplo, em “Outubro3” (1927), terceiro longa metragem de Eisenstein, ele mostra uma massa pondo abaixo a estátua de Czar, esse ato em si não tem valor, o que Eisenstein quis mostrar é a derrubada do poder. Este cinema metafórico de Eisenstein pertence apenas aos anos 20, pois os soviéticos optaram por um cinema que pudesse falar de qualquer assunto. Bernardet também fala: “O som é interpretado do mesmo modo. O manifesto que Eisenstein e dois cineastas soviéticos lançam em 1928 mostra o quanto se opunham à linguagem que a indústria da ficção vinha desenvolvendo: o som é valido desde que ele contraste com a imagem.” (BERNARDET, 2006:57). Os soviéticos acreditam não acrescentar em nada ouvir ruídos de passos enquanto um homem caminha, se o som for constante acompanhando a imagem, então terá um outro significado, retomando os princípios de montagem de Eisenstein. Mas o cineasta soviético que mais contribuiu para a evolução da montagem, era Dziga Vertov. Devido ao seu estilo de filmar somente o real, sem construir nada fictício ele se voltou para o cinema documentário. Vertov buscava um “deciframento comunista” do mundo. Como na URSS o capital para investir em cinema era nulo, usava materiais que já tinham sido usados, caracterizando seu trabalho apenas como montagem, ou edição. “A sexta parte do mundo” de 1926, é o trabalho que mais caracteriza isso, com as montagens de cenas de várias partes da URSS ele molda o perfil do povo 3 Terceiro longa-metragem de Eisenstein, que ele fez para comemorar os dez dias da Revolução Soviética, em 1917, durante os quais os bolcheviques derrubaram o governo Kerensky. Outra obra máxima de Eisenstein. Aqui ele usa de forma impressionante métodos experimentais e sofisticados de montagem, baseada no choque entre imagens para comunicar idéias abstratas, e o conceito das massas como herói. Filme obrigatório aos amantes da sétima arte, pleno de criatividade e forte apelo político social. Disponível em: <livrariacultura.com.br> 7 revolucionário. Mas por fim o filme não produzia nada dessa realidade que Vertov queria passar. Em outros países, como é o caso da Alemanha, existiram alguns movimentos que não se preocupavam com a busca pelo real, isso aconteceu nos anos 20 e 30. Esse movimento se caracterizava pela tentativa de mostrar a realidade interior. Influenciados pelas artes plásticas e pela literatura. Era tudo bem diferente da realidade, as estórias eram belas e as arquiteturas diferentes do cotidiano, tudo dava a idéia de deformidade. Um exemplo de filme conhecido sobre esse tipo de movimento é “Nosferatu”, de Murnau, feito em 1922, ele marca sem dúvida os altos do expressionismo alemão. O cinema americano com certeza foi influenciado pelo expressionismo, pois na época da II Guerra Mundial, viviam o nazismo e também em virtude de convites feitos por produtoras americanas. Mas logo a narrativa americana neutraliza vestígios de traços expressionistas: Os efeitos surpreendentes na cenografia ou nas enquadrações são justificados pelo enredo ou pela psicologia dos personagens. Se dois espelhos frente a frente refletem indefinidamente a imagem de Orson Welles é para traduzir um dado da personalidade do cidadão Kane: egocentrismo e vaidade, e para traduzir a relação do diretor com o personagem: a multiplicação dessa imagem tem algo de derrisório porque ele se dá num momento em que Kane esta em decadência. Se a esposa de Kane é um ponto minúsculo perdido no meio de uma pesadíssima cenografia representando a sala de um castelo medieval, é porque Kane oprime a mulher. Os expressionistas não procuram estas justificativas. Eles simplesmente diziam: o mundo é assim. (BERNARDET, 2006:54) 1.2 A Linguagem Cinematográfica O primeiro fundamento estético do cinema consiste pelo naturalismo do expressionismo cinematográfico, seus meios de fazer cortes, movimentar a câmera, variedades de lentes e mudanças instantâneas do ponto de vista do espectador. Por exemplo, no teatro, o ponto de vista do expectador é estático, no cinema diversos pontos de vista são oferecidos. Os diferentes planos cinematográficos obrigam o público ver, ao mesmo tempo, não só de longe ou de perto, como de cima para baixo, e até de um ponto de vista estático ou dinâmico. Essas possibilidades de manipular os diferentes ângulos de vista formam um expressivo discurso visual. 8 Isso já no princípio do cinema mudo é basicamente feito pela montagem, chamada edição que acaba fundando uma estética cinematográfica. Ela possui o poder retórico sublime e muito utilizado, não só em filmes de ficção, como em documentários. Mas nada revela mais claramente as violentas tensões do nosso tempo que o fato de que essa dominante tátil prevalece no próprio universo da ótica. É justamente o que acontece no cinema, através do choque de suas sequências de imagens. O cinema se revela assim, também desse ponto de vista, o objeto atualmente mais importante daquela ciência da percepção que os gregos chamavam de estética. (BENJAMIN, apud OUTHWAITE, 1996:194) O documentário se diferencia da reportagem, pois sua linguagem é mais subjetiva, direta. O trabalho de edição conta uma história, eterniza um fato diferente da frieza com que uma notícia nos é transmitida. O documentário não é uma reportagem. Se ambos os gêneros se aproximam pela possibilidade de tratarem o mesmo material, nomeadamente a vida das pessoas e os acontecimentos do mundo, afastam-se, quer no tratamento desse material, quer no modo como procedem na escolha das temáticas. Também o jornalista e o documentarista se pautam por princípios muito diferenciados. (PENAFRIA, 1999:22) As características que determinam a identidade do documentário consistem na sua aproximação com o real, produção de significados, registro de imagens, ponto de vista do diretor e muitas vezes, como no caso do “Ônibus 174”, o documentário acaba exercendo uma função social. Seus elementos de proximidade com o cinema, escolha de planos a preocupação estética, enquadramentos, iluminação, montagem, as fases de produção e pós-produção, escolha de músicas, efeitos visuais e sonoros enriquecem a obra. A definição de documentário consiste, portanto na soma de suas características. 2 Conceito de violência: uma análise crítica de “Ônibus 174” e “Tropa de Elite” Segundo o Dicionário Houaiss, violência é a “ação ou efeito de violentar, de empregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação moral contra (alguém); ato violento, crueldade, força”. 9 O mesmo dicionário a define no aspecto jurídico, o termo como o “constrangimento físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a submeterse à vontade de outrem; coação”. O Dicionário do Pensamento Social do Século XX nos fala que a violência é manifestada de várias formas, guerras, assassinatos, preconceitos entre muitas outras. Ela é compreendida como todas as violações dos direitos civis pela comunidade internacional de direitos humanos, (vida, propriedade, liberdade de ir e vir, de consciência e de culto); políticos (direito a votar e a ser votado, ter participação política); sociais (habitação, saúde, educação, segurança); econômicos (emprego e salário) e culturais (direito de manter e manifestar sua própria cultura). (ABLASTER, apud, OUTHWAITE, 1996: 194) O aumento da violência está principalmente no espaço das grandes cidades, conhecida como violência urbana, são violações de leis penais, assassinatos, seqüestros, roubos e crimes contra a pessoa ou contra o patrimônio. A violência urbana também influencia na vida das pessoas, provocando um efeito caótico e impondo algumas regras de convívio nas cidades, prejudicando a harmonia dos cidadãos. Sobretudo nas grandes periferias, essas regras impostas pelo crime organizado e o tráfico de drogas, influenciam muito na qualidade de vida de quem é submetido a essa realidade. A pobreza, a desigualdade social, todos esses fatores contribuem drasticamente para o aumento da violência. Hoje em dia é cada vez mais comum crianças delinqüentes. Na última década a violência tem estado presente na vida dos cidadãos mais do que nunca. Odalia descreve em seu livro algumas formas de violência, com o intuito de caracterizar e procurar distinções conforme são expostas no dia-a-dia, para que quem sabe um dia a violência passe a ser um incidente episódico e circunstancial. Pela estética das cidades, também podem ser vistos rastros de violência, como agressões ao patrimônio público, pixações, depredações e falta de cuidados por parte do governo. Também a poluição visual pode vir a tornar-se uma violência, a partir do momento em que ela sufoca as grandes cidades com “outdoors” imensos por todos os cantos, panfletos de propaganda nas ruas, carros com alto-falantes e mais alguns elementos que contribuem para essa degradação urbana. 10 2.1 A Violência original Como vemos a violência já se tornou comum, especialmente para as pessoas que vivem nas capitais e metrópoles. Essa violência atinge o homem de todas as maneiras, naquilo que ama, seus bens, seu corpo, e todos ao seu redor, esta presente tanto nos bairros nobres quanto nas favelas. Antes os arquitetos buscavam trazer o exterior para dentro das residências. Nos dias de hoje, esse processo acontece ao contrário, as pessoas procuram proteção. Virou uma “febre” nos grandes centros, as pessoas migrarem para áreas afastadas das cidades e literalmente se esconderem dentro de condomínios fechados ou pequenas chácaras. Algumas que não abrem mão do caos urbano, se protegem em condomínios fechados que ficam em áreas nobres nas cidades. Hoje a arquitetura perde seu sabor pela vida exterior, interioriza-se, e que busca, desesperadamente, é a segurança e a defesa. Defendemo-nos de tudo. Os espaços são fechados, a casa é projetada para dentro de si mesma, o exterior é abandonado, pois é o perigo a ser evitado, não a beleza a ser conquistada. A arquitetura do espaço aberto cede lugar a uma arquitetura de defesa e proteção. (ODALIA, 1983: 10) Isso é apenas o reflexo da violência, do medo das pessoas. Elas sabem do problema, mas se vêem de mãos atadas para resolver e muitas por comodidade preferem pensar que estão seguras por muros, redes e câmeras esquecendo que fora dali existe uma realidade dura e perversa, que não poupa ninguém hoje em dia. Viver em sociedade sempre foi complicado, a violência está presente em todas as épocas e em todas as sociedades. Em livros antigos já achamos vestígios de violência nas sociedades: por mais organizadas que fossem algumas, a violência parece ser um instinto do ser humano que as habita. Voltando ainda mais no tempo, podemos observar que nossos ancestrais já utilizavam a violência como modo de sobrevivência, tanto para comer, quanto para se defender. Tomo por exemplo a Idade Média e o livro de Huizinga. O que é o teor violento da vida? Ele não diz respeito somente à violência física a que está submetido o homem medieval, mas é algo que se relaciona com elementos mais íntimos da vida interior da sociedade medieval. São, por exemplo, os contrastes vivenciados intensamente por essa sociedade. A noite e o dia são claramente demarcados. Os homens desprovidos dos recursos que permitem viver a noite e o dia quase que indiferentemente - como ocorre hoje-, viam-se pressionados a viver ativamente enquanto a luz solar lhes concedia calor e claridade para trabalhar, para conviver com a natureza e 11 para afugentar os fantasmas que nasciam das primeiras sombras da noite. (ODALIA, 1983: 15) 2.2 A Violência Institucionalizada A sociedade desde seus primórdios sofre com alguns fatores naturais: fome, frio, miséria, secas prolongadas, doenças, epidemias. Enfim esses fatores fazem com que o homem desde aquela época explore o planeta para gozar de uma vida rica em abundância e se preocupar com seu bem-estar e o de seus subordinados. Isso sem dúvida gera uma forma de concorrência. A lei do mais forte. Quem tem mais, pode mais, manda mais e as raízes das classes capitalistas (proprietárias e não-proprietárias) começam a desabrochar. Esse contraste de miséria e riqueza parece ditar o modo de ser das sociedades. Talvez porque muitos acreditem que essa seria uma forma de equilibrálas, onde o homem aflora sua competitividade. Peguemos um exemplo: um dos primeiros registros de violência física, quando Caim atacou e matou Abel, por inveja e ciúmes. Ele não agüentou a competição entre ele e o irmão e sem pensar nas conseqüências simplesmente deu um fim a sua raiva. E na atualidade vemos muitos desses casos, as pessoas parecem terem parado de se importar umas com as outras, nem ao menos se respeitam os que estão próximos: amigos, familiares e colegas. Isso faz com que a convivência social se torne daqui a alguns anos impossível. No documentário “Ônibus 174”, pode-se perceber que ninguém parou para pensar no que aquele jovem passou, porque ele estava agindo daquela maneira, não houve uma preocupação de mantê-lo vivo para tentar reabilitá-lo, torná-lo um ser humano de bem, honesto. Já o capitão Nascimento, do “Tropa de Elite”, é um exemplo do que realmente a sociedade de hoje quer, um policial que, embora “honesto”, pune os marginais sem pensar duas vezes, tortura, agride, mata. Muitos desses, ainda jovens, que poderiam ter sido reabilitados. Mas como o filme mostra o objetivo não é fazer caridade é acabar com a corrupção e tudo que a envolve. Hoje, com os meios de comunicação, o mundo nos é apresentado e somos meros expectadores, bombardeados de notícias diariamente. Sabemos de tudo que acontece em todos os cantos do mundo. 12 Esse fenômeno que veio com a era moderna e seus veículos comunicativos do futuro, fazendo com que se desenvolva um fenômeno do qual Odalia cita chamando de “aldeia global”4. Todos consomem as mesmas comidas, os mesmos programas, as mesmas roupas, enfim, absorvemos tudo de todos, somos uma aldeia, onde a informação é em tempo real e tudo caminha para o crescimento econômico das grandes potências. Essa visão capitalista (ou neocolonizada?) de encarar o mundo, só pensa em si própria. Muitos vivem na miséria total, alguns morrendo de fome, sem acesso nem ao menos a saneamento básico. Esse modo de vivermos de uns terem tanto, quanto outro não têm nada, apenas reflete um consumismo exagerado e crescente. Usufruímos de coisas fúteis que só servem para satisfazer prazeres de consumo enquanto outros morrem de fome. Algumas sociedades primitivas acumulavam riquezas e objetos para depois redistribuí-los a todos, para cada um ter sua parte e não faltar nada a nenhum deles, procurando se ajudar e suprir as necessidades do próximo. Eram sociedades organizadas que se ajudavam e não pensavam em acumular riquezas sem necessidade. Em sociedades em que a redistribuição e a reciprocidade são fatores essenciais da vida social, o ter e possuir não significam, de maneira alguma, a atitude ideológica de julgar natural a divisão dos homens entre os que possuem e os eu não possuem. A naturalidade aí reside no fato de que o ter e o possuir significam uma relação transitória do haver, de modo que este apenas culmina quando, paradoxalmente, se destrói a coisa possuída pelo consumo coletivo e não pessoal. (ODALIA, 1983: 29) Este modo de pensar e agir para si próprio, já se passa como natural, pois os homens não se respeitam como nas sociedades primitivas. Nosso modo de pensar é o oposto do modo que eles pensavam, nossas relações como seres humanos estão cada vez mais distantes. Isso tudo é uma violência. 4 O conceito de "aldeia global", criado pelo sociólogo canadense Marshall McLuhan, quer dizer que o progresso tecnológico estava reduzindo todo o planeta à mesma situação que ocorre em uma aldeia. Marshall McLuhan foi o primeiro filósofo das transformações sociais provocadas pela revolução tecnológica do computador e das telecomunicações. Como paradigma da aldeia global, ele elegeu a televisão, um meio de comunicação de massa em nível internacional, que começava a ser integrado via satélite. Esqueceu, no entanto, que as formas de comunicação da aldeia são essencialmente bidirecionais e entre dois indivíduos. Somente agora, com o celular e a internet é que o conceito começa a se concretizar (cf. McLuhan, M. A Aldeia Global. São Paulo: Cultrix, 1999.) 13 A desigualdade, enquanto violência, não é um fenômeno atemporal, que deve necessariamente atingir todas as formas de sociedade possíveis. A naturalidade da desigualdade, que nos tem sido imposta, no correr da historia do homem civilizado, só pode ser compreendida quando se compreende que ela é uma condição de estruturas sociais, que passam a reproduzi-las como um fenômeno aparentemente natural. (ODALIA, 1983: 31) Acima de tudo, a violência é uma condição histórica, ela não existe porque o homem assim quis, nem por ser natural, ela é um produto social, mesmo aparecendo de maneiras diversas ela se perpetua porque suas condições se perpetuam. 2.3 Violência Social Sabemos da violência social e suas formas, um bom exemplo, a poluição ambiental, atinge toda a população e nada fazemos em relação a isso por causa do sistema econômico capitalista, se pararmos de extrair as riquezas da natureza a economia desanda e os mais atingidos serão os países subdesenvolvidos. Para evitar ambigüidades, devo dizer desde logo que toda violência é social. Contudo, gostaria de reservar esse nome para certos atos violentos que: atingem, seletiva e preferencialmente certos segmentos da população - os mais desprotegidos, evidentemente-, ou, se possuem um alcance mais geral, são apresentados e justificados como condições necessárias para o futuro da sociedade. (ODALIA, 1983: 38) Também sabemos dos menores miseráveis que nascem num ambiente de criminalidade e acabam se tornando infratores. O futuro desses jovens está nas mãos do governo e, por isso, encontram-se desamparados. Como podemos ver no documentário de José Padilha, “Ônibus 174”, o seqüestrador Sandro do Nascimento, foi um jovem que nasceu num ambiente pobre e sobreviveu à chacina da Candelária. Antes disso, ainda mais menino, vira a mãe ser assassinada numa briga no bar do qual era proprietária na periferia do Rio. Depois de enfrentar tudo isso Sandro pula de instituição para um lar adotivo, para outra instituição, sem obter perspectiva de melhora em nenhum deles. Que futuro teria um jovem com esse histórico em um país como o Brasil? Que além de empregar como políticos pessoas corruptas de mau caráter está mais preocupado com o crescimento econômico do que com seus jovens e seus problemas que são 14 frutos do descaso de nossos governantes que não enxergam o problema adiante, mas apenas vê soluções rápidas. Assim como Sandro do Nascimento, esses jovens são presos com mais dezenas deles em celas superlotadas, sem um sistema sanitário descente, alimentação, estudo, educação e acompanhamento psicológico. È dessa forma que poderíamos obter alguma melhora em relação ao sistema carcerário no Brasil. Observando que nem ao menos esses sistemas para menores estão em bom estado, encontrando-se em condições precárias, sem um desenvolvimento e a superlotação prejudicando ainda mais, contribui para transformar praticamente essas instituições em escolas para a marginalidade. Mudar esse quadro nos custaria muito, é uma obrigação do governo cuidar de nossos jovens para que esse fenômeno da marginalidade que cresce a cada dia nas periferias das grandes cidades e também já assola o interior diminua com o tempo. “Porém, isso significaria desviar verbas e recursos do que é considerado prioritário desenvolvimento econômico, a qualquer preço, à custa de gerações de brasileiros.” (ODALIA, 1983: 40) O país se preocupa em crescer economicamente e esquece que seu maior problema está em garantir educação para quem cuidará do futuro dele. Nossas crianças das periferias em sua maioria trabalham para os “patrões” do tráfico e alguns se marginalizam roubando e matando. Nas regiões do norte e nordeste, a criminalidade infantil não é comum, então as crianças desde pequenas fazem trabalhos rurais, algumas garotas se prostituem. Se as condições do ensino, nas grandes cidades são precárias, no interior do Brasil chegam a ser dramáticas. Se não é aí apenas uma formalidade, não está longe disso. A começar pelos pobres professores improvisados que, parece, já se sentem gratificados por um título que não possuem, com salários miseráveis, trabalhando com classes heterogêneas, sem material didático e muitas vezes, incapazes de dele se servirem. E, o pior de tudo isso, trabalhando com uma população escolar faminta, que busca a escola mais para comer do que aprender. (ODALIA, 1983: 45) A violência social está em tudo, ela prolifera pelas sociedades e já faz parte de cada uma significativamente, mas passam despercebidas acostumamos com ela crescendo e tomando conta de nossa rotina. porque já 15 Como é mostrado no filme “Tropa de Elite”, o BOPE, liderado pelo capitão Nascimento, um homem honesto, bom, cheio de atos heróicos que se propagam no decorrer do filme, acaba por ser um elemento fruto desse costume. As pessoas acham que a polícia deve bater em bandido, prender pobre como se esse fosse seu real papel na sociedade. Estamos acomodados com a violência e não paramos para pensar em sua verdadeira fonte. Não só nossos governantes como também a própria população é culpada por essas falhas no sistema. 2.4 Violência Política Violência política não está necessariamente ligada a redes terroristas tanto de direita quanto de esquerda como vemos diariamente na televisão. Ela pode estar ligada desde um assassinato político, invasão de territórios, desaparecimento de dissidentes até a leis que não permitem aos operários de se organizarem em sindicatos. Todas essas citadas são formas de violência política. O terrorismo é contínuo desde sempre. “Quando Brutus assassinou César estava cometendo um ato de terror e um assassinato político.” (ODALIA, 1983: 49) Antigamente os assassinatos políticos eram comuns em pequenos clãs que cresciam dentro do poder político. Eram pessoas com laços de sangue que viviam do poder e para ele. Neste meio restrito, o assassinato político era essencial para definir novas linhas de sucessão ou assegurá-las, criar e terminar dinastias. Algumas famílias inteiras foram mortas com a justificativa de que matar apenas o pai era uma ameaça. Essa prática era comum na Idade Média. O assassinato político, dessa maneira, pode ser considerado, nesses tempos, como um privilégio de nobres que se entredevoravam, visando a conquista ou a manutenção do poder. Parricídios, filicídios, fraticídios, eram uma constante na vida dinástica de monarquias e impérios, de ducados e principados. (ODALIA, 1983: 50) A violência política toma forma já que se mata pela simples posse do poder, ela passa a ser vista como instrumento de determinar cargos e como um meio de conseguir algo. Assim ela também passa a ser usada para combater a injustiça social e permitir a ascensão de novas classes ao poder político. O assassinato político porém, é apenas uma parte desse tipo de violência, a mais visível. “Isto 16 significa que o assassinato político, o atentado, são uma resposta a opressões sofridas, durante séculos e que provoca uma nova violência que é a organização da repressão.” (ODALIA, 1983: 52) A repressão sempre existiu, mas antes era uma arma utilizada para manter o domínio do homem no trabalho, não como força de repressão política. Se antes o poder era símbolo de algo divino, uma força para organizar algumas sociedades, hoje ele se torna algo a temer. Com o desenvolvimento da sociedade, as pessoas também se desenvolveram, por exemplo, saber ler e escrever, antes eram privilégios de poucos, agora quem não sabe se torna mais um número nos problemas sociais. O que rege essa dominação nos dias de hoje é o capital, a classe social de cada um. Se na Idade Média um homem da infantaria e os miseráveis, alguns até recrutados à força, eram proibidos de matar os cavaleiros e os nobres. Atualmente não se mostram menos diferentes, o que muda são apenas os elementos. “Todo e qualquer Estado moderno possui em suas mãos um extenso e variado arsenal de meios que pode manipular a opinião pública com relativa facilidade” (ODALIA, 1983: 54) Essa manipulação é iniciada quando o indivíduo nasce para ser moldado como o Estado quer. Ela não se inicia quando o indivíduo adquire seus direitos cívicos, ao contrário do que se pensa. Por isso, em alguns governos ditatoriais, o processo educativo é mais intenso e a serviço de sua ideologia5. Nos dias de hoje, a formação da mentalidade e da opinião publica é largamente dependente desses veículos, que selecionam o que devo ver, ouvir e ler. Eles não apenas informam, mas na grande maioria das vezes, interpretam o que transmite, de maneira a bloquearem em mim a possibilidade de exercer meu próprio senso crítico para interpretar o fato divulgado.(ODALIA, 1983: 57) Nossa verdade passou a ser a verdade que consumimos dos meios de comunicação de massa, internet, televisão, revistas, estes meios que invadem nossas casas e criam uma intimidade com nosso cotidiano. Eles deformam nossa realidade e nos aproxima cada vez mais de um tempo de consumismo de imagens e idéias. Estes meios ditam regras e nos vendem o 5 Ideologia na tradição de Marx são processos sociais deformadores que distorcem e dominam (no sentido de “colonizar”) as diversas visões de mundo. (KONDER, 2000: 07). 17 produto que quer. Nós, meros expectadores, fantasiamos uma realidades longe da nossa. Em processos eleitorais a televisão como o veículo de informação mais importante, manipula as idéias e escolhem para nós nosso candidato, sem percebermos acabamos vinculados a este e achando que é o melhor para o país. A violência política não se restringe aos campos da educação e dos veículos de comunicação de massa, ela se manifesta de mil maneiras. Aliás, as eleições brasileiras de 82 foram um exemplo típico de violência política que se expressa através de uma legislação eleitoral cujo objetivo principal era o de fraudar a livre manifestação dos eleitores. (ODALIA, 1983: 61) Isso acontecerá enquanto a política for entendida como meio de dominação. “A violência política, repito, é um monstro de mil faces, cada uma delas mais hedionda do que a outra.” (ODALIA, 1983: 62) 2.5 Violência Revolucionária Falar em violência política é também falar de violência revolucionária. Segundo o dicionário Silveira Bueno o termo revolucionário é aquele que provoca uma desestruturação total de uma determinada realidade, e revolução seria uma mudança violenta da forma de um governo. Revolução entendo toda transformação que afeta de maneira essencial as estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais, de uma sociedade. A revolução deve ser compreendida como um fenômeno global, sua ação e conseqüências devem repercutir sobre toda a sociedade (ODALIA, 1983: 64). A sociedade sofre modificações continuamente, por isso temos que tomar cuidado ao analisar o que seria realmente uma revolução. A vida social quando sofre mudanças consiste em ser comum e lidarmos com essas mudanças da melhor maneira possível. Mas quando um acontecimento histórico é gerado e com o passar dos anos transforma mentalidades, usos e práticas sociais, podemos chamar de revolução. 18 É a historia que nos revela os grandes revolucionários e o que eles fizeram no passado, com seus movimentos sociais. O que caracteriza uma verdadeira mudança são as profundas transformações na sociedade humana. No mundo nunca faltou nem idéias e nem ações revolucionárias, o homem sempre buscou igualdade entre si e combater as classes opressoras. A maioria dessas revoluções foram abortadas. No filme Tropa de Elite, o capitão Nascimento aparece como um “líder revolucionário”, um “mártir das elites”, na ilusão de alguns que assistem ao filme. Para a maioria dos expectadores, se existisse um capitão Nascimento para um determinado número de habitantes acabaria a violência. Essas idéias fantasiosas que as pessoas criam, achando que matar favelados e pobres é a solução. Não param para enxergar a raiz do problema, sendo que na verdade, eles são frutos de uma classe opressora que é a principal culpada pela miséria da maioria. No documentário, “Ônibus 174”, o seqüestrador Sandro do Nascimento é brutalmente morto em rede nacional. Isso gerou na época orgulho para os policias que estavam participando da operação. Nem ao menos se tentou recuperar um jovem daquela vida marginalizada. Para os tempos de hoje, o ideal platônico pode parecer conservador, mesmo reacionário, por buscar estratificações sociais, que por si próprias definiram funções, qualidades e educação do cidadão. A preocupação platônica é a de atingir e conservar a harmonia interna da sociedade – objetivo que não se pode questionar -, porém essa harmonia estava condicionada á criação de classes distintas de homens, cada uma das quais com funções especificas, não intercambiáveis. Isto significava que, na pratica, as funções assinaladas para cada uma das classes sociais não poderiam ser exercidas em nenhum momento por membros de outra (ODALIA, 1983: 69). CONSIDERAÇÕES FINAIS O artigo buscou mostrar uma realidade camuflada que enfrentamos no decorrer do desenvolvimento da humanidade. O ser humano se acostumou com a violência de tal maneira que não enxerga as verdadeiras faces com as quais ela se mascara. 19 No filme “Tropa de Elite”, vemos o capitão Nascimento, comandante do BOPE, batalhão de operações especiais. Homem bom, honesto que busca fazer justiça e acabar com todo tipo de marginal. Um homem que treina seus homens como animais de luta, torturando-os tanto fisicamente como psicologicamente. O espectador assiste ao filme se deslumbrando com as atitudes do comandante do BOPE, criando uma idéia de que aquela forma de tratar os bandidos seria a solução para a violência. Isso acontece porque o ser humano cria um laço com o protagonista se identificando com ele. Por isso, “Tropa de elite” repercutiu por todo país e o capitão Nascimento tornou-se um tipo de “mártir” das classes mais ricas. No “Ônibus 174”, Sandro do Nascimento, seqüestrador e protagonista do documentário é um jovem que não teve oportunidades, passou por várias instituições, viveu no crime desde menino, sobreviveu à tragédia da Candelária. É uma vítima da sociedade opressora em que vivemos. Não teve direito a educação, passou fome e entrou para a marginalidade por realmente falta de opção. Ao comparar o filme com o documentário, percebemos que, apesar do estilo deferente de linguagem, pois um filme é uma obra de ficção e um documentário é um modo de contar uma história real através da ficção, reconstruindo seus elementos e agrupando-os segundo a visão do diretor, ambos nos mostram as falhas do sistema. Sistema no qual alguns são privilegiados e outros esmagados numa luta desigual pela sobrevivência. Assim, acaba-se generalizando a idéia de que todo pobre é bandido, fator que pode ser identificado, por linguagens distintas, em ambas as obras sobre a violência que aqui se buscou analisar. REFERÊNCIAS ANJOS, Ana Paula Bianconcini. Tropa de elite tem mais impacto do que Glauber Rocha. Bravo, São Paulo, ano 11/nº125, p.56-61, jan 2008. ASBLASTER, Anthony, apud, OUTHWAITE, William. Dicionário do Pensamento Social do Século XX. Rio de Janeiro: Zahar, 1996: 194. AXT, Gunter. Vingar e punir: nos rastros da tropa de elite. Cult, São Paulo, ed.118, ano 9, p.25-28, nov, 2007. BERNARDET, Jean- Claude. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 2006. FERRARA, Lucrecia D´Aléssio. Leitura sem palavras: São Paulo: Àtica, 2007. 20 HOUAISS, Antônio, et al. Minidicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001 KONDER, Leandro, A questão da ideologia. 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