Nome: Mara Cristina Rodrigues Dias
Instituição: Faculdade de Educação USP, São Paulo - SP
Título: Projetos de Leitura
Resumo: Esta comunicação visa compartilhar duas experiências realizadas com
jovens e adultos no âmbito da leitura. O primeiro grupo é formado por jovens de
baixa renda, moradores da periferia da cidade de São Paulo e com eles foi
desenvolvido o Projeto de Mediadores de Leitura que teve como principal objetivo
capacitar adolescentes e jovens monitores-educadores de uma determinada
Fundação para o trabalho de mediação de leitura com crianças da comunidade. Os
jovens monitores tinham como função principal atender estas crianças em
atividades diárias de leitura. A segunda experiência diz respeito a uma instituição
privada, que desenvolveu projeto pioneiro de leitura junto à equipe pedagógica.
Palavras-chaves: projeto de leitura, mediação de leitura.
EXPERIÊNCIA ORGANIZAÇÃO NÃO-GOVERNAMENTAL
O Projeto de Mediadores de Leitura tem como principal objetivo capacitar
adolescentes e jovens monitores-educadores da Fundação Gol de Letra para o
trabalho de mediação de leitura com crianças da comunidade. O projeto teve início
em março de 2002 e se renova a cada ano. Os jovens monitores têm como função
principal atender as crianças (de 7 a 14 anos) da comunidade em atividades diárias
de complementação escolar. Uma dessas atividades acontece na biblioteca da
Fundação.
Participam diretamente do projeto 20 jovens que são multiplicadores das ações com
as 240 crianças atendidas pela Fundação.
No encontro de abertura, em março de 2002, o projeto teve início com uma breve
apresentação da história da leitura e do livro no Brasil e no mundo. Utilizamos como
bibliografia básica de apoio os livros Uma história da leitura de Alberto Manguel e A
aventura do livro de Roger Chartier. Este início do projeto foi importante para marcar
o papel da leitura e do livro na cultura ocidental. Foi também o contato inaugural com
as histórias.
A partir do segundo encontro, a mediação foi pensada como local privilegiado para
ler, discutir, adentrar no mundo dos livros e pensar em estratégias de leitura a serem
desenvolvidas com as crianças. Além dos encontros são realizadas saídas culturais:
visita a dois locais – de leitura e pesquisa – tradicionais da cidade de São Paulo: a
Biblioteca Municipal Mário de Andrade e o Centro Cultural São Paulo. O objetivo era
mostrar aos alunos como esses espaços se organizam, como são atendidos seus
usuários, além de contar um pouco da história e importância social e política de tais
espaços.passeio pelo centro histórico de São Paulo. Em 2005, em um dos encontros
tivemos a presença do escritor Fernando Bonassi, que leu O Pequeno Fascista e
discutiu com o grupo sobre leitura e cidadania.
OBJETIVOS
Este trabalho de capacitação possui focos específicos. São eles:
-
auxiliar na leitura de histórias para as crianças;
incrementar e diversificar o trabalho da biblioteca;
conhecer diversos livros infantis e suas características;
conhecer diversos autores da literatura brasileira e universal com o objetivo de
ampliar o universo cultural dos monitores;
conhecer os diferentes gêneros literários;
incentivar a leitura de literatura;
ampliar o repertório literário;
pensar melhor (quem lê, reflete sobre o mundo que o cerca);
ler e escrever melhor;
escrever um diário pessoal de leitura;
ser cidadão.
PROCEDIMENTOS
Que livro é esse?
O objetivo desta atividade é aproximar os alunos da enorme variedade de tipos de
livros existente, pois é comum os alunos enxergarem os livros apenas de duas
maneiras: livros para estudar e livros para ‘ler’.
Breve descrição da atividade: cada aluno recebeu uma ‘pilha’ de livros de tipos bem
variados (didáticos, paradidáticos, enciclopédias, dicionários, livros de arte, livros
para crianças, manuais, livros de fotografia, coleções, literatura em geral, poesia,
quadrinhos) e pôde ficar observando, manuseando, folheando. A questão
disparadora foi a seguinte: “Quem tem aí na pilha livros (didáticos...)?”. Assuntos
discutidos: clássicos, tradução/versão/reconto, diferenças de informações em
enciclopédias (data/contexto histórico/autoria), romances (o que é), idade útil dos
livros.
O livro em todas as suas dimensões
Questão disparadora: “O que é um livro?”. O objetivo é trabalhar todos os aspectos
presentes nos livros, tanto os ‘literários’ (autoria, ilustração, colaboração, adaptação,
prólogo, notas de rodapé, índice, prefácio, posfácio) quanto os ‘técnicos’ (capa,
contracapa, editora, local de edição, número da edição, dados de catalogação,
projeto gráfico, revisão). A finalidade é fazer os alunos descobrirem que tais
características aproximam o leitor do texto, um livro não se inicia no primeiro capítulo
da história ou na primeira página informativa, mas há elementos que devem ser
conhecidos para que se de a verdadeira aproximação ao livro.
O que a imagem está dizendo?
O objetivo desta atividade é auxiliar o trabalho de leitura de imagens em suas
diferentes abordagens, em suas diferentes coexistências com o texto escrito e com
sua existência própria, ou seja, o livro feito apenas de imagens.
Questões disparadoras: “A imagem neste livro complementa ou substitui o texto
escrito?”, “É possível compreender o texto sem olhar para as imagens? A imagem é
imprescindível para a compreensão deste livro?”, “Qual dimensão de compreensão é
possível ter de livros feitos apenas de imagens?”.
Contar histórias
Contar histórias e como escolhê-las foi um tema de discussão e estudo, pois
percebemos ao longo da formação que isto era uma dificuldade dos jovens por vários
motivos: crianças agitadas, medo de ler e não ser ouvido, não ‘acertar’ na escolha da
história. O objetivo era ampliar o repertório, conversar sobre critérios e estabelecer
alguns para o grupo e praticar a leitura para um público.
As diversas maneiras de ler
Perceber que não lemos da mesma maneira uma notícia, uma bula de remédio, um
conto, uma poesia, um livro infantil, um romance, uma página de livro científico, uma
piada. As leituras têm intenções, ritmos, sonoridades, necessidades, públicos
diferentes e outras tantas variáveis. Atividade prática de leitura.
Caderno de escrita
Cada aluno tem seu próprio caderno de escrita em que são registrados
pensamentos, emoções, sensações, críticas a respeito dos livros lidos. Ele também é
o local para as anotações e atividades da formação. É um caderno pessoal, mas não
íntimo, pois em muitos momentos da formação, há uma socialização e leitura deles.
A cada encontro entregamos um texto-alimento para colar no caderno. O primeiro
texto-alimento entregue foi “Direitos do leitor” de Daniel Pennac.
Ouvir poesia
Questões norteadoras: “O que é poesia?”, “Onde está a poesia de cada dia?”.
Primeiro momento pensar sobre poesia. Segundo momento, ler poesia num grande
sarau. Discussão que engloba a poesia popular (cordel e rap) até as manifestações
mais contemporâneas passando pelos consagrados. A preocupação maior foi ouvir
poesia, acostumar o ouvido ao poema e ao ritmo da poesia.
Roda de biblioteca
Todas as atividades relatadas até aqui aconteceram em forma de roda. É dessa
maneira que os jovens monitores trabalham com as crianças da Fundação. Esta
atividade tem como objetivo pensar em novas e boas idéias de rodas de bibliotecas a
serem utilizadas com as crianças. Em duplas, os alunos circularam pela biblioteca
para terem idéias e depois formularam propostas de rodas descrevendo objetivos,
encaminhamentos e títulos.
Por que ler os clássicos?
Aproximar os alunos a um conjunto de obras que marcaram profundamente a
literatura mundial e o próprio pensamento ocidental. Comentários sobre obras que
quase todos já “ouviram falar”, já tiveram algum contato seja através do cinema, da
TV, do desenho animado ou da publicidade. Leitura do texto “Eterno sempre jovens”
de Ana Maria Machado.
Brincar com as palavras - memória
Contação de uma história coletiva montada com trechos que cada aluno recebeu,
estudou e depois só podia se valer da memória para contá-la. Objetivos: praticar a
criação de uma história.
Brincar com as palavras – fim da história
Leitura em voz alta de parte de uma história. O grupo oralmente criou o final.
Leituras significativas
Para aproximar os alunos da literatura e fazer a mediação entre o texto literário e os
alunos, foram lidos em todas as formações um conto ou um poema que eles não
leriam sozinhos pela dificuldade apresentada. Essa leitura compartilhada em que
cada um tinha seu exemplar ou cópia na mão -, acontecia de forma planejada.
Apresentavam-se algumas questões norteadoras e comentava-se sobre o momento
em que foi escrito e sobre o autor. Todas as leituras geraram muita discussão e
aprofundamento sobre pensar a humanidade, uma vez que literatura espelha a vida.
Os contos lidos em dois dos encontros: “A aposta” de Tchecov e “Sorôco, sua mãe,
sua filha” de Guimarães Rosa. Em outro encontro havia vários livros de contos para
que eles lessem e contassem a história, o que mais importante ficou do conto.
Pensando na formação do repertório leitor foi lido o texto “Para viciar seu aluno” de
Samir Meserani que saiu na revista Nova Escola de maio/1990. É um texto antigo,
mas que trata de temas cruciais da problemática do ensino e do desenvolvimento do
hábito de leitura. Este texto é fundamental, pois de certa forma ele sintetiza tudo o
que foi conversado até aquele momento e vai além, ao considerar o repertório leitor
de cada um como fundamental para a formação do hábito. O texto pedia uma
atividade para casa em que cada um, individualmente, teria que comentar sobre o
seu próprio percurso pelos livros.
Leitura compartilhada
Cada aluno lia um capítulo do livro Minha querida assombração de Reginaldo Prandi
e contava para o grupo o que leu no próximo encontro.
RESULTADOS
Proporcionar a jovens que pertencem a população mais pobre de São Paulo a leitura
de obras consideradas canônicas da literatura mundial, literatura erudita, os
clássicos, e não só a “literatura de massa, a literatura popular, o folclore, a canção, o
provérbio”, como diz Antonio Candido. Isto é um direito do cidadão. Nas leituras que
faço com estes jovens, conversamos sobre a vida, os fatos do mundo e isso os
tornam pessoas melhores, pensantes, e capazes de terem, por sua vez, uma ação
educativa com as crianças que freqüentam a Fundação Gol de Letra, através da
leitura também.
EXPERIÊNCIA INSTITUIÇÃO PRIVADA
A seguinte experiência ocorreu em uma instituição de ensino que tem uma forte
preocupação com as práticas de leitura. O projeto caracterizou-se por: sistematizar
as práticas já desenvolvidas na escola; criar e instituir novas; e possibilitar estudos
teóricos sobre o assunto com a equipe de professores. Todas essas ações visaram
um trabalho mais consistente relacionado à leitura, livros e literatura junto aos
alunos.
OBJETIVOS
Por ser um projeto abrangente, que atingiu diretamente a equipe de professores da
Educação Infantil, do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, as ações foram
diferenciadas para cada segmento de acordo com as necessidades específicas.
Houve dois focos para estabelecer os objetivos.
- Com professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental 1: discutir sobre e ler
obras literárias com preferências às obras canônicas, ampliar o repertório de leitura
de literatura, aprofundar os conhecimentos sobre conceitos de teoria literária, e
estabelecer alguns critérios de escolha de livros.
- Com professores do Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio: discutir sobre
literatura e estudar sobre leitura em contextos de estudo.
Os objetivos descritos acima não perderam de vista em nenhum momento o aluno,
ou seja, o professor melhor capacitado pode estabelecer uma relação de ensinoaprendizagem efetiva.
PROCEDIMENTOS
Educação Infantil e Ensino Fundamental 1
Em relação ao primeiro foco – Educação Infantil e Ensino Fundamental 1 – uma das
solicitações dos professores há muito tempo era uma discussão sobre critérios de
escolha de livros para serem lidos com os alunos ou para serem indicados a eles. A
leitura possui um valor consolidado para a equipe em questão, mas o que ler? Quais
são os “bons” livros? Que critérios se devem ter para escolhê-los? Para início de
discussão, foi escolhido um autor, Machado de Assis, para ler. Esta primeira etapa
foi dividida em leitura de seus contos, leitura de um romance, leitura de uma crítica
escrita por Machado de Assis, uma sessão de cinema com dois filmes (um do
cineasta Julio Bressame e outro de André Klotzel) feitos a partir do livro Memórias
póstumas de Brás Cubas. Discussão: literatura e contexto histórico (é importante
conhecer o contexto e a biografia do autor), o uso didático de filmes feitos a partir de
obras literárias, crítica literária (além de Machado crítico, leitura de textos de Antonio
Candido), e critérios de escolha de livros para crianças, uma vez que é comum
editoras lançarem contos de autores ditos para “adultos” com um projeto gráfico
voltado ao público infantil.
Numa segunda etapa, leitura de texto teatral, pois é um tipo de texto pouco lido e
conhecido e parti-se de um autor clássico no gênero: Anton Tchecov. Além de se
conhecer um pouco mais a literatura russa, pode-se conversar sobre as estratégias
de leitura deste tipo de texto.
Num terceiro momento a questão dos critérios voltou a tona, devido ao lançamento
de um livro no mercado editorial para crianças e jovens. Esta discussão gerou várias
conversas pela internet, instaurando um novo canal de discussão. Um editor e um
autor foram convidados para participarem deste debate.
Estas ações voltadas aos professores, tiveram repercussão no cotidiano da sala de
aula.
Ensino Fundamental 2 e Ensino Médio
Em relação a estes segmentos, teve início uma atividade ambiciosa: os professores
das diversas disciplinas deveriam ler os livros de literatura que eram indicados como
leitura compartilhada pelos professores de Língua Portuguesa. O objetivo era
instaurar um diálogo entre os leitores e obras e sair apenas do âmbito da área de
Língua Portuguesa e Literatura. Esta atividade se encerrou com uma prática
freqüente na escola – as Rodas de Leitura.
Uma segunda ação foi a leitura em sala de aula por parte de todos os professores
de textos variados que não tivessem relação com o conteúdo de ensino da
disciplina. Foi colocado em questão os critérios de escolha de leitura e a recepção
leitora (por que escolheram tais textos e como os alunos reagiram, o que
comentaram).
Um terceiro momento foi dedicado a estudar a leitura em contextos de estudo. Ou
seja, ler textos das diversas disciplinas – História, Geografia, Ciências Naturais –
com os professores destas disciplinas ensina a ler. Geralmente, o professor
especialista não tem essa concepção e desconhece como encaminhar a leitura
tendo como objetivo também o ensino da leitura e não somente o ensino do
conteúdo. Para isso, teóricos da leitura deram um suporte (Mirta Castedo, Frank
Smith, Teresa Colomer, Delia Lerner, Alberto Manguel) e algumas práticas foram
instauradas nas aulas.
As atividades elencadas acima, foram encaminhadas com leituras, aulas-palestras,
debate, aulas-exposições, trabalho em grupo, lição de casa.
RESULTADOS
Foi um projeto como positivo e promissor. Muitas práticas de sala de aula foram
repensadas e reformuladas. Toda a equipe pedagógica respirou leitura, literatura,
aprender a ler. Para que essas ações pudessem ser compartilhadas entre os
diversos segmentos, foram realizadas sessões de comunicação internamente para
que os professores mostrassem os resultados de seu trabalho. As sessões eram
organizadas por temas e gerou uma troca de experiências e saberes muito
produtiva.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGUIAR, Vera. Era uma vez na escola. Belo Horizonte, Formato, 2001.
CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo, Duas Cidades, 2004.
COLOMER, Teresa e CAMPS, Anna. Ensinar a ler, ensinar a compreender. Porto
Alegre, Artmed, 2002.
MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. São Paulo, Companhia das Letras,
1999.
PROJETO – Revista de Educação: Leitura. Porto Alegre, editora Projeto, ano 4, nº 6
– maio/2002.
SMITH, Frank. Leitura Sgnificativa. Porto Alegre, Artmed, 1999.
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Nome: Mara Cristina Rodrigues Dias Instituição