UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE PRORGAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM ENFERMAGEM RAQUEL FARIA DA SILVA VALORES CULTURAIS QUE ENVOLVEM O CUIDADO MATERNO RIBEIRINHO: Subsídios para a Enfermagem Rio de Janeiro Outubro – 2009 2 RAQUEL FARIA DA SILVA VALORES CULTURAIS QUE ENVOLVEM O CUIDADO MATERNO RIBEIRINHO: Subsídios para a Enfermagem Dissertação de Mestrado apresentado à Banca Examinadora do Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Enfermagem. Linha de Pesquisa: Enfermagem na Atenção à Saúde da Mulher, do Adolescente e da Criança. Orientadora: Dra. Leila Rangel da Silva Rio de Janeiro Outubro 2009 3 S586 Silva, Raquel Faria da. Valores culturais que envolvem o cuidado materno ribeirinho : subsídios para a enfermagem / Raquel Faria da Silva, 2009. xi, 98f. Orientador: Leila Rangel da Silva. Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. 1. Enfermagem transcultural – Maués, AM. 2. Saúde maternoinfantil. 3. Cuidados em enfermagem – Planejamento. 4. Etnoenfermagem. 5. Enfermagem – Aspectos sociais. I. Silva, Leila Rangel da. II. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2003-). Centro de Ciências Biológicas e da Saúde. Curso de Mestrado em Enfermagem. III. Título. CDD – 610.7343 4 VALORES CULTURAIS QUE ENVOLVEM O CUIDADO MATERNO RIBEIRINHO: Subsídios para a Enfermagem RAQUEL FARIA DA SILVA Dissertação submetida à Banca Examinadora da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre. APROVADA POR: ________________________________________________________ Profª Drª Leila Rangel da Silva Presidente ________________________________________________________ Profª Drª Rachel Aisengart Menezes 1ª Examinadora ________________________________________________________ Profª Drª Florence Romijn Tocantins 2ª Examinadora ________________________________________________________ Profª Drª Rosangela da Silva Santos Suplente ________________________________________________________ Profª Drª Adriana Lemos Pereira Suplente Rio de Janeiro Outubro 2009 5 Orientadora Professora Doutora LEILA RANGEL DA SILVA Meu agradecimento sincero e especial. Pela orientação sempre presente, sincera e repleta de palavras sábias. Por acreditar nos meus objetivos desafiantes, oferecendo sempre seu incentivo e apoio. Por vezes ter sido um mastro no meu caminho conduzindo-me na construção de um ideal. Por me ensinar com exemplos o verdadeiro significado da palavra mestre. 6 Dedicatória Aos meus pais, meus maiores incentivadores, que sempre me deram suporte para continuar a caminhada. A minha mãe Rubenita pela sua força nos momentos mais precisos. E ao meu pai Fernando, que com seu exemplo de vida me ensinou a perseguir sonhos. Ao meu futuro esposo Danilo Lima, pelo seu amor e companheirismo que me serviu de estímulo para esta longa caminhada de pesquisas e viagens. 7 Agradecimentos Especiais A Deus, meu melhor amigo e Senhor, que iluminou meu caminho e abriu portas para que eu chegasse até aqui. Aos meus irmãos Fernanda, Nathalia e Yuri que com carinho e paciência, foram tão compreensivos nos períodos que precisei estar ausente para me dedicar à pesquisa. Aos meus avós Valdir e Nilda, pelo carinho com que me acolheram em seu lar durante o mestrado, sempre me dando apoio e incentivo. Às minhas tias Rose e Rubencita que tanto me estimularam nesta longa e desafiadora caminhada. 8 Agradecimentos: À querida Concon que me hospedou tão carinhosamente em seu lar ribeirinho durante a coleta de dados. Às mães ribeirinhas entrevistadas que tão generosamente abriram seus lares e vidas para a pesquisa. Aos líderes da comunidade que me autorizaram a viver e pesquisar na comunidade, e me apoiaram durante todo trabalho de campo. À Secretaria Municipal de Saúde de Maués que prontamente apoiou minha pesquisa, me oferecendo dados de saúde da comunidade. À Roberto e Ana María Fernández que prontamente auxiliaram na confecção e revisão do abstract e resumen. Ao filósofo e jornalista Paulo Roberto Marinho, que de maneira magnífica fez a revisão de português. Ao programa de Bolsas REUNI, que me possibilitou a dedicação integral à pesquisa e integração acadêmica. Ao corpo docente da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, pela oportunidade de aprendizado e crescimento profissional. Em especial aos professores: Inês, Cristiane, Selma, Maria Aparecida, Luiz Henrique, Florence, Adriana, Liliana e Wellington. À todos os colegas de turma pela troca constante de conhecimentos e solidariedade nos momentos difíceis. Em especial, agradeço às colegas de mestrado: Silvia e Cristina, que compartilharam mais de perto as minhas idéias. À Márcia, secretária da pós-graduação, Mestrado UNIRIO, pela presteza com que atendeu as minhas solicitações. Às minhas amigas Liz, Suzana e Amanda que tão de perto acompanharam minha caminhada, que tantas vezes ouviram e se interessaram pelo desenvolvimento da pesquisa. E a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, deram-me apoio, estímulo, incentivo, amizade e atenção. 9 “A vida é um processo de conhecimento; assim, se o objetivo é compreendêla, é necessário entender como os seres vivos conhecem o mundo.” Humberto Mariotti 10 SUMÁRIO RESUMO ABSTRACT RESUMEN CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO Objeto do Estudo Questões Norteadoras Objetivos do Estudo Justificativa e Relevância CAPÍTULO II – REFERÊNCIAL TEÓRICO Teoria do Cuidado Cultural Modelo de Sunrise Origens Filosóficas e Teóricas CAPÍTULO III - ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA Natureza do estudo Método de Etnoenfermagem Cenário do estudo Autorização da pesquisa Trabalho de campo Recrutamento Caracterização das depoentes Análise dos depoimentos CAPÍTULO IV – DISCUSSÃO DOS DADOS Categoria 1 – O cuidado materno ribeirinho – princípios e implicações para o cuidado 1.1. Cuidado dos filhos é cuidado materno: a realidade das mães ribeirinhas 1.2. O significado do cuidado materno para as mulheres ribeirinhas 1.3. As dificuldades do dia a dia no cuidado dos filhos ribeirinhos Categoria 2 – O cuidado dos filhos ribeirinhos – as práticas do cuidado materno 2.1. O cuidado materno no processo saúde-doença: a mãe atendendo a necessidades evidentes 2.2. O cuidado na alimentação e higiene dos filhos: a mãe atendendo a necessidades antecipadas CAPÍTULO V – CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APÊNDICES Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Guia de Observação, Participação e Reflexão Formulário do Perfil Sócio-Econômico-Cultural ANEXOS Autorização do Líder Comunitário Aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EEAN/HESFA ix x xi 1 4 4 4 5 6 6 7 9 12 12 12 12 14 15 19 20 43 49 50 51 53 56 61 62 70 79 87 91 92 93 94 95 96 97 11 SILVA, Raquel Faria da. VALORES CULTURAIS QUE ENVOLVEM O CUIDADO MATERNO RIBEIRINHO: Subsídios para a Enfermagem. Rio de Janeiro. 2009. 98 fls. xi Dissertação (mestrado em Enfermagem). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO RESUMO Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa tendo como objeto os valores culturais das mães ribeirinhas que influenciam no cuidado dos filhos. Seus objetivos foram: 1) Discutir os valores culturais das mães ribeirinhas e a sua influência no cuidado dos filhos; e 2) Propor decisões e ações do cuidado de enfermagem culturalmente coerente a realidade ribeirinha. O método utilizado foi o da etnoenfermagem utilizando como referencial teórico a Teoria do Cuidado Cultural de Madeleine Leininger. O cenário da pesquisa foi a comunidade ribeirinha Vila Nova Maringá, na cidade de Maués, Amazonas. As personagens foram 16 mulheres mães que vivem em comunidades ribeirinhas na cidade de Maués há mais de dez anos, maiores de 18 anos, responsáveis pelo cuidado de seus filhos. O período de coleta de dados foi de 17 de Julho a 27 de Agosto de 2008. Foram utilizados três capacitadores designados para facilitar a obtenção dos dados de etnoenfermagem: observação-participação-reflexão (OPR), formulário sócio-econômico-cultural e; entrevista semiestruturada. O guia do estudo foi o Modelo Sunrise, que serviu como mapa cognitivo. A análise dos depoimentos foi fundamentada na análise de dados da etnoenfermagem resultando em duas categorias: 1) O cuidado materno ribeirinho – princípios e implicações para o cuidado e; 2) O cuidado dos filhos ribeirinhos – as práticas do cuidado materno. A perspectiva transcultural adotada nesta investigação permitiu não só identificar características do contexto social e cultural do meio ribeirinho, mas projetar novas frentes para o trabalho do enfermeiro nas comunidades ribeirinhas. Os dados e situações levantados devem ser utilizados na promoção de uma assistência mais articulada, culturalmente pertinente e que respeite o saber popular das mães que cuidam de seus filhos. A etnoenfermagem, enquanto método unido aos preceitos da Teoria do Cuidado Cultural permitiu, no decorrer da pesquisa, a construção do conhecimento dos saberes e práticas do cuidado materno no contexto ribeirinho. Palavras-chave: enfermagem transcultural, saúde materno-infantil, cuidado, etnoenfermagem 12 SILVA, Raquel Faria da. CULTURE VALUES WHICH INVOLVE THE RIVERSIDE MATERNAL CARE: Subsidies for Nursing. Rio de Janeiro. 2009. 98 fls. xi. Dissertação (mestrado em Enfermagem). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO ABSTRACT This study is a descriptive and qualitative analysis which aims to observe how the riverside mother’s cultural values influence in the caring for their children. The main objectives of this research are as following: 1-To discuss how the cultural values of riverside mothers influence in their children’s upbringing; 2-To suggest possible policies that can help in the caring for these children from a nursing perspective that is consistent with the realities of this population. The methodology used in my analysis takes into consideration the Ethnonursing approach having as its theoretical basis the Culture Care Theory by Madeleine Leininger. This research was conducted among the riverside community of Vila Nova Maringá, located in the city of Maués, in the Amazon state. The study’s subjects include sixteen (16) mothers who lived in the riverside communities of Maués for more than ten (10) years. These women, who are older than eighteen (18), presently reside in the Vila Nova Maringá community and are their children’s primary caretakers. Data collection for the research took place between July 17 and August 27 of 2008. Three approaches were used in the process of Ethnonursing data collection: Observation-Participation-Reflection (OPR), a formulary for socioeconomic-cultural data collection, and semi-structured interviews. The study was based on the Sunrise model, which I used as a cognitive guide. The data analysis was performed according to the requirements of Ethnonursing methodology which result in two (2) categories: 1-The riverside maternal care – principles and implications for such care; 2-The caring of riverside children – practice of maternal care. The transcultural perspective adopted in my investigation not only allows for the identification of specific characteristics concerning the riverside’ socio-cultural context but it also points to possible new fronts for nurses’ work in the community. The data and results presented in this study should be utilized as a starting point in the promotion of a more contextualized assistance to this population which should take into consideration its widely held beliefs concerning child-care. The Ethnonursing approach, used in conjunction with the Cultural Care Theory, allowed for the accumulation of information regarding the beliefs, practices and maternal care of the subjects under consideration. Key-words: Transcultural nursing, maternal-child health, care, ethnonursing 13 SILVA, Raquel Faria da. VALORES CULTURALES RELACIONADOS CON EL CUIDADO MATERNO ENTRE LAS CULTURAS RIBEREÑAS: subsídios para la enfermería. Rio de Janeiro. 2009. 98 fls. xi Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO RESUMEN Este es un estudio descriptivo con enfoque cualitativo teniendo como objeto de estudio los valores culturales de las madres ribereñas que influyen en el cuidado de los hijos. Sus objetivos fueron: 1) Discutir los valores culturales de las madres ribereñas y su influencia en el cuidado de los hijos; y 2) Proponer decisiones y acciones del cuidado de enfermería culturalmente coherente a la realidad ribereña. El método utilizado fue la etnoenfermería utilizando como referencial teórico la Teoría del Cuidado Cultural de Madeleine Leininger. El escenario de la pesquisa fue la comunidad ribereña Vila Nova Maringá, en la ciudad de Maués, Amazonas. Las participantes fueron 16 mujeres madres que viven en comunidades ribereñas en la ciudad de Maués hace más de diez años, y actualmente residen en la comunidad Vila Nova Maringá, mayores de 18 años y responsables por el cuidado de sus hijos. El periodo de recolección de datos fue entre el 17 de Julio y el 27 de Agosto de 2008. Se utilizaron tres capacitadores designados para facilitar la obtención de los datos de etnoenfermería: Observación-Participación-Reflexión (OPR), Formulario socio-económico-cultural y Entrevista semi-estructurada. El guía del estudio fue el Modelo de Sunrise, que sirvió como mapa cognitivo. El análisis de los testimonios fue fundamentado en el análisis de datos de Etnoenfermería arrojando dos categorías: 1) El cuidado materno de madres ribereñas – principios y alcances para el cuidado y; 2) El cuidado de los hijos ribereños – las prácticas del cuidado materno. La perspectiva transcultural adoptada en esta investigación permitió no sólo identificar características del contexto social y cultural del ambiente ribereño, sino también proyectar nuevos frentes para el trabajo del enfermero en estas comunidades. Los datos y situaciones levantados deben ser utilizados en la promoción de una asistencia más articulada, culturalmente pertinente y que respete el saber popular de las madres que cuidan de sus hijos. La etnoenfermería, como método unido a los preceptos de la Teoría del Cuidado Cultural permitió, en el transcurrir de la investigación, la construcción del conocimiento de los saberes y prácticas del cuidado materno en el contexto ribereño. Palabras-llave: enfermería transcultural, salud materno-infantil, cuidado, etnoenfermería 14 CAPÍTULO I CONSIDERAÇÕES INICIAIS Meu interesse pela abordagem antropológica da realidade floresceu no primeiro período da graduação na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro (UNIRIO), em 2003. Na ocasião, as aulas ministradas na disciplina Antropologia Filosófica Aplicada à Enfermagem chamaram minha atenção para temas relacionados aos valores culturais e modos de vida do ser humano. Com os ensinamentos ali apreendidos e a leitura da literatura existente sobre o assunto – hábito adquirido nos anos subseqüentes – enriqueci minha formação acadêmica. Assim foi que estabeleci as devidas relações entre enfermagem e cultura e entendi que esta prática profissional (a enfermagem,) se define como uma profissão focalizada no fenômeno, nas atividades do cuidado e comportamento humano e suas variações determinadas pelo processo cultural (LEININGER & McFARLAND, 2006). Para compreender a relação cultura/enfermagem, é necessária uma discussão prévia do conceito de cultura – categoria permanentemente em construção - a partir de várias percepções antropológicas. Edward Tylor, em 1871, moldou um conceito que serve, ainda hoje, de pilar para os conceitos contemporâneos. De acordo com este autor, cultura é um todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade (LARAIA1, 2003). Já Madeleine Leininger, enfermeira e antropóloga, define cultura como os “valores, crenças, normas e modos de vida apreendidos, partilhados e transmitidos, que orientam o pensamento, decisões e ações, de modo padronizado e freqüente entre gerações.” (LEININGER & McFARLAND, 2006, p.16). Essas definições nos permitem concluir que a cultura pode ser vista como a lente com a qual o homem vê o mundo, ou seja, ela é um conjunto de princípios explícitos e implícitos herdados por indivíduos membros de uma sociedade, princípios esses que mostram aos indivíduos como ver o mundo que os cerca, como vivenciá-lo emocionalmente e como comportar-se nas relações (HELMAN, 2009). Admitindo-se que a cultura não é um conjunto de valores estáticos, depreende-se que qualquer sistema cultural está num processo de modificação, porque o ser humano, em sua totalidade, tem a capacidade de questionar os seus próprios atos e modificá-los, fenômeno que o leva a mudanças internas, resultantes da dinâmica do próprio sistema cultural (LARAIA, 2003). Ainda de acordo com Laraia (2003), a cultura também se faz dinâmica pela recepção das influências externas, resultantes do contato de um sistema cultural com outro, transformação que pode ser rápida e 1 Roque de Barros Laraia é antropólogo, professor emérito da UnB. Doutor pela USP, realizou pesquisas de campo entre os índios Suruí, Akuáa-Asurini, Kamayurá e Urubu-Kaapor (LARAIA, 2003). 15 brusca. Sabemos que a globalização – processo econômico e social que estabelece uma integração entre os países e as pessoas do mundo todo – impõe hoje uma constante troca de informações. Por isso, é quase impossível encontrar povos totalmente isolados e que não recebam nenhuma influência externa sobre sua cultura. Essas trocas, ou seja, a recepção, adaptação e mudança de valores culturais advindos de outras sociedades é um fenômeno constante, o que pode se chamar também de interculturalidade. (LARAIA, 2003). Durante a graduação em enfermagem tive a oportunidade de realizar algumas viagens e, assim, conviver em diferentes culturas. Nos quatro anos e meio de curso, entre 2003 e 2007, estive na Alemanha, Suíça e Estados Unidos, mas viajei também pelo Brasil, mais especificamente na Amazônia. Meus deslocamentos se deram por motivos diversos, como cursos de idiomas, trabalho ou férias. Essas experiências, em diferentes ambientes, permitiram-me observar as diversidades e universalidades do ser humano e seus modos de vida. Essa rica experiência despertou na então estudante um verdadeiro fascínio pela temática do cuidado dos filhos e os aspectos culturais nele contido. Em todas as sociedades onde estive, sem exceção, constatei como os valores culturais da mãe podem influenciar de modo direto o cuidado com os filhos. De todos os lugares onde estive, o ambiente que mais atraiu minha atenção pelos contrastes, por sua riqueza cultural, foi o município de Maués, localizado no estado da Amazonas, com mais de cem comunidades ribeirinhas. Minha primeira visita ao centro urbano e às comunidades ribeirinhas da cidade ocorreu em Julho de 2007. Foi possível observar claramente, neste contato inicial, os aspectos culturais influenciando o processo saúde-doença. Logo percebi, portanto, que o município era o espaço adequado para levantar a delicada questão da saúde materno-infantil, atrelada ao cuidado materno. Durante minha estadia no município, trabalhei na tradução inglês/português para uma equipe americana missionária que promoveu a distribuição de cestas básicas na cidade, além de óleo de gerador para um vilarejo ribeirinho e outros povoados. De uma forma geral, as comunidades ribeirinhas de Maués têm grande carência na assistência à saúde. Notadamente a comunidade ribeirinha Vila Nova Maringá, onde encontrei situações culturais que interferem na promoção e proteção à saúde, tais como o modo de preparo de alimentos, o desconhecimento sobre a concepção e dos métodos contraceptivos científicos (responsáveis pela alta incidência de gravidez na adolescência2) e a sexarca antes mesmo da criança virar adolescente. As causas do fenômeno são múltiplas e passam necessariamente pelos campos da cultura, da assistência de saúde e de políticas públicas. Em Vila Nova Maringá a personagem que atraiu mais minha atenção foi a mulher, não só pela forma particular como ela vive a sexualidade, a gestação e o parto mas, principalmente, pela maneira como cuida dos filhos. As mulheres da região vivem uma realidade muito diferente daquela 2 O Programa de Atenção à Saúde do Adolescente (PROSAD), do Ministério da Saúde, considera adolescência a faixa etária compreendida entre os 10 e 20 anos (BRASIL, 1996). 16 experimentada nos centros urbanos brasileiros, principalmente nos aspectos sócio-econômico e cultural. E são essas diferenças, sustenta Helman, que configuram um país de dimensão continental, com mulheres sob uma mesma bandeira, unidas pelo mesmo regime político, moeda e língua, mas tão distantes no seu modo de vida e valores (HELMAN, 2009). Nos grandes centros urbanos a maternidade ainda apresenta grande importância para a constituição da identidade feminina, com uma agregação de outros fatores que constituem a finalidade de existência da mulher, como o sucesso profissional e intelectual, a liberdade da sexualidade e sensualidade. De fato, a maternidade e o cuidado dos filhos têm assumido valores culturais diferentes no decorrer dos tempos e espaço. Isso ocorre principalmente nas sociedades ocidentais atuais, onde a mulher tem assumido mais tarefas, vivendo em dupla jornada e trabalhando fora. Além desses fatores, a mudança atual na criação das meninas tem resultado em mulheres que não desejam ser mães e mães que não se sentem preparadas, tornando problemática a escolha da maternidade para a mulher atual (GLAT, 1994). A realidade dos centros urbanos, no entanto, não é a regra nas regiões periféricas. Em espaços sociais como o de Vila Nova Maringá de Maués, por exemplo, a mulher tem o perfil de cuidadora abnegada de toda família, responsável quase que exclusivamente pelo cuidado dos filhos. Ali, é alto o número de mulheres multíparas, que iniciaram a sexarca e a maternidade entre a faixa etária de 10 e 20 anos, um período considerado adolescência pelo Programa de Atenção à Saúde do Adolescente (PROSAD) (BRASIL, 1996). Um primeiro olhar não nos permite detectar se essas mulheres desejavam a maternidade nesta idade. Mas assim que olhei pela primeira vez o cuidado materno, nesta comunidade ribeirinha, foi possível vislumbrar aspectos da vida humana transmitidos pelas mães aos filhos durante o cuidado – tais como as crenças, o comportamento, as percepções, emoções, linguagem, rituais, estrutura familiar, imagem corporal, conceitos de tempo e de espaço, atitudes frente à dor e doença, e a forma de alimentação. De acordo com Helman (2009), esses aspectos são influenciados pelos valores culturais maternos. É por meio do cuidado prestado aos filhos que a mãe, em algumas sociedades, representa o principal personagem de transmissão de valores culturais no desenvolvimento da criança na primeira infância. Depreende-se daí, portanto, que crescer em determinada sociedade é uma forma de enculturação na qual o indivíduo, aos poucos, adquire a lente pela qual enxerga o mundo e aprende a interagir nele. O cuidado em si é definido da seguinte maneira por Leininger: ação, atitudes e práticas para assistir ou ajudar outros no sentido da cura e do bem-estar. De onde se conclui que o cuidado é popular e praticado pelas mães aos filhos, ou seja, apreendido e transmitido de forma tradicional, local e popular (LEININGER & McFARLAND, 2006). A forma como essas mulheres cuidam de seus filhos, desde o desejo da maternidade às práticas de cuidado materno, pode parecer exótica aos olhos do profissional enfermeiro que sai de um centro urbano e vai assistir a população do interior. De acordo com Leininger, o enfermeiro é o profissional responsável 17 por interligar o saber científico aos procedimentos usados por essas mães no cuidado que prestam aos filhos. À luz destas categorias foi possível concluir o seguinte: é necessário um estudo sistemático dos aspectos culturais que envolvem o cuidado materno, na comunidade ribeirinha de Vila Nova Maringá. Só assim, o enfermeiro virá a ter uma visão mais holística e será capaz de oferecer uma prática profissional culturalmente embasada, sem choques culturais, conceituada, planejada e operacional, livre da imposição de valores e preconceito (LEININGER & McFARLAND, 2006). Entendendo que o cuidado dos filhos oferecido pelas mães tem determinantes culturais. E que estes fatores influenciam, de forma direta, o desenvolvimento da criança, merecem ser estudados para favorecer o cuidado profissional na área materno-infantil e constituem aspecto importante no campo de atuação da enfermagem, este estudo tem como objeto: “Valores culturais das mães ribeirinhas que influenciam no cuidado dos filhos”. Para dar forma ao estudo apresento a seguinte questão norteadora: Quais são os principais valores culturais da mãe que influenciam no cuidado dos filhos em Vila Nova Maringá, Maués –AM? Para desenvolver o tema foram traçados os seguintes objetivos: 1. Discutir os valores culturais das mães ribeirinhas e a sua influência no cuidado dos filhos. 2. Propor decisões e ações do cuidado de enfermagem culturalmente coerente à realidade ribeirinha. Para justificar este estudo cito a obra de Habayeb (1995). Este autor afirma que as discrepâncias nas definições surgem quando os enfermeiros não visualizam cada pessoa (incluindo a si mesmos) como tendo uma cultura, uma herança cultural e como sendo diferentes culturalmente. Acrescento ainda a necessidade de dar visibilidade a esta população isolada. À exemplo de centenas de outros municípios existentes em nosso País, Vila Nova Maringá necessita que o cuidado e a promoção da saúde sejam promovidos com coerência cultural e livres da imposição de valores ou preconceitos. O presente estudo está inscrito no Núcleo de Pesquisa, Estudos, Experimentação em Enfermagem na Área da Mulher e da Criança – NuPEEMC, do Departamento de Enfermagem Materno-infantil da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto / UNIRIO. Esta pesquisa, portanto, tem como objetivo fornecer subsídios para a renovação do conhecimento de ensino em Enfermagem na Área da Saúde da Mulher e da Criança. 18 CAPÍTULO II REFERENCIAL TEÓRICO Foi na metade da década de 1950, enquanto trabalhava em um centro de orientação infantil nos Estados Unidos da América com crianças com distúrbios mentais, de diversas origens culturais, que Madeleine Leininger, enfermeira e antropóloga, descobriu a importância da cultura para o cuidado de enfermagem. Ao longo dos anos e após vários estudos, ela compreendeu que o comportamento era culturalmente constituído e influenciado pela sua saúde mental (LEININGER & McFARLAND, 2006). A sua curiosidade e a falta de conhecimento do papel dos fatores culturais, na saúde física e mental, a conduziram ao estudo da antropologia, desenvolvendo assim, no campo da Enfermagem Transcultural, um foco comparativo que foi definido como: Sub-campo ou ramo da enfermagem que enfoca o estudo comparativo e a análise de culturas com respeito à enfermagem e as práticas de cuidados de saúde-doença, às crenças e aos valores, com a meta de proporcionar um serviço de atendimento de enfermagem significativo e eficaz para as pessoas de acordo com os seus valores culturais e seu contexto de saúde-doença (LEININGER & McFARLAND, 2006, p.16). Na literatura de Enfermagem Transcultural foram estudados, definidas sucintamente e para maior compreensão: cuidado; cultura; construção do cuidado genérico e profissional; cuidado genérico; cuidado profissional; fatores da estrutura social e cultural; etnohistória; contexto ambiental; visão de mundo; preservação e/ou manutenção do cuidado cultural, acomodação e/ou negociação do cuidado cultural e repadronização e/ou reestruturação; cuidado culturalmente coerente; diversidade do cuidado cultural; universalidade do cuidado cultural. Nos anos 50 e 60 muitas enfermeiras estavam limitadas ao estudo médico de doenças, sintomas e regimes de tratamento para muitas doenças. A enfermagem, assim, começava a se distanciar do seu foco primário do cuidado. A prática do enfermeiro era influenciada pela era do pós-guerra, período marcado pelo surgimento cada vez freqüente de novidades tecnológicas na área biomédica. Neste período, a maioria das enfermeiras se tornou ajudantes de médicos, distanciando-se do cuidado. No outro extremo está Leininger. Ela continua seu estudo da enfermagem junto à antropologia para criar uma teoria de enfermagem e a estruturação de uma identidade profissional (LEININGER & McFARLAND, 2006). Leininger publica então, em 1991, a Teoria do Cuidado Cultural. A autora considera que o cuidado ao ser humano é universal, isto é, o ser humano, para nascer, crescer, manter sua vida e morrer, precisa ser cuidado, porém cada cultura, de acordo com seu ambiente e estrutura social, terá sua própria visão de saúde, doença e cuidado (LEININGER & McFARLAND, 2006). O propósito da Teoria foi descobrir as Diversidades e Universalidades do ser humano, no contexto mundial, e os meios de prover o cuidado culturalmente coerente às pessoas de culturas diferentes (diversidade) ou semelhantes (universalidade). A finalidade é manter ou retornar o bem-estar (saúde), ou enfrentar a doença de modo culturalmente apropriado, tendo em vista que a saúde é o estado percebido ou 19 cognitivo de bem-estar, que capacita o indivíduo ou grupo a efetuar as atividades segundo os padrões desejados em determinada cultura. Esta última é constituída por valores, crenças e práticas compartilhadas, apreendidas ao longo das gerações (LEININGER & McFARLAND, 2006). Modelo de Sunrise E para ajudar o enfermeiro a reconhecer um mundo cultural de vida com diferentes forças ou influências das condições humanas e que precisam ser consideradas ou descobertas para prover o cuidado holístico, satisfatório e significativo para os indivíduos, os grupos ou as instituições, Madeleine Leininger criou o “Modelo de Sunrise” (figura 1). Por meio deste modelo, o enfermeiro levanta múltiplos fatores previstos para influenciar nas expressões do cuidado cultural e seus significados. Segundo Leininger & Mc Farland (2006, p.24): O sunrise serve como mapa cognitivo para descobrir os fatores embutidos e múltiplos relacionados à teoria, tendências e suposições com o domínio específico de inquirição sob estudo. Este diagrama visual leva o pesquisador a buscar amplamente vários fatores influenciando o cuidado dentro de qualquer cultura sob estudo. Nesse modelo são levantadas as forças/influências que, devidamente analisadas, propiciam o cuidado cultural. São elas: Dimensões da estrutura cultural e social, ou seja, fatores tecnológicos, religiosos, filosóficos, sociais, políticos, legais, econômicos, educacionais e modos de vida. Contexto do ambiente, situação ou experiência, interações sociais em lugares físicos, sócio-políticos que dão significado às expressões humanas. Sistema popular é o conhecimento popular, a experiência direta, visão sob ótica dos que vivem a cultura centralizada na pessoa. Sistema profissional trata da interpretação do vivido naquela cultura, descrevendo a perspectiva profissional (LEININGER & McFARLAND, 2006). Figura 1 – Modelo de Sunrise (LEININGER & McFARLAND, 2006) 20 Fonte: LEININGER & McFARLAND, 2006, p.25 No “Modelo de Sunrise”, a enfermagem se apresenta como a intercessão entre os sistemas populares e profissionais da área de saúde. O enfermeiro na promoção em saúde em geral ocupará o papel de cuidador direto, aquele que tem o maior contato com o cliente, realiza a ligação entre eles e os profissionais, um comunicador/educador. O resultado prático desse sistema interligado são as decisões e as ações do cuidado de enfermagem, e estão divididas em três propostas, levando em conta o modo de vida e as crenças compartilhadas: Preservação, Acomodação e Repadronização do Cuidado. Preservação constitui o cuidado já praticado por um indivíduo, família ou grupo, benéficos ou mesmo inócuos para a saúde. Acomodação são ações e decisões para assistir, dar suporte, facilitar as pessoas de uma determinada cultura a adaptar-se ou negociar com provedores de saúde profissionais. Repadronização são ações e decisões para facilitar, dar suporte, que ajudam indivíduos, grupos a reordenar, trocar ou em grande parte modificar seus modos de vida para o novo, o diferente, beneficiando os padrões de cuidado à saúde (LEININGER & McFARLAND, 2006). Ao utilizar o Modelo de Sunrise como um guia, os enfermeiros descobrem novas perspectivas sobre cuidado, procuram as diferenças e as semelhanças de uma cultura, um grupo, ou, individualmente. Origens Filosóficas e Teóricas 21 Para desenvolver a teoria aqui adotada usei a experiência adquirida como enfermeira teorista, o conhecimento antropológico e outras informações relevantes, sem a influência ou predominância de qualquer escola de idéias. Sabemos que Leninger (2006), ao se apropriar da definição de enfermagem como a profissão responsável pelo cuidado embasado cientificamente, teve seu pensamento desafiado pela complexidade dos seres humanos e seus diversos modos de viver culturais. A autora logo percebeu que essa diversidade seguramente influenciava a recepção do cuidado prestado. Por isso, ela sustentava que o modelo médico de enfoque nas doenças, alívio dos sintomas e condições patológicas era bastante estreito para uma disciplina do cuidado. A Teoria do Cuidado Cultural, por isso, tinha não só que ser ampla e holística, mas possuir uma cultura específica, com pesquisa baseada no conhecimento, de maneira a transformar a enfermagem e a medicina tradicionais (LEININGER & McFARLAND, 2006). Ao desenvolver a teoria, quatro tendências importantes foram conceituadas e formuladas com a Teoria do Cuidado Cultural: 1. Expressões do cuidado cultural, significado, padrões e práticas são vários e ainda há alguns atributos universais comuns compartilhados. 2. A visão de mundo, fatores múltiplos de estrutura social, etnohistória, contexto ambiental, língua e cuidado profissional e popular, são influências críticas dos padrões de cuidado cultural para predizer a saúde, bem-estar, doença, cura, e modos para as pessoas enfrentarem as deficiências e a morte. 3. Os fatores genéricos emic (popular) e etic (profissional da saúde) em diferentes contextos ambientais influenciam grandemente a saúde e a doença em seus resultados. 4. De uma análise de influenciadores acima – emic e etic – três ações principais e guias de decisões foram previstos para os modos de prestar um saudável cuidado, culturalmente congruente e significativo. As três ações baseadas culturalmente e modos de decisão foram: a) preservação e/ou manutenção do cuidado cultural, b) acomodação e/ou negociação do cuidado cultural, c) repadronização e/ou reestruturação do cuidado cultural. A decisão e outros modos de ação baseados no cuidado cultural foram fatores-chave previstos para o cuidado congruente e significativo. Os fatores individual, familiar, grupal ou comunitário foram acessados e respondidos para um relacionamento dinâmico e participativo enfermeira-cliente (LEININGER 1991, LEININGER & McFARLAND, 2002, 2006). Essas tendências acima citadas conduzem a ganchos de suposições teóricas que fazem a teoria ser utilizada em culturas ocidentais e orientais, através do tempo e em diferentes regiões geográficas, como Vila Nova Maringá, a comunidade ribeirinha proposta no presente estudo. Gostaria de citar algumas delas, que considero de grande importância para o estudo dos aspectos culturais que envolvem o cuidado materno: 1. O cuidado é a essência central e dominante, distinta e unificante dos focos de enfermagem. 2. O cuidado cultural é a síntese de duas principais construções que orientam o pesquisador a descobrir, explicar e considerar, para a saúde, o bem-estar, expressões de cuidado e outras condições humanas. 3. Os valores do cuidado cultural, crenças e práticas são influenciados e embutidos na visão de mundo, fatores de estrutura social (religião, filosofia de vida, parentesco, política, economia, educação, tecnologia e valores culturais) e os contextos etnohistóricos e ambientais. 4. O cuidado culturalmente congruente e terapêutico ocorre quando os valores de cuidado cultural, crença, expressões e padrões são explicitamente conhecidos e usados apropriadamente, sensível e significativamente com as pessoas de culturas diversas ou semelhantes. 22 5. Os métodos da pesquisa qualitativa oferecem meios importantes para que se descubra os valores embutidos, tais como a cobertura, o epistêmico e o ontológico cuidado cultural, conhecimento e práticas (LEININGER 1991, LEININGER & McFARLAND, 2002, 2006). O cuidado cultural é a mais ampla, mais compreensiva, holística e universal teoria para a descoberta de um novo conhecimento capaz de ajudar pessoas de diversas culturas. A teoria é grande em extensão e explora muitos aspectos do cuidado com representações individuais de uma cultura com o passar do tempo (LEININGER & McFARLAND, 2006). De acordo com Silva (2007), a Teoria do Cuidado Cultural tem sido utilizada com freqüência no Brasil nas pesquisas de enfermagem. Desde 1993, assinala a autora, há uma progressão considerável no quantitativo de pesquisas que utilizam a teoria, a maioria delas na área materno-infantil. Dentre as pesquisas brasileiras na área de enfermagem materno-infantil, vale destacar o artigo de Bezerra e Cardoso (2005) a respeito dos fatores culturais que interferem nas experiências das mulheres durante o trabalho de parto. Esses autores se basearam nas descrições e observações registradas em diário de campo das falas das gestantes a respeito dos valores que interferem no parto. A intenção de fundamentar os achados do estudo foi identificar os significados contextuais e culturais, relacionando-os com as experiências vivenciadas pelas informantes-chaves, utilizando os fatores influenciadores da Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural. A pesquisa mostra que, por meio do diálogo com a mulher gestante, é possível levantar dados essenciais para um cuidado coerente com a realidade. Durante a prática assistencial constatei a importância de observar, conhecer e respeitar os valores culturais dos clientes. Procurei, então, promover ações práticas de enfermagem de modo que o cliente compreendesse e recebesse o cuidado de modo benéfico e coerente com sua cultura. Percebi, enquanto enfermeira, que a imposição da prática prescrita e formatada na assistência de enfermagem não é aceita quando a população se opõe a um valor cultural diferente de uma prática de cuidado experimentada ao longo de gerações. No cuidado materno-infantil a relação mãe-filho é rica e ilustra bem a influência dos valores culturais maternos desde a gestação. Percebe-se não só como a mãe enxerga a gravidez e a vivencia e o cuidado prestado aos filhos, mas como elas são influenciadas pelo saber popular da família e/ou sociedade. E como essa influência se reflete na prática da alimentação, no cuidado diante do processo saúde e doença, entre outras. Foi por meio da Teoria do Cuidado Cultural que levantei as dimensões da estrutura sociocultural das mulheres ribeirinhas e conheci melhor o meio em que vivem, seu modo de vida, crenças e valores, entendendo, assim, como as mulheres cuidam de seus filhos à luz dos saberes populares. 23 CAPÍTULO III ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA Trata-se de um estudo descritivo de natureza qualitativa. Nas palavras de Minayo (2006, p.34), esse tipo de pesquisa se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, trabalhase com “o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variações”. O método utilizado é o da etnoenfermagem, que é uma ferramenta rigorosa, sistemática e profunda para o estudo de múltiplas culturas. Essa metodologia foi primeiramente concebida para se adaptar às tendências e ao objetivo da Teoria do Cuidado Cultural. A habilidade em compreender e usar a etnoenfermagem focalizará em significados de cuidado e experiências de vida (LEININGER & McFARLAND, 2006). Este método foi formulado de modo que o pesquisador pudesse descobrir tanto os macros quanto os micros fenômenos, dependendo do domínio da investigação estabelecida pelo pesquisador dentro das tendências da Teoria do Cuidado Cultural. Esse instrumento capacita o profissional a descobrir a diferença entre o cuidado genérico ou nativo popular, aprendido informalmente do conhecimento ribeirinho, do conhecimento profissional de enfermagem, aprendido formalmente nos sistemas educacionais, em diversas culturas (LEININGER & McFARLAND, 2006). O CAMINHO METODOLÓGICO Cenário do estudo O cenário de estudo é a comunidade ribeirinha Vila Nova Maringá, situada na cidade de Maués, no estado do Amazonas (Vide Mapa 01 abaixo). Fundada em 1833, Maués está situada às margens do rio Maués-açu e é conhecida como “cidade do guaraná” porque os seus primeiros habitantes, os índios mundurucus e maués, já cultivavam essa planta nativa da região. Distante da capital do estado 267 km em linha reta e 356 km por via fluvial, a localidade ocupa uma área de aproximadamente 39.988 km² (IBGE, 2007), sendo limitada, ao norte, pelos municípios de Boa Vista do Ramos e Barrerinha e, ao sul, pelos municípios de Itacoatiara, Nova Olinda do Norte e Borba. Figura 02 – cidade de Maués, Amazonas 24 Destaco que a pequena cidade de Maués tem um povo alegre e hospitaleiro, com biotipo predominantemente indígena. A população espelha a mais pura expressão da cultura amazônica, preservando, em seu modo de ser, sua culinária, suas lendas e o orgulho de serem filhos da terra do guaraná. Maués conta com uma boa infra-estrutura em sua área urbana e está acima do padrão regional encontrado no interior amazônico, pois o centro urbano da cidade dispõe de aeroporto, porto fluvial, três agências bancárias, energia elétrica 24 horas, serviço de telefone convencional e celular, correios, postos de saúde, hospital com plantão 24 horas, pequenos hotéis e pousadas, restaurantes, bares e várias opções de lazer. O município apresenta uma população de 47.020 habitantes (IBGE, 2007), distribuídos em seus principais núcleos urbanos (na sede municipal, as vilas e as comunidades rurais). A zona rural conta com uma população de 20.178 habitantes (43%), distribuídos em 170 comunidades ribeirinhas. O clima é úmido, com chuvas de janeiro a julho, altitude de 25m em relação ao nível do mar e temperatura média de 29ºC. Sua economia é baseada no turismo, pecuária, agricultura e pesca. Vila Nova Maringá é uma das comunidades ribeirinhas do município de Maués, situada no Pólo 2 3 da Secretaria Municipal de Saúde, às margens do rio Parauari e a cerca de 10 horas de barco da área urbana. Sua população está distribuída por 42 famílias, das quais 18 delas vivem na vila da comunidade. As restantes moram na mata e cultivam predominantemente a mandioca para a fabricação da farinha. A vila possui uma rua de chão de barro, onde as casas e a escola municipal de ensino fundamental estão alinhadas lado a lado à frente do rio. A localidade conta com postes de madeira que transmitem energia às casas no horário entre 19h e 22h todos os dias. A água vem de um poço artesanal e é retirada por meio de uma bomba manual ou do rio. Dentre os 173 habitantes da comunidade, uma média de 09 pessoas por família, 50% tem idade entre 29 dias e 14 anos (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, 2008). 3 A Secretaria Municipal de Saúde agrupa as comunidades em pólos, por proximidades e/ou rio em comum. O pólo 2 é composto por comunidades ribeirinhas ao rio Parauari. 25 Segundo um de seus fundadores, Vila Nova Maringá foi formada há cerca de 27 anos, por familiares oriundos do garimpo do rio Amana, que migraram para o rio Parauari incentivados pela terra “preta” existente no local, que é ótima para o cultivo. Outras motivações foram a fuga da Malária, epidêmica na região do rio Amaná – próximo à comunidade – e a necessidade de criar uma comunidade onde fosse possível fundar uma escola voltada para a alfabetização dos filhos. Figura 03 – Comunidade Vila Nova Maringá Foto autorizada Autorização da Pesquisa Inicialmente, o projeto de pesquisa foi encaminhado ao líder comunitário local, para que ele autorizasse sua realização com as mães da comunidade (Anexo 1), e ao Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem Anna Nery / Hospital Escola São Francisco de Assis (EEAN/HESFA), com registro da pesquisa no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), atendendo a Resolução n˚196/96, do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre as Diretrizes e Normas Regulamentares de Pesquisa com Seres Humanos. O projeto foi aprovado sem ressalvas (Anexo 2) pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EEAN/HESFA, sob o protocolo n° 54/08. Na primeira abordagem as mulheres foram informadas sobre o objetivo da pesquisa. Na medida em que elas aceitavam participar das entrevistas, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice 1) era apresentado e lido em conjunto com as mulheres. Foi garantido o sigilo e anonimato, e só após a assinatura e/ou impressão digital para depoentes analfabetas, foram iniciadas as entrevistas que foram gravadas em MP3. As entrevistas serão guardadas por cinco (05) anos e destruídas após esse período. A fim de assegurar a privacidade das depoentes substituí os nomes das 16 mulheres participantes do estudo, por codinomes indígenas de língua Tupi ou Guarani, justificando-se a terminologia adotada pela origem indígena da cidade de Maués. Quadro 01: Codinome das mulheres e seus significados Nome Moema Iracema Iaciara Maiara Yara Origem Guarani Tupi Tupi Tupi Tupi 26 Cunhapora Jurema Janaina Tinga Japira Apuã Jaciaba Potira Garaciaba Irani Piatã Fonte: Entrevistas Guarani Tupi Tupi Tupi Tupi Tupi Tupi Tupi Tupi Tupi Tupi Trabalho de Campo Segundo Madeleine Leininger, a maioria dos estudos de etnoenfermagem usualmente cobre um período de tempo, que vai depender do escopo do domínio de inquirição – o cuidado materno – e se o pesquisador deseja dirigir um estudo através do tempo (Leininger & McFarland, 2006). A comunidade investigada não me era estranha. Um ano antes da coleta de dados, no mês de Julho de 2007, eu participara de projetos de ajuda humanitária4 em diversas comunidades ribeirinhas de Maués, inclusive em Vila Nova Maringá. O desenvolvimento da pesquisa levou-me a retornar a esta comunidade no ano de 2008. A coleta de dados demandou um período de quarenta dias, de 17 de Julho a 27 de Agosto de 2008, durante os quais convivi intensamente com a comunidade ribeirinha. Minha permanência na comunidade para desenvolver a pesquisa facilitou o levantamento dos dados, já que o convívio com a população acaba transformando o pesquisador num amigo da comunidade, parte de seu contexto natural e da vida ambiental dos ribeirinhos. Mas, não é só o convívio na comunidade que viabiliza a utilização da etnoenfermagem como método de pesquisa. É necessário também que o pesquisador desenvolva os capacitadores (facilitadores) para que eles, familiarizados com os métodos e instrumentos usados na coleta de dados, auxiliem na investigação sobre cultura e o cuidado materno. Os capacitadores, como o nome indica, facilitam a troca de idéias e a transformam num procedimento casual e natural. Na prática, eles (os capacitadores) são os meios por meio dos quais a pesquisa levanta dados e analisa as principais tendências da teoria e do domínio da inquirição. Novos dados obtidos de informantes naturalísticos (meios grandemente informais) são também procurados sem que o pesquisador controle as visões dos informantes. Estes últimos são encorajados a serem abertos e espontâneos ao partilhar seu conhecimento. O pesquisador encoraja os informantes a contar suas histórias e experiências de vida (LEININGER & McFARLAND, 2006). 4 As ajudas humanitárias foram a distribuição de alimentos e óleo para gerador, e o atendimento de enfermagem nas comunidades. 27 Foram utilizados três capacitadores designados para facilitar a obtenção dos dados de etnoenfermagem nesta investigação: 1) Observação-Participação-Reflexão (OPR); 2) Formulário sócioeconômico-cultural e; 3) Entrevista semi-estruturada. O guia de estudo utilizado foi o Modelo Sunrise, que serve também como um mapa cognitivo que cobre os principais componentes da Teoria enquanto coleta e analisa os resultados. O tempo designado para a pesquisa de etnoenfermagem na comunidade foi suficiente para a coleta de todos os dados pertinentes aos capacitadores. A OPR (Observação-Participação-Reflexão) foi utilizada com a finalidade de obter acesso à comunidade, explorar o contexto, conhecer o modo de vida das mulheres ribeirinhas de Vila Nova Maringá, Maués - AM e como elas cuidam dos seus filhos. Procurou-se, assim, manter com as entrevistadas um relacionamento de confiança. Utilizei para este estudo as quatro fases do Capacitador Observação, Participação e Reflexão (OPR) em etnoenfermagem de Leininger, que pode ser observado no Quadro 02. Quadro 02 – As Quatro Fases da Observação – Participação e Reflexão Fases 1 Observação & Ação ativa de ouvir (sem participação ativa). 2 Observação com participação limitada. 3 Participação com observações continuadas. 4 Reflexão e reconfirmação de resultados com os informantes. Fonte: Leininger e McFarland, 2006 Na Fase 1 – Observação & Ação Ativa de Ouvir, o pesquisador concentra-se nas observações. Observar e escutar são aspectos essenciais. O observador busca obter uma visão ampla da situação e, gradualmente, faz observações detalhadas. É essencial que seja reservado algum tempo para a documentação detalhada das observações, antes que haja interação ou participação mais direta com as pessoas, pois isto permite verificar o que está ocorrendo antes que a situação seja influenciada pela participação de um estranho. Nesta fase, o observador é também observado e testado pelos informantes (LEININGER & McFARLAND, 2006). Na Fase 2 – Observação com Participação Limitada, a observação é contínua, mas alguma participação ocorre. O pesquisador começa a interagir mais com as pessoas e observa suas respostas (LEININGER & McFARLAND, 2006). Na Fase 3 – Participação com Observações Continuadas, o pesquisador torna-se um participante nas atividades dos informantes, ficando difícil fazer observações detalhadas de todos os aspectos. Ele desenvolve vários níveis de participação para aprender com as pessoas, sentir e experimentar através do envolvimento direto nas atividades. É importante, porém, que se mantenha sempre como observador atento, embora isto ocorra com menos intensidade (LEININGER & McFARLAND, 2006). Na Fase 4 – Reflexão e Reconfirmação de Resultado com os Informantes, o pesquisador faz observações reflexivas para determinar o impacto dos eventos, ou dos acontecimentos na vida das pessoas. Observação reflexiva significa “olhar para trás”, relembrar como se desenvolveu todo o processo 28 e avaliar como as pessoas respondem ao pesquisador. Isto auxilia o pesquisador a complementar a influência sofrida e a exercida nas pessoas. Representa uma síntese de todo processo de forma seqüencial e particular, para obter uma visão global (LEININGER & McFARLAND, 2006). Para a coleta de dados foi utilizado um Guia de Observação, Participação e Reflexão (OPR) (Apêndice 2), o mesmo utilizado por Leininger (2006) quando realizou sua primeira pesquisa com os Gadsup Akunan na Nova Guiné na década de 60. O Guia foi utilizado durante todo o período na comunidade para a coleta de dados com o objetivo de conhecer a visão de mundo a partir da estrutura cultural e social e os fatores tecnológicos, religiosos e filosóficos, sociais, modos de vida, políticos e legais, econômicos e educacionais (Vide Modelo de Sunrise – Figura 1) que podem influenciar no padrão do cuidado materno. Para o diário de campo, utilizei um bloco para registrar as anotações dos dados levantados pelo Guia OPR ao longo dos dias na comunidade. Todas as noites, após as entrevistas, as anotações eram feitas no Guia de Observação, Participação e Reflexão. A fase de observação foi realizada num período de 23 dias, a partir do segundo dia de Observação exclusiva foi iniciada a Participação. As Fases 2 e 3 foram dedicadas ao início da Reflexão, que teve duração de 16 dias. No total, portanto, a OPR demandou 40 dias de envolvimento efetivo com a comunidade. O Formulário do Perfil sócio-econômico-cultural (Apêndice 3) e Entrevista semi-estruturada foram os dois instrumentos utilizados respectivamente durante as entrevistas. O primeiro instrumento – Formulário do Perfil Sócio-Econômico-Cultural tem por objetivo certificar os dados levantados na OPR, e delinear os fatores contidos nas dimensões da estrutura social, econômica e cultural do Modelo de Sunrise (Figura 1). O Formulário contém perguntas em linguagem simples e acessível, adaptadas para a realidade sócio-educacional dos sujeitos da pesquisa. Para levantar os depoimentos, conhecer o dia a dia das mulheres ribeirinhas e os valores que influenciam o cuidado que prestam aos filhos foi utilizada a entrevista semi-estruturada, com uma pergunta norteadora com o seguinte tema: “Você pode me falar sobre a sua história de vida e como foi e é o cuidar dos seus filhos?”. Durante as entrevistas foi utilizado um roteiro para acompanhar os depoimentos, com as seguintes temáticas: o parto; a primeira gestação; o responsável pelo cuidado; o que significa cuidado; a alimentação dos filhos; a higiene dos filhos; atitudes frente ao processo saúde-doença. Em alguns casos as temáticas propostas no roteiro da entrevista não foram explicitadas pelas mulheres, a partir da pergunta norteadora somente. Quando isso aconteceu, perguntas foram elaboradas com novos enunciados, a cerca das temáticas do roteiro de entrevista. Segundo Gil (2008), a entrevista semi-estruturada é guiada por uma relação de questões de interesse, tal como um roteiro, que o investigador vai explorando ao longo de seu desenvolvimento. As entrevistas foram realizadas em local reservado escolhido pelas mulheres na própria comunidade, de modo a favorecer o diálogo. A maioria das mulheres preferiu ambientes distantes de suas 29 casas – como a beira do rio, a mata ou a área próxima a casa em que estava hospedada – para evitar a interferência dos filhos e ter privacidade. A literatura sobre pesquisas de etnoenfermagem indica que o pesquisador que limita o tempo gasto com os informantes – uma ou duas sessões – corre o risco de coletar dados não confiáveis ou inexatos. Por isso não houve limitação de tempo nas entrevistas que fiz em Vila Nova Maringá. Fiquei sempre à disposição das mulheres durante o período em que permaneci naquela comunidade ribeirinha. As entrevistas foram realizadas individualmente com as dezesseis mulheres, no período da manhã, tarde ou noite. A finalidade foi obter os dados a fundo, significados plenos, interpretações e outros aspectos que estão embutidos, muitas vezes, em vários fatores da estrutura social e em diferentes experiências de cuidado humano. Durante esses encontros ocorriam as entrevistas e a coleta de dados da OPR e Formulário (LEININGER & MCFARLAND, 2006). Foram realizadas 16 entrevistas, em dez dias exclusivos para coleta de dados, com no mínimo três encontros com as mulheres. Cada encontro durou no mínimo uma hora, atividade que totalizou 622 minutos de gravação e 243 folhas de transcrição, digitadas em espaço duplo para facilitar, posteriormente, a marcação no texto. A duração das entrevistas variou de 20 a 90 minutos. Recrutamento O primeiro passo para o recrutamento foi a realização de uma reunião com o coordenador da comunidade, para a divulgação da pesquisa e esclarecimento de dúvidas. Assim que a liderança local aceitou o projeto, iniciamos as visitas às residências do universo pesquisado. As visitas a todas as casas da vila foram acompanhadas pela professora local que me introduziu na comunidade. Durante as visitas conheci as mulheres e suas famílias, expliquei a pesquisa, solicitei a participação delas e agendei a entrevista. O tempo gasto para visitar as 18 casas da vila da comunidade e recrutar os sujeitos do estudo foi de um dia. Os critérios de inclusão da pesquisa foram: mães que vivem em comunidades ribeirinhas na cidade de Maués há mais de dez anos, e que atualmente residem em Vila Nova Maringá; mães com idade acima de 18 anos; mães responsáveis pelo cuidado dos filhos; e que a partir do convite quiseram participar do estudo ao assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido. Já o critério de exclusão deixou de fora as mães que delegam o cuidado dos filhos a outras pessoas. Ao todo foram abordadas 19 mulheres – das quais 16 atenderam aos critérios de inclusão da pesquisa. Nesta amostra de 16 mulheres foi possível levantar as informantes-chaves e informantes-gerais, de acordo com o método de etnoenfermagem. Os informantes-chaves são os mais conhecedores da inquirição escolhida pelo enfermeiro e, usualmente, são interessados em participar da pesquisa; em contraste, os informantes gerais usualmente não são profundos conhecedores do assunto, mas têm idéias gerais sobre o domínio e querem partilhar seu conhecimento (LEININGER & McFARLAND, 2006). 30 Os mesmos autores aprofundam a questão. Como os valores culturais, dizem eles, mudam com as gerações, é importante termos no estudo um escopo de depoentes com informantes-chaves de uma mesma geração e informantes-gerais de gerações diferentes. Essa variedade proporciona comparações que enriquecem o estudo etnográfico, na temática dos aspectos culturais que envolvem o cuidado dos filhos. As informantes-chaves foram recrutadas de modo a atender a necessidade de termos mulheres de uma mesma geração, com idade entre 18 e 28 anos, totalizando 05 informantes-chaves e 11 informantes-gerais com idades acima de 29 anos. Como a pesquisa foi realizada em uma comunidade pequena, temos um estudo mini de etnoenfermagem, necessitando apenas de 6 a 8 informantes-chaves e 12 a 16 informantes-gerais. Pelo tamanho da comunidade atendemos a taxa de 1:2, que é a regra geral a seguir para informantes-chaves a gerais, com três a cinco sessões com as primeiras e uma sessão com os últimos. Devido ao fato de ter um cenário relativamente pequeno consegui levantar 05 informantes-chaves e 11 informantes-gerais, totalizando 16 mães moradoras da comunidade ribeirinha Vila Nova Maringá, em Maués – AM. Alem das depoentes, foi convidado um dos fundadores da comunidade, atual líder comunitário, para contar como se deu a formação de Vila Nova Maringá. Caracterização das depoentes Para facilitar a compreensão do leitor, os dados de identificação, assim como os fatores da estrutura cultural e social (Vide Modelo de Sunrise – Figura 1) das mulheres foram pinçados dos formulários e OPR e distribuídos nos quadros a seguir. No Quadro 03 é apresentada a caracterização das 16 mulheres entrevistadas. Nos Quadros 04 a 09 são apresentados dados referentes à estrutura cultural e social, permeando os fatores tecnológicos, de religião e filosofia, companheirismo e social, valores culturais e modos de vida, econômicos e educacionais. Essas informações detalham, assim, o perfil sócioeconômico-cultural dessas mulheres. Já os fatores políticos e legais serão apresentados neste trabalho em forma de parágrafo. Dos Quadros 03 a 09 a fonte das informações foi o formulário do perfil sócio-econômico-cultural colhidos nas entrevistas com as mulheres. Nos Quadros 10, 11 e 12 apresentamos dados da OPR (Observação, Participação, Reflexão), baseados na minha vivência na comunidade enquanto pesquisadora. Essas informações também caracterizam a comunidade e a vida das mulheres ribeirinhas. 31 Quadro 03: Caracterização das Mulheres Ribeirinhas Depoentes Idade (anos) Naturalidade IdadeM (em anos) Nº de filhos vivos Nº de filhos mortos Abortos Moema 45 OP 26 02 - - Iracema 36 RP 14 08 02 - Iaciara 20 RA 17 01 - - Maiara 37 RA 23 05 01 01 Yara 18 VNM 15 01 - - Cunhapora 46 FT 16 04 - 01 Jurema 40 RP 15 10 02 02 Janaina 63 RA 20 08 03 - Tinga 36 RA 17 04 - - Japira 39 RA 14 08 03 01 Apuã 19 RP 18 01 - - Jaciaba 38 RP 15 07 03 01 Potira 20 VNM 15 02 - - Garaciaba 26 RA 13 07 01 - Irani 39 VD 20 03 - - Piatã 45 RA 16 09 02 01 Fonte: Questionário do perfil sócio-econômico-cultural Legenda: M: Idade das mulheres quando tiveram o primeiro filho; N°: número A comunidade tem 27 anos de vida, e onze (11) mulheres residem em Vila Nova Maringá há mais de dez anos e 05 mulheres moram na localidade há exatamente três anos. Todas as mulheres, no entanto, vivem há mais de dez anos em comunidades ribeirinhas, conforme descrito no Quadro 03. Dentre as 16 mulheres, 01 é natural de Fortaleza (Ceará) e outra procede de Ouro Preto (Minas Gerais). As 14 restantes são naturais de comunidades e vilas ribeirinhas da cidade de Maués. Mas, apenas 02 são naturais da Comunidade Ribeirinha Vila Nova Maringá e as 12 restantes nasceram em comunidades e vilas ribeirinhas do mesmo rio Parauari ou Amaná (que é um de seus afluentes). A idade das mulheres que participaram do estudo variou entre 18 e 63 anos. Podemos verificar a presença de três gerações de mulheres no estudo: 05 mulheres com idade entre 18 e 29 anos, 10 mulheres com idade entre 36 e 46 anos e 01 mulher com 63 anos. A diferença de idades é de grande valia para a pesquisa, já que, a cada geração, é possível vislumbrar mudanças culturais em uma sociedade (LARAIA, 2003). Durante a pesquisa, encontrei 02 mulheres grávidas do segundo filho, com idade de 18 e 20 anos. Dentre as 16 mulheres entrevistadas, 08 são grandes multíparas, com 05 a 10 filhos. Esse fenômeno, aliás, é comum nas regiões do interior do Brasil (CHAMILCO, 2004). 32 Dos 97 filhos levantados no universo pesquisado, 17 deles morreram na infância. De acordo com os depoimentos das mães, as causas das mortes foram diversas e incluíram desde casos de desidratação até malária. Os sete (07) abortos, foram declarados como espontâneos, ou seja, não provocado. Uma (01) mulher declarou ter provocado o processo abortivo, mas não conseguiu expelir o feto. Para promover um estudo em etnoenfermagem é necessário levantar não somente dados ginecoobstétricos interessantes ao domínio de inquirição – cuidado de filhos – mas também fatores da dimensão sócio-cultural sugeridos pelo Modelo de Sunrise. Identificar esses fatores implica em conhecer a cultura da depoente e seu meio social. O estudo dessas particularidades é importante - notadamente no cuidado materno objeto deste estudo - pois o meio e a cultura influenciam diretamente nos padrões de cuidado e expressão de saúde (LEININGER & McFARLAND, 2006). O primeiro fator a ser levantado é o tecnológico. Para observar a tecnologia em uma comunidade ribeirinha é necessário conhecer o meio social onde essas pessoas vivem e o que é considerado tecnológico para esta comunidade. Levanto a seguir quatro aspectos importantes de tecnologia necessários e algumas vezes comuns em meios ribeirinhos. Um deles é a luz na residência – energia elétrica. Na maioria das vezes, este serviço, no meio ribeirinho, é gerado por geradores a óleo. A água, outra necessidade básica, é retirada de um poço ou do próprio rio. Essa precariedade influi diretamente na saúde da população, principalmente quando se trata das crianças ribeirinhas. Outro serviço essencial é o meio de transporte, utilizado para caça, pesca e como meio de ir à assistência hospitalar no centro urbano. Por último, alinhavamos os eletrodomésticos e eletroeletrônicos e constatamos que ao menos um desses eletrônicos – principalmente rádio e/ou TV – está presente nas casas ribeirinhas de Vila Nova Maringá. Esses fatores tecnológicos são apresentados respectivamente no Quadro 04, distribuídos por cada depoente do estudo. Quadro 04: Fatores Tecnológicos Depoentes Luz na residência P NP Moema X Iracema X Iaciara X Água utilizada rio poço X X Meio de transporte canoa rabeta barco X X X Eletrodoméstico e eletroeletrônicos NP X X Fo R T D V M X X X X X X X X X X X X L B Fe X X 33 Maiara X X X Yara X X X Cunhapora X X X Jurema X X X Janaina X X X Tinga X Japira X Apuã X Potira X Garaciaba X Irani X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X X Jaciaba Piatã X X X X X X X X X X Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural Legenda: P: possui; NP: não possui; Fo: fogão; R: rádio; T: TV; D: DVD; V: ventilador; M: maquina de lavar roupas; L: liquidificador; B: Batedeira; Fe: ferro Dispor de energia elétrica na residência é um importante indicativo de fator tecnológico em uma sociedade. Como a comunidade Vila Nova Maringá não tem energia elétrica fornecida pela Companhia Energética do Amazonas (CEAM), a energia de que a comunidade dispõe é suprida por meio de gerador movido a óleo. Todas as noites, entre sete e dez horas, o equipamento é ligado para as aulas noturnas e, neste mesmo período, a energia também é fornecida às residências. Como vimos no Quadro 04, 18.8% (03) das mulheres não recebem energia em suas casas durante esse período noturno. Muito embora a energia do gerador seja disponibilizada a toda comunidade, algumas mulheres não têm acesso a este serviço ou por falta de condições financeiras da família ou carência de pessoal qualificado para estender a fiação elétrica até suas casas. Figura 04 – postes de energia em Vila Nova Maringá 34 Foto autorizada Outro fator importante a ser analisado é a origem da água utilizada para a alimentação. Este fator tecnológico influencia de forma direta a promoção da saúde da população ribeirinha. Embora exista um poço na comunidade, apenas as mulheres que moram próximas se beneficiam desta fonte. Assim, 62.5% (10) das mulheres entrevistadas utilizam a água do rio para a preparação dos alimentos. As dez (10) mulheres que mencionaram utilizar a água do rio para preparar os alimentos, demonstraram algum cuidado com a água, ainda que a precaução seja empírica. Oito (08) delas que utilizam a água do rio usam um pano limpo para filtrá-la e depois o cloro. Todas elas, portanto, sabem como utilizar o cloro na água. Uma mulher (01) utiliza apenas o cloro e outra (01) usa apenas o pano como filtro para a água. Essas dez (10) mulheres que utilizam a água do rio no preparo das refeições enfrentam dificuldades no verão. Nesta época do ano ocorre a chamada seca e o rio diminui de nível. A mudança climática dificulta o acesso ao rio – já que a água fica mais distante de suas margens – e a água, nestas ocasiões, está sempre suja e densa. Teixeira (2001) em um capítulo de sua tese de doutorado – Travessias, rede e nós: complexidade do cuidar cotidiano de saúde entre ribeirinhos – relatando a cerca dos problemas de acesso a água potável em uma comunidade ribeirinha no Pará – problema este semelhante em Vila Nova Maringá – salientou a importância de se lembrar que a UNICEF (1990) propôs a todos os países, o desafio que denominou Água para todos, em 1990. A origem da discussão foi a conferência de Vancouver sobre assentamentos humanos, que adotou a resolução de proporcionar água limpa a todos os habitantes do mundo. Concluiuse ser esta uma tarefa formidável e necessária para assegurar a sobrevivência das crianças e que é da responsabilidade de todos. Água potável é bem-estar e um direito humano elementar, que só será realidade com uma revolução sanitária, pois se cada vez há mais habitantes, há mais problemas e mais graves de distribuição e manutenção de água limpa para todos. Figura 05 – O poço artesanal de Vila Nova Maringá 35 Foto autorizada Fundadas à beira dos rios, todas as comunidades ribeirinhas de Maués são cercadas pela floresta amazônica. A floresta e o rio as isolam de outras comunidades e até mesmo do centro da cidade a que pertencem. Por isso, todos os moradores ribeirinhos são dependentes de meios de transporte aquáticos. Estabelecidas a cerca de onze horas de distância do centro de Maués, as mulheres e suas famílias necessitam de canoas, rabetas (canoas com motor) ou barcos para se locomover - seja para viagens ao centro, pesca ou a travessia do rio rumo à caça na floresta fechada. Existe apenas um barco que faz a viagem para o centro de Maués semanalmente, cobrando quinze reais por passagem. Dispor de um meio de transporte aquático na região, portanto, é importante e faz deste dado um grande indicativo tecnológico. Embora a aquisição de um meio de transporte aquático tenha tamanha representatividade no ambiente ribeirinho, constatamos que 25% (04) das mulheres não possuem nem ao menos uma canoa. Figura 06 – uma das canoas de Vila Nova Maringá 36 Foto autorizada Figura 07 – uma das rabetas de Vila Nova Maringá Foto autorizada Figura 08 – o único barco de Vila Nova Maringá Foto autorizada Alem de ser alto o número de mulheres que não tem nenhum meio de transporte, encontramos 37.5% (06) de mulheres que não dispõem de nenhum eletrodoméstico ou eletroeletrônico. Este dado seguramente revela o baixo poder aquisitivo dessas mulheres e o desenvolvimento tecnológico da comunidade. Embora 43.8% (07) das mulheres tenham um fogão, apenas 12.5% (02) das mulheres conseguem comprar gás para utilizar o eletrodoméstico constantemente. As restantes cozinham em fogões a lenha. De acordo com o Quadro 04 é possível perceber a importância que os meios de comunicação tem para as entrevistadas. De acordo com os dados levantados, 37.5% (06) delas têm rádio e 31.2% (05) têm TV em suas residências. 37 Já o levantamento de dados religiosos é extremamente importante para estudos focados na questão cultural: é que a religião, assim como a filosofia de vida, influencia o modo das pessoas viverem e verem o mundo que as cerca (LEININGER & McFARLAND, 2006). Foi possível identificar a existência de duas religiões na comunidade Vila Nova Maringá. Formada por 18 famílias, a Vila tem duas igrejas de religiões diferentes, mas ambas cristãs. Todas as mulheres assumem uma das duas religiões - a católica ou a evangélica - conforme indicam os dados dispostos no Quadro 05. Nas reuniões religiosas, tanto de um quanto do outro culto, encontramos, no entanto, quase todos os membros da comunidade. Isso indica que todos participam dos cultos, independentemente da religião professada. Quadro 05: Fatores Religiosos e Filosóficos Religião em que foi criada Religião que pratica atualmente Depoentes Católica Evangélica Católica Evangélica Moema X X Iracema X X Iaciara X X Maiara X X Yara X X Cunhapora X X Jurema X Janaina X X Tinga X X Japira X X Apuã X X Jaciaba X X Potira X Garaciaba X Irani X X X X Piatã X X X Fonte: Questionário do perfil sócio-econômico-cultural Por meio da pesquisa descobrimos também que 93.7% (15) das mulheres foram criadas na religião católica e apenas uma (01) mulher, 6.2% das pesquisadas, foi criada na religião evangélica. Mas, atualmente, 68.7% (11) mulheres se disseram católicas e 31.2% (05) disseram ser evangélicas. Isso quer dizer que 25% (04) das mulheres mudaram de religião e deixaram de ser católicas para se tornaram evangélicas. A religião influencia no cuidado, pois, conforme sustentam Leininger & McFarland (2006), essas crenças frequentemente direcionam o cuidado popular na alimentação e no processo saúde-doença, como veremos no próximo capítulo, na análise dos dados coletados. 38 Figura 09 – reunião religiosa católica Foto autorizada Figura 10 – reunião religiosa evangélica Foto autorizada Outro fator a ser destacado em Vila Nova Maringá é o companheirismo e a vida social. A presença do companheiro, em alguns casos, é positiva no processo do cuidado materno em uma comunidade ribeirinha. Entre outras atitudes, o homem auxilia a mulher na aquisição de alimentos para a criança e na construção da casa que protege o concepto. Já a mãe solteira em comunidade ribeirinha encontra muitas dificuldades no cuidado diário, como veremos no próximo capítulo do estudo. No Quadro 06 abaixo foram caracterizadas as depoentes de acordo com o estado civil e tempo da relação. Utilizei os termos casada, união consensual, solteira e separada, mas, durante as entrevistas, as mulheres classificaram essas relações, respectivamente, como casada no civil ou casada na igreja, amigada, sozinha e separada respectivamente. Quadro 06: Fatores de Companheirismo e Vida Social Depoentes Estado civil Casada União Consensual Solteira Separada Tempo da relação (em anos) Moema X 20 Iracema X 23 39 Iaciara Maiara X 01 X Yara 12 X Cunhapora 03 X Jurema 13 X 21 Janaina X 45 Tinga X 09 Japira X Apuã X Jaciaba 05 X 24 Potira X - Garaciaba X 06 Irani X 03 Piatã X 29 Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural Conforme os dados alinhavados no Quadro 06, 87.5% (14) das mulheres disseram viver com alguém, ou seja, têm um companheiro, e a duração das relações varia de 01 ano a mais de 30 anos. Embora a comunidade seja predominantemente cristã, e por isso o casamento ali deveria ser supervalorizado, no Quadro 06 observamos que 37.5% (06) das mulheres está “ajuntada”. Esta denominação, dada pelas próprias mulheres, significa uma união consensual estável. Entre as 06 que se dizem ajuntadas, 05 tem relações que duram de um a seis anos e 01 dessas mulheres vive com o companheiro há vinte e um anos ajuntada. Além disso, 05 das mulheres participantes da pesquisa viveram mais de uma união consensual. Quanto à vida social, na comunidade existe uma quadra de terra e um time de futebol feminino. Formado pela maioria das depoentes, a equipe joga toda semana. As mulheres relataram nas entrevistas que não só participam ativamente das festas católicas anuais promovidas na comunidade de Vila Nova Maringá, mas cultivam o hábito de visitar outras comunidades ribeirinhas de Maués em épocas de festas. A vida social das mulheres, desta forma, tem reflexos saudáveis sobre o cuidado, pois as crianças, estimuladas a brincarem no campo, participam das festas e essa atividade seguramente estimula o seu desenvolvimento. Para analisar o cuidado materno, levando em conta os aspectos culturais em uma comunidade ribeirinha, é importante também levantar os fatores relativos a valores e modos de vida. Um deles diz respeito à questão da moradia. Em Vila Nova Maringá, por exemplo, todas as casas ribeirinhas são de madeira ou palha. É relevante, então, conhecer detalhes do ambiente no qual a criança cresce e recebe o cuidado materno, assim como entender os hábitos do dia-a-dia das mães que influenciam direta ou 40 indiretamente no cuidado materno. O ambiente do lar e os hábitos diários maternos estão dispostos nos Quadros 07 e 08 respectivamente. Quadro 07: Valores Culturais e Modos de Vida: o ambiente da casa Depoentes Casa Madeira Palha Elevada Nível do chão Cozinha Banheiro Ex Ex In q n 04 10 14 08 03 05 12 05 06 07 04 14 11 06 09 09 05 01 01 01 01 02 01 04 03 01 01 01 01 01 03 02 In Moema X X X X Iracema X X X X Iaciara X X X X Maiara X X X X Yara X X X X Cunhapora X X X X Jurema X X X X Janaina X X X X Tinga X X X X Japira X X X Apuã X X X X Jaciaba X X X X Potira X X X X Garaciaba X X X X Irani X X X X Piatã X X X X Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural Legenda: Ex: externo; In: interno; q: quantidade total de pessoas; n: número de cômodos As casas das mulheres ficam próximas umas das outras e se parecem muito. Quanto ao material usado na construção das casas, os dados são os seguintes: 87.5% (14) das mulheres têm casa de madeira e 12.5% (02) têm casa de palha. Já 68.7% (11) delas tiveram suas moradias elevadas sobre troncos de madeira para proteger as famílias de animais e da poeira do chão. A precaução não está relacionada com as eventuais cheias do rio, já que as casas ficam relativamente distantes de suas margens. Figura 11 – casa de madeira Foto autorizada Figura 12 – casa de palha 41 Foto autorizada Figura 13 – casa elevada Foto autorizada O significado atribuído ao termo cômodos no estudo designa os compartimentos de uma casa, ou seja, o quarto, sala, cozinha e banheiro. Constatamos neste tópico que 68.7% (11) das mulheres têm suas casas com cozinha e banheiro externo; 25% (04) têm banheiro externo e cozinha interna e 6.2% (01) tem o banheiro e a cozinha no interior da casa. Como a fossa é o recurso usado para a eliminação dos dejetos, as 15 residências não têm seus banheiros instalados dentro da casa, mas cerca de cinco metros distante dela. Figura 14 – fossa recém construída Foto autorizada A leitura do Quadro 07, aqui reproduzido, deixa entrever a relação entre o quantitativo de pessoas que moram na casa e o número de cômodos. A cozinha e o banheiro externo não são contabilizados como 42 cômodos. Percebe-se que 62.5% (10) das mulheres vivem em casas de apenas um cômodo e com um quantitativo de pessoas que varia de 03 a 14. Já 50% (08) delas vivem em casas com um quantitativo de pessoas acima de 05 em apenas um cômodo. Observamos também na pesquisa que 08 mulheres vivem em casas onde coabitam até três gerações. O pouco espaço disponível faz com que as crianças durmam junto com os pais, principalmente nas residências habitadas por mais de um casal. Não é possível, portanto, separar as crianças dos casais nestes momentos. Durante as entrevistas, 18.7% (03) das mulheres disseram que colocam os filhos em cômodos separados para dormir, sendo que 37.5% (06) delas utilizam a varanda – um ambiente externo a casa – como cômodo usado ou pelo filho mais velho ou por um dos casais da casa – que ali dormem e mantêm relações sexuais. Já 43.7% (07) das mulheres disseram que dormem todos juntos no mesmo cômodo. Quadro 08: Valores Culturais e Modos de Vida: hábitos diários diurnos e notunos Hábitos Diários Diurnos Dar aulas e afazeres domésticos Afazeres domésticos Afazeres domésticos Afazeres domésticos e crochê Noturnos Dar aulas, culto e ensaio de dança Assistir TV Assistir TV e ler Assistir TV Afazeres domésticos e farinha Afazeres domésticos Assistir TV Conversar com vizinhos Afazeres domésticos e costura Afazeres domésticos Afazeres domésticos, plantação e crochê Afazeres domésticos e lavagem de roupa Afazeres domésticos e estudos Afazeres domésticos, plantação e produção de farinha Afazeres domésticos e produção de farinha Rezar Jantar e dormir Assistir TV Ir a aula Ler a bíblia Assistir TV Conversar com vizinhos Afazeres domésticos, plantação e crochê Assistir TV, conversar com vizinhos, rezar e brincar Oração e caça Afazeres domésticos, visitas como Agente de Saúde, plantação, artesanato e crochê Afazeres domésticos, plantação, produção de farinha e costura Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural Conversar com vizinhos Diante dos hábitos diários apresentados no Quadro 08, observo que assistir novela é o hábito noturno de 43.7% (07) das mulheres. A rede é o local de dormir para 81.2% (13) das pesquisadas, sendo que todos os filhos das 16 mulheres dormem em rede. Já durante o dia, 6.2% (01) das mulheres estudam e as demais trabalham na agricultura, na fabricação de farinha, lavando roupa, no crochê, costura ou dando aula. Todas elas, têm por hábito diurno a realização dos afazeres domésticos. 43 No campo das chamadas relações políticas e institucionais, assisti a uma reunião mensal comunitária. Observei que todas as 16 mulheres podem participar da reunião e têm voz ativa, concordando, discordando e/ou interferindo nas propostas contidas nos projetos dos líderes comunitários. No formulário a elas submetido, todas as pesquisadas relataram não só ter votado na eleição para coordenador da comunidade, mas que comparecem a todas as reuniões mensais da comunidade. Demonstrando que a comunidade vive à luz de um sistema político democrático, as mulheres têm espaço de fala. Essa prerrogativa é importante no processo do cuidado, pois elas podem reivindicar melhorias ou mesmo a intervenção pública quando enfrentam dificuldades relacionadas à alimentação ou doença das crianças. Figura 15 – reunião comunitária Foto autorizada Outro dado relevante levantado na pesquisa é a condição econômica e o poder aquisitivo das famílias estabelecidas em Vila Nova Maringá. O Quadro 09 apresenta a renda familiar e a fonte de renda referente a cada mulher a partir das atividades produtivas que desempenham. A renda de uma família tem um peso grande na maneira como os filhos são cuidados. É o poder econômico que determina, entre outras coisas, o poder de compra de alimentos (exceto a farinha e caça), de vestuário e medicamentos para as crianças. Esses aspectos impactam diretamente na qualidade de vida das crianças e de suas famílias, conforme veremos adiante nos depoimentos. Quadro 09: Fatores Econômicos Depoentes Moema Iracema Iaciara Maiara Yara Cunhapora Jurema Janaina Tinga Renda familiar R$ 1360 a 1860 NI NI 100 NI 50 a 200 50 800 200 a Fonte de renda Produção de farinha X Bolsa do governo Garimpo Carpintaria API X X LR PM A S Produção de carvão X X X X X X X X X X X 44 300 50 X 465 X X 400 X NH 100 a X 150 Irani 830 X X Piatã 50 X Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural Legenda: NI: não informado; NH: não há renda; API: aposentadoria por idade; LR: lavagem de roupa; PM: professor municipal; AS: agente de saúde. Japira Apuã Jaciaba Potira Garaciaba A leitura do Quadro por si só indica o alto grau de pobreza dos moradores da Vila. A pesquisa constatou que 18.7% (03) das entrevistadas não quiseram mencionar a renda mensal e 6.2% (01) relataram não ter renda alguma. Já entre as 12 mulheres que forneceram as informações solicitadas, observamos que 50% (08) delas têm renda familiar abaixo do salário mínimo vigente, que é de 465 reais, sendo que 18.7% (03) das mulheres têm renda de até 50 reais por mês. Essas últimas (03 mulheres com renda familiar de 50 reais por mês) se dedicam exclusivamente à produção de farinha. A produção e venda da farinha, aliás, é o que mais auxilia na fonte de renda familiar local, já que 50% (08) das mulheres têm nessa atividade uma contribuição para compor a renda mensal. Figura 16 – produção de farinha Foto autorizada Figura 17 – homens trabalhando na carpintaria Foto autorizada Das quatro (04) mulheres com renda mensal acima de um salário mínimo, uma (01) tem essa condição devido ao seu trabalho e as três (03) restantes recebem bolsas do governo ou aposentadoria por 45 idade. Os dados consolidados no Quadro 09 indicam que a fonte de renda varia muito no universo pesquisado. A pesquisa aqui apresentada também colheu informações sobre a escolaridade das mulheres, um dado importante, capital e influenciador do cuidado materno (LEININGER & McFARLAND, 2006). Em muitas comunidades ribeirinhas de Maués o sistema de ensino é precário. A falta de escolas na periferia e a distância das existentes, afastadas dos grandes centros, contribuem para a manutenção dos altos índices de analfabetismo, conforme o relato das próprias depoentes. No Quadro 10 – Fatores Educacionais foram levantados o grau de escolaridade das mulheres e os motivos que as impediram de continuar os estudos formais. Figura 18 – os dois prédios escolares da comunidade Foto autorizada Quadro 10: Fatores Educacionais Mulheres Grau de escolaridade Motivo da não continuidade dos estudos formais E Filhos Moema Jurema Superior completo Fundamental incompleto Médio incompleto Fundamental incompleto Fundamental incompleto Fundamental incompleto Nenhum Janaina Nenhum Iracema Iaciara Maiara Yara Cunhapora Tinga Japira Apuã Jaciaba Fundamental incompleto Fundamental incompleto Fundamental incompleto Fundamental incompleto Falta de professor Falta de aula para adultos Falta de escola Trabalho Falta de apoio dos pais X X X X X X X X X X X 46 Potira Fundamental X incompleto Garaciaba Fundamental X incompleto Irani Fundamental incompleto Piatã Fundamental incompleto Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural Legenda: E: estudante X X Verificamos que 12.5% (02) das mulheres nunca estudaram pelos seguintes motivos: durante sua infância não existia escola na região e faltou apoio dos pais. A análise do quadro nos permitiu observar que a escolaridade varia de nenhum a superior completo, demonstrando, assim, a diversidade educacional das mulheres. Constatamos também que o saber popular é preponderante entre as mães em detrimento do científico por um motivo muito simples: 75% (12) das mulheres não concluíram o ensino fundamental, o que, certamente influencia as práticas de cuidado dos filhos – entre elas a alimentação, higiene, cuidado em enfermidade, entre outras (LEININGER & McFARLAND, 2006). Encontrei na comunidade duas (12.5%) mulheres que continuam estudando. Já as onze (11) restantes, com ensino incompleto, não deram sequência aos estudos. Os motivos alegados para interromper os estudos são variados, mas o nascimento dos filhos foi o mais citado pelas mulheres. A partir dos quadros até aqui apresentados é possível construir o perfil das depoentes. Utilizamos para tal dados que abrangem suas histórias pessoais e a estrutura cultural e social onde viveram. Tudo isso permeado por fatores tecnológicos, de religião e filosofia, companheirismo, valores culturais e modos de vida, econômicos e educacionais. Esse verdadeiro mosaico, coletado a partir das entrevistas, detalha, assim, o perfil sócio-econômico-cultural dessas mulheres. Para complementar os dados deste perfil sócio-econômico-cultural, utilizei o capacitador Observação Participação Reflexão (OPR) de Leininger & Mcfarland (2006). Essa ferramenta nos permite trazer à tona uma visão sobre a comunidade a partir de seus aspectos sociais e culturais. Nos próximos quadros apresentamos as anotações realizadas nas fases de Observação, Participação e Reflexão, respectivamente. No Quadro 11, abaixo reproduzido, descrevo, de modo objetivo, os dados obtidos na observação e ação ativa de ouvir. O levantamento foi feito num período de 23 dias. Quadro 11: Observação da comunidade e do cotidiano das mulheres Aspecto Anotações 1 Português. Comunicação sem muitos gestos; observo apenas afirmação; aparentam ser muito observadores. 2 Linguagem, Comunicação & Gestual (nativa ou nãonativa) Contexto de vida ambiental geral (símbolos, materiais e não-materiais) Vivem em uma comunidade no meio da floresta de mata virgem, às margens de um rio, o Parauari, muito rico em peixes. Estão a uma distancia de 1:30h da comunidade mais próxima. Existem muitas canoas, 47 3 Vestuário em Uso & Aparência Física 4 Tecnologia Utilizada em Ambiente de Vida (residencial) Visão de Mundo (como a pessoa percebe/observa sobre o mundo) Modo de Vida Familiar (valores, crenças e normas) Interação Social e Geral e Laços de Parentesco 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 Atividades Padronizadas Diárias Crenças e Valores Religiosos (ou espirituais) Fatores Econômicos (custo de vida difícil, estimado e rendimentos) Valores Educacionais ou Fatores de Crença Influenciadores Políticos ou Legais Usos na Alimentação e Valores Nutricionais, Crenças e Tabus Cuidado à Saúde Popular (genérico ou indígena – cura) Valores, Crenças e Práticas Cuidado à Saúde Profissional (cura) Valores, Crenças e Práticas Conceitos ou padrões de cura que orientem as ações, isto é, referentes a apoio, presença, etc. Padrões ou Expressões de Cuidado Visões dos Modos de: 1) Prevenção de Doença; 2) Prevenção ou Manutenção casas de madeira ou palha. O lugar tem uma rua de terra onde algumas casas estão alinhadas. Esse logradouro é denominado por eles como vila. A comunidade é formada por 44 famílias registradas pela Secretaria Municipal de Saúde, das quais apenas 25 vivem na vila – a rua de chão – e as outras 19 famílias vivem dentro da selva, em núcleos isolados que cultivam a terra. A vila possui 01 cozinha em construção, 01 casa da farinha, 01 salão de reunião comunitária, 01 igreja católica, 01 igreja evangélica, 02 escolas de 01 andar cada. Roupas limpas; a maioria das pessoas anda descalça, com cabelos despenteados; crianças com pedículos e a maioria da população tem problemas dentários. Gerador elétrico para toda comunidade; poucos têm TV e DVD, radio de pilha ou ferro de passar roupa. Meio de transporte mais comum é a canoa. Alguns têm rabeta (canoa com motor) e apenas um morador tem um barco. Observo que sou vista com desconfiança. A maioria não é casada; quando estão na idade entre 13 e 15 anos passam a morar junto como casal. Sogros, cunhados, primos. A interação social ocorre na escola, festas comunitárias, reuniões, visitas familiares, missas católicas e cultos evangélicos. Caça, pesca, plantação. Fabricação da farinha, visitas familiares, descanso. Crença Católica, evangélica, e mitos regionais, como a visagem (visão de seres irreais e sobrenaturais na floresta). As atividades que geram renda são a venda da farinha, costura, bordado, venda de alimentos agrícolas. As rendas fixas advêm de bolsa escola ou bolsa família, aposentadoria, além dos profissionais agentes de saúde e professor. Escola para todas as idades, incentivo dos pais para as crianças estudarem. Líder comunitário. Farinha com alguma carne animal proveniente da caça, às vezes acrescida de arroz ou macarrão. Não observei utilização de vegetais na dieta alimentar. Uso de fitoterapia, rezadores, pessoas experientes, parteiras. Agente de saúde, visita a postos de saúde, conhecimento de medicamentos analgésicos e antiinflamatórios pela população, ausência de profissionais de saúde graduados. Procura da melhora da dor, preocupação com a representação social da doença (enfermidade) e estética do corpo. Até o momento final de observação conheci pouco das expressões de cuidado por parte dos pais ou mães; como tenho mais contato com as crianças observo os irmãos mais velhos cuidando dos mais novos. Na fase de observação constato a prevenção de doenças, manutenção do bem estar e cuidado do filho no uso de roupas nas crianças, o uso do horário diurno para o banho de rio, no intuito de prevenir gripes e 48 do Bem-estar ou da Saúde; resfriados e a alimentação diária. 3) Cuidado Próprio ou com os outros 19 Outros Indicadores de Ouvir pessoas mais experientes. Apoio mais Tradicionais ou não, aos modos de vida Fonte: Observação-Participação-Reflexão Decorridos os 23 dias de observação e ação ativa de ouvir, teve início a fase de observação sem participação limitada e participação com observações continuadas. Nestas atividades participei ativamente da vida na comunidade. Os dados levantados neste período estão dispostos no quadro 12 abaixo. Quadro 12: Participação na comunidade e no cotidiano das mulheres Aspecto Anotações 1 Linguagem, Comunicação & Gestual (nativa ou nãonativa) 2 Contexto de vida ambiental geral (símbolos, materiais e não-materiais) 3 Vestuário em Uso Aparência Física & Na área gestual percebi um significativo aumento na comunicação; os gestos e sorrisos aumentaram após minha participação na comunidade e as mulheres ficaram mais acessíveis. Língua falada é o português, mas existe a agregação de palavras nativas (dialeto) para a comunicação. Cunhataí: menina Curumim: menino Mano (a): forma de chamar as pessoas Espocar: estourar Bacio: pinico Desmentidura: deslocamento Rasgadura: luxação Advertimento: diversão Considerado: grande Porrudo: grande Canga: prostituta Brega: local de dança Aperreado: irrequieto Graúda: grande Dedar: colocar o dedo no ânus Pávulo: esnobe Prenha: grávida Buchuda: grávida Rombudo: grosso Embalar: balançar Borá já: vamos lá Olha já: olha lá “É será?” ou “será que é?”: expressão de surpresa Provocar: vomitar As casas basicamente tem o mesmo modelo: um cômodo feito de palha ou madeira nas laterais e palha no teto, com a cozinha externa sempre equipada com fogão a lenha. Algumas casas são elevadas. Vivem todos juntos e dormem em redes. O vestuário é parecido em todos os moradores: blusa e short são usados indistintamente por homens e mulheres. A aparência física é semelhante entre os habitantes; homens e mulheres se parecem: a maioria deles tem 49 4 Tecnologia Utilizada em Ambiente de Vida (residencial) 5 Visão de Mundo (como pessoa percebe/observa o mundo) 6 Modo de Vida Familiar (valores, crenças e normas) 7 Interação Social e Geral e Laços de Parentesco 8 Atividades Diárias 9 Crenças e Valores Religiosos (ou espirituais) Fatores Econômicos (custo de vida difícil, estimado e rendimentos) Valores Educacionais ou Fatores de Crença Influenciadores Políticos ou Legais Usos na Alimentação e Valores Nutricionais, Crenças e Tabus Cuidado à Saúde Popular (genérico ou indígena – cura) Valores, Crenças e Práticas Cuidado à Saúde 10 11 12 13 14 15 Padronizadas cor da pele branca, alguns são caboclos (filhos de índio); os homens usam corte de cabelo curto enquanto as mulheres têm cabelos longos que, na maioria das vezes, está preso. A maioria dos moradores apresenta problemas dentários. O gerador elétrico é comum a todos os moradores, sendo ligado todos os dias das 19h às 22h. A maioria dos moradores dispõem de rabetas ou canoa e redes e material para caça, como lanças, armas e redes. Os aparelhos domésticos disponíveis são o rádio de pilha, a máquina de lavar e televisão. Na fase de participação, os moradores, receptivos a minha presença, manifestaram interesse de conhecer a minha vida, se identificaram comigo e, assim, comecei a compreender parte da visão de mundo deles. No dia-adia, observei as ações que eles desenvolvem para sobreviver, entre elas a caça diária. Observei também que a população local investe no plantio voltado para a subsistência. Em algumas famílias o trabalho na lavoura também cumpre a função de melhorar a renda familiar. A partir de minhas observações depreendi que os ribeirinhos observam o mundo como um ambiente de troca e um local de simbiose. Ali, o homem e a natureza vivem em harmonia, sem a intenção gananciosa de retirar da terra mais do que ela pode dar. A população só retira aquilo que necessita no dia-a-dia. A gravidez é comum na maioria das mulheres a partir dos 13 anos; as famílias são grandes e seus membros convivem juntos no mesmo cômodo; é frequente a presença de mais de um casal no mesmo cômodo, sendo um deles formado por um dos filhos e seu parceiro sexual. Eles interagem visitando os vizinhos, principalmente os parentes, durante o dia. À noite se reúnem para ver TV na casa de um deles. Aos domingos vão à missa pela manhã e alguns frequentam o culto evangélico à noite. As reuniões comunitárias são mensais. Já as festas comunitárias são anuais. Os moradores costumam visitar festas em comunidades vizinhas. A grande maioria das pessoas da comunidade tem alguma ligação de parentesco. Existem na vila hoje 13 famílias. Não há separação das atividades diárias por valores de gênero, exceto os afazeres domésticos, que são executados pelas mulheres. Por outro lado, o trabalho no garimpo é feito exclusivamente por homens. Já o preparo da terra para colheita, a fabricação da farinha e a caça são atividades comuns a ambos os sexos.. As crianças diariamente vão à escola, brincam e banham-se no rio. Existe a crença em preceitos católicos e evangélicos. Existe também a crença no místico, nas visagens (espíritos que assombram) e no rezadeiro. A renda na maioria das vezes é proveniente da venda de farinha, ajuda governamental, garimpo. Existem poucos assalariados (professores e agente de saúde). Estímulo dos pais aos estudos dos filhos, como forma de garantia de um futuro melhor. O líder comunitário, escolhido por eleição, o chefe de família e os patriarcas. Farinha com alguma carne animal proveniente da caça, às vezes acrescido de arroz ou macarrão. Não observei a utilização de vegetais na dieta alimentar. Crença no valor nutritivo da farinha. Observação da criança quando ela apresenta alguma mudança comportamental e o uso de chás e ervas. Conhecimentos fitoterápicos passados de geração em geração. Consulta ao rezador e a mulheres mais experientes. Ausência de profissional de saúde em Vila Nova Maringá. Na comunidade 50 Profissional (cura) Valores, Crenças e Práticas 16 existe uma agente de saúde que medica na maioria das vezes com antiinflamatórios. Visita ao posto de saúde em outra comunidade apenas para cura em casos não resolvidos pelo cuidado popular. Falta de ações voltadas para a prevenção ou tratamento regular. Os tratamentos só são adotados em regime de urgência. Consideram que a pessoa está curada quando consegue retomar as funções que costuma exercer. Conceitos ou padrões de cura que orientem as ações, isto é, referentes a apoio, presença, etc. 17 Padrões ou Expressões de Observação do comportamento dos filhos para detecção de doenças. Cuidado Encarregar os filhos de cuidarem dos irmãos. 18 Visões dos Modos de: 1) Observo na participação e convívio na comunidade o uso do banho diário, Prevenção de Doença; 2) uso de roupa e banho de sol; as mães proporcionam local para os filhos Prevenção ou Manutenção dormirem e a alimentação deles; a dieta alimentar tem na farinha o do Bem-estar ou da Saúde; alimento garantido diariamente. 3) Cuidado Próprio ou aos outros 19 Outros Indicadores de Consulta a mulheres mais velhas ou mais experientes em caso de dúvidas Apoio mais Tradicionais ou nas práticas do cuidado materno. não, aos modos de vida Fonte: Observação-Participação-Reflexão Depois do segundo dia de Participação na comunidade iniciei o processo de reflexão e reconfirmação de resultados obtidos na Observação e Participação com os informantes. Não deixei, é claro, de Observar e Participar da vida na comunidade. O período de Reflexão durou os 10 dias utilizados nas entrevistas, acrescidos de 06 dias para a reflexão sobre as entrevistas e revisão dos dados encontrados na Reflexão. Esta fase do trabalho resultou nas anotações apresentadas no Quadro 13. Quadro 13: Reflexão na comunidade e no cotidiano das mulheres Aspecto 1 Linguagem, Comunicação & Gestual (nativa ou não-nativa) 2 Contexto de vida ambiental geral (símbolos, materiais e nãomateriais) 3 Vestuário em Uso & Aparência Física 4 Tecnologia Utilizada em Ambiente de Vida (residencial) Anotações A comunicação da pesquisadora com os moradores da comunidade tende a melhorar com o tempo; as mulheres tendem a se abrir mais e a serem mais receptivas. Já as crianças são mais receptivas desde o primeiro encontro. Embora a língua usada seja o português, existem muitos dialetos e palavras indígenas. Por isso, é necessário um conhecimento prévio para obter sucesso na comunicação. O ambiente da comunidade é o mais natural possível e os moradores vivem em harmonia com o meio. Para a alimentação praticam a agricultura de subsistência e caçam a quantidade de que necessitam para o consumo diário. O lixo doméstico é eliminado por meio da queima. E as habitações são feitas de madeira e palha. Além dos animais domésticos, existem muitos ratos, moscas, além de cobras e aranhas que eventualmente entram nas casas. A população da comunidade aparentemente é bem nutrida, com pele e cabelos hidratados. Devido às dificuldades financeiras, os ribeirinhos, em sua maioria, usam roupas simples, velhas e puídas, mas sempre limpas. A maioria, no entanto, tem sérios problemas dentários. As tecnologias existentes na comunidade são poucas e existe um único meio de transporte capaz de levá-los ao centro urbano. A agricultura desenvolvida ainda é de subsistência, sem avanços 51 5 Visão de Mundo (como a pessoa percebe/observa sobre o mundo) 6 Modo de Vida Familiar (valores, crenças e normas) 7 Interação Social e Geral e Laços de Parentesco 8 Atividades Padronizadas Diárias 9 Crenças e Valores Religiosos (ou espirituais) Fatores Econômicos (custo de vida difícil, estimado e rendimentos) 10 11 Valores Educacionais ou Fatores de Crença 12 Influenciadores Legais 13 Usos na Alimentação e Valores Nutricionais, Crenças e Tabus 14 Cuidado à Saúde Popular (genérico ou indígena – cura) Valores, Crenças e Práticas Cuidado à Saúde Profissional (cura) Valores, Crenças e Práticas 15 16 Políticos ou Conceitos ou padrões de cura que orientem as ações, isto é, referentes a apoio, presença, etc. tecnológicos. Uma única tecnologia é utilizada diariamente todas as noites: o gerador que fornece energia elétrica à escola e permite o funcionamento da televisão comunitária. Os moradores têm uma visão cristã de mundo. Consideram Deus como o criador e dão a ele o papel de doador da vida. Os pais trabalham para dar alimentação aos filhos e esperam que eles tenham uma vida melhor. Os pais têm acolhido filhas primíparas adolescentes em casa com os netos, já a maioria delas não recebe apoio do parceiro sexual. É comum ver três a quatro gerações morando numa casa de apenas um cômodo. A sociedade é do tipo patriarcal, mas a mulher ocupa importante papel no núcleo familiar, sendo responsável não só pela criação dos filhos, mas auxiliando o companheiro na caça, na pesca e na produção de farinha. Percebi um apoio familiar no contato entre os familiares com grau de parentesco mais distantes. As reuniões comunitárias, no entanto, são mais frequentes do que as familiares. O ambiente de interação social se dá por meio das visitas às casas dos vizinhos para conversar ou ver televisão à noite, reuniões mensais, festas anuais e o futebol. O plantio de subsistência, os afazeres domésticos, o estudo e o trabalho fazem parte da vida diária dos ribeirinhos. Eles ainda reservam tempo para descansar diariamente, ficar com os filhos e visitar vizinhos. O catolicismo é a religião predominante na comunidade, seguido de um sincretismo com crenças místicas populares. A pouca renda familiar não tem influenciado tanto na nutrição dos ribeirinhos desta comunidade, uma vez que a região, habitada por uma fauna bem diversificada, permite que os moradores se alimentem de caça diariamente. A caça, no entanto, também é fonte de renda e permite que eles comprem roupas, móveis, redes, calçados e outros alimentos, entre eles arroz, feijão e macarrão. Os recursos advindos da atividade também financiam a compra de passagem para o centro urbano quando alguém necessita de tratamento médico. Existe uma super valorização dos estudos. Muito embora as mães não tenham conseguido estudar, elas investem nos estudos dos filhos para que eles (as) melhorem de vida, cresçam intelectualmente e alcancem a independência financeira. A comunidade é organizada num regime democrático, com um líder escolhido por votação. Qualquer ação administrativa é acordada mensalmente por todos da comunidade, homens e mulheres. A farinha é o ingrediente alimentar presente na dieta dos ribeirinhos diariamente. Em momento de falta de caça e outros alimentos eles fazem mingau com a farinha e água. Uma dieta realmente pobre, apenas com proteína e carboidrato. A população utiliza constantemente a medicação caseira com conhecimentos empíricos, de familiares ou de Jurema, a herborista da comunidade. Embora exista uma carência de profissionais de saúde na comunidade, os moradores acreditam no sistema profissional/científico e sempre que podem utilizam a medicação farmacêutica médica com a medicação popular. Considera-se que a cura foi alcançada a partir do momento em que o doente volta a executar as tarefas costumeiras e este retorno à normalidade, aos olhos da comunidade, indica que seu estado físico 52 melhorou. Por causa disso, as doenças silenciosas e assintomáticas não são diagnosticadas ou tratadas. 17 Padrões ou Expressões de A necessidade do cuidado é identificada por meio da observação da Cuidado pessoa. Quando existe um quadro anormal, faz-se um levantamento do problema, a patologia é identificada e o tratamento necessário é feito com o auxílio da fitoterapia; a medicação tradicional também é usada quando está disponível, observando os sinais de melhora. 18 Visões dos Modos de: Para a prevenção de doenças de causas místicas é necessário ações Prevenção de Doença; empíricas, também fundamentadas no misticismo. A alimentação e o Prevenção/Manutenção do Bem- uso de roupas também são vistos como forma de prevenção de estar ou da Saúde; doenças e manutenção da saúde. Além disso, a visita ao médico é Cuidado Próprio ou aos outros vista como forma de auto-cuidado e manutenção do bem-estar. 19 Outros Indicadores de Apoio Alem das medicações caseiras oferecidas pelas mães e avós aos filhos mais Tradicionais ou não, aos e netos, o rezador completa o chamado apoio popular e a agente social modos de vida aparece como o suporte cientifico. As duas formas de saber atuam em harmonia na comunidade. Fonte: Observação-Participação-Reflexão Dentre os dados levantados no OPR, o aspecto da linguagem e da comunicação não só caracterizou a comunidade, mas foi extremamente relevante para a coleta de dados, pois esta técnica possibilita a compreensão dos modos de expressão dos informantes e a análise dos dados. Análise dos Depoimentos A análise dos depoimentos foi fundamentada na Análise de Dados de Etnoenfermagem. Segundo Leininger & McFarland (2006) esta é uma análise sistemática, profunda e rigorosa da pesquisa qualitativa, dividida em quatro fases: Fase I - Coleta, Descrição e Documentação de Matéria Prima (Dados Não Trabalhados). O pesquisador coleta, descreve, registra e começa a analisar os dados relativos aos objetivos, domínio de inquirição ou das questões em estudo; Fase II - Identificação e Categorização de Componentes. Os dados são codificados e classificados de acordo com o domínio da inquirição e, às vezes, as questões em estudo; Fase III - Padrão e Análise Contextual. Os dados são escrutinados para descobrir a saturação de idéias e os padrões recorrentes de significados semelhantes ou diferentes, expressões, formas estruturais, interpretações, ou explanação de dados relativos ao domínio da inquirição. Os dados são também examinados para mostrar a padronização com respeito aos significados no contexto e junto com outros dados confiáveis e de confirmação, realizando assim uma re-codificação; Fase IV - Temas principais, resultados de Pesquisas, Formulações Teóricas e Recomendações. Esta é a mais alta fase de análise de dados, sínteses e interpretação. Requer a síntese de pensamento, análise da configuração, resultados de interpretação e formulação criativa de dados das fases anteriores. A tarefa do pesquisador é abstrair e confirmar os principais temas, resultados de pesquisas, recomendações e, às vezes, fazer novas formulações teóricas (LEININGER E MCFARLAND, 2006). 53 Para a análise dos dados, o pesquisador inicia pela Fase I analisando dados estabelecidos e detalhados antes de passar para a Fase II. Neste segundo estágio, o pesquisador identifica os “representados”, “indicadores” e as “categorias” dos primeiros dados na Fase I. Na Fase III, o pesquisador identifica os “padrões recorrentes” dos dados como derivados das Fases I e II. Na Fase IV, os “temas” do comportamento e de outros “resultados sumarizados da pesquisa” são apresentados e abstraídos dos dados como derivados das três fases anteriores. Em todos os estágios, os resultados de pesquisa da análise dos dados podem ser transportados de volta, a cada fase e aos dados estabelecidos na Fase I, para confirmar e conferir os resultados em cada fase (LEININGER & MCFARLAND, 2006). O processo sistemático de análise de dados foi extremamente detalhado e rigoroso, pois só assim é possível entender os dados e rever os resultados e/ou conclusões. O detalhamento e o rigor são essenciais na procura pelos critérios da análise qualitativa, mostrando como o pesquisador encontrou os critérios de credibilidade, padronização recorrente, confirmação, significado no contexto, e outros critérios do estudo qualitativo (LEININGER & MCFARLAND, 2006). Para desenvolver todas as quatro fases da análise de dados em etnoenfermagem foi utilizada a técnica de recorte e colagem. Após a leitura prévia de todas as entrevistas, reli todo o material anotando a lápis, nas laterais das falas, minhas impressões sobre o tema que estava sendo abordado. Usei números para representar os temas e cada número recebeu um título como, por exemplo: causas místicas para as doenças dos filhos. Numa terceira leitura, captei as falas com os temas em comum e as reuni em uma folha A4, totalizando 109 unidades. Depois filtrei essas 109 unidades, comecei a reler as falas das entrevistadas e ver as que se aproximavam, de maneira a reuni-las numa mesma unidade temática. Realizei, portanto, a CODIFICAÇÃO e assim emergiram 38 UNIDADES TEMÁTICAS. UNIDADES TEMÁTICAS 1. Amamentação e desmame 2. Alimentação depois do desmame 3. Chá de hortelãzinho 4. Esterilizar as coisas do bebê 5. O banho e “asseio” (limpeza) dos filhos 6. O uso da fossa 7. Uso do bacio X: evacuar na fralda ou na roupa 8. Medo do filho pequeno usar a fossa 9. Irmãos ajudando na criação 10. Filhos ajudando os pais em casa 11. Vó criando os netos 12. Ajudando a criar netos 13. Filhos problemáticos 54 14. Percepção da doença 15. Medicação caseira e farmácia tradicional 16. Ensino da medicação caseira 17. Descrédito na medicina tradicional 18. Atitudes religiosas e de credo nos casos de doença 19. Culpa pela doença do filho 20. Causas místicas para doenças 21. Causas empíricas para doenças 22. Desmentidura 23. Doenças na infância do filho 24. Filhos gordos são saudáveis 25. A morte dos filhos 26. Liberdade aos filhos 27. Dificuldade em criar muitos filhos 28. Dificuldade de criar filhos sem pai 29. Filho dá trabalho 30. Filho é responsabilidade 31. Finanças e a criação 32. Trabalho 33. Sem enxoval para o 1º filho 34. Criar na cidade X, criar no interior 35. A criação dos filhos 36. Maltrato dos filhos por terceiros 37. Medo do rio 38. Desejo para os filhos Após a codificação, foi realizada uma nova leitura das entrevistas, em sua íntegra, comparando-as (as entrevistas) com as unidades temáticas. Identificou-se a possibilidade de descobrir novos temas e como realizar os agrupamentos das unidades temáticas. Após esse exercício, cheguei a 04 AGRUPAMENTOS que são chamados, aqui, de RE-CODIFICAÇÃO. PRIMEIRO AGRUPAMENTO: Alimentação e higiene Amamentação e desmame Alimentação depois do desmame Chá de hortelãzinho Esterilizar as coisas do bebê 55 O banho e asseio dos filhos O uso da fossa Uso do bacio X: evacuar na fralda ou na roupa Medo do filho pequeno usar a fossa SEGUNDO AGRUPAMENTO: A família e o cuidado Irmãos ajudando na criação Filhos ajudando os pais em casa Vó criando os netos Ajudando a criar netos Filhos problemáticos TERCEIRO AGRUPAMENTO: Processo saúde e doença Percepção da doença Medicação caseira e farmácia tradicional Ensino da medicação caseira Descrédito na medicina tradicional Atitudes religiosas e de credo nos casos de doença Culpa pela doença do filho Causas místicas para doenças Causas empíricas para doenças Desmentidura Doenças na infância do filho Filhos gordos são saudáveis A morte dos filhos QUARTO AGRUPAMENTO: Cuidado dos filhos Liberdade aos filhos Dificuldade em criar muitos filhos Dificuldade de criar filhos sem pai Filho dá trabalho Filho é responsabilidade Finanças e a criação Trabalho 56 Sem enxoval para o 1º filho Criar na cidade X, criar no interior A criação dos filhos Maltrato dos filhos por terceiros Medo do rio Desejo para os filhos O valor dos estudos Após o agrupamento foi realizada nova leitura. Desse exercício emergiram duas grandes categorias com subcategorias. A chamamos de SÍNTESE, que deu origem às duas categorias analíticas. Categoria 1 - O cuidado materno ribeirinho – princípios e implicações para o cuidado Cuidado dos filhos é cuidado materno: a realidade das mães ribeirinhas O significado do cuidado materno para as mulheres ribeirinhas As dificuldades do dia a dia no cuidado dos filhos ribeirinhos Categoria 2 - O cuidado dos filhos ribeirinhos – as práticas do cuidado materno O cuidado materno no processo saúde-doença: a mãe atendendo a necessidades evidentes O cuidado na alimentação e higiene dos filhos: a mãe atendendo a necessidades antecipadas As duas categorias analíticas construídas neste estudo foram levantadas tendo por base e condução os aspectos culturais que envolvem o cuidado materno. Sendo de extrema importância não somente conhecer a prática do cuidado materno, como também quem oferece a prática de cuidado, o significado deste cuidado assim como as dificuldades encontradas diariamente. 57 CAPÍTULO IV DISCUSSÃO DOS DADOS A discussão dos dados se baseia no conceito de cuidado e cuidado cultural popular trazido por Madeleine Leininger, autora do referencial teórico desta investigação. Utilizei também o conceito específico de cuidado materno e maternagem, de Donald Winicott. 5 Antes de entender e aprofundar o cuidado oferecido pela mãe, é necessário levantar e compreender o conceito de cuidado. Leininger refere o cuidado como um fenômeno abstrato e/ou concreto, definido como experiências ou idéias assistenciais, de apoio e capazes, dirigidas a outros com necessidades evidentes ou antecipadas, para melhorar uma condição humana ou modo de vida. O cuidar vem a ser, assim, a ação, atitudes e práticas para assistir ou ajudar outros no sentido da cura e do bem-estar (LEININGER, 1998, 1991, 1995, LEININGER & McFARLAND, 2002, 2006). Leininger assinala que o cuidado, enquanto base da Teoria, é dividido em popular e profissional. A prática do cuidar tem, então, o intuito de identificar diferenças e semelhanças entre as culturas, influenciando sua aplicação na saúde ou no bem-estar dos diversos contextos culturais (LEININGER & McFARLAND, 2002, 2006). 5 Donald Woods Winnicott, pediatra e psicanalista, autor da Teoria do Desenvolvimento e do conceito de Maternagem (Winnicott, 2006). 58 O termo cuidado popular, também chamado de genérico, refere-se ao conhecimento apreendido e transmitido, tradicional ou popular, para prestar assistência, suporte, capacidade e facilidade aos atos para ou dirigidos a outros com necessidades de saúde evidentes ou antecipadas. Sua finalidade é melhorar o bem-estar ou ajudar em caso de morte e outras condições humanas (LEININGER & MCFARLAND, 2006). Seu conceito pode ser aplicado no cuidado à saúde nos diversos contextos (LEININGER & MCFARLAND, 2002). Já o cuidado profissional refere-se ao conhecimento e práticas, formais e explicitadas cognitivamente, aprendidos pelo cuidador profissional, através das instituições educacionais (usualmente não genéricos). Assim é que as enfermeiras são orientadas a oferecer assistência e suporte ao indivíduo ou a um grupo a fim de melhorar sua saúde, prevenir as doenças, ou, conforme assinalado anteriormente, ajudar com a morte ou outras condições humanas (LEININGER 1991, 1995, 1997, LEININGER e McFARLAND, 2002, 2006). Para o cuidado materno utilizo aqui o conceito de cuidado popular, uma vez que a atenção materna é baseada num conhecimento popular, apreendido e transmitido constantemente entre as mulheres da comunidade. Essa transmissão é feita de modo tradicional entre as gerações e se dá no convívio diário dos ribeirinhos, de modo a oferecer aos filhos a manutenção da saúde e bem-estar e ajudá-los em caso de doenças. Autores como Leininger & McFarland (2006) destacam que a promoção de saúde, oferecida no cuidado materno, não está focada meramente na prevenção e tratamento de doenças. A saúde é vista como um estado de bem-estar que é culturalmente definido e constituído no espaço social onde o filho é capaz de realizar suas atividades diárias padronizadas pelo seu modo de viver na comunidade. Por outro lado, o cuidado materno, definido por Winnicott como maternagem, é o ato de cuidar dos filhos oferecido pela mãe. Ou seja, a maternagem é a forma de uma mãe cuidar de seu bebê de maneira boa, protetora. São os bons cuidados que incluem o amparo às necessidades fisiológicas e todo investimento de desejo, de amor, de aconchego (WINNICOTT, 2006). Foi à luz dos conceitos apresentados sobre o cuidado materno, a discussão dos valores culturais das mães ribeirinhas e a influência destes no cuidado dos filhos que assumimos a tarefa de propor decisões e ações de cuidado de enfermagem culturalmente coerentes com a realidade ribeirinha. Propomos neste capítulo, portanto, a discussão dos dados dispostos em duas categorias. A primeira delas trata dos princípios e implicações do cuidado materno para a mulher ribeirinha – de maneira que possamos conhecer o significado do cuidado para a mulher cuidadora dos filhos na comunidade ribeirinha. A segunda categoria discorre sobre as práticas diárias do cuidado materno e levanta as formas de cuidado em situações de enfermidade, entendendo a necessidade de proteção, alimentação e higiene dos filhos. Categoria 1 - O cuidado materno ribeirinho – princípios e implicações para o cuidado 59 Há séculos a sociedade brasileira vê o cuidado materno como uma prática de maternidade que deve ser perfeita e realizada por uma mãe ideal – uma concepção com nítidos contornos mitológicos. Esse olhar idealizado ainda permeia todos os aspectos da nossa vida. O conceito do que é cuidado materno, quem oferece o cuidado aos filhos e suas dificuldades são, assim, objetos que influenciam diretamente nas práticas do cuidado maternal. Para conhecer as práticas de cuidado em uma população ribeirinha, portanto, precisamos identificar os princípios do cuidado materno, com todas as implicações que essa prática envolve. É nesse sentido que a categoria ora trabalhada foi construída e subdividida em três subcategorias: Cuidado dos filhos é cuidado materno: a realidade das mães ribeirinhas O significado do cuidado materno para as mulheres ribeirinhas As dificuldades do dia a dia no cuidado dos filhos ribeirinhos 1.1 - Cuidado dos filhos é cuidado materno: a realidade das mães ribeirinhas Antes de entendermos qual o significado do cuidado materno para a ribeirinha, é necessário identificar quem cuida dos filhos em Vila Nova Maringá. Para tanto nos apropriamos do conceito de maternagem, que é o cuidado oferecido pelas mães aos filhos com o objetivo geral de promover seu bemestar (WINNICOTT, 2006). A partir da vivência na comunidade e da análise das entrevistas percebi que o cuidado dos filhos é uma responsabilidade materna. Não é comum as avós cuidarem dos netos. Algumas mulheres, entre elas Piatá, falaram a respeito do tema: Eu digo pra elas assim que eu não vou ficar com neto, eu fico sim com meus netos, que nem essa, essa daí, o filho dessa, ele foi doente pra Manaus, aí eu tenho que ficar com ela; aí, nesse período eu fico, mas a menina pega um filho e fica junto comigo ali; ela sair prá brincar e eu ficar com as crianças não fico não, porque eu nunca dei esse trabalho prá minha mãe, nunca dei esse trabalho prá minha mãe, nem minha mãe, nem minha sogra, nunca cuidou dos meus filhos; fui eu mesmo todo tempo, dos nove todinho e dei conta; tão bem dizer tudo criados, que a menor tá com seis anos, já tá criada, então isso aí é que eu não quero, que as minhas filhas me dê esse trabalho de criar os filhos. (Piatá, 45anos) O Programa de Atenção à Saúde do Adolescente (PROSAD), do Ministério da Saúde, considera adolescência a faixa etária compreendida entre os 10 e 20 anos (BRASIL, 1996). Nessa fase da vida, caracterizada por ser um período difícil, o indivíduo se prepara para o exercício pleno de sua autonomia. Quando não são bem compreendidos, os adolescentes passam a ser rotulados como imaturos e incapazes de exercer suas funções na sociedade. Eles enfrentam ainda um processo de crescimento e desenvolvimento que tem características psicológicas peculiares. Não raro, o (a) adolescente é submetido a situações de risco, entre elas a gravidez precoce. A gravidez na adolescência é um fato corriqueiro na comunidade estudada. Cerca de 90% das mulheres ribeirinhas foram mães pela primeira vez com idade entre 13 e 20 anos. Embora alguns autores 60 relatem que a mãe da adolescente primípara exerce certa ascendência sobre ela, decidindo “assumir” o neto ao invés de ajudar a filha nas tarefas da maternidade, as avós ribeirinhas não costumam se responsabilizar pelo neto ou mesmo cuidar da criança. Irani, uma das entrevistadas, sustentou que a responsabilidade de cuidar do filho é da mãe, independente da idade que a mulher deu à luz. O filho, disse Irani, é dela, e não do outro: Prá menina se tornar mulher, adolescente, ou prá jovem mesmo se tornar mulher, isso não tem idade assim; por causa que prá amar não tem idade; só que prá tornar mulher assim isso deveria, deveria não, deve ser assim um entendimento, por causa que ser mãe, ser mãe não é dizer assim, eu vou ser mãe, e dizer que não vou ter a responsabilidade; então, prá ser mãe precisa de ter uma boa inteligência, uma boa confiança em si mesmo, uma boa confiança em si mesmo e ter uma coragem de dizer que sou mãe, porque eu não vou dizer assim; porque tem menina de doze anos, treze anos, quatorze anos, quinze anos, que tem filho e se torna uma mãe e não assume seu próprio filho; eu já vi gente até de trinta anos ser mãe, depois de ter o bebê dá pra alguém; então pra ser mãe não precisa da idade, precisa da responsabilidade, responsabilidade é que é. (Irani, 39 anos) As estatísticas nacionais revelam que, nos últimos anos, o número de adolescentes grávidas tem crescido vertiginosamente. Na faixa etária de 15 a 19 anos, a proporção passou de 37,4% filhos de mães adolescentes em 1991 para 41,4% em 2000 (GÓIS, 2004). Segundo Cavasin e Arruda (1998), 79,5% das internações de mulheres com idade entre 15 e 19 anos, na região Norte do Brasil, têm por causa a gravidez, parto e pós-parto, colocando em evidência o tema da maternidade da adolescência, convertido, nos últimos anos, em problema de saúde pública (SANTOS, 2003). O século XXI traria à tona dados mais dramáticos. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2002 foram realizados cerca de 1.700 partos por dia de mulheres entre 10 e 19 anos, o que representa 26% do total de nascimentos. De Janeiro a Abril de 2003 foram notificados 200.946 partos de adolescentes, havendo um aumento da taxa de fecundidade, na última década, nas cinco regiões do país. Esses números colocaram o Brasil no leque de países que apresentam taxas de gravidez na adolescência acima da média mundial, que é de 50 nascimentos por mil mulheres (COLUCCI, 2003). Estudos recentes revelam que o aumento da gravidez na adolescência não está restrito às classes menos favorecidas, demonstrando que o aumento da gravidez precoce não pode ser atribuído a pobreza ou falta de escolaridade, sendo um fenômeno que se espalha por toda pirâmide social (GÓIS, 2004). Encontrei na comunidade muitas mulheres grávidas na adolescência. Seus depoimentos deixam entrever, no entanto, que o desejo de engravidar independe da idade. Yara, que foi mãe aos 13 anos, conta sobre esse desejo: Eu tinha muita vontade de engravidar, tinha muita vontade mesmo, ate que eu me engravidei... Porque eu achava bonito uma mulher com criança no braço, eu achava bonito e eu queria me engravidar, prá eu andar com um bebezinho no braço. (Yara, 18) Ao contrário da visão hegemônica da sociedade e da visão dos profissionais de saúde em geral - que consideram a gravidez na adolescência como indesejada - a experiência de cuidar do seu filho, para a mãe adolescente, também é repleta de significados positivos. A mãe nesta faixa etária é olhada como 61 integrante do grupo de risco para exercer a maternidade. Takiuti (2001) considera, no entanto, que a adolescente pode apresentar competência para tal. A maioria das mães ribeirinhas aprenderam a cuidar de seus filhos por meio dos ensinamentos que assimilaram quando ajudaram suas mães a cuidar dos irmãos menores na infância. O depoimento de Apuã, por exemplo, dá conta que ela auxiliou no cuidado aos irmãos quando a mãe saía de casa para trabalhar na plantação de mandioca: Ajudei a cuidar da irmã minha, a mamãe ia trabalhar e eu ficava com ela, fazia a mamada dela, fazia ela dormir, cuidava dela... eu que ajudei a cuidar dos meus irmãos, porque eu sou a mais velha do meu pai com a minha mãe... eu já tinha aprendido a cuidar dos meus irmãos né, aí foi mais fácil. (Apuã, 19) Constatei assim, por meio da Observação-Participação-Reflexão (OPR) e das entrevistas, que a responsabilidade do cuidado dos filhos é materna, mas o auxílio dos filhos mais velhos acontece em alguns momentos. A prática da menina ajudar a criar os bebês – irmãos, sobrinhos, primos – é comum em núcleos familiares com grande número de filhos. Isso possibilita a aprendizagem baseada em experiências próprias, como ocorreu, aliás, com Apuã. Aos 19 anos e mãe de um menino de dois anos, a entrevistada vive distante da casa da mãe. O cuidado que presta ao filho, no entanto, ela aprendeu cuidando dos irmãos na infância. Esse é um método antigo de transmissão do conhecimento, de mãe para a filha, referente aos cuidados maternos, contudo muito eficiente. Ele não retira da mãe a responsabilidade sobre os filhos e cuidado dos mesmos, mas permite que os filhos mais velhos auxiliem neste cuidado (MACHADO & MADEIRA, 2003). E assim essas mulheres aprendem e cuidam de seus filhos, sem o auxílio e intervenção das mães, mas, eventualmente, com o auxílio dos filhos. A maternidade na adolescência é um fato corriqueiro na comunidade, considerada por muitas como desejada e não precoce. Elas aprendem a cuidar por meio do auxílio que prestam às mães no cuidado dos irmãos. Quando se tornam mães, elas se responsabilizam e cuidam dos seus filhos, segundo elas de maneira boa. Consideram-se boas mães, de acordo com seus conceitos, mesmo diante de tantas dificuldades. 1.2 - O significado do cuidado materno para as mulheres ribeirinhas Encontramos diversos significados para o cuidado materno. Ele pode ser visto como a assistência dirigida ao filho diante das suas necessidades evidentes ou antecipadas para melhorar seu modo de vida, oferecido pela mãe/progenitora. Esse cuidado é aprendido e transmitido de modo popular (LEININGER & MCFARLAND, 2006). Ou ainda, esse cuidado materno é entendido como o amparo às necessidades fisiológicas, todo investimento de amor, aconchego, de maneira boa e protetora (WINNICOTT, 2006). No entanto, para compreender melhor as práticas de cuidado ribeirinho, é necessário conhecer os conceitos que o cuidado tem para as mães ribeirinhas, e como elas descrevem o significado da maternagem. 62 Ao analisar as dezesseis entrevistas, entendi como essas definições são ricas e peculiares na comunidade. Um dos conceitos de cuidado materno é dado por Janaina, uma das matriarcas da comunidade, mãe de oito filhos. Ela acredita ter oferecido um bom cuidado: Cuidava bem deles, não deixava eles comerem as coisas pelo chão, só eu mesmo que cuidava deles, eu fazia de tudo, mas com eles ali, mas não os deixava pelo chão... A criação deles foi bem, eu não maltratava eles, cuidava bem deles. (Janaina, 63) Para Janaina, o bom cuidado materno é cuidar da higiene e dar atenção aos filhos, além, é claro, de não infligir maus tratos às crianças. Já Jaciaba, com sete filhos, acredita que ser boa mãe é atender a todas as necessidades deles: Acho que eu sou boa mãe assim com elas, nunca fui mau assim com elas... Cuidei tudo bem deles graças a Deus, não fui uma mãe ruim, o que eu posso fazer por eles eu faço, o que eu posso dar eu dou. (Jaciaba, 38) Observei nas entrevistas que ser mãe e ser uma boa mãe é um ideal para as mulheres de Vila Nova Maringá. Esse anseio vai ao encontro de Freud (1976), quando este autor menciona a feminilidade que só se completa na maternidade. Ser mãe, assim, é algo como um símbolo de amor e ternura instintivamente bons. Muitas mães entendem ter alcançado este objetivo porque atenderam às necessidades dos filhos. O depoimento de Jaciaba confirma a tese. Mas, o mito da mãe ideal é o inimigo número um da maternidade feliz. Isso acontece quando o cuidado dos filhos significa dar tudo a eles, saber como evitar doenças e suas dificuldades na escola. De acordo com os ditames dessa mitologia, a mãe não tem sequer o direito de fracassar no desempenho deste papel, o da mãe perfeita. Com o fracasso sobrevém a culpa e esta última provoca uma tristeza infinita e, ao mesmo tempo, indefinida. Encontramos esse estado de espírito com muita freqüência entre as mães jovens. Essa sensação é, portanto, um inimigo que precisamos acompanhar e, quando preciso, abater imperativamente, pois é necessário ser uma mãe feliz e não ideal (SERRUIER, 1993). É imperioso também observar o que a mãe entende por cuidado materno para que ela alcance uma maternidade feliz, realista e experimente a sensação de ser uma boa mãe. Ainda que resmunguem quando são obrigadas a interromper o sono durante a noite para amamentar ou reclamem da necessidade de caçar à noite para trazer o alimento. O depoimento de Iracema, mãe aos 15 anos, ilustra bem a situação: Eu me senti feliz, sonhei de ter filho, aí eu tive, mas se não tivesse eles, eu estava sozinha, trabalhando em algum lugar, comprando o que eu precisava, se não tivesse eles nem marido do meu lado... Mas, o cuidado com eles foi bom, tá indo bem, se eles têm alguma queixa de nós eu não sei, mas eu e o pai, nós não fica maltratando os filhos... Eu sonho felicidade, nunca penso mal para elas não, um bom, uma felicidade para todas elas, não quero ver o mal delas não. (Iracema, 36) Iracema, assim como outras mulheres, reconhece seus limites como mãe, mas, além de gostar muito dos filhos, também deseja sua vida de mulher, no trabalho ou no estudo, seja apenas sonhando com esta possibilidade ou a vivenciando na prática (SERRUIER, 1993). Precisamos valorizar muitas práticas de cuidado entre as ribeirinhas. Inclusive a percepção que ela tem de si própria. A ribeirinha entende ser uma boa mãe, é feliz na sua maternagem e reconhece como bons os cuidados maternos que presta. Ainda que não atenda todas as necessidades dos filhos, ela não se 63 acha perfeita, mas suficientemente boa, segundo os seus próprios conceitos (SERRUIER, 1993). A valorização das mães ribeirinhas, então, deve acontecer mesmo quando elas reconhecem e explicitam os prejuízos que a maternidade e o cuidado materno podem trazer. Jurema, por exemplo, vê no cuidado materno dedicado a seus dez filhos a razão de viver que ocupa toda sua vida. A entrevistada, no entanto, convive com a contradição de saber que o desempenho das tarefas tem seus aspectos negativos: Muito sacrifício criar filho, e é muito mesmo, às vezes eu penso na minha vida, tá criando eles graças a Deus. Tô satisfeita com esses que Deus já me deu mesmo, mas a gente trabalha, faz as coisas pra cá, bota filho pra casa, planta uma planta por ali, bota uma macaxeira pra lá, planta um cará, é pro alimento das crianças; isso ai é o alimento das crianças, a gente trabalha por ali, faz aquela farinha e bota prá casa prá criança comer, bota uma macaxeira, bota um cará prás crianças comerem as coisas de manhã e a gente vai vivendo a vida... A vida da gente é cuidar, zelar, criar filho, Virgem Maria, é ruim. (Jurema, 40) Atualmente com vinte e seis anos, Garaciaba ingressou no universo da maternidade aos treze anos e desde então teve seis filhos. À frente dos cuidados dispensados a todos eles, a entrevistada levantou a questão do trabalho que o cuidado traz, a disponibilidade de tempo, a prioridade dispensadas às crianças e como isso afeta a satisfação de suas próprias necessidades. Quem dizer que filho não dá trabalho tá mentindo, a gente dorme mal dormido, come mal comido, tem hora que não da pra fazer nada, tem que largar, tem que ver, é muito trabalho, cuidar do filho dá trabalho, é muito difícil. (Garaciaba, 26) Observo nos depoimentos aqui reproduzidos, de Jurema e Garaciaba, que a maternagem é vista e definida como sacrificante e muito trabalhosa para essas mulheres ribeirinhas. Elas reconhecem o trabalho e as dificuldades implícitas no cuidar dos filhos, mas ainda assim desejam ser mães e se sacrificam para cuidar bem. Para as mães ribeirinhas o cuidado está além de atender às necessidades fisiológicas e de higiene dos filhos, oferecer amor e proteção e promover o bem-estar do concepto. Para essas mulheres, o cuidado materno significa também trabalho e responsabilidade dedicados ao filho. Elas, na verdade, vivem um cuidado que é mais que um ato: é uma atitude cheia de significados. Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude de ocupação, de preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro (BOFF, 1999). Já os fundamentos de Winnicott vêem na relação mãe-bebê e nas interações com o meio uma ligação com os processos de maturação e desenvolvimento psíquico. A utilização dessas categorias, popularizadas na década de 50, deixam entrever que não existe saúde, para o ser humano, que não tenha sido acolhida com amor por meio de uma maternagem suficientemente boa (WINNICOTT, 1978). A constatação a que chegamos - de que as mulheres riberinhas cuidam de seus filhos com paciência, abnegação e auto-sacrifício e encontram satisfação nas tarefas mais prosaicas da maternidade – vai ao encontro da obra de Forna (1999). 1.3 – As dificuldades do dia a dia no cuidado dos filhos ribeirinhos 64 Depois de significar o cuidado, muitas mulheres ainda viram a importância de relatar sobre as dificuldades que encontram no cuidado diário dos filhos, ou seja, a realidade do cuidado no dia-a-dia de uma comunidade ribeirinha. Essas dificuldades são proporcionadas pelo quantitativo de filhos e as condições da vida dos ribeirinhos, dentre outros fatores que serão discutidos a seguir. O número elevado de filhos foi apontado por algumas mães como um fator que dificulta o cuidado. O universo pesquisado neste trabalho incluiu oito (08) grandes multíparas, com cinco a dez filhos. Uma dela é Jurema, mãe de dez filhos. Aqui, ela comenta as dificuldades de se cuidar de muitos filhos: Agora só que é sacrificoso você criar muito filho, tem que quebrar cabeça pra cá, e chama pra cá, quando já ta grande tudo bem, quando ta pequeno, que tão engatinhando a gente tem aquele trabalho, aquele cuidado de vir pra beira, não deixa ta comendo porcaria, não deixa ta com terçado na mão, com faca pra não cortar outra criança, pra não bater no outro, ô meu Deus! Muito sacrifício criar filho assim, e é muito mesmo, às vezes eu penso na minha vida, ta criando eles graças a Deus. (Jurema, 40) O depoimento de Jurema indica que o cuidado dos filhos muitas vezes é dificultado pelo tamanho da família. Segundo as entrevistadas, é difícil administrar as práticas de cuidado diário de muitas crianças. O Ministério da Saúde reafirma a autonomia e a liberdade de escolhas facultadas às usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com a legislação, elas têm o direito a informações, assistência especializada e acesso aos recursos que lhes permitam optar livre e conscientemente por ter ou não ter filhos. Ainda de acordo com o texto legal, o número, o espaçamento entre eles e a escolha do método anticoncepcional mais adequado são opções que toda mulher deve ter de forma livre, sem discriminação, coerção ou violência (BRASIL, 2002). Apesar das facilidades dispostas pelo SUS, descobri ao longo da pesquisa feita em Vila Nova Maringá, que nenhuma das grandes multíparas ali entrevistadas utiliza ou conhece algum método contraceptivo. Constatei também que 87.5% das mulheres são analfabetas ou não completaram o ensino fundamental, características que contribuem para alta incidência de multíparas (GAMA, 2001), circunstância que, segundo as próprias mulheres, representa um agravo para o cuidado materno diário. Além do quantitativo de filhos, outra dificuldade no cuidado diário, levantada por duas mulheres, é a ausência do pai. Mãe de seis filhos, Japira, uma mulher trabalhadora e separada do marido, resume a vida de quem cuida sozinho: O filho que não tem pai, que é só a mãe que cuida, fica muito difícil, ela se esforça muito até vira rapaz até fica moça, dá muito trabalho. (Japira, 39) De acordo com a tese de doutorado de Silva (2003) – Cuidado de enfermagem na dimensão cultural e social: história de vida de mães com sífilis – nos dias de hoje a mulher, mais do que nunca, questiona seus valores e suas funções numa sociedade marcada por valores morais e materiais. Conciliar de forma harmônica e sem culpa a sua tripla jornada - mulher, mãe e trabalhadora - é muito difícil. Ainda mais quando se é mãe solteira e se enfrenta dificuldades financeiras. 65 A baixa renda mensal da maioria das mulheres – em alguns casos famílias com até 14 pessoas vivem com um salário mínimo – dificulta muito, segundo as próprias depoentes, o cuidado materno. Muitas mulheres vêem na pobreza um sério complicador que influi diretamente na compra de alimentos e roupas e na melhoria da moradia, entre outros bens seguramente necessários ao bem-estar das crianças. Os relatos de Maiara e Irani ilustram bem a situação: A criação deles foi um pouco difícil porque a gente não tem aquele ganho bem né, prá ajudar a sustentar. (Maiara, 20) A criança nasceu sem pano, sem nada de enxoval, tudo que Deus botou em mim assim ele tirou, aí os vizinhos viu que a criança tava sem nada, cada um pega uma roupa, uma camisa, um pedaço de lençol, ajuntaram aquelas coisas e trouxeram, embrulharam a bebezinha. (Irani, 39) Como a renda mensal da maioria das mulheres é baixa, as mulheres não conseguem ter alimentos o mês todo. Para suprir essa necessidade, as mães precisam caçar e trabalhar na agricultura, com ou sem o auxílio do companheiro. Constatei durante a Observação-Participação-Reflexão e nas entrevistas que a alimentação diária é praticamente baseada na farinha e em algum animal proveniente da caça ou da pesca. Esses são os alimentos que as mães podem oferecer aos filhos. Os depoimentos de Jurema e Irani indicam que elas têm um companheiro mas, mesmo assim, trabalham na produção de alimento para os filhos: A gente trabalha, faz as coisas pra cá, bota filho pra casa, planta uma planta por dali, bota uma macaxeira pra lá, planta um cará, é pro alimento das crianças, isso ai é o alimento das crianças, a gente trabalha por ali, faz aquela farinha e bota pra casa pra criança comer, bota uma macaxeira, bota um cará pras crianças comerem as coisas de manhã e a gente vai vivendo a vida. (Jurema, 40) Eu fiquei sem o pai dos meus filhos, mas eu nunca ganhei dinheiro do meu próprio corpo não, isso aí eu tenho a consciência livre, eu sou séria mas eu não sou casada; aí eu vinha só eu e minha canoa pra cá, quando eu voltava, eu já voltava procurando comida pra sustentar os meus filhos, eu sempre fiquei com esse costume quando não tem alguma coisa em casa que a noite é bonita eu vou sozinha, quando eu tava lá passava só eu, dois, três dias sozinha lá na minha casa ali, ficava capinando roça, sempre trabalhando assim na agricultura, aí sempre minha vida foi assim mesmo, de luta, de trabalho. (Irani, 39) A preocupação com a obtenção de alimentos, seja na agricultura ou na caça, pinta em cores vivas, assim, a permanente luta que a mãe ribeirinha trava contra a fome dos filhos. Mas, o leque de dificuldades vai além da falta de recursos. Além das razões de ordem financeira, muitas mulheres relataram que morar no interior, longe do centro urbano de Maués, também compromete a qualidade do cuidado prestado aos filhos. Cunhapora e Garaciaba, por exemplo, alertam que na cidade é possível conseguir acesso à educação, saúde e alimentação: É assim nossa vida no interior, nosso alimento é meio precário porque não é na cidade né, quando falta tem aonde comprar e aqui no interior não... Antes morar na cidade que no interior, porque morar na cidade e o ganho da cidade é pouco, mas no mesmo momento é muito porque lá na cidade você tem tudo, você tem sua geladeira, você tem água na torneira, você tem seus filhos que estuda na cidade e é com pouco salário você consegue; e no interior você trabalha tanto e não consegue nada. (Cunhapora, 46) Eu acho que na cidade é mais fácil de cuidar, porque na cidade tudo que acaba na casa tem na loja e aqui se acabar... principalmente bebê pequeno assim, se acabar a alimentação ele vai chorar porque não tem, é difícil gente pra comprar, não tem gente vendendo por aqui, acabou uma coisa tem que ir em Maués porque aqui não tem, eu acho assim que a dificuldade da cidade pro interior é assim, no caso de uma doença em Maués corre pro hospital, aqui no interior é muito difícil as coisas. (Garaciaba, 26) 66 A vida no interior, portanto, é percebida, por muitas mulheres ribeirinhas, como um fator que dificulta o cuidado. Viver longe dos centros, segundo elas, restringe o acesso a meios que propiciam um cuidado melhor e mais fácil. Nem todas as mulheres do estudo enxergam a vida ribeirinha como uma dificuldade para as práticas de cuidado. Como relata Apuã: Lá em Maués tudo é comprado né, e aqui no interior não, a gente ajeita uma coisa pra ali, uma coisa pra ali, eu achei melhor do que Maués... Porque aqui você compra umas coisinhas lá em Maués e dura muito, é só pro bebê e lá em Maués não, a gente tem que comprar, e aqui não, aqui a gente faz mingau de macaxeira, mingau de cará, de qualquer coisa e já vai alimentando eles, nós temo plantado. (Apuã, 19) Ao contrário de Garaciaba e Cunhapora, Apuã entende que a questão da subsistência no interior, e sua íntima relação com o cuidado, não é tão ruim quanto apregoam suas companheiras: é que as populações ribeirinhas cultivam e têm acesso aos alimentos, ao contrário da vida no centro urbanos de Maués, onde tudo é comprado. É importante, portanto, conhecer o conjunto de individualidades que se esconde por trás de cada mulher – e não somente aquilo que chamamos de cultura da comunidade. Do contrário, corre-se o risco de generalizar e comprometer a visão que o pesquisador colhe da assistência em Vila Nova Maringá. As análises desenvolvidas a partir da categoria aqui utilizada deram origem a duas certezas. Uma delas é a de que as mulheres enfrentam muitas dificuldades no seu dia-a-dia durante as práticas de cuidado. A outra diz respeito às razões dos obstáculos com que se deparam no cotidiano ribeirinho. Elas apontam a multiparidade, a falta de companheiro, a baixa renda familiar mensal, o acesso aos alimentos e a vida no interior como fatores que dificultam o cuidado materno. Ainda assim encontrei, na maioria das falas, uma esperança: a de que o sacrifício empenhado no cuidado será, um dia, recompensado pelos filhos na velhice da mãe. Jurema foi uma delas: Eu to satisfeita, de ter meus filhos, criar todo eles, ficar tudo homem, tudo mulher, pra me ajudarem que eu já to ficando muito idosa, todo mundo tá vendo que eu to ficando idosa (Jurema, 40) A percepção que as mães ribeirinhas têm do cuidado materno e de seus significados – construída a partir das dificuldades diárias que enfrentam – confirmam a construção teórica do mito da maternidade. Reproduzimos aqui trecho da obra de Forna (1999:11) no qual o autor discorre sobre o mito da mãe perfeita: Deve ser completamente devotada não só aos filhos, mas ao seu papel de mãe. Deve ser a mãe que compreende os filhos, que dá amor total e, o que é mais importante, que se entrega totalmente. Deve ser capaz de enormes sacrifícios. Deve ser fértil e ter instinto materno... Acreditamos que ela é a melhor, e a única capaz de cuidar corretamente dos filhos, e que eles exigem sua presença contínua e exclusiva. Ela deve incorporar todas as qualidades tradicionalmente associadas à feminilidade, tais como, acolhimento, ternura e intimidade. Queremos que ela seja assim e é assim que tentamos fazê-la. Essa atitude de sacrifício e de abnegação da maternidade, diante das dificuldades diárias do cuidado, segundo Herdy (2001), é uma concepção idealizada pela sociedade ocidental que vem se perpetuando ao longo da história. A mulher encara a maternidade e o cuidado como algo instintivo e natural. A mulher acredita que o seu único destino é a procriação e a perpetuação da espécie. Por isso, ela 67 se entrega totalmente aos cuidados com o filho e abdica de seus ideais femininos. A autora entende que a cultura da mulher influencia a maneira como ela enxerga a maternidade: um ideal feminino. Esse fenômeno ocorre em Vila Nova Maringá e deve ser respeitado pelo profissional de saúde ali lotado para prestar assistência. Ao conhecer o cuidado materno das mães ribeirinhas, percebemos que ele é uma atitude de ocupação do tempo. Sua prática envolve trabalho e atenção, a permanente preocupação em conseguir alimentos e as demais tarefas do cuidado de quem vive no interior. Conforme define Boff (1999), esse cuidado é responsabilidade da mulher que cuida só. Trata-se, acima de tudo, de um envolvimento afetivo, uma satisfação em cuidar, aguardando um retorno de afeto e, mais do que tudo, é um zelo. Procurei a comunidade de Vila Nova Maringá para conhecer as práticas de cuidado materno ali prestado. A convivência com as mães ribeirinhas despertou-me o interesse de não só saber como cuidam das crianças, mas desvendar o significado que elas mesmas atribuem ao cuidado que oferecem. Os depoimentos confirmaram minhas expectativas e foram ricos porque, entre outras coisas, a maioria das mulheres tem o perfil de grandes multíparas, inicia a maternidade na fase da adolescência e enfrenta dificuldades para levar adiante sua tarefa no ambiente ribeirinho. E esses fatores, de grande relevância influenciam diretamente as práticas de cuidado. A realidade, no entanto, é que geralmente não observamos esses princípios quando prestamos assistência - saber quem cuida, o que é cuidar e quais dificuldades a mãe encontra para o cuidado. Na maioria dos casos nos contentamos em conhecer as práticas de cuidado e assim rotulamos o certo e o errado, elaboramos prescrições sem refletir sobre a amplitude deste cuidado. Assim é que acabamos desrespeitando o meio, a cultura e a individualidade de cada mãe. Depreende-se, então, que conhecer os princípios e as implicações do cuidado materno ribeirinho contribui essencialmente para o desenvolvimento e a prática de um cuidado profissional de enfermagem culturalmente coerente com a saúde materno-infantil. 68 Categoria 2 - O cuidado dos filhos ribeirinhos – as práticas do cuidado materno Reproduzimos aqui a maneira como alguns autores definem os cuidados essenciais que as mães devem prestar aos filhos. Para Winnicot, a criança necessita de cuidado desde o nascimento e não pode existir sozinha. Essa atenção é, essencialmente, parte de uma relação mãe e filho. E é através das práticas de cuidado que a criança sobrevive nos primeiros dias de vida e subseqüentemente cresce e se desenvolve com o passar dos anos (WINNICOTT, 1985). Cuidar do filho é uma prática para assistir ou ajudar outros no sentido da cura e do bem-estar (LEININGER & MCFARLAND, 2006). É um cuidar do corpo desde a alimentação segundo Leloup (1997). Para Winnicott (2006), é por meio do cuidado que a mãe atende as necessidades fisiológicas dos filhos e oferece a eles proteção. Através das práticas de cuidado a mãe atende as necessidades evidentes ou antecipadas. Necessidades evidentes diante do processo saúde-doença, e antecipadas para prevenção de doenças e promoção do bem estar por meio de práticas como alimentação e higiene do seu filho, assim como na proteção dos filhos (LEININGER & MCFARLAND, 2006). É nesse sentido que esta categoria – O cuidado dos filhos ribeirinhos – as práticas do cuidado materno - foi construída: conhecer as práticas de cuidado materno dos filhos ribeirinhos e, deste modo, capacitar e incentivar a enfermagem a oferecer uma assistência culturalmente coerente com a realidade ribeirinha. Muitas das práticas levantadas nos depoimentos e OPR, nesta categoria, são peculiares à comunidade estudada e diferentes dos centros urbanos. Por isso é necessário um estudo sistemático de maneira que as ações do cuidado de enfermagem propostas sejam coerentes com a realidade ribeirinha, por vezes acomodando, repadronizando e, sempre que possível, preservando o valor cultural. Para facilitar o desenvolvimento deste estudo sistemático das práticas de cuidado, os depoimentos das mães ribeirinhas foram agrupados em duas subcategorias: O cuidado materno em situações de adoecimento dos filhos: a mãe atendendo a necessidades evidentes O cuidado na alimentação e higiene dos filhos: a mãe atendendo a necessidades antecipadas 2.1 - O cuidado materno no processo saúde-doença: a mãe atendendo a necessidades evidentes Leininger & McFarland (2006) se debruçaram sobre o assunto. De acordo com estes autores, cuidar em situações de adoecimento do filho, ou de prevenção de doenças específicas, representa um atendimento a uma necessidade evidente. Ou seja, a mãe, através do cuidado, procura promover a cura ou 69 prevenção específica de alguma patologia diagnosticada por ela e que pode comprometer a saúde de seus filhos. Em Vila Nova Maringá identifiquei não só a presença de muitas doenças que acometem as crianças, como desnutrição, desinteria, parasitoses e outras, mas uma carência de assistência de profissionais de saúde. É num contexto como esse – permeado por uma carência de cuidado profissional – que a mãe ribeirinha se apresenta como agente do cuidado tradicional e trata da saúde-doença. Ela não passou por uma preparação específica para desempenhar essas funções mas, informalmente, adquiriu um saber de seus familiares e das pessoas mais velhas, fez suas observações e adquiriu alguma experiência com os profissionais. Teixeira (2001) já descrevera essa situação anteriormente. É ela, descreve a autora, com seu saber popular, que realiza o diagnóstico e os sintomas, e cura seus filhos com medicação caseira ou farmacêutica tradicional. A observação é o método mais comum usado pelas mulheres para detectar alguma anormalidade na saúde de seus filhos e diagnosticar a doença. As mães observam permanentemente as crianças e tomam providências a certos sinais: quando o filho está quieto na rede, aceitando pouco o alimento, com olhar de tristeza e chorosos. Os depoimentos de Maiara, Irani, Garaciaba e Yara ilustram bem a situação: Do jeito que eles são danado, quando começarem a ficar na rede deitado, não ligar pra brincadeira, é porque alguma coisa ta acontecendo, fico desconfiada... aí quando um já fica separado do outro lá pela rede, deitado, dormindo é porque não tá muito bem não. (Maiara, 37) Eu percebo assim porque quando eles tão sentindo alguma coisa, ou alguma dor, ou tão com verme, quando eles tão com verme ou eles tão comendo demais, ou quando eles comem alguma coisa eles sente ruim, ou então eles tão dormindo muito, quando eles tão sentindo alguma dor que eles não querem me contar, eles ficam por ali triste, eu falo com eles, eles falam aquela voz estranha. (Irani, 39) Eles ficam triste assim, você vê que eles não tá alegre, eu já percebo que não tá nada bem. Eu percebo, porque assim menino, eu acho assim esse meuzinho ele não gosta de ficar dormindo se um dia ele for prá rede dele ir dormir, já sei que alguma coisa ele tem, eu já coiso assim, eu já percebo assim, se ele tiver ali pela rede, não quiser levantar da rede, por ali, eu já sei que alguma coisa tem, ou dor de cabeça, qualquer uma coisa tá com ele, eu percebo assim. (Guaraciaba, 26) Percebo que ela é difícil quase chorar, ela não chora quase nada, quando ela tá assim ela dorme, coisa mais difícil é ela dormir de dia, quando ela não tá se sentindo bem ela deita na rede e dorme, acorda às vezes com febre, ela é muito difícil adoecer. (Yara, 18) Baseado na observação dos filhos, algumas mulheres relataram, durante os depoimentos, os meios que utilizam para a prevenção das doenças de modo empírico. Assim como Iracema, muitas mulheres levam em conta até o clima para orientar o horário de banho nos filhos e evitar gripes: Só dá banho neles, agora essa época de verão a gente não pode nem tá toda hora molhando né, porque essa gripe, faz até mal tá toda hora molhando a criança, mais de manhã e de tarde, não assim tarde porque de noite dá a gripe, eu até dou banho neles (Iracema, 36) Piatá relata que para evitar a disenteria, dava algodão para os filhos morderem quando nasciam os primeiros dentes: Quando tava prá nascer, que a gente via que tava prá nascer os dentinho, eu dava algodão prá criança brincar, prá morder né, ai não faz mal, não da dor de barriga nem nada, dava algodão prá criança brincar, botava algodão prá ela morder né, prá não dá disenteria, porque tem criança que quando vai nascendo dente vai dando muito disenteria e assim não, você da o algodão pra criança brincar e não dá disenteria. É dava algodão pra morderem pra não dá a disenteria. (Piatá, 45) 70 Já Cunhapora observa que o feijão faz mal a uma de suas filhas à noite: Ela é fraca em todos os organismo dela, ela é fraca, até pra comer um feijão de tarde eu não gosto dela comer feijão de tarde, porque o feijão é forte, no almoço tudo bem, eu deixo ela comer bem, encharcar bem no feijão, mas de noite eu não quero. (Cunhapora, 46) Do mesmo modo, Garaciaba observou que o café prejudica uma de suas filhas: Essa minhazinha que tava pra Maués, o café eu já não dou pra ela, que não faz bem, nunca fez bem o café pra ela, de manhã eu dou chá, eu dou leite, mas não dou café pra ela não, tem vez que ela chora mas eu não dou, já faz mal pra barriga dela, não pode tomar café não. Da diarréia nela. (Guaraciaba, 26) Yara relatou que a filha só vai comer peixe após começar a andar. A medida, segundo ela, é uma precaução contra o sapinho (candidíase): Peixe, aí dá sapinho na boca, fica cheio de negocinho branquinho que a gente limpa, aquilo fica tudo ruidinho. (Yara, 18) Já Jaciaba e Garaciaba, por sua vez, relatam que o peixe pode causar desarranjo no intestino (diarréia) da criança antes de um ano: Não gosto de dá logo peixe antes de interar um ano porque desarranja a barriga, a criança fica doente da barriga, defeca muito, toda hora fica fazendo coco, fica ruim da barriga. (Japira, 39) Ele é bom o peixe, mas não pra criança muito pequena, ele estraga com a barriga, ele não é muito bom não. O peixe às vezes da disenteria e diarréia, muito novinho pra criança comer assim, se for muito também, tem que ver a qualidade do peixe, o peixe liso ele já é mais forte do que outros peixe com escama. Ele dá assim, porque se alguma criança tiver alguma feridinha, alguma coceira, deu o peixe liso ela inflama, tem outro tipo de peixe que o curumaxã, piranha, tem uns peixe muito remoso, qualquer coisa assim, se tiver qualquer coisa no olho, se tiver tomando remédio pra alguma coisa, já tiver sarando, uma tosse, uma coisa, se der, renova tudo de novo, aí por isso que eu não dou esses peixes. (Guaraciaba, 26) O cuidado fundamentado na cultura popular e oferecido pelas mães, informal e tradicional, comporta crenças sobre a manutenção da saúde. Essas crenças são, normalmente, um conjunto de diretrizes específicas para o comportamento correto para evitar a falta de saúde. De acordo com Helman, as crendices incluem orientações sobre o modo saudável de comer, beber, dormir, vestir-se e conduzir a vida, conforme os relatos de mães que prestam cuidados aos filhos em regiões ribeirinhas (HELMAN, 2009). No momento em que as crianças adoecem, as mães também são as principais cuidadoras. É por meio do uso exclusivo de medicação caseira, ou associada a medicação farmacêutica tradicional, que as mães procuram promover a cura dos filhos. Devido ao difícil acesso aos serviços de saúde do Sistema Único de Saúde, essa medicação farmacêutica quase sempre ocorre sem prescrição do profissional de saúde. Primeiro eu dou o remédio depois eu dou o chá, se não melhora aí eu dou o chá. (Potira, 20) Potira conta que prefere dar o remédio farmacêutico antes dos chás e remédios caseiros, mas esta ordem de prioridade no cuidado pode variar entre as mulheres. Muitas costumam utilizá-los concomitantemente, conforme o relato de Iaciara: Quando ela tá gripada eu faço chá pra ela de alho e de limão e dou com um AAS, quando ela tá com febre eu faço isso também, às vezes quando ela tá com dor de barriga, fazendo coco toda hora, eu sempre dou aquele Diazec® prá ela tomar. Chá de alho e de limão. (Iaciara, 20) 71 Janaina, uma das matriarcas da comunidade, adota a utilização do remédio caseiro antes do farmacêutico. Ela reconhece a necessidade de levar a crianças ao centro urbano de Maués no caso de a patologia persistir: Remédio caseiro quando dá prá remédio caseiro dá, quando não a gente manda logo pra Maués, aí fica lá pro médico cuidar no hospital... Às vezes quando tava com garganta eu botava mel, mel de abelha com essa Sufadiazina® que é uma pastilha muito boa, calmante, eu dava pra comerem assim por causa de gripe, o mel pra criança com gripe. A dor de ouvido eu botava leite de peito com esse trevo roxo, uma folhinha redondinha roxinha, escalda ela, espreme põe no algodão e bota no ouvido da criança, qualquer pessoa é bom... Pra tomar banho morno, casca de taperebá; botava n’água, dava banho neles quando custa a andar, pra não custar a andar, pra pegar força nas pernas, botava no sol, já de tardinha e dava banho neles. Tirava o frio das pernas, da cadeira da criança, é bom. (Janaina, 63) Algumas mulheres, como Tingá, mencionam apenas o uso da medicação caseira no cuidado dos filhos quando adoecem: Às vezes a gente usa, chazinho de urichiparigórico, a plantinha né, ai tem hortelã também né, tem vick, tem uns vickzinho docinho e tem uns que é quemoso. O urichiparigórico é bom prá dor de estomago, prá enxaqueca né, quando a gente sente aquela enxaqueca no estomago, ele é bom pra enxaqueca, o hortelã ele é bom assim prá dor de barriga, tem arruda, aqui tem arruda, arruda é prá febre, às vezes a febre tá muito alterada, a gente faz aquele chazinho e dá, aí não precisa de calmante prá botar mais não, só é aquele chá mesmo. A vick é prá chazinho, prá cheirar aquela folhinha tem um cheiro igual daquele vick que vem em latinha, eu tinha das duas qualidades, do quemoso e daquele docinho, só que do quemoso eu perdi, só tenho do docinho. (Tinga, 36) A literatura existente registra a relação existente entre a sabedoria popular e a cura das doenças. É sabido que a utilização de plantas medicinais é uma das mais antigas práticas populares em saúde, advinda da sabedoria popular, conhecida predominantemente por mulheres, relata Atraíde et al. (2007). Loyola (1984) constatou, inclusive, que essas práticas não ocorrem apenas em áreas rurais ou afastadas, mas também nas áreas urbanas em todos os níveis sócio-econômico-educacionais. Segundo o autor, a medicina popular é extensamente praticada e representa uma alternativa que faz concorrência à medicina tradicional e científica. Durante a coleta de dados procurei saber que plantas são usadas para a confecção de remédios caseiros e qual a finalidade de tal uso. Descobri que diversas medicações citadas pelas mães ribeirinhas são utilizadas no cuidado de doenças e/ou problemas específicos dos filhos. As informações, esmiuçadas no quadro 13 adiante reproduzido, identificam o uso de 37 indicações vegetais para 17 doenças e/ou problemas de saúde. Alguns autores se debruçaram sobre as remotas origens da utilização de nossa flora. De acordo com Estrella (1995), a história do uso das plantas medicinais na Amazônia remonta à ocupação da região pelos aborígenes da selva. A presença do homem na região, registrada desde a mais remota antiguidade (cerca de 10.000 anos), provocou o uso dessas plantas para satisfazer as necessidades das populações. Desenvolveram-se, desde então, esquemas de exploração e manejo desses recursos, permitindo uma adequada conservação do meio. Teixeira (2001) acrescenta que há séculos várias plantas úteis são cultivadas para a alimentação e a medicina, a construção de habitações, elaboração de tintura de vestimentas, confecção de ferramentas e utensílios, além da produção de estimulantes e alucinógenos utilizados em rituais cerimoniais mágico- 72 religiosas. O registro histórico do uso destes vegetais surge com os primeiros cronistas da invasão européia. Muitas incursões, ocorridas nos séculos XVI e XVII, eram exclusivamente para tratar de encontrar as prometidas riquezas e as drogas da mata. E até hoje, segundo a autora, a flora local é usada para a obtenção de venenos utilizados em armas. Utilizei como fonte de consulta alguns repertórios e trabalhos de catalogação de plantas medicinais da Amazônia (ESTRELLA, 1995; BERG, 1982; BERG et al, 1987; DISTASI et AL, 1989; RIBEIRO, 1999; VIEIRA, 1992). Comparei os dados ali contidos com os nomes populares referidos pelas mulheres e constatei que as partes utilizadas das plantas – e seu uso terapêutico indicado para os respectivos problemas de saúde - estavam de acordo com o estabelecido nas respectivas fontes consultadas. Quadro 13 – Relação de medicação caseira e indicação segundo as mães ribeirinhas Vegetal utilizado Indicação ANEMIA Abacate Carajituba Cipoquira Tuá Açaí Cupunha Cará Abacate Parte utilizada Modo de uso FOLHA FOLHA FOLHA FOLHA RAIZ RAIZ LEGUMINOSA FOLHA XAROPE FOLHA FOLHA CHÁ FOLHA CHÁ FOLHA FOLHA CASCA CHÁ SUMO ÁGUA INGERIR FOLHA FOLHA CHÁ FOLHA CHÁ FOLHA SOLUÇÃO CASCA BANHO FRUTO CASCA FOLHA FOLHA CHÁ SEMENTE SEMENTE IMPLASTRO DO PÓ LEGUMINOSA GARRAFADA FOLHA CHÁ CHÁ AZIA E CÓLICA Hortelã Elexir Paregórico CALMANTE Erva cidreira DIARRÉIA Diazec Capim santo Caju DISENTERIA Coco DOR Ardósia Melhoral DOR DE CABEÇA Anador DOR DE OUVIDO Trevo roxo FAZER A CRIANÇA ANDAR Taperebá FEBRE Alho Limão Ardósia Arruda FERIDAS Abacate Amor crescido FORTALECIMENTO DA CRIANÇA E COAGULANTE Batata FLATOS Erva doce GRIPE 73 Alho Limão Jucá Manga FRUTO CASCA CASCA CASCA CHÁ XAROPE LIMPEZA DOS DENTES Cedro Café CARVÃO BORRA TÓPICO PALHA PALHA CHÁ SEMENTE IMPLASTRO DO PÓ SARAMPO Cana Milho SECAR O COTO Taperebá Fonte: entrevistas As plantas que foram mencionadas compondo algumas receitas de remédios caseiros estão discriminadas no quadro 14 aqui apresentado. Quadro 14 – Receitas com plantas utilizadas pelas mulheres Receita Chá de alho com limão Chá de folha de abacate com cará Xarope de folha de abacate com folha de carajituba, folha de cipoquira, folha de tuá, raiz de açaí, raiz de cupunha mais açúcar Chá de palha de cana com palha de milho Gotejar no ouvido trevo roxo escaldado com leite materno Xarope de casca de jucá, casca de manga com açúcar Fonte: entrevistas Indicação Gripe e Febre Anemia e malária Anemia Sarampo Dor de ouvido Gripe Chamamos de setor informal o espaço no qual as mães – detentoras de um saber leigo, não profissional e não especializado – diante do pouco acesso aos sistemas de saúde colocam em prática atividades de cuidado nas comunidades ribeirinhas. Esse setor inclui todas as opções terapêuticas a que as pessoas recorrem sem pagamento e sem consulta a provedores tradicionais ou praticantes da medicina. Ainda nesse contexto, a principal arena da assistência à saúde é a família. A maior parte dessa assistência, assim, se dá entre pessoas que estão ligadas entre si por laços de família, conforme acontece no cuidado materno (HELMAN, 2009). Também é possível encontrar em Vila Nova Maringá uma outra modalidade de cuidado no processo saúde-doença: o setor popular de cuidado. Nesse segmento, frequentemente encontrado em sociedades não-industrializadas, certos indivíduos especializam-se em formas de cura sagradas ou seculares ou numa mistura de ambas. Esses curandeiros não pertencem ao sistema médico oficial e ocupam uma posição intermediária entre os setores informal (praticado pela mãe, por exemplo) e profissional. Existe grande variação nos tipos de curandeiro popular em qualquer sociedade – desde especialistas puramente seculares e técnicos (como indivíduos que curam ossos quebrados ou deslocados, parteiras, pessoas que tiram dentes ou herboristas) até curandeiros espiritualistas, clarividentes e xamãs (HELMAN, 2009). Na comunidade em questão encontrei uma herborista, uma parteira, indivíduos que curam desmentidura (osso deslocado), e dois curandeiros espiritualistas (benzedor). Jurema, mãe e herborista conta, na entrevista, como aprendeu a cuidar utilizando ervas: 74 Isso aí não aprende, eu trouxe comigo mesmo, eu trouxe comigo mesmo, aprendi comigo mesmo... Desde quando eu comecei a ter filho, foi sempre fazendo remedinho prá lá, remedinho pra cá, aí foi, aí aprendi a fazer esses outros remédios pra criança tomar, pra mim às vezes eu faço, pros outros quando vem me procurar eu faço, eu faço pros outros, remédio, xarope, chá... Ah, porque a mamãe, a vovó com a mamãe ela me dizia quando eu tivesse meus filhos eu ia aprender fazer remédio, qualquer uma coisa eu tinha que fazer. (Jurema, 40) Jurema utiliza o cuidado tradicional com técnicas usadas por agentes populares, orientada por uma tradição oral, cultural e de base experimental, de modo não invasivo, produzindo remédios caseiros que curam seus filhos e outros da comunidade (TEIXEIRA, 2001). Atualmente, a única parteira da comunidade é dona Piatá. Ela conta que aprendeu com seu esposo, o antigo parteiro da comunidade, os cuidados da prática de partejar. Era ele mesmo que fazia o parto de todas, agora não, agora já eu que partejo as mulherada. Quando não vão pra cidade, sou eu mesmo que partejo por aqui mesmo. Partejar é ter cuidado com a criança quando vem nascendo, a gente ter o cuidado de a criança não se afogar. Às vezes a criança nasce encapada, eu já tenho assistido assim umas crianças que nasceram encapadas, aquela capa aí o bichinho fica sufocado, eu tenho que rasgar aquela capa prá poder ele sair fora no mundo, é interessante, eu já partejei três assim encapadas. E outros eu partejei com o umbigo da criança laçado pelo pescoço da criança, aí na hora que ele nasce tem que tirar logo o umbigo do pescoço, aí ele não pode se esticar, o bebê, ele fica encolhido assim, porque fica o cordão, aí ele não pode se esticar, tem que tirar prá ele poder se desenvolver, prejudica o umbigo dele, às vezes estufa o umbigo. E a placenta quando nasce a gente enterra. A gente corta o umbigo e enterra aquele resto lá, pro bicho não comer, porque a gente joga lá na fossa não presta, vai apodrecer e nem a gente fica lá, aí a gente cava um buraco fundo aí enterra que é pra o bicho não comer. É pro bicho não comer, por causa do bicho mesmo. O urubu, o urubu come, o bicho mais perigoso que tem por aqui é o urubu, o cachorro, o gato mesmo pode comer, ai a gente enterra pra não comer o resto da gente. (Piatá, 45) Rosilda Chamico (2004) desenvolveu em sua tese de doutorado o tema “Práticas culturais das parteiras tradicionais na assistência à mulher no período grávido-puerperal”. O trabalho clarificou que os rituais e os procedimentos sistemáticos, utilizados pelas parteiras durante o processo grávido-puerperal, têm o objetivo de ajudar no enfrentamento do “novo” e na redução da incerteza durante o processo de nascimento. De acordo com a autora, as parteiras não só auxiliam as mães nos primeiros cuidados maternos prestados ao neonato, mas assumem o papel de conselheiras delas nos primeiros procedimentos. É necessário assim, ainda segundo Chamico (2004), respeitar essas parteiras, pois são elas que socorrem a gestante em lugares onde não há assistência médica, realizando práticas de cuidado que são transmitidos de geração em geração, como um legado eterno. Diante do cuidado materno e da presença de parteiras não basta ao enfermeiro ser científico. Ele (o profissional) precisa ter uma visão holística, dando crédito aos saberes populares das parteiras, suas crendices e rituais, para que ambos possam oferecer às mulheres no período de parto e pós-parto um cuidado adequado à sua realidade cultural (Leininger & McFarland, 2006). E, quando necessário, interligar os saberes científico e popular, entre o profissional de saúde e a parteira. É possível, portanto, capacitar as parteiras, respeitando suas crendices e ritos (BRASIL, 2000). A desmentidura é um mal que, segundo as mães, é constante na vida da criança, principalmente o recém-nascido. Sua cura exige um especialista puramente secular em desmentidura. Durante a pesquisa, 75 observei dois homens especializados em curar aquilo que o saber formal chama de problema ortopédico. Piatá explica, aqui, como a desmentidura ocorre e quais são os sinais observados pela mãe para diagnosticar o osso deslocado: Às vezes desmente né, que tem um ossinho fraco, aí desmente, aí já sabe que é uma dor que ele tá sentindo, mas é difícil. Desmente, às vezes descoloca um ossinho assim da criança, até dum grande mesmo às vezes a gente sente, é a desmentidura falada. Porque a criança ela é molinha, ela é verdinha, então se você pegar ela de mau jeito, dá mal cheio em qualquer um ossinho né, numa costelinha, um bracinho mesmo às vezes pode descolocar a gente sabe às vezes como é que é porque aí, se for uma costelinha aqui o braço dele não pode movimentar o braço né, se for uma costelinha ele puxa fôlego dói, aí ele chora né, a gente percebe se for isso aí, e quando a gente suspira a gente sente a dor, a gente percebe na criança assim. (Piatá, 45) Nas entrevistas é comum observar mães dando razões místicas para as doenças, um fato comum a lugares não-industrializados (HELMAN, 2009). É comum ouvir, entre os ribeirinhos da comunidade, sobre essas doenças que acometem as crianças. No quadro 15 estão dispostas as doenças e as causas místicas, segundo as entrevistas: Quadro 15 – relação de doenças com causas místicas. Doença “mau olhado de bicho” “quebranto” Sintomas “a criança fica só dormindo, com ferida na boca, não come nada” “a criança vive fazendo coco, um coco meio verdinho, fica assim quebranto” Causa “quando a pessoa vai menstruar assim na beira o bicho sai da água. E tem bicho que se agrada de criança e dá mau olhado” “gente com olho grande olha a criança” Fonte: entrevistas Além dessas duas doenças muito comuns na infância, e que, segundo as mulheres, têm causa mística, Janaina descreve um terceiro mal: a praga que a filha recebeu e que a levou a adoecer: Essa outra filha também quase ela morre... jogaram uma praga prá ela que Deus me livre, quase ela morre, ela adoeceu, eles foram pra Maués, quando ela veio de lá ela tava muito fininha, essa menina veio com a cabeça cheia de tumor que não tinha lugar pra botar e fui eu quem cuidei, chorava, chorava, chorava a criatura, tava mais morta do que viva. (Janaina, 63) Diante de uma dessas patologias o único meio de cura, segundo elas, é através da reza realizada pelo benzedor, ou seja, o curandeiro espiritualista. Como vemos na fala de Yara e Tinga: Um dia um filho da mamãe quase morre com mau olhado, só queria tá dormindo, dormindo, dormindo, aí fomos chamar o papai ali na casa dele em Itacuruçá, um dia sei que o homem dali benzeu, o papai benzeu, que ele não tava agüentando não, não comia nada de comida na boca, ferida na boca que só. (Yara, 18) Ah pro rezador eu sempre levava, às vezes o que mais dá assim é quebranto, aquele negócio que dá na criança, leva assim pra benzer, daí eu sempre mandava benzer às vezes, mas era difícil, não era toda vez não. (Tinga, 36) Já na opinião de Loyola (1984), o jogo com as diferentes possibilidades terapêuticas e religiosas constitui-se num sistema de defesa coletivo frente aos processos de imposição da racionalidade e legitimidade da medicina científica moderna. Esta última não contempla a dimensão metafísica, como acontecem nas práticas populares de cura. E deste modo, Vila Nova Maringá desenvolveu práticas populares de cura que auxiliam as mães no cuidado dos filhos diante do processo saúde-doença. 2.2 - O cuidado na alimentação e higiene dos filhos: a mãe atendendo a necessidades antecipadas 76 O cuidado na alimentação e higiene dos filhos é uma prática frequentemente citada pelas mães como um meio de atender a uma necessidade antecipada, um meio de promover bem-estar e, em alguns casos, evitar doenças de um modo geral, sem a especificidade com que foi apresentada na subcategoria anterior. Durante minha vivência na comunidade, observei que a preocupação das mães em evitar o processo de adoecimento dos filhos passa quase sempre pelo modo como alimentam as crianças e a rotina de higiene observada. Os depoimentos das mulheres ribeirinhas de Vila Nova Maringá indicaram, inclusive, que a preocupação com a alimentação se manifesta desde o nascimento do filho e tem características peculiares. Esse é um fenômeno está presente em outras culturas, conforme o testemunho de autores que se dedicaram ao tema. O cuidado e a alimentação dos bebês, lembra Helman (2009), é uma das preocupações centrais de qualquer grupo humano. Contudo, existem grandes diferenças nas técnicas de alimentação dos bebês, na utilização do seio materno, da mamadeira ou de alimentos artificiais. Kenner (2001), por sua vez, assinala que a amamentação pode ter inúmeras influências culturais. A administração do colostro e do leite maduro pode variar segundo a geografia e a cultura. Não diferente de outras culturas, Vila Nova Maringá apresenta diferenças na técnica de alimentação dos bebês, principalmente quando se trata de recém-nascidos. Na comunidade é comum à maioria das mulheres administrar chá de hortelã – Mentha Villosa Huds – ao recém-nascido (RN). Essa prática de cuidado é adotada por elas com a finalidade de prevenir doenças e promover o bem estar dos RN. Janaina, uma das matriarcas da comunidade, explica que o chá serve para a limpeza do intestino, cumprindo, assim, um papel profilático: Depois que nascia ela dava chazinho, dava remédio caseiro para dar para criança, ela dizia que era bom prá limpar o intestino da criança; às vezes já nasce com problema, aí ela dava, depois que a gente dava o peito. Chá de hortelãozinho uma plantinha que tem, a gente dava prá eles todinho. No mesmo dia prá tarde assim mamava. (Janaina, 63) Jurema, por sua vez, descreveu a maneira como esse chá deve ser dado à criança: Tem por exemplo hoje à noite, quando não tem o leite do peito faz um chá, eu tenho a planta que faz o chá prá criança, eu tenho ali, o hortelãozinho a gente pega, faz o chazinho, prá ele já ir bebendo, põe na mamadeira, eles vão mamando até criar o leite no peito da gente, quando cria o leite no peito a gente dá assim o chá, mas não é assim como era. Já tem o leite no peito, já é prá dar prá criança; aí vai tomando, mamando, mamando, aí o chá a gente já tira, pra não mamar no chá. Dá o chá primeiro, porque vai lavar o peito com álcool, com água morna, aí o chá a gente dá pra criança, esfria, põe na mamadeira e põe prá criança mamar, é de dia ou é de noite quando a criança nasce mama o chá, mama hoje, amanhã e quando criar o leite tira do chá e põe só no peito até completar o tempo de amamentar de tirar da mama. (Jurema, 40) De acordo com o conhecimento científico, lembra Kenner (2001), o colostro é um fluido seroso e fino, produzido até 96 horas após o parto, com altas concentrações de proteínas, vitaminas lipossolúveis, minerais e imunoglobulinas que funcionam como anticorpos para o recém-nascido. Por isso, acrescenta o autor, o colostro deve ser administrado logo após o parto. Atualmente sabe-se que o colostro amadurece em leite rapidamente, e essa descoberta ajudou a refutar a teoria de que a freqüência do aleitamento 77 deveria ser limitada até que o leite maduro surgisse. Contudo, em algumas culturas os bebês nunca recebem o colostro. No quadro 16 estão distribuídos países com suas respectivas práticas de amamentação, exemplificando que o aleitamento materno é uma prática muito influenciada pela cultura local. Quadro 16 – relação de países com diferentes práticas de amamentação Países Finlândia Colômbia Tailândia Nova Guiné Filipinas México Vietnã Nigéria Coréia Quênia Austrália Nova Zelândia China Prática Onde não se fabrica qualquer fórmula alimentar infantil, a amamentação é regra. Reverteram o recente declínio na amamentação por meio da promoção vigorosa do aleitamento materno. Alguns deles não dão colostro aos recém-nascidos; nesses grupos as mães só começam a amamentar após o começo da ejeção do leite. Algumas mulheres coreanas retardam a amamentação até 3 dias após o parto; outras começam a amamentar imediatamente e amamentam sempre que a criança chora. As mães alimentam os recém-nascidos prematuros apenas ao seio e começam a amamentar muito mais cedo que na América do Norte. Os quenianos nunca usam tubos de gavagem e alimentam os recém-nascidos prematuros com pequenos copos até que eles estejam aptos a sugar. A amamentação ainda é comum, contudo, à medida que mais mulheres saem de casa para trabalhar nesses países, o índice e a duração da amamentação vêm caindo. Nas primeiras 12 a 24 horas após o nascimento, a mãe e o bebê são separados. A amamentação é estimulada e continuada por 4 a 5 anos. Fonte: KENNER, 2001. Vila Nova Maringá não é diferente de outras culturas e tem suas características próprias quanto à prática da amamentação. Na comunidade, o chá de hortelãozinho é o primeiro alimento que o recémnascido recebe, substituindo o colostro no primeiro dia pós-parto. Segundo as mulheres, existe a crença de que o chá pode “limpar” o intestino da criança. Por isso, o profissional enfermeiro envolvido com o cuidado da saúde materno-infantil deve ficar atento a um detalhe: o de que existem não só culturas diferentes daquela por ele vivenciada, mas conceitos sobre a amamentação igualmente diferentes dos preconizados pelo modelo biomédico. O chá de Mentha Villosa Huds (hortelã) tem ação comprovada e recomendada pela ciência em casos de gripe, como anti-helmíntico e estimulante do apetite, tendo ação sobre o intestino (ATAÍDE, 2007). O uso da erva em si não acarreta prejuízos ao recém-nascido, mas é necessário conhecer a procedência da água utilizada no chá e o recipiente em que a bebida é administrada, até porque a maioria (62,5%) das mulheres utiliza a água do rio no preparo dos alimentos dos adultos e crianças. O profissional de saúde precisa saber, por exemplo, se todas as mulheres que administram o chá a seus filhos observam os mesmos cuidados seguidos por Tingá: Fervia a água né, era água do rio mesmo aí, mas aí tirava água do rio mesmo aí, aí tirava né, fazia aquelas panelada prá ferver, botava nas vasilha, deixava esfriar, aí repassava, colocava o cloro dentro e botava assim, prá fazer de mamadeira. (Tinga, 36) Ricci assegura que a capacidade demonstrada pelo recém-nascido diante das forças ambientais hostis é essencial para sua sobrevida. E que o desenvolvimento do seu sistema imunológico tem origem 78 no começo da própria gestação, mas muitas respostas não funcionam adequadamente durante o início do período neonatal. Uma fonte importante de IgA, a imunoglobulina, que protege o sistema gastrointestinal do recém-nascido, é o leite materno, de modo que se acredita que o aleitamento materno tem vantagens imunológicas importantes (RICCI, 2008). Dotado de um sistema imune ainda imaturo, o recém-nascido, assim, necessita de cuidados especiais na administração de alimentos que não seja o leite materno. No caso específico de Vila Nova Maringá, onde o chá de hortelã é usado com frequência, é importante que a população tome cuidados de higiene durante sua preparação. É importante também conscientizar a mãe sobre a importância do colostro na dieta do recém-nascido, de maneira que, assim que possível, as duas práticas caminhem juntas em prol de um cuidado cultural saudável. O uso do chá de hortelã não é uma prática de alimentação diária do recém-nascido no universo pesquisado. É que no mesmo dia do nascimento, após administrar o chá, as mães dão início à amamentação. A amamentação exclusiva entre as ribeirinhas, no entanto, ocorre em media até o sexto mês. Piatá conta porque parou o aleitamento exclusivo e introduziu outros alimentos na dieta dos filhos: E quando eles tão com uns quatro, cinco meses já que eu acostumava dar assim suco né, um suco só, e quando chegava o tempo deles mamarem a papa, eu fazia a papinha prá eles mamarem. Quando eles tava com cinco meses assim, chorava muito, chorava, chorava, chorava, aí eu pressentia que ele queria alguma coisa mais grossa que o peito, aí eu fazia a papinha prá eles, dava, aí eles dormiam, aí eu ia trabalhar, prá poder ter o tempo de trabalhar, assim eu fazia prá eles, prá todos. (Piatá, 45) Na fala de Piatá identificamos como a observação da mãe funciona como instrumento para avaliar a necessidade de o filho receber complemento alimentar. Além da sensibilidade e da experiência materna, que orientam as mães nesses casos, constatei, na maioria dos depoimentos, que o uso de alimentos artificiais para os bebês é uma prática comum naquela comunidade ribeirinha. O próximo quadro (17) discrimina as “massas” (alimentos artificiais) usadas pelas mães no desmame dos filhos e quantas delas as utilizam. Quadro 17 – relação de alimentos artificiais utilizados na dieta dos bebês ribeirinhos. “massa” (alimento artificial) Mucilon® Cremogema® Leite Ninho® Nestrogeno ® Maisena® Neston® Nutrilon® Fonte: entrevistas Número de mães 06 04 03 01 01 01 01 Piatá foi uma das entrevistadas que demonstrou ter idéia formada sobre a necessidade de o filho receber outro alimento além do leite materno. Ela declinou inclusive os tipos de massa (alimentos artificiais) que utiliza na papa (mamadeira) dos filhos após seis meses: Pra todos eles eu fazia da mesma forma. Essa papinha era de massa, a gente comprava a massa pra fazer, Cremogema®, a Maisena® mesmo, depois quando tava mais graúdo aí comprava o Mucilon®, o Nutrilon® dava prá eles com leite. (Piatá, 45) 79 Já Guaraciaba, ao revelar os alimentos que utiliza nas mamadeiras, destacou que procura comprar leite de qualidade para os filhos mais novos: Eu só dou o leite e a massa prá ele. Olho também a qualidade da massa e do leite né, não é todo leite, eu só dou leite Ninho® prá ele e massa eu só dou Mucilon® de arroz, não dou outra massa (Guaraciaba, 26) As técnicas de propaganda e a consequente entrada de alimentos artificiais nas dietas das crianças é, infelizmente, um fato comum a lugares subdesenvolvidos em todo o mundo. O fenômeno já foi inclusive registrado por Helman (2009). Em Vila Nova Maringá não é diferente. Embora as mães não consigam comprar cesta básica suficiente para todo o mês, elas se preocupam e separam dinheiro para adquirir, no mínino, leite e “massa” para os filhos mais novos que estão em fase de desmame. É pesada a campanha publicitária em favor da mamadeira, promovida pelos fabricantes de alimentos artificiais para bebês. Essa mudança na dieta infantil em lugares pobres tem sido muito criticada porque retiram dos bebês as vantagens nutricionais proporcionadas pelos alimentos naturais nesta fase de desmame. As conseqüências são bastante conhecidas: o aumento dos perigos da má nutrição e os riscos das doenças diarréicas. Até porque em lugares como Vila Nova Maringá, as mães não dispõem de recursos para preparar adequadamente os alimentos dos bebês, com água tratada e mamadeiras limpas. Esses aspectos, segundo Helman (2009) aumentam, portanto, o risco de seus filhos desenvolverem uma infecção do trato gastrointestinal. Janaina foi uma das poucas mulheres entrevistadas que utilizavam alimentos naturais no desmame. Ela disse, no entanto, que essa não era uma rotina e que tinha o costume de utilizar, paralelamente, o alimento industrializado quando o companheiro comprava: Dava a massinha prá eles, fazia a massa de macaxeira, tirava a macaxeira, ralava, nós cortava miudinho, botava prá secar e pilava bem fininho, e quando ia fazer botava na água e coava no pano e ia fazer a papinha com leite e açúcar, se não o pai deles comprava massa prá eles comerem. (Janaina, 63) Jurema foi a única ribeirinha que relatou não ter condições de comprar o alimento artificial e, por isso utilizou, no desmame dos filhos, somente alimentos naturais. Alguns dos alimentos citados por ela, no entanto, não agregam valor nutricional algum, como o café e o chá, fazendo com que a criança chore de fome por cerca de quatro dias: Às vezes faço um mingauzinho, eu dou de tarde prá criança, quando for a janta eu dou um chazinho, eles tomam e vão dormir, porque aqui é difícil comprar esse negócio de leite, qualquer massa prá criança aqui é muito difícil, aí vão bebendo um mingauzinho, um café, um chá, aí vai passando, ainda choram com dois dias choram, com uns quatro dias pronto, já não choram mais pra mamar. (Jurema, 40) O desmame completo costuma ocorrer na comunidade entre o primeiro e o segundo ano de vida da criança. A mudança da dieta é gradual, de líquido pastoso a sólido. As mães falam sobre essa transição do ponto de vista empírico, conforme demonstra Jaciaba. Ela explica que o intestino da criança, após o desmame, ainda é “fraco” e merece essa mudança gradual de dieta: Com mais de ano, um ano e dois meses, um ano e três meses, aí conforme, mas é só com mais de ano, eu nunca dei assim só com 8 meses, 6 meses, eu nunca dei comida pra eles, quando intera mais de um ano. A comida é assim, eu faço a comida mais fraquinha pra dar, porque o intestino 80 dele ainda não é muito forte ainda, é meio fraco, uma sopinha, eu coloco uma verdura, dou pra ele ir tomando caldinho de feijão, só aquele caldo mesmo, então é assim que eu faço, aí depois eu começo a dar peixinho prá eles, depois. (Jaciaba, 38) Embora o peixe faça parte da rotina alimentar dos ribeirinhos de Vila Nova Maringá, as mães evitam dar este alimento ao RN no período do desmame. Elas acreditam que o peixe é prejudicial à saúde porque acelera o processo inflamatório, causa diarréia, disenteria e “sapinho” (candidíase bucal). Garaciaba e Yara assim justificaram a decisão: Ele é bom o peixe, mas não prá criança muito pequena, ele estraga com a barriga, ele não é muito bom não. O peixe às vezes dá disenteria e diarréia, muito novinho prá criança comer assim, se for muito também, tem que ver a qualidade do peixe, o peixe liso ele já é mais forte do que outros peixes com escama. Ele dá assim, porque se alguma criança tiver alguma feridinha, alguma coceira, deu o peixe liso ela inflama, tem outro tipo de peixe que o curumaxã, piranha, tem uns peixe muito remoso, qualquer coisa assim, se tiver qualquer coisa no olho, se tiver tomando remédio pra alguma coisa, já tiver sarando, uma tosse, uma coisa, se der, renova tudo de novo, ai por isso que eu não dou esses peixes. (Guaraciaba, 26) Peixe, ai dá sapinho na boca, fica cheio de negocinho branquinho que a gente limpa, aquilo fica tudo ruidinho. (Yara, 18) Após o período de desmame, a alimentação da criança é igual a do adulto, predominando, a partir de então, a farinha e carne de caça ou pesca. Esporadicamente, algumas famílias conseguem comprar arroz e feijão. Irani ainda expõe a dificuldade em conseguir verduras: Hoje, a alimentação deles é... se acostumaram a comer farinha, carne, peixe, feijão e arroz quando tem. Alimentação mesmo pouca, pouca verdura por causa que aqui no interior prá gente consegui uma verdura parece uma batalha mesmo né. (Irani, 39) Outra prática de cuidado que visa atender a uma necessidade antecipada, é a higiene dos filhos. Muitas mulheres citam a higiene como uma prática que pode evitar doenças. Segundo Helman (2009), a limpeza pode ser um rito, quando se traduz numa forma de comportamento repetitivo que não tem um efeito técnico explícito e direto, com função protetora física do corpo. Pois esse rito, embora realizado com propósitos rituais, pode eliminar impurezas e bactérias, promovendo a higiene física. Quando a mãe pratica a limpeza com o propósito de efeito físico específico, de limpar e proteger o filho, esta assepsia deixa de ser considerada um ritual. Durante as entrevistas observei também que algumas mulheres tinham a higiene como um rito e outras conheciam e atribuíam importância ao efeito físico específico da limpeza. A limpeza dos filhos é um hábito de higiene diário na prática do cuidado materno. Entre outros momentos de limpeza se destacam o banho no rio e o “asseio”, termo utilizado por elas para denominar a limpeza dos membros inferiores com um pano úmido. O banho de rio é dado pelas mães nas crianças menores, até a idade em que elas consideram o auxílio necessário. Algumas delas procuram dar o banho também nas crianças maiores pelo menos uma vez por semana. Garaciaba chama esse procedimento de um banho mais reforçado: Eu limpo eles, é eu mesmo que eu dou banho neles... esse maior não é todo dia que eu dou banho nele, mas de três em três dias eu pego ele pra esfregar porque ele pula n’água, ele fica muito sujo. (Guaraciaba, 26) Os banhos ocorrem geralmente na parte da manhã e o asseio pela tarde. A escolha dos horários está relacionada com a prevenção de doenças, conforme indicam as falas de Iracema e Yara: Aqui por causa dessa “climação”, o que mais tem é negocio de gripe, não sabe o que é inverno e verão. Agora essa época de verão a gente não pode nem tá toda hora molhando né, porque essa 81 gripe, faz até mal tá toda hora molhando a criança, mais de manhã cedo antes das 11 horas eu dou banho e de tarde antes das 3 horas eu asseio eles. (Iracema, 36) De tarde assim, eu não dou banho nela tudo não, só pra mim assiar ela, pelas pernas, não molho mais a cabeça dela não, tenho medo de ela ficar gripada, agora de manhã não, ela gosta de tomar banho de manhã, ela gosta de uma água (Yara, 18) O banho de rio é uma rotina na prática de cuidado materno oferecido aos filhos, mas que traz muita preocupação às mães. Durante as entrevistas, as mulheres levantaram as características do rio que banha a comunidade. Segundo elas, o rio Parauari, pela importância que tem na vida local, demanda atenção permanente e cuidado materno. O rio de águas escuras é fonte de bem-estar na medida em que fornece água para o banho e o preparo da alimentação da população. Mas, por outro lado, esconde perigos que preocupam as mães, pois abriga cobras, jacarés e arraias que podem matar os filhos de modo rápido e surpreendente. Além disso, a possibilidade de afogamento também gera preocupação permanente. Garaciaba ilustra o medo que sente pelo rio a partir da recente história de uma mãe que perdeu o filho devorado por um jacaré: Eu tenho medo deles pularem n’água, porque uma conversa puxa outra, aqui nesse rio mesmo, não aqui nessa comunidade, mas numa comunidade mais ali em baixo, o jacaré ano passado comeu uma criança, de perto da mãe, tava em cima da ponte, a mãe desceu pra dá banho nos dois meninos, aí deu banho, quando o filho sai d’água ele pegou ficou na pontinha da ponte, o jacaré levou, ano passado numa comunidade logo ali próxima, logo ali em baixo, ali baixo um pouquinho. O jacaré comeu ele de dia do lado da mãe dele, muito triste, chocou muito, eu tenho medo por isso, porque a gente não sabe o que tem nesse rio, tem sucuri jú, tem jacaré, tudo isso eles come, e eu já não gosto deles ficarem aqui, meu medo é esse. (Guaraciaba, 26) Apuã é mãe de filho único, de dois anos, e também vê o rio como fonte perigos permanentes: A preocupação que eu tenho com ele, é não deixar ele ir pra beira, porque ele não sabe nadar, tenho medo de bicho. (Apuã, 19) Embora a maioria das mães experimente a sensação do medo, elas não podem isolar os filhos do rio. Por isso, adotam certas precauções para protegê-los. Um dos procedimentos adotados é evitar que a criança vá desacompanhada até o rio. O depoimento de Yara ilustra bem a situação: A minha preocupação é de deixar ela assim sozinha, ela vai pra beira, eu me esquecer dela, ela pode ir prá beira né, a gente tem sempre que ficar prestando atenção, que se não ela pode ir prá beira... Ela vai chegando querendo pular pra dentro d’água, aí eu agarro ela e dou banho nela, às vezes ela chora prá poder ficar lá mais, eu não deixo não, tenho medo dela se afogar. (Yara, 18) Os perigos do rio transformam o banho, assim, numa prática eivada de medo que, por sua vez, desenvolve, nas mães, uma prática de proteção naturalmente associada à prática rotineira. Segundo Winnicott (2006), a criança necessita de proteção desde o nascimento para se desenvolver. Em Vila Nova Maringá, a preocupação com a segurança dos filhos e o ato de proteger estão presentes diariamente. A diferença é que são redobradas, ao contrário do que ocorre nos grandes centros, durante situações comezinhas como o banho da criança. Além do banho de rio e do “asseio” diário, a mãe precisa fazer a limpeza dos filhos após as eliminações vesicais. Para compreender essa prática é necessário conhecer um pouco a utilização da fossa no dia-a-dia ribeirinho. A fossa é o destino das fezes e urina de todas as entrevistadas. De acordo com as ribeirinhas, a criança que ainda não usa a fossa para evacuação e micção demanda cuidados de 82 responsabilidade materna. Iracema conta que é comum as eliminações vesicais acontecerem na roupa ou na fralda de pano. Nesta fase a criança, portanto, depende da mãe para a higiene: Agora o menor, quando está pequeno ainda assim não saber ir lá à fossa, faz na fralda ou na roupinha aí tem que tá limpando, quando é a na fralda a gente tira e põe lá na fossa. (Iracema, 36) O momento de transição do uso da fralda para o bacio ou fossa é determinado pelas mães de diversas formas. Iracema diz que a transição acontece na Idade de dois prá frente, sabendo andar já sabe se dirigir ao banheiro (Iracema, 36) Para Jaciaba essa transição da fralda para o bacio deve ocorrer quando a criança começa a falar: Quando eles são pequenininha primeiro logo é no bacio, aí depois vai pro banheiro, aí eu vou levando eles como é que é, fazer assim, aí eles já vão aprendendo... Porque assim eu vou logo ensinando, dando aquelas instrução deles falarem, como que é, e eu vou ensinando e ensinando, vão aprendendo. Aí eles vão aprendendo, vão falando que querem. (Jaciaba, 38) Maiara utiliza a observação dos próprios filhos para lidar com a transição: Sempre, eu observava na hora que eles tavam querendo fazer xixi, fazer coco, perguntava, botava eles, levava eles, começava a ensinar prá eles como é que era, aí eles foram aprendendo, iam aprendendo, toda vez um ia crescendo a gente ia ensinando... Primeiro foi no bacio, botava eles pra fazer no bacio até uns dois anos, com dois anos que ele já começa a andar direito aí já vai ensinando aos pouquinhos. (Maiara, 37) A fossa é o destino das fezes e urina de 76,2% dos moradores da comunidade. O restante da população não dispõe deste recurso e deposita os excrementos a céu aberto. Todas as mulheres entrevistadas tinham fossas em suas residências. Durante as entrevistas, as mães mencionavam os cuidados que precisavam ter com os filhos que já a utilizavam. Eu não gosto que eles vai é descalço pro banheiro, eu não gosto que eles vão descalço. Porque eu acho assim, não sei, micróbio, alguma coisa tem naquelas tabua, eu não gosto que eles vai descalço, nem eu não vou, se eu tiver descalço... não pisar em cima da tabua, fazer direito no buraco, botar o papel, porque aqui nós não joga papel em sacola, a gente joga pra dentro do buraco né, joga o papel dentro do buraco, lavar a mão quando vem de lá. (Guaraciaba, 26) Irani esclarece a necessidade de ensinar os filhos a lavarem as mãos: Eles ensinei eles a usarem o banheiro, depois do banheiro eles lavar bem a mão deles com água e sabão pra não contaminar onde eles tiver, aí eu falo toda vez que vocês forem no banheiro, que virem do banheiro vocês pega a vasilha com água limpa, vocês lavam bem a mão de vocês com água e sabão, enxuga com essa toalha que tá aqui bem limpa, depois pode pegar qualquer coisa. (Irani, 39) Já Tingá não permite que a filha de dois anos utilize a fossa por medo de acidentes: Ela faz assim no bacio, porque eu acho difícil porque o sanitário aí, ele é fossa, é tabua que nem aqui, é feito buraco, tenho medo assim não é grande o buraco, mas ela ainda tá pequena né, Deus o livre ela pode escapulir, entrar uma perna prá dentro e se machucar e eu não deixo ela ir lá. (Tinga, 36) A limpeza dos filhos no ambiente ribeirinho, assim, envolve o cuidado com o banho, o “asseio”, as mudanças da fralda para a fossa. A assepsia, então, é uma preocupação que envolve providências conscientemente destinadas a proteger a saúde dos filhos. Na rica convivência que experimentei com as mães ribeirinhas de Vila Nova Maringá foi possível confirmar, na prática, categorias teóricas já explicitadas por autores como Rocha, Bezerra e Campos (2005). De acordo com eles, o cuidado materno constitui um conjunto de ações biológicas, psicossociais e ambientais que permitem à criança desenvolver-se bem. Além de ela se achar rodeada de afeição, precisa de um potencial de cuidados e providências a serem adotadas: a alimentação, a higiene e outros 83 Através do estudo aqui desenvolvido, foi possível não só conhecer práticas de cuidado que visam atender necessidades antecipadas, como a alimentação, a limpeza e a proteção dos filhos, mas as que visam atender necessidades evidentes, como a cura e a prevenção no processo saúde-doença. É necessário, portanto, conhecer essas práticas. Antes de oferecer uma assistência que vise repadronizar toda a maternagem oferecida pela mãe, devemos refletir, pois como vimos nesta categoria, muito do cuidado oferecido pela mãe é reconhecido, em pesquisas, como benéfico para a criança. Muito embora possa parecer exótico ao profissional de enfermagem urbano, é importante entrar em contato com esta forma de saber e conhecê-lo o suficiente para acomodá-lo e, sempre que possível, preservar o valor cultural popular. CAPÍTULO V CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa em questão demonstra como alguns valores culturais maternos podem influenciar no cuidado prestado aos filhos por mães ribeirinhas. A perspectiva transcultural adotada neste estudo me permitiu não só identificar características do contexto social e cultural do meio ribeirinho, mas projetar novas frentes para o trabalho do enfermeiro nessas comunidades. Entendo que os dados e situações levantados devem vir a ser usados na promoção de uma assistência mais articulada, culturalmente pertinente e que respeite o saber popular das mães que cuidam de seus filhos. A etnoenfermagem, enquanto método unido aos preceitos da Teoria do Cuidado Cultural permitiu ao longo da pesquisa, a construção do conhecimento dos saberes e práticas do cuidado materno no contexto ribeirinho. 84 Antes de explorar tais saberes e práticas, foi necessário conhecer o agente cuidador dos filhos desta comunidade. Foi incrível perceber que as adolescentes compunham a maioria do universo das mães pesquisadas. Mais surpreendente ainda foi constatar que essas mulheres, mães na adolescência, cuidam elas mesmas dos filhos de maneira independente e sem o auxílio ou interferência das avós. Uma realidade, portanto, bem diferente da observada nos grandes centros urbanos, já que, na comunidade de Vila Nova Maringá, as mulheres adolescentes se responsabilizam pelo cuidado dos filhos. Um cuidado materno aprendido, aliás, num passado recente – a infância da qual acabara de sair – quando auxiliava a mãe a cuidar dos irmãos. A mulher ribeirinha – que na maioria dos casos foi primípara adolescente – que emergiu desta investigação é, portanto, um indivíduo capaz de oferecer cuidado aos seus filhos na adolescência. Essa constatação, aliás, contradiz a crença existente entre os profissionais de saúde – e disseminada por toda a sociedade – de que esta fase da vida – a adolescência – é um período impróprio para a maternidade. A partir do momento que identifiquei o cuidador na comunidade, procurei conhecer o significado que as mães daquela comunidade ribeirinha atribuem ao cuidado materno. Fui surpreendida mais uma vez pelas conexões que as entrevistadas estabeleceram entre o sacrifício contido no trabalho do cuidar e a responsabilidade nele implícito, definições que, a princípio, dariam à maternidade e a chamada maternagem, uma conotação negativa. Essa impressão, no entanto, foi rapidamente apagada pela surpreendente análise crítica encontrada nos depoimentos dessas mães: elas não só expuseram com clareza que o cuidado é uma coisa difícil de ser conduzida, mas isso não as impediu de enxergar e confrontar os prós e os contras do cuidado materno. Constatei que, na verdade, as mulheres se defrontam com a seguinte situação: carregam consigo resquícios do mito ocidental da mãe perfeita e abnegada; enfrentam a dura e difícil realidade de exercer o papel materno no cuidado diário; reconhecem e 85 convivem naturalmente com as dificuldades de ordem prática e vivem aparentemente sem nenhum sentimento de culpa. Descobri muitas coisas durante a coleta de dados e o saudável convívio que daí decorreu com a comunidade. Uma delas diz respeito a outro mito: aquele que leva o habitante da cidade grande a só enxergar vantagens na vida ribeirinha. Vila Nova Maringá é uma belíssima comunidade, banhada pelo lindo e extenso rio Parauari e cercada pela floresta amazônica com uma fauna diversificada. Um cenário estonteante. Chega a ser intrigante o convívio equilibrado dessa população com a natureza, naquilo que vem a ser um exemplo para os grandes centros urbanos. No entanto, ao penetrar na vida ribeirinha e conhecer a história de vida dessas mulheres-mães, constatei que neste ambiente também encontramos dificuldades que diariamente surgem como obstáculos ao cuidado materno. Foi durante seus depoimentos que as mulheres me levaram a conhecer o mundo ribeirinho real que se esconde por trás de nossas idealizações. A baixa renda, a dificuldade de comprar de alimentos e a fome é uma equação que incomoda e preocupa as mães diariamente. O arroz, o feijão e o macarrão acompanham a carne de animal caçado diariamente. Mas isso só acontece no início do mês quando é possível comprar a cesta básica mensal da família – com o dinheiro da venda da única saca de farinha que o núcleo familiar consegue produzir geralmente. Já nos dias restantes, na medida em que o final do mês se aproxima e os filhos choram de fome quando as mães não conseguem caçar nenhum animal, o máximo que oferecem às crianças é um mingau de farinha ou chá. Não raro, quando o dia amanhece elas se embrenham na floresta à procura de alimento. A fome leva muitas mulheres de Vila Nova Maringá a acreditarem que a vida no centro urbano de Maués seria melhor. Elas vislumbram que poderiam trabalhar, ganhar um salário e comprar alimentos. 86 Quando os mantimentos acabassem, era só ir à mercearia da esquina comprar mais comida para os filhos. A vida urbana, de acordo com essa projeção, proporcionaria a elas um trabalho gratificante e uma retribuição por este esforço no fim do mês. Uma realidade diametralmente oposta àquela vivenciada na comunidade ribeirinha, onde as mães trabalham dia-a-dia na lavoura doméstica e na caça, apenas para garantir a subsistência. Além disso, o viver na cidade, para essas mulheres, significa ter acesso ao sistema de saúde que, segundo elas, é ineficaz na região ribeirinha. Na realidade do cotidiano as mulheres apontaram a composição da família como um fator que pode dificultar o cuidado. Seja a família com muitos filhos ou a mãe sem companheiro. Segundo as mulheres, a multiparidade é um fator que dificulta o cuidado. O número elevado de filhos aumenta naturalmente o volume de trabalho, multiplicando as práticas de cuidado. A situação assume contornos mais graves quando a mãe é solteira, não tem o auxílio de um homem e assume sozinha a tarefa de viver na mata e cuidar dos filhos. O estudo aqui apresentado levou-me a constatar também que é importante o profissional de saúde conhecer aquilo que a comunidade define como o cuidador: a pessoa que oferece o cuidado popular diariamente. A razão é simples: conhecer apenas as práticas de cuidado materno e pesquisar um meio de intervir não é suficiente para atender as necessidades desta população. Entendo ainda que não é possível promover uma assistência de enfermagem materno-infantil, desconhecendo a história de vida, a realidade sócio-cultural das mães e das crianças e, portanto, da família. Ou seja, conhecer as dificuldades que esses núcleos familiares enfrentam. Entendo que ao ouvir o cuidado, o enfermeiro necessariamente constata como as dificuldades direcionam este cuidado e levam as mulheres a desenvolver algumas práticas características do ambiente. 87 Viver no ambiente ribeirinho leva as mães, assim, a reagirem a esta realidade. O cuidado materno, portanto, pode ser peculiar e merecedor da observação rigorosa do pesquisador. Constatei que as práticas do cuidado materno são ricas. As mães buscam com os procedimentos adotados atender às necessidades evidentes e antecipadas para promover o bem-estar dos filhos. As chamadas necessidades de saúde evidentes eram levantadas a partir da observação dos filhos na rotina diária. As mães demonstraram experiência e uma percepção aguçada para identificar os sintomas nas crianças. Não raro, elas não só levantam diagnósticos, mas traçam os planos da cura. A carência de atendimento tradicional e científico desenvolveu na comunidade a admirável prática da medicina popular. Todas as mulheres relataram cuidar dos filhos no processo saúde-doença utilizando o saber popular, manipulando ervas, frutas e cascas de árvores para o tratamento de patologias específicas. Algumas delas demonstram largo conhecimento fitoterápico. Mas mesmo aquelas que não dominam este saber o utilizam no dia a dia, seja isoladamente ou associando as fórmulas caseiras aos fármacos tradicionais. Infelizmente, tal prática ainda é estigmatizada e marginalizada. Os profissionais de saúde ainda desconfiam desses saberes, pois muitos ainda não são “comprovados” pela ciência e ensinados nas instituições acadêmicas. Com isso, muitos se fecham e buscam a repadronização de todo o cuidado materno no momento em que prescrevem, numa clara demonstração de que vêem na medicina institucionalizada o procedimento “certo”. Há necessidade, portanto, de uma reflexão mais aprofundada sobre tais práticas, um estudo sistemático e uma maior troca de conhecimentos. Devemos criar as condições necessárias visando à abertura de um espaço que contemple a interculturalidade. Uma espécie de fórum que permita a troca de informações entre o profissional e a população. E esse tipo de entendimento só acontece quando há respeito aos valores culturais do outro, aqui no caso as populações ribeirinhas, e a confiança daí decorrente. Como diria o filósofo Jean Paul Sartre, expoente da escola existencialista, “é preciso enxergar o outro no outro que lá está”. O cuidado materno, conforme sustentei ao longo desta dissertação, também cumpre papel relevante no atendimento das necessidades de saúde antecipada dos filhos, como um meio de promover a cura e a prevenção no processo saúde-doença. Mais um motivo para que os profissionais promovam um cuidado personalizado. O enfermeiro, desta forma, precisa compreender a mulher para, só então, ajudá-la no cuidado dirigido aos filhos. Para promover o bem-estar e a saúde dos conceptos, e decidir os cuidados de 88 enfermagem que irão preservar, acomodar ou repadronizar o cuidado cultural, o profissional deve se conscientizar de que nem sempre o melhor caminho é a simples reestruturação do cuidado materno. Os profissionais não podem desconsiderar o cuidado popular materno e suas experiências anteriores, assim como não podem se considerar os únicos detentores do saber técnico e científico. Ao contrário, o enfermeiro deve estar preparado para uma abordagem cultural mais aberta, pois a complexidade que permeia o cuidado materno é relevante para que o cuidado profissional seja, de fato, benéfico. Identificamos significados culturais e simbólicos emprestados pela comunidade ribeirinha ao cuidado, entre eles a proteção, o cuidado como respeito e o cuidado enquanto presença materna durante todo o desenvolvimento bio-psico-social do filho. Muitos dos valores éticos e morais encontrados na comunidade são baseados em condições ambientais e religiosas, espirituais, de gênero, de classe, e de visões filosóficas da população materno-infantil de Vila Nova Maringá. Concordamos com os preceitos de Leininger quando esta teórica de enfermagem comenta a origem do conteúdo de uma obra artística. De acordo com ele, sempre que um artista cria o novo sua obra contém uma visão de futuro fundamentada nas idéias de alguém e/ou de um grupo e suas novas perspectivas. As propostas contidas neste trabalho, assim, refletem, de uma certa forma, o que levantei ao longo da pesquisa: o cuidado materno de mães ribeirinhas que, com toda a sua sapiência, têm suas visões, esperanças e previsões para o futuro dos seus filhos. Leininger vivenciou durante a validação da Teoria do Cuidado Cultural na Nova Guiné, em 1960, que muitos fenômenos humanos sobre pessoas e culturas não poderiam ser mensurados e diminuídos por resultados significativos. À época, ela já percebera também que a enfermagem era holística e que, por isso, era necessário entrar no mundo da cultura, das pessoas e estudar vários fatores que influenciavam a saúde e o bem-estar. Nesse contexto, é bom lembrar os comentários de autores como Leininger & McFarland. A globalização do cuidado à saúde, dizem eles, e as diferenças e semelhanças entre os grupos humanos e culturas continuarão como um imperativo em crescimento (LEININGER & McFARLAND, 2006). O conhecimento comparativo do cuidado materno entre riberinhas e mães que moram em uma grande capital – o Rio de Janeiro, por exemplo – precisa ser investigado e aprofundado. E a descoberta das 89 diferenças e das semelhanças, com respeito às culturas e sub-culturas, levará a novas, inevitáveis e profundas mudanças nas práticas de saúde. Portanto, a velha crença o certo é “tratar todos os clientes da mesma maneira” será eliminada. Ela será substituída por práticas diferenciadas de cuidado que prevalecerão e se tornarão essenciais para o uso dos provedores de cuidado cultural. Não há dúvida, portanto, que o cuidado comparativo e a pesquisa na área da saúde são necessários para o progresso da ciência. Nossas conclusões vão ao encontro de Leininger & McFarland, que fizeram as seguintes observações sobre a questão: “A Teoria do Cuidado Cultural tem conduzindo a um novo paradigma no cuidado a saúde. Ela move os pesquisadores para longe do enfoque médico, dominante e estreito, patológico e sistemático para uma perspectiva ampla do comportamento do cuidado humano. Mais acertadamente, focalizar nas culturas tem sido um novo caminho holístico para descobrir a saúde e o bemestar” (LEININGER & McFARLAND, 2002). Sem dúvida foi um excitante desafio descobrir o poder do cuidado materno e a manutenção do bem-estar dos filhos numa comunidade ribeirinha. Mais gratificante ainda foi confirmar que, sem sombra de dúvida, é necessário preservar o cuidado genérico (popular) para evitar as práticas de imposição do saber científico. Mais pesquisas são necessárias para apoiar o cuidado genérico e o profissional para tornar-se congruente, seguro, e significativo às diversas culturas. Quando isso ocorrer, será possível finalmente reduzir significativamente e eliminar as práticas de imposição cultural, preferências raciais e outros comportamentos negativos. Os enfermeiros precisam, acima de tudo, aprender como entrar no mundo cultural do cliente, e aprender os seus padrões de cuidado para que possam ganhar a confiança; assim nós, enfermeiros, seríamos “facilitadores de cuidado à saúde” (LEININGER & McFARLAND, 2006). 90 E é desta forma que concluímos essa investigação. Procuramos trazer à luz uma forma de conhecimento relacionado ao cuidado materno diferente do aprendizado acadêmico que recebemos. Acredito que obter os valores de cuidado, crenças, significados e modos de viver cultural foi importante. Os dados aqui levantados e consolidados podem vir a ser usados no futuro para discutirmos o cuidado materno com um enfoque transcultural. Nossa missão, afinal, vai além do simples exercício profissional. Devemos confrontar permanentemente nossa prática e as carências da população porque em um dado momento nossas ações podem deixar de corresponder às suas necessidades. E nessas horas, a história demonstra, é necessário mudar e transformar a realidade. Só assim, seremos capazes de contribuir, preservar e manter a saúde de nossos filhos. Afinal, como disse Garaciaba, uma de nossas mães ribeirinhas: “O mundo ensina sim a viver, mas se a pessoa souber, ter assim um alerta de alguém que está orientando; mas ir na cega no mundo não dá, por isso a gente teve muita dificuldade”. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ATRAÍDE, R.A. et al. Uso de remédios caseiros por mulheres do programa de saúde da família. Rev Enferm UFPE On line. 2007; 1(2):97-103. BERG, M. E. van den et. al. Plantas aromáticas da Amazônia. In: Simpósio do Trópico Úmido, 1987, Belém. Anais. CPATU, 1987. ________. Plantas medicinais na Amazônia. Belém: CNPq/Programa Trópico Únido, 1982. 91 BEZERRA, M; CARDOSO, M. 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Fitoterapia da Amazônia. Manual de plantas medicinais. SP: Agronômica Ceres, 1992. WINNICOTT, D. W. A Criança e o seu Mundo. 6ª ed. Rio de Janeiro, 1985. 270p. ________. Os Bebês e suas Mães. 3ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. 98p. ________. Textos selecionados da pediatria à psicanálise. 1° Ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978. 94 APÊNDICES 95 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE Escola de Enfermagem Anna Nery E E A N Comitê de Ética em Pesquisa da EEAN/HESFA COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA EEAN/HESFA TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Resolução nº 196/96 – Conselho Nacional de Saúde Você foi selecionado (a) e está sendo convidado (a) para participar da pesquisa intitulada: “O cuidado materno e os aspectos culturais e sociais que envolvem a criação de filhos”, que tem como objetivos: identificar os mitos, ritos e costumes na criação de filhos a partir da história de vida de mães moradoras no município de Maués – AM; descrever os valores culturais materno e a sua influência no cuidado dos filhos; descrever o cuidado dos filhos oferecido pelas mães à luz da Teoria do Cuidado Cultural. Este é um estudo baseado em uma abordagem qualitativa, utilizando como método a etnoenfermagem. A pesquisa terá duração de dois anos, com o término previsto para novembro de 2009. Suas respostas serão tratadas de forma anônima e confidencial, isto é, em nenhum momento será divulgado o seu nome em qualquer fase do estudo. Quando for necessário exemplificar determinada situação, sua privacidade será assegurada uma vez que seu nome será substituído de forma aleatória. Os dados coletados serão utilizados apenas NESTA pesquisa e os resultados divulgados em eventos e/ou revistas científicas. Sua participação é voluntária, isto é, a qualquer momento você pode recusar-se a responder qualquer pergunta ou desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador ou com a instituição que forneceu os seus dados, como também na que trabalha. Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder as perguntas a serem realizadas sob a forma de formulário e entrevista aberta, e a liberação para que sejam feitas fotografias do seu cotidiano diário. A entrevista será gravada em fita K-7 e MP3 para posterior transcrição – que será guardado por cinco (05) anos e incinerada após esse período. Você não terá nenhum custo ou qualquer compensação financeira. Não haverá riscos de qualquer natureza relacionadas a sua participação. O benefício relacionado à sua participação será de aumentar o conhecimento científico para a área de enfermagem de terapia intensiva. Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone/e-mail e o endereço do pesquisador responsável, e demais membros da equipe, podendo tirar as suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer momento. Desde já agradecemos! Leila Rangel da Silva Raquel Faria da Silva Pesquisadora Principal Mestranda (a) Cel.: (21) 94690139 Cel.: (21) 7628-9483 e-mail: [email protected] e-mail: [email protected] End.: Rua Xavier Sigaud 290, 6˚ andar. Praia Vermelha, Urca – Rio de Janeiro – RJ Comitê de Ética em Pesquisa EEAN/HESFA: (21) 2293-8148/ramal 228 Maués, ___ de _____________ de 2008 Declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO DE CONSENTIMENTO e estou de acordo em participar do estudo proposto, sabendo que dele poderei desistir a qualquer momento, sem sofrer qualquer punição ou constrangimento. Sujeito da Pesquisa:___________________________________ 96 GUIA DE OBSERVAÇÃO, PARTICIPAÇÃO E REFLEXÃO Nome: Maués, de de Hora: Aspecto 1 Linguagem, Comunicação & Gestual (nativa ou não-nativa) 2 Contexto de vida ambiental geral (símbolos, materiais e não-materiais) 3 Vestuário em Uso & Aparência Física 4 Tecnologia Utilizada em Ambiente de Vida (residencial) 5 Visão de Mundo (como a pessoa percebe/observa sobre o mundo) 6 Modo de Vida Familiar (valores, crenças e normas) 7 Interação Social e Geral e Laços de Parentesco 8 Atividades Padronizadas Diárias 9 Crenças e Valores Religiosos (ou espirituais) 10 Fatores Econômicos (custo de vida difícil, estimado e rendimentos) 11 Valores Educacionais ou Fatores de Crença 12 Influenciadores Políticos ou Legais 13 Usos na Alimentação e Valores Nutricionais, Crenças e Tabus 14 Cuidado à Saúde Popular (genérico ou indígena – cura) Valores, Crenças e Práticas 15 Cuidado à Saúde Profissional (cura) Valores, Crenças e Práticas 16 Conceitos ou padrões de cura que orientem as ações, isto é, referentes a apoio, presença, etc. 17 Padrões ou Expressões de Cuidado 18 Visões dos Modos de: 1) Prevenção de Doença; 2) Prevenção ou Manutenção do Bem-estar ou da Saúde; 3) Cuidado Próprio ou aos outros 19 Outros Indicadores de Apoio mais Tradicionais ou não, aos modos de vida Anotações 97 Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências Biológicas e da Saúde Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Enfermagem Formulário do Perfil Sócio-Econômico-Cultural Maués, de de Hora: Nome: Sexo: Idade: Idade quando teve o primeiro filho: Perfil Sócio-Econômico-Cultural Tecnológicos Possui luz na residência? Possui água na residência? Qual a forma de transporte? Possui algum eletrodoméstico? Religião e filosofia Em que religião foi criado? Qual religião pratica agora? Companheirismo e sociais Você vive com alguém? Há quanto tempo? Como chama relação? Participa de reunião ou festas? Freqüência? Modos de vida Quem mora na sua casa? Como é a casa? Quem mora em que cômodos? Hábito noturno? Hábito diurno? Local onde dorme? Local aonde a criança dorme? Possui banheiro dentro de casa? Políticos e legais Qual o líder político? Sistema de escolha de liderança local? Econômicos Renda da família Fonte de renda Educacionais Você estudou? Freqüentou a escola até quando? Interrompeu os estudos por quê? n˚ de filhos: Respostas 98 ANEXOS 99 100 AUTORIZAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA