UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS E DA SAÚDE
PRORGAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM ENFERMAGEM
RAQUEL FARIA DA SILVA
VALORES CULTURAIS QUE ENVOLVEM O CUIDADO MATERNO
RIBEIRINHO: Subsídios para a Enfermagem
Rio de Janeiro
Outubro – 2009
2
RAQUEL FARIA DA SILVA
VALORES CULTURAIS QUE ENVOLVEM O CUIDADO MATERNO
RIBEIRINHO: Subsídios para a Enfermagem
Dissertação de Mestrado apresentado à Banca Examinadora do
Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro como requisito parcial para
a obtenção do título de Mestre em Enfermagem.
Linha de Pesquisa: Enfermagem na Atenção à Saúde da Mulher,
do Adolescente e da Criança.
Orientadora:
Dra. Leila Rangel da Silva
Rio de Janeiro
Outubro 2009
3
S586
Silva, Raquel Faria da.
Valores culturais que envolvem o cuidado materno ribeirinho :
subsídios para a enfermagem / Raquel Faria da Silva, 2009.
xi, 98f.
Orientador: Leila Rangel da Silva.
Dissertação (Mestrado em Enfermagem) – Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.
1. Enfermagem transcultural – Maués, AM. 2. Saúde maternoinfantil. 3. Cuidados em enfermagem – Planejamento. 4. Etnoenfermagem. 5. Enfermagem – Aspectos sociais. I. Silva, Leila Rangel da.
II. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2003-). Centro
de Ciências Biológicas e da Saúde. Curso de Mestrado em Enfermagem. III. Título.
CDD – 610.7343
4
VALORES CULTURAIS QUE ENVOLVEM O CUIDADO MATERNO
RIBEIRINHO: Subsídios para a Enfermagem
RAQUEL FARIA DA SILVA
Dissertação submetida à Banca Examinadora da Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro – UNIRIO, como parte dos requisitos necessários à obtenção do grau de Mestre.
APROVADA POR:
________________________________________________________
Profª Drª Leila Rangel da Silva
Presidente
________________________________________________________
Profª Drª Rachel Aisengart Menezes
1ª Examinadora
________________________________________________________
Profª Drª Florence Romijn Tocantins
2ª Examinadora
________________________________________________________
Profª Drª Rosangela da Silva Santos
Suplente
________________________________________________________
Profª Drª Adriana Lemos Pereira
Suplente
Rio de Janeiro
Outubro 2009
5
Orientadora
Professora Doutora
LEILA RANGEL DA SILVA
Meu agradecimento sincero e especial. Pela orientação sempre presente,
sincera e repleta de palavras sábias. Por acreditar nos meus objetivos
desafiantes, oferecendo sempre seu incentivo e apoio. Por vezes ter sido um
mastro no meu caminho conduzindo-me na construção de um ideal. Por me
ensinar com exemplos o verdadeiro significado da palavra mestre.
6
Dedicatória
Aos meus pais, meus maiores incentivadores, que sempre me deram suporte para continuar a
caminhada. A minha mãe Rubenita pela sua força nos momentos mais precisos. E ao meu pai
Fernando, que com seu exemplo de vida me ensinou a perseguir sonhos.
Ao meu futuro esposo Danilo Lima, pelo seu amor e companheirismo que me serviu de estímulo
para esta longa caminhada de pesquisas e viagens.
7
Agradecimentos Especiais
A Deus, meu melhor amigo e Senhor, que iluminou meu caminho e abriu portas para que eu
chegasse até aqui.
Aos meus irmãos Fernanda, Nathalia e Yuri que com carinho e paciência, foram tão
compreensivos nos períodos que precisei estar ausente para me dedicar à pesquisa.
Aos meus avós Valdir e Nilda, pelo carinho com que me acolheram em seu lar durante o
mestrado, sempre me dando apoio e incentivo.
Às minhas tias Rose e Rubencita que tanto me estimularam nesta longa e desafiadora caminhada.
8
Agradecimentos:
À querida Concon que me hospedou tão carinhosamente em seu lar ribeirinho durante a coleta de
dados.
Às mães ribeirinhas entrevistadas que tão generosamente abriram seus lares e vidas para a
pesquisa.
Aos líderes da comunidade que me autorizaram a viver e pesquisar na comunidade, e me
apoiaram durante todo trabalho de campo.
À Secretaria Municipal de Saúde de Maués que prontamente apoiou minha pesquisa, me
oferecendo dados de saúde da comunidade.
À Roberto e Ana María Fernández que prontamente auxiliaram na confecção e revisão do
abstract e resumen.
Ao filósofo e jornalista Paulo Roberto Marinho, que de maneira magnífica fez a revisão de
português.
Ao programa de Bolsas REUNI, que me possibilitou a dedicação integral à pesquisa e integração
acadêmica.
Ao corpo docente da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, pela oportunidade de aprendizado e
crescimento profissional. Em especial aos professores: Inês, Cristiane, Selma, Maria Aparecida,
Luiz Henrique, Florence, Adriana, Liliana e Wellington.
À todos os colegas de turma pela troca constante de conhecimentos e solidariedade nos
momentos difíceis. Em especial, agradeço às colegas de mestrado: Silvia e Cristina, que
compartilharam mais de perto as minhas idéias.
À Márcia, secretária da pós-graduação, Mestrado UNIRIO, pela presteza com que atendeu as
minhas solicitações.
Às minhas amigas Liz, Suzana e Amanda que tão de perto acompanharam minha caminhada, que
tantas vezes ouviram e se interessaram pelo desenvolvimento da pesquisa.
E a todos aqueles que, de uma forma ou de outra, deram-me apoio, estímulo, incentivo, amizade e
atenção.
9
“A vida é um processo de conhecimento; assim, se o objetivo é compreendêla, é necessário entender como os seres vivos conhecem o mundo.”
Humberto Mariotti
10
SUMÁRIO
RESUMO
ABSTRACT
RESUMEN
CAPÍTULO I - INTRODUÇÃO
Objeto do Estudo
Questões Norteadoras
Objetivos do Estudo
Justificativa e Relevância
CAPÍTULO II – REFERÊNCIAL TEÓRICO
Teoria do Cuidado Cultural
Modelo de Sunrise
Origens Filosóficas e Teóricas
CAPÍTULO III - ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA
Natureza do estudo
Método de Etnoenfermagem
Cenário do estudo
Autorização da pesquisa
Trabalho de campo
Recrutamento
Caracterização das depoentes
Análise dos depoimentos
CAPÍTULO IV – DISCUSSÃO DOS DADOS
Categoria 1 – O cuidado materno ribeirinho – princípios e implicações para
o cuidado
1.1. Cuidado dos filhos é cuidado materno: a realidade das mães ribeirinhas
1.2. O significado do cuidado materno para as mulheres ribeirinhas
1.3. As dificuldades do dia a dia no cuidado dos filhos ribeirinhos
Categoria 2 – O cuidado dos filhos ribeirinhos – as práticas do cuidado
materno
2.1. O cuidado materno no processo saúde-doença: a mãe atendendo a
necessidades evidentes
2.2. O cuidado na alimentação e higiene dos filhos: a mãe atendendo a
necessidades antecipadas
CAPÍTULO V – CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICES
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Guia de Observação, Participação e Reflexão
Formulário do Perfil Sócio-Econômico-Cultural
ANEXOS
Autorização do Líder Comunitário
Aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EEAN/HESFA
ix
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SILVA, Raquel Faria da. VALORES CULTURAIS QUE ENVOLVEM O CUIDADO
MATERNO RIBEIRINHO: Subsídios para a Enfermagem. Rio de Janeiro. 2009. 98 fls. xi
Dissertação (mestrado em Enfermagem). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro UNIRIO
RESUMO
Trata-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa tendo como objeto os valores culturais
das mães ribeirinhas que influenciam no cuidado dos filhos. Seus objetivos foram: 1) Discutir os
valores culturais das mães ribeirinhas e a sua influência no cuidado dos filhos; e 2) Propor decisões e
ações do cuidado de enfermagem culturalmente coerente a realidade ribeirinha. O método utilizado
foi o da etnoenfermagem utilizando como referencial teórico a Teoria do Cuidado Cultural de
Madeleine Leininger. O cenário da pesquisa foi a comunidade ribeirinha Vila Nova Maringá, na
cidade de Maués, Amazonas. As personagens foram 16 mulheres mães que vivem em comunidades
ribeirinhas na cidade de Maués há mais de dez anos, maiores de 18 anos, responsáveis pelo cuidado
de seus filhos. O período de coleta de dados foi de 17 de Julho a 27 de Agosto de 2008. Foram
utilizados três capacitadores designados para facilitar a obtenção dos dados de etnoenfermagem:
observação-participação-reflexão (OPR), formulário sócio-econômico-cultural e; entrevista semiestruturada. O guia do estudo foi o Modelo Sunrise, que serviu como mapa cognitivo. A análise dos
depoimentos foi fundamentada na análise de dados da etnoenfermagem resultando em duas
categorias: 1) O cuidado materno ribeirinho – princípios e implicações para o cuidado e; 2) O
cuidado dos filhos ribeirinhos – as práticas do cuidado materno. A perspectiva transcultural adotada
nesta investigação permitiu não só identificar características do contexto social e cultural do meio
ribeirinho, mas projetar novas frentes para o trabalho do enfermeiro nas comunidades ribeirinhas. Os
dados e situações levantados devem ser utilizados na promoção de uma assistência mais articulada,
culturalmente pertinente e que respeite o saber popular das mães que cuidam de seus filhos. A
etnoenfermagem, enquanto método unido aos preceitos da Teoria do Cuidado Cultural permitiu, no
decorrer da pesquisa, a construção do conhecimento dos saberes e práticas do cuidado materno no
contexto ribeirinho.
Palavras-chave: enfermagem transcultural, saúde materno-infantil, cuidado, etnoenfermagem
12
SILVA, Raquel Faria da. CULTURE VALUES WHICH INVOLVE THE RIVERSIDE
MATERNAL CARE: Subsidies for Nursing. Rio de Janeiro. 2009. 98 fls. xi. Dissertação (mestrado
em Enfermagem). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO
ABSTRACT
This study is a descriptive and qualitative analysis which aims to observe how the riverside mother’s
cultural values influence in the caring for their children. The main objectives of this research are as
following: 1-To discuss how the cultural values of riverside mothers influence in their children’s
upbringing; 2-To suggest possible policies that can help in the caring for these children from a
nursing perspective that is consistent with the realities of this population. The methodology used in
my analysis takes into consideration the Ethnonursing approach having as its theoretical basis the
Culture Care Theory by Madeleine Leininger. This research was conducted among the riverside
community of Vila Nova Maringá, located in the city of Maués, in the Amazon state. The study’s
subjects include sixteen (16) mothers who lived in the riverside communities of Maués for more than
ten (10) years. These women, who are older than eighteen (18), presently reside in the Vila Nova
Maringá community and are their children’s primary caretakers. Data collection for the research took
place between July 17 and August 27 of 2008. Three approaches were used in the process of
Ethnonursing data collection: Observation-Participation-Reflection (OPR), a formulary for socioeconomic-cultural data collection, and semi-structured interviews. The study was based on the
Sunrise model, which I used as a cognitive guide. The data analysis was performed according to the
requirements of Ethnonursing methodology which result in two (2) categories: 1-The riverside
maternal care – principles and implications for such care; 2-The caring of riverside children –
practice of maternal care. The transcultural perspective adopted in my investigation not only allows
for the identification of specific characteristics concerning the riverside’ socio-cultural context but it
also points to possible new fronts for nurses’ work in the community. The data and results presented
in this study should be utilized as a starting point in the promotion of a more contextualized
assistance to this population which should take into consideration its widely held beliefs concerning
child-care. The Ethnonursing approach, used in conjunction with the Cultural Care Theory, allowed
for the accumulation of information regarding the beliefs, practices and maternal care of the subjects
under consideration.
Key-words: Transcultural nursing, maternal-child health, care, ethnonursing
13
SILVA, Raquel Faria da. VALORES CULTURALES RELACIONADOS CON EL CUIDADO
MATERNO ENTRE LAS CULTURAS RIBEREÑAS: subsídios para la enfermería. Rio de Janeiro.
2009. 98 fls. xi
Dissertação (Mestrado em Enfermagem). Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro –
UNIRIO
RESUMEN
Este es un estudio descriptivo con enfoque cualitativo teniendo como objeto de estudio los valores
culturales de las madres ribereñas que influyen en el cuidado de los hijos. Sus objetivos fueron: 1)
Discutir los valores culturales de las madres ribereñas y su influencia en el cuidado de los hijos; y 2)
Proponer decisiones y acciones del cuidado de enfermería culturalmente coherente a la realidad
ribereña. El método utilizado fue la etnoenfermería utilizando como referencial teórico la Teoría del
Cuidado Cultural de Madeleine Leininger. El escenario de la pesquisa fue la comunidad ribereña
Vila Nova Maringá, en la ciudad de Maués, Amazonas. Las participantes fueron 16 mujeres madres
que viven en comunidades ribereñas en la ciudad de Maués hace más de diez años, y actualmente
residen en la comunidad Vila Nova Maringá, mayores de 18 años y responsables por el cuidado de
sus hijos. El periodo de recolección de datos fue entre el 17 de Julio y el 27 de Agosto de 2008. Se
utilizaron tres capacitadores designados para facilitar la obtención de los datos de etnoenfermería:
Observación-Participación-Reflexión (OPR), Formulario socio-económico-cultural y Entrevista
semi-estructurada. El guía del estudio fue el Modelo de Sunrise, que sirvió como mapa cognitivo. El
análisis de los testimonios fue fundamentado en el análisis de datos de Etnoenfermería arrojando dos
categorías: 1) El cuidado materno de madres ribereñas – principios y alcances para el cuidado y; 2)
El cuidado de los hijos ribereños – las prácticas del cuidado materno. La perspectiva transcultural
adoptada en esta investigación permitió no sólo identificar características del contexto social y
cultural del ambiente ribereño, sino también proyectar nuevos frentes para el trabajo del enfermero
en estas comunidades. Los datos y situaciones levantados deben ser utilizados en la promoción de
una asistencia más articulada, culturalmente pertinente y que respete el saber popular de las madres
que cuidan de sus hijos. La etnoenfermería, como método unido a los preceptos de la Teoría del
Cuidado Cultural permitió, en el transcurrir de la investigación, la construcción del conocimiento de
los saberes y prácticas del cuidado materno en el contexto ribereño.
Palabras-llave: enfermería transcultural, salud materno-infantil, cuidado, etnoenfermería
14
CAPÍTULO I
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Meu interesse pela abordagem antropológica da realidade floresceu no primeiro período da
graduação na Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, da Universidade Federal do Estado Rio de Janeiro
(UNIRIO), em 2003. Na ocasião, as aulas ministradas na disciplina Antropologia Filosófica Aplicada à
Enfermagem chamaram minha atenção para temas relacionados aos valores culturais e modos de vida do
ser humano. Com os ensinamentos ali apreendidos e a leitura da literatura existente sobre o assunto –
hábito adquirido nos anos subseqüentes – enriqueci minha formação acadêmica. Assim foi que estabeleci
as devidas relações entre enfermagem e cultura e entendi que esta prática profissional (a enfermagem,) se
define como uma profissão focalizada no fenômeno, nas atividades do cuidado e comportamento humano
e suas variações determinadas pelo processo cultural (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Para compreender a relação cultura/enfermagem, é necessária uma discussão prévia do conceito de
cultura – categoria permanentemente em construção - a partir de várias percepções antropológicas.
Edward Tylor, em 1871, moldou um conceito que serve, ainda hoje, de pilar para os conceitos
contemporâneos. De acordo com este autor, cultura é um todo complexo que inclui o conhecimento, as
crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem
como membro da sociedade (LARAIA1, 2003).
Já Madeleine Leininger, enfermeira e antropóloga, define cultura como os “valores, crenças, normas
e modos de vida apreendidos, partilhados e transmitidos, que orientam o pensamento, decisões e ações, de
modo padronizado e freqüente entre gerações.” (LEININGER & McFARLAND, 2006, p.16).
Essas definições nos permitem concluir que a cultura pode ser vista como a lente com a qual o
homem vê o mundo, ou seja, ela é um conjunto de princípios explícitos e implícitos herdados por
indivíduos membros de uma sociedade, princípios esses que mostram aos indivíduos como ver o mundo
que os cerca, como vivenciá-lo emocionalmente e como comportar-se nas relações (HELMAN, 2009).
Admitindo-se que a cultura não é um conjunto de valores estáticos, depreende-se que qualquer
sistema cultural está num processo de modificação, porque o ser humano, em sua totalidade, tem a
capacidade de questionar os seus próprios atos e modificá-los, fenômeno que o leva a mudanças internas,
resultantes da dinâmica do próprio sistema cultural (LARAIA, 2003).
Ainda de acordo com Laraia (2003), a cultura também se faz dinâmica pela recepção das influências
externas, resultantes do contato de um sistema cultural com outro, transformação que pode ser rápida e
1
Roque de Barros Laraia é antropólogo, professor emérito da UnB. Doutor pela USP, realizou pesquisas de campo entre os
índios Suruí, Akuáa-Asurini, Kamayurá e Urubu-Kaapor (LARAIA, 2003).
15
brusca. Sabemos que a globalização – processo econômico e social que estabelece uma integração entre
os países e as pessoas do mundo todo – impõe hoje uma constante troca de informações. Por isso, é quase
impossível encontrar povos totalmente isolados e que não recebam nenhuma influência externa sobre sua
cultura. Essas trocas, ou seja, a recepção, adaptação e mudança de valores culturais advindos de outras
sociedades é um fenômeno constante, o que pode se chamar também de interculturalidade. (LARAIA,
2003).
Durante a graduação em enfermagem tive a oportunidade de realizar algumas viagens e, assim,
conviver em diferentes culturas. Nos quatro anos e meio de curso, entre 2003 e 2007, estive na Alemanha,
Suíça e Estados Unidos, mas viajei também pelo Brasil, mais especificamente na Amazônia. Meus
deslocamentos se deram por motivos diversos, como cursos de idiomas, trabalho ou férias. Essas
experiências, em diferentes ambientes, permitiram-me observar as diversidades e universalidades do ser
humano e seus modos de vida.
Essa rica experiência despertou na então estudante um verdadeiro fascínio pela temática do cuidado
dos filhos e os aspectos culturais nele contido. Em todas as sociedades onde estive, sem exceção,
constatei como os valores culturais da mãe podem influenciar de modo direto o cuidado com os filhos.
De todos os lugares onde estive, o ambiente que mais atraiu minha atenção pelos contrastes, por sua
riqueza cultural, foi o município de Maués, localizado no estado da Amazonas, com mais de cem
comunidades ribeirinhas. Minha primeira visita ao centro urbano e às comunidades ribeirinhas da cidade
ocorreu em Julho de 2007. Foi possível observar claramente, neste contato inicial, os aspectos culturais
influenciando o processo saúde-doença. Logo percebi, portanto, que o município era o espaço adequado
para levantar a delicada questão da saúde materno-infantil, atrelada ao cuidado materno.
Durante minha estadia no município, trabalhei na tradução inglês/português para uma equipe
americana missionária que promoveu a distribuição de cestas básicas na cidade, além de óleo de gerador
para um vilarejo ribeirinho e outros povoados. De uma forma geral, as comunidades ribeirinhas de Maués
têm grande carência na assistência à saúde. Notadamente a comunidade ribeirinha Vila Nova Maringá,
onde encontrei situações culturais que interferem na promoção e proteção à saúde, tais como o modo de
preparo de alimentos, o desconhecimento sobre a concepção e dos métodos contraceptivos científicos
(responsáveis pela alta incidência de gravidez na adolescência2) e a sexarca antes mesmo da criança virar
adolescente. As causas do fenômeno são múltiplas e passam necessariamente pelos campos da cultura, da
assistência de saúde e de políticas públicas.
Em Vila Nova Maringá a personagem que atraiu mais minha atenção foi a mulher, não só pela
forma particular como ela vive a sexualidade, a gestação e o parto mas, principalmente, pela maneira
como cuida dos filhos. As mulheres da região vivem uma realidade muito diferente daquela
2
O Programa de Atenção à Saúde do Adolescente (PROSAD), do Ministério da Saúde, considera
adolescência a faixa etária compreendida entre os 10 e 20 anos (BRASIL, 1996).
16
experimentada nos centros urbanos brasileiros, principalmente nos aspectos sócio-econômico e cultural. E
são essas diferenças, sustenta Helman, que configuram um país de dimensão continental, com mulheres
sob uma mesma bandeira, unidas pelo mesmo regime político, moeda e língua, mas tão distantes no seu
modo de vida e valores (HELMAN, 2009).
Nos grandes centros urbanos a maternidade ainda apresenta grande importância para a constituição
da identidade feminina, com uma agregação de outros fatores que constituem a finalidade de existência da
mulher, como o sucesso profissional e intelectual, a liberdade da sexualidade e sensualidade. De fato, a
maternidade e o cuidado dos filhos têm assumido valores culturais diferentes no decorrer dos tempos e
espaço. Isso ocorre principalmente nas sociedades ocidentais atuais, onde a mulher tem assumido mais
tarefas, vivendo em dupla jornada e trabalhando fora. Além desses fatores, a mudança atual na criação das
meninas tem resultado em mulheres que não desejam ser mães e mães que não se sentem preparadas,
tornando problemática a escolha da maternidade para a mulher atual (GLAT, 1994).
A realidade dos centros urbanos, no entanto, não é a regra nas regiões periféricas. Em espaços
sociais como o de Vila Nova Maringá de Maués, por exemplo, a mulher tem o perfil de cuidadora
abnegada de toda família, responsável quase que exclusivamente pelo cuidado dos filhos. Ali, é alto o
número de mulheres multíparas, que iniciaram a sexarca e a maternidade entre a faixa etária de 10 e 20
anos, um período considerado adolescência pelo Programa de Atenção à Saúde do Adolescente
(PROSAD) (BRASIL, 1996). Um primeiro olhar não nos permite detectar se essas mulheres desejavam a
maternidade nesta idade. Mas assim que olhei pela primeira vez o cuidado materno, nesta comunidade
ribeirinha, foi possível vislumbrar aspectos da vida humana transmitidos pelas mães aos filhos durante o
cuidado – tais como as crenças, o comportamento, as percepções, emoções, linguagem, rituais, estrutura
familiar, imagem corporal, conceitos de tempo e de espaço, atitudes frente à dor e doença, e a forma de
alimentação.
De acordo com Helman (2009), esses aspectos são influenciados pelos valores culturais maternos. É
por meio do cuidado prestado aos filhos que a mãe, em algumas sociedades, representa o principal
personagem de transmissão de valores culturais no desenvolvimento da criança na primeira infância.
Depreende-se daí, portanto, que crescer em determinada sociedade é uma forma de enculturação na qual o
indivíduo, aos poucos, adquire a lente pela qual enxerga o mundo e aprende a interagir nele.
O cuidado em si é definido da seguinte maneira por Leininger: ação, atitudes e práticas para assistir
ou ajudar outros no sentido da cura e do bem-estar. De onde se conclui que o cuidado é popular e
praticado pelas mães aos filhos, ou seja, apreendido e transmitido de forma tradicional, local e popular
(LEININGER & McFARLAND, 2006).
A forma como essas mulheres cuidam de seus filhos, desde o desejo da maternidade às práticas de
cuidado materno, pode parecer exótica aos olhos do profissional enfermeiro que sai de um centro urbano
e vai assistir a população do interior. De acordo com Leininger, o enfermeiro é o profissional responsável
17
por interligar o saber científico aos procedimentos usados por essas mães no cuidado que prestam aos
filhos. À luz destas categorias foi possível concluir o seguinte: é necessário um estudo sistemático dos
aspectos culturais que envolvem o cuidado materno, na comunidade ribeirinha de Vila Nova Maringá. Só
assim, o enfermeiro virá a ter uma visão mais holística e será capaz de oferecer uma prática profissional
culturalmente embasada, sem choques culturais, conceituada, planejada e operacional, livre da imposição
de valores e preconceito (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Entendendo que o cuidado dos filhos oferecido pelas mães tem determinantes culturais. E que estes
fatores influenciam, de forma direta, o desenvolvimento da criança, merecem ser estudados para
favorecer o cuidado profissional na área materno-infantil e constituem aspecto importante no campo de
atuação da enfermagem, este estudo tem como objeto: “Valores culturais das mães ribeirinhas que
influenciam no cuidado dos filhos”.
Para dar forma ao estudo apresento a seguinte questão norteadora: Quais são os principais valores
culturais da mãe que influenciam no cuidado dos filhos em Vila Nova Maringá, Maués –AM?
Para desenvolver o tema foram traçados os seguintes objetivos:
1. Discutir os valores culturais das mães ribeirinhas e a sua influência no cuidado dos filhos.
2. Propor decisões e ações do cuidado de enfermagem culturalmente coerente à realidade
ribeirinha.
Para justificar este estudo cito a obra de Habayeb (1995). Este autor afirma que as discrepâncias nas
definições surgem quando os enfermeiros não visualizam cada pessoa (incluindo a si mesmos) como
tendo uma cultura, uma herança cultural e como sendo diferentes culturalmente. Acrescento ainda a
necessidade de dar visibilidade a esta população isolada. À exemplo de centenas de outros municípios
existentes em nosso País, Vila Nova Maringá necessita que o cuidado e a promoção da saúde sejam
promovidos com coerência cultural e livres da imposição de valores ou preconceitos.
O presente estudo está inscrito no Núcleo de Pesquisa, Estudos, Experimentação em Enfermagem
na Área da Mulher e da Criança – NuPEEMC, do Departamento de Enfermagem Materno-infantil da
Escola de Enfermagem Alfredo Pinto / UNIRIO. Esta pesquisa, portanto, tem como objetivo fornecer
subsídios para a renovação do conhecimento de ensino em Enfermagem na Área da Saúde da Mulher e da
Criança.
18
CAPÍTULO II
REFERENCIAL TEÓRICO
Foi na metade da década de 1950, enquanto trabalhava em um centro de orientação infantil nos
Estados Unidos da América com crianças com distúrbios mentais, de diversas origens culturais, que
Madeleine Leininger, enfermeira e antropóloga, descobriu a importância da cultura para o cuidado de
enfermagem. Ao longo dos anos e após vários estudos, ela compreendeu que o comportamento era
culturalmente constituído e influenciado pela sua saúde mental (LEININGER & McFARLAND, 2006).
A sua curiosidade e a falta de conhecimento do papel dos fatores culturais, na saúde física e mental,
a conduziram ao estudo da antropologia, desenvolvendo assim, no campo da Enfermagem Transcultural,
um foco comparativo que foi definido como:
Sub-campo ou ramo da enfermagem que enfoca o estudo comparativo e a análise de culturas com
respeito à enfermagem e as práticas de cuidados de saúde-doença, às crenças e aos valores, com a
meta de proporcionar um serviço de atendimento de enfermagem significativo e eficaz para as
pessoas de acordo com os seus valores culturais e seu contexto de saúde-doença (LEININGER &
McFARLAND, 2006, p.16).
Na literatura de Enfermagem Transcultural foram estudados, definidas sucintamente e para maior
compreensão: cuidado; cultura; construção do cuidado genérico e profissional; cuidado genérico; cuidado
profissional; fatores da estrutura social e cultural; etnohistória; contexto ambiental; visão de mundo;
preservação e/ou manutenção do cuidado cultural, acomodação e/ou negociação do cuidado cultural e
repadronização e/ou reestruturação; cuidado culturalmente coerente; diversidade do cuidado cultural;
universalidade do cuidado cultural.
Nos anos 50 e 60 muitas enfermeiras estavam limitadas ao estudo médico de doenças, sintomas e
regimes de tratamento para muitas doenças. A enfermagem, assim, começava a se distanciar do seu foco
primário do cuidado. A prática do enfermeiro era influenciada pela era do pós-guerra, período marcado
pelo surgimento cada vez freqüente de novidades tecnológicas na área biomédica. Neste período, a
maioria das enfermeiras se tornou ajudantes de médicos, distanciando-se do cuidado. No outro extremo
está Leininger. Ela continua seu estudo da enfermagem junto à antropologia para criar uma teoria de
enfermagem e a estruturação de uma identidade profissional (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Leininger publica então, em 1991, a Teoria do Cuidado Cultural. A autora considera que o cuidado
ao ser humano é universal, isto é, o ser humano, para nascer, crescer, manter sua vida e morrer, precisa
ser cuidado, porém cada cultura, de acordo com seu ambiente e estrutura social, terá sua própria visão de
saúde, doença e cuidado (LEININGER & McFARLAND, 2006).
O propósito da Teoria foi descobrir as Diversidades e Universalidades do ser humano, no contexto
mundial, e os meios de prover o cuidado culturalmente coerente às pessoas de culturas diferentes
(diversidade) ou semelhantes (universalidade). A finalidade é manter ou retornar o bem-estar (saúde), ou
enfrentar a doença de modo culturalmente apropriado, tendo em vista que a saúde é o estado percebido ou
19
cognitivo de bem-estar, que capacita o indivíduo ou grupo a efetuar as atividades segundo os padrões
desejados em determinada cultura. Esta última é constituída por valores, crenças e práticas
compartilhadas, apreendidas ao longo das gerações (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Modelo de Sunrise
E para ajudar o enfermeiro a reconhecer um mundo cultural de vida com diferentes forças ou
influências das condições humanas e que precisam ser consideradas ou descobertas para prover o cuidado
holístico, satisfatório e significativo para os indivíduos, os grupos ou as instituições, Madeleine Leininger
criou o “Modelo de Sunrise” (figura 1). Por meio deste modelo, o enfermeiro levanta múltiplos fatores
previstos para influenciar nas expressões do cuidado cultural e seus significados.
Segundo Leininger & Mc Farland (2006, p.24):
O sunrise serve como mapa cognitivo para descobrir os fatores embutidos e múltiplos relacionados
à teoria, tendências e suposições com o domínio específico de inquirição sob estudo. Este
diagrama visual leva o pesquisador a buscar amplamente vários fatores influenciando o cuidado
dentro de qualquer cultura sob estudo.
Nesse modelo são levantadas as forças/influências que, devidamente analisadas, propiciam o
cuidado cultural. São elas:

Dimensões da estrutura cultural e social, ou seja, fatores tecnológicos, religiosos, filosóficos, sociais,
políticos, legais, econômicos, educacionais e modos de vida.

Contexto do ambiente, situação ou experiência, interações sociais em lugares físicos, sócio-políticos que dão
significado às expressões humanas.

Sistema popular é o conhecimento popular, a experiência direta, visão sob ótica dos que vivem a cultura
centralizada na pessoa.

Sistema profissional trata da interpretação do vivido naquela cultura, descrevendo a perspectiva profissional
(LEININGER & McFARLAND, 2006).
Figura 1 – Modelo de Sunrise (LEININGER & McFARLAND, 2006)
20
Fonte: LEININGER & McFARLAND, 2006, p.25
No “Modelo de Sunrise”, a enfermagem se apresenta como a intercessão entre os sistemas
populares e profissionais da área de saúde. O enfermeiro na promoção em saúde em geral ocupará o papel
de cuidador direto, aquele que tem o maior contato com o cliente, realiza a ligação entre eles e os
profissionais, um comunicador/educador.
O resultado prático desse sistema interligado são as decisões e as ações do cuidado de enfermagem,
e estão divididas em três propostas, levando em conta o modo de vida e as crenças compartilhadas:
Preservação, Acomodação e Repadronização do Cuidado.
Preservação constitui o cuidado já praticado por um indivíduo, família ou grupo, benéficos ou
mesmo inócuos para a saúde. Acomodação são ações e decisões para assistir, dar suporte, facilitar as
pessoas de uma determinada cultura a adaptar-se ou negociar com provedores de saúde profissionais.
Repadronização são ações e decisões para facilitar, dar suporte, que ajudam indivíduos, grupos a
reordenar, trocar ou em grande parte modificar seus modos de vida para o novo, o diferente, beneficiando
os padrões de cuidado à saúde (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Ao utilizar o Modelo de Sunrise como um guia, os enfermeiros descobrem novas perspectivas sobre
cuidado, procuram as diferenças e as semelhanças de uma cultura, um grupo, ou, individualmente.
Origens Filosóficas e Teóricas
21
Para desenvolver a teoria aqui adotada usei a experiência adquirida como enfermeira teorista, o
conhecimento antropológico e outras informações relevantes, sem a influência ou predominância de
qualquer escola de idéias. Sabemos que Leninger (2006), ao se apropriar da definição de enfermagem
como a profissão responsável pelo cuidado embasado cientificamente, teve seu pensamento desafiado
pela complexidade dos seres humanos e seus diversos modos de viver culturais. A autora logo percebeu
que essa diversidade seguramente influenciava a recepção do cuidado prestado. Por isso, ela sustentava
que o modelo médico de enfoque nas doenças, alívio dos sintomas e condições patológicas era bastante
estreito para uma disciplina do cuidado.
A Teoria do Cuidado Cultural, por isso, tinha não só que ser ampla e holística, mas possuir uma
cultura específica, com pesquisa baseada no conhecimento, de maneira a transformar a enfermagem e a
medicina tradicionais (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Ao desenvolver a teoria, quatro tendências importantes foram conceituadas e formuladas com a
Teoria do Cuidado Cultural:
1.
Expressões do cuidado cultural, significado, padrões e práticas são vários e ainda há alguns atributos
universais comuns compartilhados.
2.
A visão de mundo, fatores múltiplos de estrutura social, etnohistória, contexto ambiental, língua e
cuidado profissional e popular, são influências críticas dos padrões de cuidado cultural para predizer a
saúde, bem-estar, doença, cura, e modos para as pessoas enfrentarem as deficiências e a morte.
3.
Os fatores genéricos emic (popular) e etic (profissional da saúde) em diferentes contextos ambientais
influenciam grandemente a saúde e a doença em seus resultados.
4.
De uma análise de influenciadores acima – emic e etic – três ações principais e guias de decisões foram
previstos para os modos de prestar um saudável cuidado, culturalmente congruente e significativo. As
três ações baseadas culturalmente e modos de decisão foram: a) preservação e/ou manutenção do
cuidado cultural, b) acomodação e/ou negociação do cuidado cultural, c) repadronização e/ou
reestruturação do cuidado cultural. A decisão e outros modos de ação baseados no cuidado cultural
foram fatores-chave previstos para o cuidado congruente e significativo. Os fatores individual, familiar,
grupal ou comunitário foram acessados e respondidos para um relacionamento dinâmico e participativo
enfermeira-cliente (LEININGER 1991, LEININGER & McFARLAND, 2002, 2006).
Essas tendências acima citadas conduzem a ganchos de suposições teóricas que fazem a teoria ser
utilizada em culturas ocidentais e orientais, através do tempo e em diferentes regiões geográficas, como
Vila Nova Maringá, a comunidade ribeirinha proposta no presente estudo. Gostaria de citar algumas
delas, que considero de grande importância para o estudo dos aspectos culturais que envolvem o cuidado
materno:
1. O cuidado é a essência central e dominante, distinta e unificante dos focos de enfermagem.
2. O cuidado cultural é a síntese de duas principais construções que orientam o pesquisador a
descobrir, explicar e considerar, para a saúde, o bem-estar, expressões de cuidado e outras
condições humanas.
3. Os valores do cuidado cultural, crenças e práticas são influenciados e embutidos na visão de
mundo, fatores de estrutura social (religião, filosofia de vida, parentesco, política, economia,
educação, tecnologia e valores culturais) e os contextos etnohistóricos e ambientais.
4. O cuidado culturalmente congruente e terapêutico ocorre quando os valores de cuidado cultural,
crença, expressões e padrões são explicitamente conhecidos e usados apropriadamente, sensível e
significativamente com as pessoas de culturas diversas ou semelhantes.
22
5. Os métodos da pesquisa qualitativa oferecem meios importantes para que se descubra os valores
embutidos, tais como a cobertura, o epistêmico e o ontológico cuidado cultural, conhecimento e
práticas (LEININGER 1991, LEININGER & McFARLAND, 2002, 2006).
O cuidado cultural é a mais ampla, mais compreensiva, holística e universal teoria para a descoberta
de um novo conhecimento capaz de ajudar pessoas de diversas culturas. A teoria é grande em extensão e
explora muitos aspectos do cuidado com representações individuais de uma cultura com o passar do
tempo (LEININGER & McFARLAND, 2006).
De acordo com Silva (2007), a Teoria do Cuidado Cultural tem sido utilizada com freqüência no
Brasil nas pesquisas de enfermagem. Desde 1993, assinala a autora, há uma progressão considerável no
quantitativo de pesquisas que utilizam a teoria, a maioria delas na área materno-infantil. Dentre as
pesquisas brasileiras na área de enfermagem materno-infantil, vale destacar o artigo de Bezerra e Cardoso
(2005) a respeito dos fatores culturais que interferem nas experiências das mulheres durante o trabalho de
parto. Esses autores se basearam nas descrições e observações registradas em diário de campo das falas
das gestantes a respeito dos valores que interferem no parto. A intenção de fundamentar os achados do
estudo foi identificar os significados contextuais e culturais, relacionando-os com as experiências
vivenciadas pelas informantes-chaves, utilizando os fatores influenciadores da Teoria da Diversidade e
Universalidade do Cuidado Cultural. A pesquisa mostra que, por meio do diálogo com a mulher gestante,
é possível levantar dados essenciais para um cuidado coerente com a realidade.
Durante a prática assistencial constatei a importância de observar, conhecer e respeitar os valores
culturais dos clientes. Procurei, então, promover ações práticas de enfermagem de modo que o cliente
compreendesse e recebesse o cuidado de modo benéfico e coerente com sua cultura. Percebi, enquanto
enfermeira, que a imposição da prática prescrita e formatada na assistência de enfermagem não é aceita
quando a população se opõe a um valor cultural diferente de uma prática de cuidado experimentada ao
longo de gerações.
No cuidado materno-infantil a relação mãe-filho é rica e ilustra bem a influência dos valores
culturais maternos desde a gestação. Percebe-se não só como a mãe enxerga a gravidez e a vivencia e o
cuidado prestado aos filhos, mas como elas são influenciadas pelo saber popular da família e/ou
sociedade. E como essa influência se reflete na prática da alimentação, no cuidado diante do processo
saúde e doença, entre outras. Foi por meio da Teoria do Cuidado Cultural que levantei as dimensões da
estrutura sociocultural das mulheres ribeirinhas e conheci melhor o meio em que vivem, seu modo de
vida, crenças e valores, entendendo, assim, como as mulheres cuidam de seus filhos à luz dos saberes
populares.
23
CAPÍTULO III
ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA
Trata-se de um estudo descritivo de natureza qualitativa. Nas palavras de Minayo (2006, p.34), esse
tipo de pesquisa se preocupa com um nível de realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, trabalhase com “o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a
um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variações”.
O método utilizado é o da etnoenfermagem, que é uma ferramenta rigorosa, sistemática e profunda
para o estudo de múltiplas culturas. Essa metodologia foi primeiramente concebida para se adaptar às
tendências e ao objetivo da Teoria do Cuidado Cultural. A habilidade em compreender e usar a
etnoenfermagem focalizará em significados de cuidado e experiências de vida (LEININGER &
McFARLAND, 2006).
Este método foi formulado de modo que o pesquisador pudesse descobrir tanto os macros quanto os
micros fenômenos, dependendo do domínio da investigação estabelecida pelo pesquisador dentro das
tendências da Teoria do Cuidado Cultural. Esse instrumento capacita o profissional a descobrir a
diferença entre o cuidado genérico ou nativo popular, aprendido informalmente do conhecimento
ribeirinho, do conhecimento profissional de enfermagem, aprendido formalmente nos sistemas
educacionais, em diversas culturas (LEININGER & McFARLAND, 2006).
O CAMINHO METODOLÓGICO
Cenário do estudo
O cenário de estudo é a comunidade ribeirinha Vila Nova Maringá, situada na cidade de Maués, no
estado do Amazonas (Vide Mapa 01 abaixo). Fundada em 1833, Maués está situada às margens do rio
Maués-açu e é conhecida como “cidade do guaraná” porque os seus primeiros habitantes, os índios
mundurucus e maués, já cultivavam essa planta nativa da região. Distante da capital do estado 267 km em
linha reta e 356 km por via fluvial, a localidade ocupa uma área de aproximadamente 39.988 km² (IBGE,
2007), sendo limitada, ao norte, pelos municípios de Boa Vista do Ramos e Barrerinha e, ao sul, pelos
municípios de Itacoatiara, Nova Olinda do Norte e Borba.
Figura 02 – cidade de Maués, Amazonas
24
Destaco que a pequena cidade de Maués tem um povo alegre e hospitaleiro, com biotipo
predominantemente indígena. A população espelha a mais pura expressão da cultura amazônica,
preservando, em seu modo de ser, sua culinária, suas lendas e o orgulho de serem filhos da terra do
guaraná.
Maués conta com uma boa infra-estrutura em sua área urbana e está acima do padrão regional
encontrado no interior amazônico, pois o centro urbano da cidade dispõe de aeroporto, porto fluvial, três
agências bancárias, energia elétrica 24 horas, serviço de telefone convencional e celular, correios, postos
de saúde, hospital com plantão 24 horas, pequenos hotéis e pousadas, restaurantes, bares e várias opções
de lazer.
O município apresenta uma população de 47.020 habitantes (IBGE, 2007), distribuídos em seus
principais núcleos urbanos (na sede municipal, as vilas e as comunidades rurais). A zona rural conta com
uma população de 20.178 habitantes (43%), distribuídos em 170 comunidades ribeirinhas. O clima é
úmido, com chuvas de janeiro a julho, altitude de 25m em relação ao nível do mar e temperatura média de
29ºC. Sua economia é baseada no turismo, pecuária, agricultura e pesca.
Vila Nova Maringá é uma das comunidades ribeirinhas do município de Maués, situada no Pólo 2 3
da Secretaria Municipal de Saúde, às margens do rio Parauari e a cerca de 10 horas de barco da área
urbana. Sua população está distribuída por 42 famílias, das quais 18 delas vivem na vila da comunidade.
As restantes moram na mata e cultivam predominantemente a mandioca para a fabricação da farinha. A
vila possui uma rua de chão de barro, onde as casas e a escola municipal de ensino fundamental estão
alinhadas lado a lado à frente do rio. A localidade conta com postes de madeira que transmitem energia às
casas no horário entre 19h e 22h todos os dias. A água vem de um poço artesanal e é retirada por meio de
uma bomba manual ou do rio. Dentre os 173 habitantes da comunidade, uma média de 09 pessoas por
família, 50% tem idade entre 29 dias e 14 anos (SECRETARIA MUNICIPAL DE SAÚDE, 2008).
3
A Secretaria Municipal de Saúde agrupa as comunidades em pólos, por proximidades e/ou rio em comum. O pólo 2 é
composto por comunidades ribeirinhas ao rio Parauari.
25
Segundo um de seus fundadores, Vila Nova Maringá foi formada há cerca de 27 anos, por
familiares oriundos do garimpo do rio Amana, que migraram para o rio Parauari incentivados pela terra
“preta” existente no local, que é ótima para o cultivo. Outras motivações foram a fuga da Malária,
epidêmica na região do rio Amaná – próximo à comunidade – e a necessidade de criar uma comunidade
onde fosse possível fundar uma escola voltada para a alfabetização dos filhos.
Figura 03 – Comunidade Vila Nova Maringá
Foto autorizada
Autorização da Pesquisa
Inicialmente, o projeto de pesquisa foi encaminhado ao líder comunitário local, para que ele
autorizasse sua realização com as mães da comunidade (Anexo 1), e ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Escola de Enfermagem Anna Nery / Hospital Escola São Francisco de Assis (EEAN/HESFA), com
registro da pesquisa no Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), atendendo a Resolução
n˚196/96, do Conselho Nacional de Saúde que dispõe sobre as Diretrizes e Normas Regulamentares de
Pesquisa com Seres Humanos. O projeto foi aprovado sem ressalvas (Anexo 2) pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da EEAN/HESFA, sob o protocolo n° 54/08.
Na primeira abordagem as mulheres foram informadas sobre o objetivo da pesquisa. Na medida em
que elas aceitavam participar das entrevistas, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice
1) era apresentado e lido em conjunto com as mulheres. Foi garantido o sigilo e anonimato, e só após a
assinatura e/ou impressão digital para depoentes analfabetas, foram iniciadas as entrevistas que foram
gravadas em MP3. As entrevistas serão guardadas por cinco (05) anos e destruídas após esse período.
A fim de assegurar a privacidade das depoentes substituí os nomes das 16 mulheres participantes do
estudo, por codinomes indígenas de língua Tupi ou Guarani, justificando-se a terminologia adotada pela
origem indígena da cidade de Maués.
Quadro 01: Codinome das mulheres e seus significados
Nome
Moema
Iracema
Iaciara
Maiara
Yara
Origem
Guarani
Tupi
Tupi
Tupi
Tupi
26
Cunhapora
Jurema
Janaina
Tinga
Japira
Apuã
Jaciaba
Potira
Garaciaba
Irani
Piatã
Fonte: Entrevistas
Guarani
Tupi
Tupi
Tupi
Tupi
Tupi
Tupi
Tupi
Tupi
Tupi
Tupi
Trabalho de Campo
Segundo Madeleine Leininger, a maioria dos estudos de etnoenfermagem usualmente cobre um
período de tempo, que vai depender do escopo do domínio de inquirição – o cuidado materno – e se o
pesquisador deseja dirigir um estudo através do tempo (Leininger & McFarland, 2006). A comunidade
investigada não me era estranha. Um ano antes da coleta de dados, no mês de Julho de 2007, eu
participara de projetos de ajuda humanitária4 em diversas comunidades ribeirinhas de Maués, inclusive
em Vila Nova Maringá. O desenvolvimento da pesquisa levou-me a retornar a esta comunidade no ano de
2008.
A coleta de dados demandou um período de quarenta dias, de 17 de Julho a 27 de Agosto de 2008,
durante os quais convivi intensamente com a comunidade ribeirinha. Minha permanência na comunidade
para desenvolver a pesquisa facilitou o levantamento dos dados, já que o convívio com a população acaba
transformando o pesquisador num amigo da comunidade, parte de seu contexto natural e da vida
ambiental dos ribeirinhos.
Mas, não é só o convívio na comunidade que viabiliza a utilização da etnoenfermagem como
método de pesquisa. É necessário também que o pesquisador desenvolva os capacitadores (facilitadores)
para que eles, familiarizados com os métodos e instrumentos usados na coleta de dados, auxiliem na
investigação sobre cultura e o cuidado materno. Os capacitadores, como o nome indica, facilitam a troca
de idéias e a transformam num procedimento casual e natural. Na prática, eles (os capacitadores) são os
meios por meio dos quais a pesquisa levanta dados e analisa as principais tendências da teoria e do
domínio da inquirição. Novos dados obtidos de informantes naturalísticos (meios grandemente informais)
são também procurados sem que o pesquisador controle as visões dos informantes. Estes últimos são
encorajados a serem abertos e espontâneos ao partilhar seu conhecimento. O pesquisador encoraja os
informantes a contar suas histórias e experiências de vida (LEININGER & McFARLAND, 2006).
4
As ajudas humanitárias foram a distribuição de alimentos e óleo para gerador, e o atendimento de enfermagem nas
comunidades.
27
Foram utilizados três capacitadores designados para facilitar a obtenção dos dados de
etnoenfermagem nesta investigação: 1) Observação-Participação-Reflexão (OPR); 2) Formulário sócioeconômico-cultural e; 3) Entrevista semi-estruturada. O guia de estudo utilizado foi o Modelo Sunrise,
que serve também como um mapa cognitivo que cobre os principais componentes da Teoria enquanto
coleta e analisa os resultados. O tempo designado para a pesquisa de etnoenfermagem na comunidade foi
suficiente para a coleta de todos os dados pertinentes aos capacitadores.
A OPR (Observação-Participação-Reflexão) foi utilizada com a finalidade de obter acesso à
comunidade, explorar o contexto, conhecer o modo de vida das mulheres ribeirinhas de Vila Nova
Maringá, Maués - AM e como elas cuidam dos seus filhos. Procurou-se, assim, manter com as
entrevistadas um relacionamento de confiança.
Utilizei para este estudo as quatro fases do Capacitador Observação, Participação e Reflexão (OPR)
em etnoenfermagem de Leininger, que pode ser observado no Quadro 02.
Quadro 02 – As Quatro Fases da Observação – Participação e Reflexão
Fases
1
Observação & Ação ativa
de ouvir (sem
participação ativa).
2
Observação com
participação limitada.
3
Participação com
observações
continuadas.
4
Reflexão e
reconfirmação de
resultados com os
informantes.
Fonte: Leininger e McFarland, 2006
Na Fase 1 – Observação & Ação Ativa de Ouvir, o pesquisador concentra-se nas observações.
Observar e escutar são aspectos essenciais. O observador busca obter uma visão ampla da situação e,
gradualmente, faz observações detalhadas. É essencial que seja reservado algum tempo para a
documentação detalhada das observações, antes que haja interação ou participação mais direta com as
pessoas, pois isto permite verificar o que está ocorrendo antes que a situação seja influenciada pela
participação de um estranho. Nesta fase, o observador é também observado e testado pelos informantes
(LEININGER & McFARLAND, 2006).
Na Fase 2 – Observação com Participação Limitada, a observação é contínua, mas alguma
participação ocorre. O pesquisador começa a interagir mais com as pessoas e observa suas respostas
(LEININGER & McFARLAND, 2006).
Na Fase 3 – Participação com Observações Continuadas, o pesquisador torna-se um participante nas
atividades dos informantes, ficando difícil fazer observações detalhadas de todos os aspectos. Ele
desenvolve vários níveis de participação para aprender com as pessoas, sentir e experimentar através do
envolvimento direto nas atividades. É importante, porém, que se mantenha sempre como observador
atento, embora isto ocorra com menos intensidade (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Na Fase 4 – Reflexão e Reconfirmação de Resultado com os Informantes, o pesquisador faz
observações reflexivas para determinar o impacto dos eventos, ou dos acontecimentos na vida das
pessoas. Observação reflexiva significa “olhar para trás”, relembrar como se desenvolveu todo o processo
28
e avaliar como as pessoas respondem ao pesquisador. Isto auxilia o pesquisador a complementar a
influência sofrida e a exercida nas pessoas. Representa uma síntese de todo processo de forma seqüencial
e particular, para obter uma visão global (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Para a coleta de dados foi utilizado um Guia de Observação, Participação e Reflexão (OPR)
(Apêndice 2), o mesmo utilizado por Leininger (2006) quando realizou sua primeira pesquisa com os
Gadsup Akunan na Nova Guiné na década de 60. O Guia foi utilizado durante todo o período na
comunidade para a coleta de dados com o objetivo de conhecer a visão de mundo a partir da estrutura
cultural e social e os fatores tecnológicos, religiosos e filosóficos, sociais, modos de vida, políticos e
legais, econômicos e educacionais (Vide Modelo de Sunrise – Figura 1) que podem influenciar no padrão
do cuidado materno.
Para o diário de campo, utilizei um bloco para registrar as anotações dos dados levantados pelo
Guia OPR ao longo dos dias na comunidade. Todas as noites, após as entrevistas, as anotações eram feitas
no Guia de Observação, Participação e Reflexão. A fase de observação foi realizada num período de 23
dias, a partir do segundo dia de Observação exclusiva foi iniciada a Participação. As Fases 2 e 3 foram
dedicadas ao início da Reflexão, que teve duração de 16 dias. No total, portanto, a OPR demandou 40
dias de envolvimento efetivo com a comunidade.
O Formulário do Perfil sócio-econômico-cultural (Apêndice 3) e Entrevista semi-estruturada foram
os dois instrumentos utilizados respectivamente durante as entrevistas. O primeiro instrumento –
Formulário do Perfil Sócio-Econômico-Cultural tem por objetivo certificar os dados levantados na
OPR, e delinear os fatores contidos nas dimensões da estrutura social, econômica e cultural do Modelo de
Sunrise (Figura 1). O Formulário contém perguntas em linguagem simples e acessível, adaptadas para a
realidade sócio-educacional dos sujeitos da pesquisa.
Para levantar os depoimentos, conhecer o dia a dia das mulheres ribeirinhas e os valores que
influenciam o cuidado que prestam aos filhos foi utilizada a entrevista semi-estruturada, com uma
pergunta norteadora com o seguinte tema: “Você pode me falar sobre a sua história de vida e como foi e é
o cuidar dos seus filhos?”. Durante as entrevistas foi utilizado um roteiro para acompanhar os
depoimentos, com as seguintes temáticas: o parto; a primeira gestação; o responsável pelo cuidado; o que
significa cuidado; a alimentação dos filhos; a higiene dos filhos; atitudes frente ao processo saúde-doença.
Em alguns casos as temáticas propostas no roteiro da entrevista não foram explicitadas pelas
mulheres, a partir da pergunta norteadora somente. Quando isso aconteceu, perguntas foram elaboradas
com novos enunciados, a cerca das temáticas do roteiro de entrevista. Segundo Gil (2008), a entrevista
semi-estruturada é guiada por uma relação de questões de interesse, tal como um roteiro, que o
investigador vai explorando ao longo de seu desenvolvimento.
As entrevistas foram realizadas em local reservado escolhido pelas mulheres na própria
comunidade, de modo a favorecer o diálogo. A maioria das mulheres preferiu ambientes distantes de suas
29
casas – como a beira do rio, a mata ou a área próxima a casa em que estava hospedada – para evitar a
interferência dos filhos e ter privacidade.
A literatura sobre pesquisas de etnoenfermagem indica que o pesquisador que limita o tempo gasto
com os informantes – uma ou duas sessões – corre o risco de coletar dados não confiáveis ou inexatos.
Por isso não houve limitação de tempo nas entrevistas que fiz em Vila Nova Maringá. Fiquei sempre à
disposição das mulheres durante o período em que permaneci naquela comunidade ribeirinha. As
entrevistas foram realizadas individualmente com as dezesseis mulheres, no período da manhã, tarde ou
noite. A finalidade foi obter os dados a fundo, significados plenos, interpretações e outros aspectos que
estão embutidos, muitas vezes, em vários fatores da estrutura social e em diferentes experiências de
cuidado humano. Durante esses encontros ocorriam as entrevistas e a coleta de dados da OPR e
Formulário (LEININGER & MCFARLAND, 2006).
Foram realizadas 16 entrevistas, em dez dias exclusivos para coleta de dados, com no mínimo três
encontros com as mulheres. Cada encontro durou no mínimo uma hora, atividade que totalizou 622
minutos de gravação e 243 folhas de transcrição, digitadas em espaço duplo para facilitar, posteriormente,
a marcação no texto. A duração das entrevistas variou de 20 a 90 minutos.
Recrutamento
O primeiro passo para o recrutamento foi a realização de uma reunião com o coordenador da
comunidade, para a divulgação da pesquisa e esclarecimento de dúvidas. Assim que a liderança local
aceitou o projeto, iniciamos as visitas às residências do universo pesquisado. As visitas a todas as casas da
vila foram acompanhadas pela professora local que me introduziu na comunidade. Durante as visitas
conheci as mulheres e suas famílias, expliquei a pesquisa, solicitei a participação delas e agendei a
entrevista. O tempo gasto para visitar as 18 casas da vila da comunidade e recrutar os sujeitos do estudo
foi de um dia.
Os critérios de inclusão da pesquisa foram: mães que vivem em comunidades ribeirinhas na cidade
de Maués há mais de dez anos, e que atualmente residem em Vila Nova Maringá; mães com idade acima
de 18 anos; mães responsáveis pelo cuidado dos filhos; e que a partir do convite quiseram participar do
estudo ao assinarem o termo de consentimento livre e esclarecido. Já o critério de exclusão deixou de fora
as mães que delegam o cuidado dos filhos a outras pessoas.
Ao todo foram abordadas 19 mulheres – das quais 16 atenderam aos critérios de inclusão da
pesquisa. Nesta amostra de 16 mulheres foi possível levantar as informantes-chaves e informantes-gerais,
de acordo com o método de etnoenfermagem. Os informantes-chaves são os mais conhecedores da
inquirição escolhida pelo enfermeiro e, usualmente, são interessados em participar da pesquisa; em
contraste, os informantes gerais usualmente não são profundos conhecedores do assunto, mas têm idéias
gerais sobre o domínio e querem partilhar seu conhecimento (LEININGER & McFARLAND, 2006).
30
Os mesmos autores aprofundam a questão. Como os valores culturais, dizem eles, mudam com as
gerações, é importante termos no estudo um escopo de depoentes com informantes-chaves de uma mesma
geração e informantes-gerais de gerações diferentes. Essa variedade proporciona comparações que
enriquecem o estudo etnográfico, na temática dos aspectos culturais que envolvem o cuidado dos filhos.
As informantes-chaves foram recrutadas de modo a atender a necessidade de termos mulheres de uma
mesma geração, com idade entre 18 e 28 anos, totalizando 05 informantes-chaves e 11 informantes-gerais
com idades acima de 29 anos.
Como a pesquisa foi realizada em uma comunidade pequena, temos um estudo mini de
etnoenfermagem, necessitando apenas de 6 a 8 informantes-chaves e 12 a 16 informantes-gerais. Pelo
tamanho da comunidade atendemos a taxa de 1:2, que é a regra geral a seguir para informantes-chaves a
gerais, com três a cinco sessões com as primeiras e uma sessão com os últimos. Devido ao fato de ter um
cenário relativamente pequeno consegui levantar 05 informantes-chaves e 11 informantes-gerais,
totalizando 16 mães moradoras da comunidade ribeirinha Vila Nova Maringá, em Maués – AM.
Alem das depoentes, foi convidado um dos fundadores da comunidade, atual líder comunitário, para
contar como se deu a formação de Vila Nova Maringá.
Caracterização das depoentes
Para facilitar a compreensão do leitor, os dados de identificação, assim como os fatores da estrutura
cultural e social (Vide Modelo de Sunrise – Figura 1) das mulheres foram pinçados dos formulários e
OPR e distribuídos nos quadros a seguir. No Quadro 03 é apresentada a caracterização das 16 mulheres
entrevistadas. Nos Quadros 04 a 09 são apresentados dados referentes à estrutura cultural e social,
permeando os fatores tecnológicos, de religião e filosofia, companheirismo e social, valores culturais e
modos de vida, econômicos e educacionais. Essas informações detalham, assim, o perfil sócioeconômico-cultural dessas mulheres. Já os fatores políticos e legais serão apresentados neste trabalho em
forma de parágrafo.
Dos Quadros 03 a 09 a fonte das informações foi o formulário do perfil sócio-econômico-cultural
colhidos nas entrevistas com as mulheres.
Nos Quadros 10, 11 e 12 apresentamos dados da OPR (Observação, Participação, Reflexão),
baseados na minha vivência na comunidade enquanto pesquisadora. Essas informações também
caracterizam a comunidade e a vida das mulheres ribeirinhas.
31
Quadro 03: Caracterização das Mulheres Ribeirinhas
Depoentes
Idade
(anos)
Naturalidade
IdadeM
(em anos)
Nº de filhos
vivos
Nº de filhos
mortos
Abortos
Moema
45
OP
26
02
-
-
Iracema
36
RP
14
08
02
-
Iaciara
20
RA
17
01
-
-
Maiara
37
RA
23
05
01
01
Yara
18
VNM
15
01
-
-
Cunhapora
46
FT
16
04
-
01
Jurema
40
RP
15
10
02
02
Janaina
63
RA
20
08
03
-
Tinga
36
RA
17
04
-
-
Japira
39
RA
14
08
03
01
Apuã
19
RP
18
01
-
-
Jaciaba
38
RP
15
07
03
01
Potira
20
VNM
15
02
-
-
Garaciaba
26
RA
13
07
01
-
Irani
39
VD
20
03
-
-
Piatã
45
RA
16
09
02
01
Fonte: Questionário do perfil sócio-econômico-cultural
Legenda: M: Idade das mulheres quando tiveram o primeiro filho; N°: número
A comunidade tem 27 anos de vida, e onze (11) mulheres residem em Vila Nova Maringá há mais
de dez anos e 05 mulheres moram na localidade há exatamente três anos. Todas as mulheres, no entanto,
vivem há mais de dez anos em comunidades ribeirinhas, conforme descrito no Quadro 03.
Dentre as 16 mulheres, 01 é natural de Fortaleza (Ceará) e outra procede de Ouro Preto (Minas
Gerais). As 14 restantes são naturais de comunidades e vilas ribeirinhas da cidade de Maués. Mas, apenas
02 são naturais da Comunidade Ribeirinha Vila Nova Maringá e as 12 restantes nasceram em
comunidades e vilas ribeirinhas do mesmo rio Parauari ou Amaná (que é um de seus afluentes).
A idade das mulheres que participaram do estudo variou entre 18 e 63 anos. Podemos verificar a
presença de três gerações de mulheres no estudo: 05 mulheres com idade entre 18 e 29 anos, 10 mulheres
com idade entre 36 e 46 anos e 01 mulher com 63 anos. A diferença de idades é de grande valia para a
pesquisa, já que, a cada geração, é possível vislumbrar mudanças culturais em uma sociedade (LARAIA,
2003).
Durante a pesquisa, encontrei 02 mulheres grávidas do segundo filho, com idade de 18 e 20 anos.
Dentre as 16 mulheres entrevistadas, 08 são grandes multíparas, com 05 a 10 filhos. Esse fenômeno, aliás,
é comum nas regiões do interior do Brasil (CHAMILCO, 2004).
32
Dos 97 filhos levantados no universo pesquisado, 17 deles morreram na infância. De acordo com os
depoimentos das mães, as causas das mortes foram diversas e incluíram desde casos de desidratação até
malária. Os sete (07) abortos, foram declarados como espontâneos, ou seja, não provocado. Uma (01)
mulher declarou ter provocado o processo abortivo, mas não conseguiu expelir o feto.
Para promover um estudo em etnoenfermagem é necessário levantar não somente dados ginecoobstétricos interessantes ao domínio de inquirição – cuidado de filhos – mas também fatores da dimensão
sócio-cultural sugeridos pelo Modelo de Sunrise. Identificar esses fatores implica em conhecer a cultura
da depoente e seu meio social. O estudo dessas particularidades é importante - notadamente no cuidado
materno objeto deste estudo - pois o meio e a cultura influenciam diretamente nos padrões de cuidado e
expressão de saúde (LEININGER & McFARLAND, 2006).
O primeiro fator a ser levantado é o tecnológico. Para observar a tecnologia em uma comunidade
ribeirinha é necessário conhecer o meio social onde essas pessoas vivem e o que é considerado
tecnológico para esta comunidade. Levanto a seguir quatro aspectos importantes de tecnologia
necessários e algumas vezes comuns em meios ribeirinhos. Um deles é a luz na residência – energia
elétrica. Na maioria das vezes, este serviço, no meio ribeirinho, é gerado por geradores a óleo. A água,
outra necessidade básica, é retirada de um poço ou do próprio rio. Essa precariedade influi diretamente na
saúde da população, principalmente quando se trata das crianças ribeirinhas. Outro serviço essencial é o
meio de transporte, utilizado para caça, pesca e como meio de ir à assistência hospitalar no centro urbano.
Por último, alinhavamos os eletrodomésticos e eletroeletrônicos e constatamos que ao menos um desses
eletrônicos – principalmente rádio e/ou TV – está presente nas casas ribeirinhas de Vila Nova Maringá.
Esses fatores tecnológicos são apresentados respectivamente no Quadro 04, distribuídos por cada
depoente do estudo.
Quadro 04: Fatores Tecnológicos
Depoentes
Luz na
residência
P
NP
Moema
X
Iracema
X
Iaciara
X
Água
utilizada
rio
poço
X
X
Meio de transporte
canoa
rabeta
barco
X
X
X
Eletrodoméstico e eletroeletrônicos
NP
X
X
Fo
R T D V M
X
X X X
X
X
X X
X X
X X
L B Fe
X
X
33
Maiara
X
X
X
Yara
X
X
X
Cunhapora
X
X
X
Jurema
X
X
X
Janaina
X
X
X
Tinga
X
Japira
X
Apuã
X
Potira
X
Garaciaba
X
Irani
X
X
X X
X
X
X
X
X
X
X
X
X X
X X
X
X
X
X
X
X
X
Jaciaba
Piatã
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural
Legenda: P: possui; NP: não possui; Fo: fogão; R: rádio; T: TV; D: DVD; V: ventilador; M: maquina de lavar roupas; L:
liquidificador; B: Batedeira; Fe: ferro
Dispor de energia elétrica na residência é um importante indicativo de fator tecnológico em uma
sociedade. Como a comunidade Vila Nova Maringá não tem energia elétrica fornecida pela Companhia
Energética do Amazonas (CEAM), a energia de que a comunidade dispõe é suprida por meio de gerador
movido a óleo. Todas as noites, entre sete e dez horas, o equipamento é ligado para as aulas noturnas e,
neste mesmo período, a energia também é fornecida às residências. Como vimos no Quadro 04, 18.8%
(03) das mulheres não recebem energia em suas casas durante esse período noturno.
Muito embora a energia do gerador seja disponibilizada a toda comunidade, algumas mulheres não
têm acesso a este serviço ou por falta de condições financeiras da família ou carência de pessoal
qualificado para estender a fiação elétrica até suas casas.
Figura 04 – postes de energia em Vila Nova Maringá
34
Foto autorizada
Outro fator importante a ser analisado é a origem da água utilizada para a alimentação. Este fator
tecnológico influencia de forma direta a promoção da saúde da população ribeirinha. Embora exista um
poço na comunidade, apenas as mulheres que moram próximas se beneficiam desta fonte. Assim, 62.5%
(10) das mulheres entrevistadas utilizam a água do rio para a preparação dos alimentos.
As dez (10) mulheres que mencionaram utilizar a água do rio para preparar os alimentos,
demonstraram algum cuidado com a água, ainda que a precaução seja empírica. Oito (08) delas que
utilizam a água do rio usam um pano limpo para filtrá-la e depois o cloro. Todas elas, portanto, sabem
como utilizar o cloro na água. Uma mulher (01) utiliza apenas o cloro e outra (01) usa apenas o pano
como filtro para a água.
Essas dez (10) mulheres que utilizam a água do rio no preparo das refeições enfrentam dificuldades
no verão. Nesta época do ano ocorre a chamada seca e o rio diminui de nível. A mudança climática
dificulta o acesso ao rio – já que a água fica mais distante de suas margens – e a água, nestas ocasiões,
está sempre suja e densa.
Teixeira (2001) em um capítulo de sua tese de doutorado – Travessias, rede e nós: complexidade do
cuidar cotidiano de saúde entre ribeirinhos – relatando a cerca dos problemas de acesso a água potável em
uma comunidade ribeirinha no Pará – problema este semelhante em Vila Nova Maringá – salientou a
importância de se lembrar que a UNICEF (1990) propôs a todos os países, o desafio que denominou Água
para todos, em 1990. A origem da discussão foi a conferência de Vancouver sobre assentamentos
humanos, que adotou a resolução de proporcionar água limpa a todos os habitantes do mundo. Concluiuse ser esta uma tarefa formidável e necessária para assegurar a sobrevivência das crianças e que é da
responsabilidade de todos. Água potável é bem-estar e um direito humano elementar, que só será
realidade com uma revolução sanitária, pois se cada vez há mais habitantes, há mais problemas e mais
graves de distribuição e manutenção de água limpa para todos.
Figura 05 – O poço artesanal de Vila Nova Maringá
35
Foto autorizada
Fundadas à beira dos rios, todas as comunidades ribeirinhas de Maués são cercadas pela floresta
amazônica. A floresta e o rio as isolam de outras comunidades e até mesmo do centro da cidade a que
pertencem. Por isso, todos os moradores ribeirinhos são dependentes de meios de transporte aquáticos.
Estabelecidas a cerca de onze horas de distância do centro de Maués, as mulheres e suas famílias
necessitam de canoas, rabetas (canoas com motor) ou barcos para se locomover - seja para viagens ao
centro, pesca ou a travessia do rio rumo à caça na floresta fechada. Existe apenas um barco que faz a
viagem para o centro de Maués semanalmente, cobrando quinze reais por passagem. Dispor de um meio
de transporte aquático na região, portanto, é importante e faz deste dado um grande indicativo
tecnológico.
Embora a aquisição de um meio de transporte aquático tenha tamanha representatividade no
ambiente ribeirinho, constatamos que 25% (04) das mulheres não possuem nem ao menos uma canoa.
Figura 06 – uma das canoas de Vila Nova Maringá
36
Foto autorizada
Figura 07 – uma das rabetas de Vila Nova Maringá
Foto autorizada
Figura 08 – o único barco de Vila Nova Maringá
Foto autorizada
Alem de ser alto o número de mulheres que não tem nenhum meio de transporte, encontramos
37.5% (06) de mulheres que não dispõem de nenhum eletrodoméstico ou eletroeletrônico. Este dado
seguramente revela o baixo poder aquisitivo dessas mulheres e o desenvolvimento tecnológico da
comunidade.
Embora 43.8% (07) das mulheres tenham um fogão, apenas 12.5% (02) das mulheres conseguem
comprar gás para utilizar o eletrodoméstico constantemente. As restantes cozinham em fogões a lenha. De
acordo com o Quadro 04 é possível perceber a importância que os meios de comunicação tem para as
entrevistadas. De acordo com os dados levantados, 37.5% (06) delas têm rádio e 31.2% (05) têm TV em
suas residências.
37
Já o levantamento de dados religiosos é extremamente importante para estudos focados na questão
cultural: é que a religião, assim como a filosofia de vida, influencia o modo das pessoas viverem e verem
o mundo que as cerca (LEININGER & McFARLAND, 2006). Foi possível identificar a existência de
duas religiões na comunidade Vila Nova Maringá. Formada por 18 famílias, a Vila tem duas igrejas de
religiões diferentes, mas ambas cristãs.
Todas as mulheres assumem uma das duas religiões - a católica ou a evangélica - conforme indicam
os dados dispostos no Quadro 05. Nas reuniões religiosas, tanto de um quanto do outro culto,
encontramos, no entanto, quase todos os membros da comunidade. Isso indica que todos participam dos
cultos, independentemente da religião professada.
Quadro 05: Fatores Religiosos e Filosóficos
Religião em que foi criada
Religião que pratica atualmente
Depoentes
Católica
Evangélica
Católica
Evangélica
Moema
X
X
Iracema
X
X
Iaciara
X
X
Maiara
X
X
Yara
X
X
Cunhapora
X
X
Jurema
X
Janaina
X
X
Tinga
X
X
Japira
X
X
Apuã
X
X
Jaciaba
X
X
Potira
X
Garaciaba
X
Irani
X
X
X
X
Piatã
X
X
X
Fonte: Questionário do perfil sócio-econômico-cultural
Por meio da pesquisa descobrimos também que 93.7% (15) das mulheres foram criadas na religião
católica e apenas uma (01) mulher, 6.2% das pesquisadas, foi criada na religião evangélica. Mas,
atualmente, 68.7% (11) mulheres se disseram católicas e 31.2% (05) disseram ser evangélicas. Isso quer
dizer que 25% (04) das mulheres mudaram de religião e deixaram de ser católicas para se tornaram
evangélicas.
A religião influencia no cuidado, pois, conforme sustentam Leininger & McFarland (2006), essas
crenças frequentemente direcionam o cuidado popular na alimentação e no processo saúde-doença, como
veremos no próximo capítulo, na análise dos dados coletados.
38
Figura 09 – reunião religiosa católica
Foto autorizada
Figura 10 – reunião religiosa evangélica
Foto autorizada
Outro fator a ser destacado em Vila Nova Maringá é o companheirismo e a vida social. A presença
do companheiro, em alguns casos, é positiva no processo do cuidado materno em uma comunidade
ribeirinha. Entre outras atitudes, o homem auxilia a mulher na aquisição de alimentos para a criança e na
construção da casa que protege o concepto. Já a mãe solteira em comunidade ribeirinha encontra muitas
dificuldades no cuidado diário, como veremos no próximo capítulo do estudo. No Quadro 06 abaixo
foram caracterizadas as depoentes de acordo com o estado civil e tempo da relação. Utilizei os termos
casada, união consensual, solteira e separada, mas, durante as entrevistas, as mulheres classificaram essas
relações, respectivamente, como casada no civil ou casada na igreja, amigada, sozinha e separada
respectivamente.
Quadro 06: Fatores de Companheirismo e Vida Social
Depoentes
Estado civil
Casada
União Consensual
Solteira
Separada
Tempo da relação
(em anos)
Moema
X
20
Iracema
X
23
39
Iaciara
Maiara
X
01
X
Yara
12
X
Cunhapora
03
X
Jurema
13
X
21
Janaina
X
45
Tinga
X
09
Japira
X
Apuã
X
Jaciaba
05
X
24
Potira
X
-
Garaciaba
X
06
Irani
X
03
Piatã
X
29
Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural
Conforme os dados alinhavados no Quadro 06, 87.5% (14) das mulheres disseram viver com
alguém, ou seja, têm um companheiro, e a duração das relações varia de 01 ano a mais de 30 anos.
Embora a comunidade seja predominantemente cristã, e por isso o casamento ali deveria ser
supervalorizado, no Quadro 06 observamos que 37.5% (06) das mulheres está “ajuntada”. Esta
denominação, dada pelas próprias mulheres, significa uma união consensual estável. Entre as 06 que se
dizem ajuntadas, 05 tem relações que duram de um a seis anos e 01 dessas mulheres vive com o
companheiro há vinte e um anos ajuntada. Além disso, 05 das mulheres participantes da pesquisa viveram
mais de uma união consensual.
Quanto à vida social, na comunidade existe uma quadra de terra e um time de futebol feminino.
Formado pela maioria das depoentes, a equipe joga toda semana. As mulheres relataram nas entrevistas
que não só participam ativamente das festas católicas anuais promovidas na comunidade de Vila Nova
Maringá, mas cultivam o hábito de visitar outras comunidades ribeirinhas de Maués em épocas de festas.
A vida social das mulheres, desta forma, tem reflexos saudáveis sobre o cuidado, pois as crianças,
estimuladas a brincarem no campo, participam das festas e essa atividade seguramente estimula o seu
desenvolvimento.
Para analisar o cuidado materno, levando em conta os aspectos culturais em uma comunidade
ribeirinha, é importante também levantar os fatores relativos a valores e modos de vida. Um deles diz
respeito à questão da moradia. Em Vila Nova Maringá, por exemplo, todas as casas ribeirinhas são de
madeira ou palha. É relevante, então, conhecer detalhes do ambiente no qual a criança cresce e recebe o
cuidado materno, assim como entender os hábitos do dia-a-dia das mães que influenciam direta ou
40
indiretamente no cuidado materno. O ambiente do lar e os hábitos diários maternos estão dispostos nos
Quadros 07 e 08 respectivamente.
Quadro 07: Valores Culturais e Modos de Vida: o ambiente da casa
Depoentes
Casa
Madeira
Palha
Elevada
Nível do
chão
Cozinha
Banheiro
Ex
Ex
In
q
n
04
10
14
08
03
05
12
05
06
07
04
14
11
06
09
09
05
01
01
01
01
02
01
04
03
01
01
01
01
01
03
02
In
Moema
X
X
X
X
Iracema
X
X
X
X
Iaciara
X
X
X
X
Maiara
X
X
X
X
Yara
X
X
X
X
Cunhapora
X
X
X
X
Jurema
X
X
X
X
Janaina
X
X
X
X
Tinga
X
X
X
X
Japira
X
X
X
Apuã
X
X
X
X
Jaciaba
X
X
X
X
Potira
X
X
X
X
Garaciaba
X
X
X
X
Irani
X
X
X
X
Piatã
X
X
X
X
Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural
Legenda: Ex: externo; In: interno; q: quantidade total de pessoas; n: número de cômodos
As casas das mulheres ficam próximas umas das outras e se parecem muito. Quanto ao material
usado na construção das casas, os dados são os seguintes: 87.5% (14) das mulheres têm casa de madeira e
12.5% (02) têm casa de palha. Já 68.7% (11) delas tiveram suas moradias elevadas sobre troncos de
madeira para proteger as famílias de animais e da poeira do chão. A precaução não está relacionada com
as eventuais cheias do rio, já que as casas ficam relativamente distantes de suas margens.
Figura 11 – casa de madeira
Foto autorizada
Figura 12 – casa de palha
41
Foto autorizada
Figura 13 – casa elevada
Foto autorizada
O significado atribuído ao termo cômodos no estudo designa os compartimentos de uma casa, ou
seja, o quarto, sala, cozinha e banheiro. Constatamos neste tópico que 68.7% (11) das mulheres têm suas
casas com cozinha e banheiro externo; 25% (04) têm banheiro externo e cozinha interna e 6.2% (01) tem
o banheiro e a cozinha no interior da casa. Como a fossa é o recurso usado para a eliminação dos dejetos,
as 15 residências não têm seus banheiros instalados dentro da casa, mas cerca de cinco metros distante
dela.
Figura 14 – fossa recém construída
Foto autorizada
A leitura do Quadro 07, aqui reproduzido, deixa entrever a relação entre o quantitativo de pessoas
que moram na casa e o número de cômodos. A cozinha e o banheiro externo não são contabilizados como
42
cômodos. Percebe-se que 62.5% (10) das mulheres vivem em casas de apenas um cômodo e com um
quantitativo de pessoas que varia de 03 a 14. Já 50% (08) delas vivem em casas com um quantitativo de
pessoas acima de 05 em apenas um cômodo. Observamos também na pesquisa que 08 mulheres vivem em
casas onde coabitam até três gerações.
O pouco espaço disponível faz com que as crianças durmam junto com os pais, principalmente nas
residências habitadas por mais de um casal. Não é possível, portanto, separar as crianças dos casais nestes
momentos. Durante as entrevistas, 18.7% (03) das mulheres disseram que colocam os filhos em cômodos
separados para dormir, sendo que 37.5% (06) delas utilizam a varanda – um ambiente externo a casa –
como cômodo usado ou pelo filho mais velho ou por um dos casais da casa – que ali dormem e mantêm
relações sexuais. Já 43.7% (07) das mulheres disseram que dormem todos juntos no mesmo cômodo.
Quadro 08: Valores Culturais e Modos de Vida: hábitos diários diurnos e notunos
Hábitos Diários
Diurnos
Dar aulas e afazeres domésticos
Afazeres domésticos
Afazeres domésticos
Afazeres domésticos e crochê
Noturnos
Dar aulas, culto e ensaio de dança
Assistir TV
Assistir TV e ler
Assistir TV
Afazeres domésticos e farinha
Afazeres domésticos
Assistir TV
Conversar com vizinhos
Afazeres domésticos e costura
Afazeres domésticos
Afazeres domésticos, plantação e crochê
Afazeres domésticos e lavagem de roupa
Afazeres domésticos e estudos
Afazeres domésticos, plantação e produção de farinha
Afazeres domésticos e produção de farinha
Rezar
Jantar e dormir
Assistir TV
Ir a aula
Ler a bíblia
Assistir TV
Conversar com vizinhos
Afazeres domésticos, plantação e crochê
Assistir TV, conversar com vizinhos, rezar e
brincar
Oração e caça
Afazeres domésticos, visitas como Agente de Saúde,
plantação, artesanato e crochê
Afazeres domésticos, plantação, produção de farinha e
costura
Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural
Conversar com vizinhos
Diante dos hábitos diários apresentados no Quadro 08, observo que assistir novela é o hábito
noturno de 43.7% (07) das mulheres. A rede é o local de dormir para 81.2% (13) das pesquisadas, sendo
que todos os filhos das 16 mulheres dormem em rede.
Já durante o dia, 6.2% (01) das mulheres estudam e as demais trabalham na agricultura, na
fabricação de farinha, lavando roupa, no crochê, costura ou dando aula. Todas elas, têm por hábito diurno
a realização dos afazeres domésticos.
43
No campo das chamadas relações políticas e institucionais, assisti a uma reunião mensal
comunitária. Observei que todas as 16 mulheres podem participar da reunião e têm voz ativa,
concordando, discordando e/ou interferindo nas propostas contidas nos projetos dos líderes comunitários.
No formulário a elas submetido, todas as pesquisadas relataram não só ter votado na eleição para
coordenador da comunidade, mas que comparecem a todas as reuniões mensais da comunidade.
Demonstrando que a comunidade vive à luz de um sistema político democrático, as mulheres têm espaço
de fala. Essa prerrogativa é importante no processo do cuidado, pois elas podem reivindicar melhorias ou
mesmo a intervenção pública quando enfrentam dificuldades relacionadas à alimentação ou doença das
crianças.
Figura 15 – reunião comunitária
Foto autorizada
Outro dado relevante levantado na pesquisa é a condição econômica e o poder aquisitivo das
famílias estabelecidas em Vila Nova Maringá. O Quadro 09 apresenta a renda familiar e a fonte de renda
referente a cada mulher a partir das atividades produtivas que desempenham. A renda de uma família tem
um peso grande na maneira como os filhos são cuidados. É o poder econômico que determina, entre
outras coisas, o poder de compra de alimentos (exceto a farinha e caça), de vestuário e medicamentos para
as crianças. Esses aspectos impactam diretamente na qualidade de vida das crianças e de suas famílias,
conforme veremos adiante nos depoimentos.
Quadro 09: Fatores Econômicos
Depoentes
Moema
Iracema
Iaciara
Maiara
Yara
Cunhapora
Jurema
Janaina
Tinga
Renda
familiar
R$
1360 a
1860
NI
NI
100
NI
50 a 200
50
800
200 a
Fonte de renda
Produção
de farinha
X
Bolsa do
governo
Garimpo
Carpintaria
API
X
X
LR
PM
A
S
Produção
de carvão
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
44
300
50
X
465
X
X
400
X
NH
100 a
X
150
Irani
830
X
X
Piatã
50
X
Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural
Legenda: NI: não informado; NH: não há renda; API: aposentadoria por idade; LR: lavagem de roupa; PM: professor
municipal; AS: agente de saúde.
Japira
Apuã
Jaciaba
Potira
Garaciaba
A leitura do Quadro por si só indica o alto grau de pobreza dos moradores da Vila. A pesquisa
constatou que 18.7% (03) das entrevistadas não quiseram mencionar a renda mensal e 6.2% (01)
relataram não ter renda alguma. Já entre as 12 mulheres que forneceram as informações solicitadas,
observamos que 50% (08) delas têm renda familiar abaixo do salário mínimo vigente, que é de 465 reais,
sendo que 18.7% (03) das mulheres têm renda de até 50 reais por mês. Essas últimas (03 mulheres com
renda familiar de 50 reais por mês) se dedicam exclusivamente à produção de farinha. A produção e
venda da farinha, aliás, é o que mais auxilia na fonte de renda familiar local, já que 50% (08) das
mulheres têm nessa atividade uma contribuição para compor a renda mensal.
Figura 16 – produção de farinha
Foto autorizada
Figura 17 – homens trabalhando na carpintaria
Foto autorizada
Das quatro (04) mulheres com renda mensal acima de um salário mínimo, uma (01) tem essa
condição devido ao seu trabalho e as três (03) restantes recebem bolsas do governo ou aposentadoria por
45
idade. Os dados consolidados no Quadro 09 indicam que a fonte de renda varia muito no universo
pesquisado.
A pesquisa aqui apresentada também colheu informações sobre a escolaridade das mulheres, um
dado importante, capital e influenciador do cuidado materno (LEININGER & McFARLAND, 2006). Em
muitas comunidades ribeirinhas de Maués o sistema de ensino é precário. A falta de escolas na periferia e
a distância das existentes, afastadas dos grandes centros, contribuem para a manutenção dos altos índices
de analfabetismo, conforme o relato das próprias depoentes. No Quadro 10 – Fatores Educacionais foram
levantados o grau de escolaridade das mulheres e os motivos que as impediram de continuar os estudos
formais.
Figura 18 – os dois prédios escolares da comunidade
Foto autorizada
Quadro 10: Fatores Educacionais
Mulheres
Grau de
escolaridade
Motivo da não continuidade dos estudos formais
E
Filhos
Moema
Jurema
Superior
completo
Fundamental
incompleto
Médio
incompleto
Fundamental
incompleto
Fundamental
incompleto
Fundamental
incompleto
Nenhum
Janaina
Nenhum
Iracema
Iaciara
Maiara
Yara
Cunhapora
Tinga
Japira
Apuã
Jaciaba
Fundamental
incompleto
Fundamental
incompleto
Fundamental
incompleto
Fundamental
incompleto
Falta de
professor
Falta de
aula para
adultos
Falta de
escola
Trabalho
Falta de
apoio dos
pais
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
X
46
Potira
Fundamental
X
incompleto
Garaciaba
Fundamental
X
incompleto
Irani
Fundamental
incompleto
Piatã
Fundamental
incompleto
Fonte: questionário do perfil sócio-econômico-cultural
Legenda: E: estudante
X
X
Verificamos que 12.5% (02) das mulheres nunca estudaram pelos seguintes motivos: durante sua
infância não existia escola na região e faltou apoio dos pais. A análise do quadro nos permitiu observar
que a escolaridade varia de nenhum a superior completo, demonstrando, assim, a diversidade educacional
das mulheres. Constatamos também que o saber popular é preponderante entre as mães em detrimento do
científico por um motivo muito simples: 75% (12) das mulheres não concluíram o ensino fundamental, o
que, certamente influencia as práticas de cuidado dos filhos – entre elas a alimentação, higiene, cuidado
em enfermidade, entre outras (LEININGER & McFARLAND, 2006).
Encontrei na comunidade duas (12.5%) mulheres que continuam estudando. Já as onze (11)
restantes, com ensino incompleto, não deram sequência aos estudos. Os motivos alegados para
interromper os estudos são variados, mas o nascimento dos filhos foi o mais citado pelas mulheres.
A partir dos quadros até aqui apresentados é possível construir o perfil das depoentes. Utilizamos
para tal dados que abrangem suas histórias pessoais e a estrutura cultural e social onde viveram. Tudo isso
permeado por fatores tecnológicos, de religião e filosofia, companheirismo, valores culturais e modos de
vida, econômicos e educacionais. Esse verdadeiro mosaico, coletado a partir das entrevistas, detalha,
assim, o perfil sócio-econômico-cultural dessas mulheres.
Para complementar os dados deste perfil sócio-econômico-cultural, utilizei o capacitador
Observação Participação Reflexão (OPR) de Leininger & Mcfarland (2006). Essa ferramenta nos permite
trazer à tona uma visão sobre a comunidade a partir de seus aspectos sociais e culturais. Nos próximos
quadros apresentamos as anotações realizadas nas fases de Observação, Participação e Reflexão,
respectivamente. No Quadro 11, abaixo reproduzido, descrevo, de modo objetivo, os dados obtidos na
observação e ação ativa de ouvir. O levantamento foi feito num período de 23 dias.
Quadro 11: Observação da comunidade e do cotidiano das mulheres
Aspecto
Anotações
1
Português. Comunicação sem muitos gestos; observo apenas afirmação;
aparentam ser muito observadores.
2
Linguagem, Comunicação
& Gestual (nativa ou nãonativa)
Contexto de vida ambiental
geral (símbolos, materiais e
não-materiais)
Vivem em uma comunidade no meio da floresta de mata virgem, às
margens de um rio, o Parauari, muito rico em peixes. Estão a uma
distancia de 1:30h da comunidade mais próxima. Existem muitas canoas,
47
3
Vestuário em Uso &
Aparência Física
4
Tecnologia Utilizada em
Ambiente de Vida
(residencial)
Visão de Mundo (como a
pessoa percebe/observa
sobre o mundo)
Modo de Vida Familiar
(valores, crenças e normas)
Interação Social e Geral e
Laços de Parentesco
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
Atividades Padronizadas
Diárias
Crenças e Valores
Religiosos (ou espirituais)
Fatores Econômicos (custo
de vida difícil, estimado e
rendimentos)
Valores Educacionais ou
Fatores de Crença
Influenciadores Políticos ou
Legais
Usos na Alimentação e
Valores Nutricionais,
Crenças e Tabus
Cuidado à Saúde Popular
(genérico ou indígena –
cura) Valores, Crenças e
Práticas
Cuidado à Saúde
Profissional (cura) Valores,
Crenças e Práticas
Conceitos ou padrões de
cura que orientem as ações,
isto é, referentes a apoio,
presença, etc.
Padrões ou Expressões de
Cuidado
Visões dos Modos de: 1)
Prevenção de Doença; 2)
Prevenção ou Manutenção
casas de madeira ou palha. O lugar tem uma rua de terra onde algumas
casas estão alinhadas. Esse logradouro é denominado por eles como vila.
A comunidade é formada por 44 famílias registradas pela Secretaria
Municipal de Saúde, das quais apenas 25 vivem na vila – a rua de chão – e
as outras 19 famílias vivem dentro da selva, em núcleos isolados que
cultivam a terra. A vila possui 01 cozinha em construção, 01 casa da
farinha, 01 salão de reunião comunitária, 01 igreja católica, 01 igreja
evangélica, 02 escolas de 01 andar cada.
Roupas limpas; a maioria das pessoas anda descalça, com cabelos
despenteados; crianças com pedículos e a maioria da população tem
problemas dentários.
Gerador elétrico para toda comunidade; poucos têm TV e DVD, radio de
pilha ou ferro de passar roupa. Meio de transporte mais comum é a canoa.
Alguns têm rabeta (canoa com motor) e apenas um morador tem um barco.
Observo que sou vista com desconfiança.
A maioria não é casada; quando estão na idade entre 13 e 15 anos passam
a morar junto como casal.
Sogros, cunhados, primos. A interação social ocorre na escola, festas
comunitárias, reuniões, visitas familiares, missas católicas e cultos
evangélicos.
Caça, pesca, plantação. Fabricação da farinha, visitas familiares, descanso.
Crença Católica, evangélica, e mitos regionais, como a visagem (visão de
seres irreais e sobrenaturais na floresta).
As atividades que geram renda são a venda da farinha, costura, bordado,
venda de alimentos agrícolas. As rendas fixas advêm de bolsa escola ou
bolsa família, aposentadoria, além dos profissionais agentes de saúde e
professor.
Escola para todas as idades, incentivo dos pais para as crianças estudarem.
Líder comunitário.
Farinha com alguma carne animal proveniente da caça, às vezes acrescida
de arroz ou macarrão. Não observei utilização de vegetais na dieta
alimentar.
Uso de fitoterapia, rezadores, pessoas experientes, parteiras.
Agente de saúde, visita a postos de saúde, conhecimento de medicamentos
analgésicos e antiinflamatórios pela população, ausência de profissionais
de saúde graduados.
Procura da melhora da dor, preocupação com a representação social da
doença (enfermidade) e estética do corpo.
Até o momento final de observação conheci pouco das expressões de
cuidado por parte dos pais ou mães; como tenho mais contato com as
crianças observo os irmãos mais velhos cuidando dos mais novos.
Na fase de observação constato a prevenção de doenças, manutenção do
bem estar e cuidado do filho no uso de roupas nas crianças, o uso do
horário diurno para o banho de rio, no intuito de prevenir gripes e
48
do Bem-estar ou da Saúde;
resfriados e a alimentação diária.
3) Cuidado Próprio ou com
os outros
19 Outros Indicadores de
Ouvir pessoas mais experientes.
Apoio mais Tradicionais ou
não, aos modos de vida
Fonte: Observação-Participação-Reflexão
Decorridos os 23 dias de observação e ação ativa de ouvir, teve início a fase de observação sem
participação limitada e participação com observações continuadas. Nestas atividades participei ativamente
da vida na comunidade. Os dados levantados neste período estão dispostos no quadro 12 abaixo.
Quadro 12: Participação na comunidade e no cotidiano das mulheres
Aspecto
Anotações
1
Linguagem, Comunicação
& Gestual (nativa ou nãonativa)
2
Contexto de vida ambiental
geral (símbolos, materiais e
não-materiais)
3
Vestuário em Uso
Aparência Física
&
Na área gestual percebi um significativo aumento na comunicação; os
gestos e sorrisos aumentaram após minha participação na comunidade e as
mulheres ficaram mais acessíveis.
Língua falada é o português, mas existe a agregação de palavras nativas
(dialeto) para a comunicação.
Cunhataí: menina
Curumim: menino
Mano (a): forma de chamar as pessoas
Espocar: estourar
Bacio: pinico
Desmentidura: deslocamento
Rasgadura: luxação
Advertimento: diversão
Considerado: grande
Porrudo: grande
Canga: prostituta
Brega: local de dança
Aperreado: irrequieto
Graúda: grande
Dedar: colocar o dedo no ânus
Pávulo: esnobe
Prenha: grávida
Buchuda: grávida
Rombudo: grosso
Embalar: balançar
Borá já: vamos lá
Olha já: olha lá
“É será?” ou “será que é?”: expressão de surpresa
Provocar: vomitar
As casas basicamente tem o mesmo modelo: um cômodo feito de palha ou
madeira nas laterais e palha no teto, com a cozinha externa sempre
equipada com fogão a lenha. Algumas casas são elevadas. Vivem todos
juntos e dormem em redes.
O vestuário é parecido em todos os moradores: blusa e short são usados
indistintamente por homens e mulheres. A aparência física é semelhante
entre os habitantes; homens e mulheres se parecem: a maioria deles tem
49
4
Tecnologia Utilizada em
Ambiente
de
Vida
(residencial)
5
Visão de Mundo (como
pessoa percebe/observa o
mundo)
6
Modo de Vida Familiar
(valores, crenças e normas)
7
Interação Social e Geral e
Laços de Parentesco
8
Atividades
Diárias
9
Crenças
e
Valores
Religiosos (ou espirituais)
Fatores Econômicos (custo
de vida difícil, estimado e
rendimentos)
Valores Educacionais ou
Fatores de Crença
Influenciadores Políticos ou
Legais
Usos na Alimentação e
Valores
Nutricionais,
Crenças e Tabus
Cuidado à Saúde Popular
(genérico ou indígena –
cura) Valores, Crenças e
Práticas
Cuidado
à
Saúde
10
11
12
13
14
15
Padronizadas
cor da pele branca, alguns são caboclos (filhos de índio); os homens usam
corte de cabelo curto enquanto as mulheres têm cabelos longos que, na
maioria das vezes, está preso. A maioria dos moradores apresenta
problemas dentários.
O gerador elétrico é comum a todos os moradores, sendo ligado todos os
dias das 19h às 22h. A maioria dos moradores dispõem de rabetas ou
canoa e redes e material para caça, como lanças, armas e redes. Os
aparelhos domésticos disponíveis são o rádio de pilha, a máquina de lavar
e televisão.
Na fase de participação, os moradores, receptivos a minha presença,
manifestaram interesse de conhecer a minha vida, se identificaram comigo
e, assim, comecei a compreender parte da visão de mundo deles. No dia-adia, observei as ações que eles desenvolvem para sobreviver, entre elas a
caça diária. Observei também que a população local investe no plantio
voltado para a subsistência. Em algumas famílias o trabalho na lavoura
também cumpre a função de melhorar a renda familiar. A partir de minhas
observações depreendi que os ribeirinhos observam o mundo como um
ambiente de troca e um local de simbiose. Ali, o homem e a natureza
vivem em harmonia, sem a intenção gananciosa de retirar da terra mais do
que ela pode dar. A população só retira aquilo que necessita no dia-a-dia.
A gravidez é comum na maioria das mulheres a partir dos 13 anos; as
famílias são grandes e seus membros convivem juntos no mesmo cômodo;
é frequente a presença de mais de um casal no mesmo cômodo, sendo um
deles formado por um dos filhos e seu parceiro sexual.
Eles interagem visitando os vizinhos, principalmente os parentes, durante
o dia. À noite se reúnem para ver TV na casa de um deles. Aos domingos
vão à missa pela manhã e alguns frequentam o culto evangélico à noite.
As reuniões comunitárias são mensais. Já as festas comunitárias são
anuais. Os moradores costumam visitar festas em comunidades vizinhas.
A grande maioria das pessoas da comunidade tem alguma ligação de
parentesco. Existem na vila hoje 13 famílias.
Não há separação das atividades diárias por valores de gênero, exceto os
afazeres domésticos, que são executados pelas mulheres. Por outro lado, o
trabalho no garimpo é feito exclusivamente por homens. Já o preparo da
terra para colheita, a fabricação da farinha e a caça são atividades comuns
a ambos os sexos..
As crianças diariamente vão à escola, brincam e banham-se no rio.
Existe a crença em preceitos católicos e evangélicos. Existe também a
crença no místico, nas visagens (espíritos que assombram) e no rezadeiro.
A renda na maioria das vezes é proveniente da venda de farinha, ajuda
governamental, garimpo. Existem poucos assalariados (professores e
agente de saúde).
Estímulo dos pais aos estudos dos filhos, como forma de garantia de um
futuro melhor.
O líder comunitário, escolhido por eleição, o chefe de família e os
patriarcas.
Farinha com alguma carne animal proveniente da caça, às vezes acrescido
de arroz ou macarrão. Não observei a utilização de vegetais na dieta
alimentar. Crença no valor nutritivo da farinha.
Observação da criança quando ela apresenta alguma mudança
comportamental e o uso de chás e ervas. Conhecimentos fitoterápicos
passados de geração em geração. Consulta ao rezador e a mulheres mais
experientes.
Ausência de profissional de saúde em Vila Nova Maringá. Na comunidade
50
Profissional (cura) Valores,
Crenças e Práticas
16
existe uma agente de saúde que medica na maioria das vezes com
antiinflamatórios. Visita ao posto de saúde em outra comunidade apenas
para cura em casos não resolvidos pelo cuidado popular. Falta de ações
voltadas para a prevenção ou tratamento regular. Os tratamentos só são
adotados em regime de urgência.
Consideram que a pessoa está curada quando consegue retomar as funções
que costuma exercer.
Conceitos ou padrões de
cura que orientem as ações,
isto é, referentes a apoio,
presença, etc.
17 Padrões ou Expressões de Observação do comportamento dos filhos para detecção de doenças.
Cuidado
Encarregar os filhos de cuidarem dos irmãos.
18 Visões dos Modos de: 1) Observo na participação e convívio na comunidade o uso do banho diário,
Prevenção de Doença; 2) uso de roupa e banho de sol; as mães proporcionam local para os filhos
Prevenção ou Manutenção dormirem e a alimentação deles; a dieta alimentar tem na farinha o
do Bem-estar ou da Saúde; alimento garantido diariamente.
3) Cuidado Próprio ou aos
outros
19 Outros
Indicadores
de Consulta a mulheres mais velhas ou mais experientes em caso de dúvidas
Apoio mais Tradicionais ou nas práticas do cuidado materno.
não, aos modos de vida
Fonte: Observação-Participação-Reflexão
Depois do segundo dia de Participação na comunidade iniciei o processo de reflexão e reconfirmação de resultados obtidos na Observação e Participação com os informantes. Não deixei, é claro,
de Observar e Participar da vida na comunidade. O período de Reflexão durou os 10 dias utilizados nas
entrevistas, acrescidos de 06 dias para a reflexão sobre as entrevistas e revisão dos dados encontrados na
Reflexão. Esta fase do trabalho resultou nas anotações apresentadas no Quadro 13.
Quadro 13: Reflexão na comunidade e no cotidiano das mulheres
Aspecto
1
Linguagem, Comunicação &
Gestual (nativa ou não-nativa)
2
Contexto de vida ambiental geral
(símbolos, materiais e nãomateriais)
3
Vestuário em Uso & Aparência
Física
4
Tecnologia
Utilizada
em
Ambiente de Vida (residencial)
Anotações
A comunicação da pesquisadora com os moradores da comunidade
tende a melhorar com o tempo; as mulheres tendem a se abrir mais e a
serem mais receptivas. Já as crianças são mais receptivas desde o
primeiro encontro. Embora a língua usada seja o português, existem
muitos dialetos e palavras indígenas. Por isso, é necessário um
conhecimento prévio para obter sucesso na comunicação.
O ambiente da comunidade é o mais natural possível e os moradores
vivem em harmonia com o meio. Para a alimentação praticam a
agricultura de subsistência e caçam a quantidade de que necessitam
para o consumo diário. O lixo doméstico é eliminado por meio da
queima. E as habitações são feitas de madeira e palha. Além dos
animais domésticos, existem muitos ratos, moscas, além de cobras e
aranhas que eventualmente entram nas casas.
A população da comunidade aparentemente é bem nutrida, com pele e
cabelos hidratados. Devido às dificuldades financeiras, os ribeirinhos,
em sua maioria, usam roupas simples, velhas e puídas, mas sempre
limpas. A maioria, no entanto, tem sérios problemas dentários.
As tecnologias existentes na comunidade são poucas e existe um
único meio de transporte capaz de levá-los ao centro urbano. A
agricultura desenvolvida ainda é de subsistência, sem avanços
51
5
Visão de Mundo (como a pessoa
percebe/observa sobre o mundo)
6
Modo de Vida Familiar (valores,
crenças e normas)
7
Interação Social e Geral e Laços
de Parentesco
8
Atividades Padronizadas Diárias
9
Crenças e Valores Religiosos
(ou espirituais)
Fatores Econômicos (custo de
vida
difícil,
estimado
e
rendimentos)
10
11
Valores Educacionais ou Fatores
de Crença
12
Influenciadores
Legais
13
Usos na Alimentação e Valores
Nutricionais, Crenças e Tabus
14
Cuidado à Saúde Popular
(genérico ou indígena – cura)
Valores, Crenças e Práticas
Cuidado à Saúde Profissional
(cura) Valores, Crenças e
Práticas
15
16
Políticos
ou
Conceitos ou padrões de cura
que orientem as ações, isto é,
referentes a apoio, presença, etc.
tecnológicos. Uma única tecnologia é utilizada diariamente todas as
noites: o gerador que fornece energia elétrica à escola e permite o
funcionamento da televisão comunitária.
Os moradores têm uma visão cristã de mundo. Consideram Deus
como o criador e dão a ele o papel de doador da vida. Os pais
trabalham para dar alimentação aos filhos e esperam que eles tenham
uma vida melhor.
Os pais têm acolhido filhas primíparas adolescentes em casa com os
netos, já a maioria delas não recebe apoio do parceiro sexual. É
comum ver três a quatro gerações morando numa casa de apenas um
cômodo. A sociedade é do tipo patriarcal, mas a mulher ocupa
importante papel no núcleo familiar, sendo responsável não só pela
criação dos filhos, mas auxiliando o companheiro na caça, na pesca e
na produção de farinha.
Percebi um apoio familiar no contato entre os familiares com grau de
parentesco mais distantes. As reuniões comunitárias, no entanto, são
mais frequentes do que as familiares. O ambiente de interação social
se dá por meio das visitas às casas dos vizinhos para conversar ou ver
televisão à noite, reuniões mensais, festas anuais e o futebol.
O plantio de subsistência, os afazeres domésticos, o estudo e o
trabalho fazem parte da vida diária dos ribeirinhos. Eles ainda
reservam tempo para descansar diariamente, ficar com os filhos e
visitar vizinhos.
O catolicismo é a religião predominante na comunidade, seguido de
um sincretismo com crenças místicas populares.
A pouca renda familiar não tem influenciado tanto na nutrição dos
ribeirinhos desta comunidade, uma vez que a região, habitada por uma
fauna bem diversificada, permite que os moradores se alimentem de
caça diariamente. A caça, no entanto, também é fonte de renda e
permite que eles comprem roupas, móveis, redes, calçados e outros
alimentos, entre eles arroz, feijão e macarrão. Os recursos advindos da
atividade também financiam a compra de passagem para o centro
urbano quando alguém necessita de tratamento médico.
Existe uma super valorização dos estudos. Muito embora as mães não
tenham conseguido estudar, elas investem nos estudos dos filhos para
que eles (as) melhorem de vida, cresçam intelectualmente e alcancem
a independência financeira.
A comunidade é organizada num regime democrático, com um líder
escolhido por votação. Qualquer ação administrativa é acordada
mensalmente por todos da comunidade, homens e mulheres.
A farinha é o ingrediente alimentar presente na dieta dos ribeirinhos
diariamente. Em momento de falta de caça e outros alimentos eles
fazem mingau com a farinha e água. Uma dieta realmente pobre,
apenas com proteína e carboidrato.
A população utiliza constantemente a medicação caseira com
conhecimentos empíricos, de familiares ou de Jurema, a herborista da
comunidade.
Embora exista uma carência de profissionais de saúde na comunidade,
os moradores acreditam no sistema profissional/científico e sempre
que podem utilizam a medicação farmacêutica médica com a
medicação popular.
Considera-se que a cura foi alcançada a partir do momento em que o
doente volta a executar as tarefas costumeiras e este retorno à
normalidade, aos olhos da comunidade, indica que seu estado físico
52
melhorou. Por causa disso, as doenças silenciosas e assintomáticas
não são diagnosticadas ou tratadas.
17 Padrões ou Expressões de A necessidade do cuidado é identificada por meio da observação da
Cuidado
pessoa. Quando existe um quadro anormal, faz-se um levantamento
do problema, a patologia é identificada e o tratamento necessário é
feito com o auxílio da fitoterapia; a medicação tradicional também é
usada quando está disponível, observando os sinais de melhora.
18 Visões dos Modos de:
Para a prevenção de doenças de causas místicas é necessário ações
 Prevenção de Doença;
empíricas, também fundamentadas no misticismo. A alimentação e o
 Prevenção/Manutenção do Bem- uso de roupas também são vistos como forma de prevenção de
estar ou da Saúde;
doenças e manutenção da saúde. Além disso, a visita ao médico é
 Cuidado Próprio ou aos outros
vista como forma de auto-cuidado e manutenção do bem-estar.
19 Outros Indicadores de Apoio Alem das medicações caseiras oferecidas pelas mães e avós aos filhos
mais Tradicionais ou não, aos e netos, o rezador completa o chamado apoio popular e a agente social
modos de vida
aparece como o suporte cientifico. As duas formas de saber atuam em
harmonia na comunidade.
Fonte: Observação-Participação-Reflexão
Dentre os dados levantados no OPR, o aspecto da linguagem e da comunicação não só caracterizou
a comunidade, mas foi extremamente relevante para a coleta de dados, pois esta técnica possibilita a
compreensão dos modos de expressão dos informantes e a análise dos dados.
Análise dos Depoimentos
A análise dos depoimentos foi fundamentada na Análise de Dados de Etnoenfermagem. Segundo
Leininger & McFarland (2006) esta é uma análise sistemática, profunda e rigorosa da pesquisa
qualitativa, dividida em quatro fases:
Fase I - Coleta, Descrição e Documentação de Matéria Prima (Dados Não Trabalhados). O
pesquisador coleta, descreve, registra e começa a analisar os dados relativos aos objetivos, domínio de
inquirição ou das questões em estudo;
Fase II - Identificação e Categorização de Componentes. Os dados são codificados e classificados
de acordo com o domínio da inquirição e, às vezes, as questões em estudo;
Fase III - Padrão e Análise Contextual. Os dados são escrutinados para descobrir a saturação de
idéias e os padrões recorrentes de significados semelhantes ou diferentes, expressões, formas estruturais,
interpretações, ou explanação de dados relativos ao domínio da inquirição. Os dados são também
examinados para mostrar a padronização com respeito aos significados no contexto e junto com outros
dados confiáveis e de confirmação, realizando assim uma re-codificação;
Fase IV - Temas principais, resultados de Pesquisas, Formulações Teóricas e Recomendações. Esta
é a mais alta fase de análise de dados, sínteses e interpretação. Requer a síntese de pensamento, análise da
configuração, resultados de interpretação e formulação criativa de dados das fases anteriores. A tarefa do
pesquisador é abstrair e confirmar os principais temas, resultados de pesquisas, recomendações e, às
vezes, fazer novas formulações teóricas (LEININGER E MCFARLAND, 2006).
53
Para a análise dos dados, o pesquisador inicia pela Fase I analisando dados estabelecidos e
detalhados antes de passar para a Fase II. Neste segundo estágio, o pesquisador identifica os
“representados”, “indicadores” e as “categorias” dos primeiros dados na Fase I. Na Fase III, o
pesquisador identifica os “padrões recorrentes” dos dados como derivados das Fases I e II. Na Fase IV, os
“temas” do comportamento e de outros “resultados sumarizados da pesquisa” são apresentados e
abstraídos dos dados como derivados das três fases anteriores. Em todos os estágios, os resultados de
pesquisa da análise dos dados podem ser transportados de volta, a cada fase e aos dados estabelecidos na
Fase I, para confirmar e conferir os resultados em cada fase (LEININGER & MCFARLAND, 2006).
O processo sistemático de análise de dados foi extremamente detalhado e rigoroso, pois só assim é
possível entender os dados e rever os resultados e/ou conclusões. O detalhamento e o rigor são essenciais
na procura pelos critérios da análise qualitativa, mostrando como o pesquisador encontrou os critérios de
credibilidade, padronização recorrente, confirmação, significado no contexto, e outros critérios do estudo
qualitativo (LEININGER & MCFARLAND, 2006).
Para desenvolver todas as quatro fases da análise de dados em etnoenfermagem foi utilizada a
técnica de recorte e colagem. Após a leitura prévia de todas as entrevistas, reli todo o material anotando a
lápis, nas laterais das falas, minhas impressões sobre o tema que estava sendo abordado. Usei números
para representar os temas e cada número recebeu um título como, por exemplo: causas místicas para as
doenças dos filhos. Numa terceira leitura, captei as falas com os temas em comum e as reuni em uma
folha A4, totalizando 109 unidades. Depois filtrei essas 109 unidades, comecei a reler as falas das
entrevistadas e ver as que se aproximavam, de maneira a reuni-las numa mesma unidade temática.
Realizei, portanto, a CODIFICAÇÃO e assim emergiram 38 UNIDADES TEMÁTICAS.
UNIDADES TEMÁTICAS
1. Amamentação e desmame
2. Alimentação depois do desmame
3. Chá de hortelãzinho
4. Esterilizar as coisas do bebê
5. O banho e “asseio” (limpeza) dos filhos
6. O uso da fossa
7. Uso do bacio X: evacuar na fralda ou na roupa
8. Medo do filho pequeno usar a fossa
9. Irmãos ajudando na criação
10. Filhos ajudando os pais em casa
11. Vó criando os netos
12. Ajudando a criar netos
13. Filhos problemáticos
54
14. Percepção da doença
15. Medicação caseira e farmácia tradicional
16. Ensino da medicação caseira
17. Descrédito na medicina tradicional
18. Atitudes religiosas e de credo nos casos de doença
19. Culpa pela doença do filho
20. Causas místicas para doenças
21. Causas empíricas para doenças
22. Desmentidura
23. Doenças na infância do filho
24. Filhos gordos são saudáveis
25. A morte dos filhos
26. Liberdade aos filhos
27. Dificuldade em criar muitos filhos
28. Dificuldade de criar filhos sem pai
29. Filho dá trabalho
30. Filho é responsabilidade
31. Finanças e a criação
32. Trabalho
33. Sem enxoval para o 1º filho
34. Criar na cidade X, criar no interior
35. A criação dos filhos
36. Maltrato dos filhos por terceiros
37. Medo do rio
38. Desejo para os filhos
Após a codificação, foi realizada uma nova leitura das entrevistas, em sua íntegra, comparando-as
(as entrevistas) com as unidades temáticas. Identificou-se a possibilidade de descobrir novos temas e
como realizar os agrupamentos das unidades temáticas. Após esse exercício, cheguei a 04
AGRUPAMENTOS que são chamados, aqui, de RE-CODIFICAÇÃO.
PRIMEIRO AGRUPAMENTO: Alimentação e higiene
Amamentação e desmame
Alimentação depois do desmame
Chá de hortelãzinho
Esterilizar as coisas do bebê
55
O banho e asseio dos filhos
O uso da fossa
Uso do bacio X: evacuar na fralda ou na roupa
Medo do filho pequeno usar a fossa
SEGUNDO AGRUPAMENTO: A família e o cuidado
Irmãos ajudando na criação
Filhos ajudando os pais em casa
Vó criando os netos
Ajudando a criar netos
Filhos problemáticos
TERCEIRO AGRUPAMENTO: Processo saúde e doença
Percepção da doença
Medicação caseira e farmácia tradicional
Ensino da medicação caseira
Descrédito na medicina tradicional
Atitudes religiosas e de credo nos casos de doença
Culpa pela doença do filho
Causas místicas para doenças
Causas empíricas para doenças
Desmentidura
Doenças na infância do filho
Filhos gordos são saudáveis
A morte dos filhos
QUARTO AGRUPAMENTO: Cuidado dos filhos
Liberdade aos filhos
Dificuldade em criar muitos filhos
Dificuldade de criar filhos sem pai
Filho dá trabalho
Filho é responsabilidade
Finanças e a criação
Trabalho
56
Sem enxoval para o 1º filho
Criar na cidade X, criar no interior
A criação dos filhos
Maltrato dos filhos por terceiros
Medo do rio
Desejo para os filhos
O valor dos estudos
Após o agrupamento foi realizada nova leitura. Desse exercício emergiram duas grandes categorias
com subcategorias. A chamamos de SÍNTESE, que deu origem às duas categorias analíticas.
Categoria 1 - O cuidado materno ribeirinho – princípios e implicações para o cuidado
Cuidado dos filhos é cuidado materno: a realidade das mães ribeirinhas
O significado do cuidado materno para as mulheres ribeirinhas
As dificuldades do dia a dia no cuidado dos filhos ribeirinhos
Categoria 2 - O cuidado dos filhos ribeirinhos – as práticas do cuidado materno
O cuidado materno no processo saúde-doença: a mãe atendendo a necessidades evidentes
O cuidado na alimentação e higiene dos filhos: a mãe atendendo a necessidades antecipadas
As duas categorias analíticas construídas neste estudo foram levantadas tendo por base e condução
os aspectos culturais que envolvem o cuidado materno. Sendo de extrema importância não somente
conhecer a prática do cuidado materno, como também quem oferece a prática de cuidado, o significado
deste cuidado assim como as dificuldades encontradas diariamente.
57
CAPÍTULO IV
DISCUSSÃO DOS DADOS
A discussão dos dados se baseia no conceito de cuidado e cuidado cultural popular trazido por
Madeleine Leininger, autora do referencial teórico desta investigação. Utilizei também o conceito
específico de cuidado materno e maternagem, de Donald Winicott. 5
Antes de entender e aprofundar o cuidado oferecido pela mãe, é necessário levantar e compreender
o conceito de cuidado. Leininger refere o cuidado como um fenômeno abstrato e/ou concreto, definido
como experiências ou idéias assistenciais, de apoio e capazes, dirigidas a outros com necessidades
evidentes ou antecipadas, para melhorar uma condição humana ou modo de vida. O cuidar vem a ser,
assim, a ação, atitudes e práticas para assistir ou ajudar outros no sentido da cura e do bem-estar
(LEININGER, 1998, 1991, 1995, LEININGER & McFARLAND, 2002, 2006).
Leininger assinala que o cuidado, enquanto base da Teoria, é dividido em popular e profissional. A
prática do cuidar tem, então, o intuito de identificar diferenças e semelhanças entre as culturas,
influenciando sua aplicação na saúde ou no bem-estar dos diversos contextos culturais (LEININGER &
McFARLAND, 2002, 2006).
5
Donald Woods Winnicott, pediatra e psicanalista, autor da Teoria do Desenvolvimento e do conceito de Maternagem
(Winnicott, 2006).
58
O termo cuidado popular, também chamado de genérico, refere-se ao conhecimento apreendido e
transmitido, tradicional ou popular, para prestar assistência, suporte, capacidade e facilidade aos atos para
ou dirigidos a outros com necessidades de saúde evidentes ou antecipadas. Sua finalidade é melhorar o
bem-estar ou ajudar em caso de morte e outras condições humanas (LEININGER & MCFARLAND,
2006). Seu conceito pode ser aplicado no cuidado à saúde nos diversos contextos (LEININGER &
MCFARLAND, 2002).
Já o cuidado profissional refere-se ao conhecimento e práticas, formais e explicitadas
cognitivamente, aprendidos pelo cuidador profissional, através das instituições educacionais (usualmente
não genéricos). Assim é que as enfermeiras são orientadas a oferecer assistência e suporte ao indivíduo ou
a um grupo a fim de melhorar sua saúde, prevenir as doenças, ou, conforme assinalado anteriormente,
ajudar com a morte ou outras condições humanas (LEININGER 1991, 1995, 1997, LEININGER e
McFARLAND, 2002, 2006).
Para o cuidado materno utilizo aqui o conceito de cuidado popular, uma vez que a atenção materna
é baseada num conhecimento popular, apreendido e transmitido constantemente entre as mulheres da
comunidade. Essa transmissão é feita de modo tradicional entre as gerações e se dá no convívio diário dos
ribeirinhos, de modo a oferecer aos filhos a manutenção da saúde e bem-estar e ajudá-los em caso de
doenças.
Autores como Leininger & McFarland (2006) destacam que a promoção de saúde, oferecida no
cuidado materno, não está focada meramente na prevenção e tratamento de doenças. A saúde é vista
como um estado de bem-estar que é culturalmente definido e constituído no espaço social onde o filho é
capaz de realizar suas atividades diárias padronizadas pelo seu modo de viver na comunidade.
Por outro lado, o cuidado materno, definido por Winnicott como maternagem, é o ato de cuidar dos
filhos oferecido pela mãe. Ou seja, a maternagem é a forma de uma mãe cuidar de seu bebê de maneira
boa, protetora. São os bons cuidados que incluem o amparo às necessidades fisiológicas e todo
investimento de desejo, de amor, de aconchego (WINNICOTT, 2006).
Foi à luz dos conceitos apresentados sobre o cuidado materno, a discussão dos valores culturais das
mães ribeirinhas e a influência destes no cuidado dos filhos que assumimos a tarefa de propor decisões e
ações de cuidado de enfermagem culturalmente coerentes com a realidade ribeirinha. Propomos neste
capítulo, portanto, a discussão dos dados dispostos em duas categorias. A primeira delas trata dos
princípios e implicações do cuidado materno para a mulher ribeirinha – de maneira que possamos
conhecer o significado do cuidado para a mulher cuidadora dos filhos na comunidade ribeirinha. A
segunda categoria discorre sobre as práticas diárias do cuidado materno e levanta as formas de cuidado
em situações de enfermidade, entendendo a necessidade de proteção, alimentação e higiene dos filhos.
Categoria 1 - O cuidado materno ribeirinho – princípios e implicações para o cuidado
59
Há séculos a sociedade brasileira vê o cuidado materno como uma prática de maternidade que deve
ser perfeita e realizada por uma mãe ideal – uma concepção com nítidos contornos mitológicos. Esse
olhar idealizado ainda permeia todos os aspectos da nossa vida. O conceito do que é cuidado materno,
quem oferece o cuidado aos filhos e suas dificuldades são, assim, objetos que influenciam diretamente nas
práticas do cuidado maternal. Para conhecer as práticas de cuidado em uma população ribeirinha,
portanto, precisamos identificar os princípios do cuidado materno, com todas as implicações que essa
prática envolve.
É nesse sentido que a categoria ora trabalhada foi construída e subdividida em três subcategorias:
Cuidado dos filhos é cuidado materno: a realidade das mães ribeirinhas
O significado do cuidado materno para as mulheres ribeirinhas
As dificuldades do dia a dia no cuidado dos filhos ribeirinhos
1.1 - Cuidado dos filhos é cuidado materno: a realidade das mães ribeirinhas
Antes de entendermos qual o significado do cuidado materno para a ribeirinha, é necessário
identificar quem cuida dos filhos em Vila Nova Maringá. Para tanto nos apropriamos do conceito de
maternagem, que é o cuidado oferecido pelas mães aos filhos com o objetivo geral de promover seu bemestar (WINNICOTT, 2006).
A partir da vivência na comunidade e da análise das entrevistas percebi que o cuidado dos filhos é
uma responsabilidade materna. Não é comum as avós cuidarem dos netos. Algumas mulheres, entre elas
Piatá, falaram a respeito do tema:
Eu digo pra elas assim que eu não vou ficar com neto, eu fico sim com meus netos, que nem essa,
essa daí, o filho dessa, ele foi doente pra Manaus, aí eu tenho que ficar com ela; aí, nesse período
eu fico, mas a menina pega um filho e fica junto comigo ali; ela sair prá brincar e eu ficar com as
crianças não fico não, porque eu nunca dei esse trabalho prá minha mãe, nunca dei esse trabalho
prá minha mãe, nem minha mãe, nem minha sogra, nunca cuidou dos meus filhos; fui eu mesmo
todo tempo, dos nove todinho e dei conta; tão bem dizer tudo criados, que a menor tá com seis
anos, já tá criada, então isso aí é que eu não quero, que as minhas filhas me dê esse trabalho de
criar os filhos. (Piatá, 45anos)
O Programa de Atenção à Saúde do Adolescente (PROSAD), do Ministério da Saúde, considera
adolescência a faixa etária compreendida entre os 10 e 20 anos (BRASIL, 1996). Nessa fase da vida,
caracterizada por ser um período difícil, o indivíduo se prepara para o exercício pleno de sua autonomia.
Quando não são bem compreendidos, os adolescentes passam a ser rotulados como imaturos e incapazes
de exercer suas funções na sociedade. Eles enfrentam ainda um processo de crescimento e
desenvolvimento que tem características psicológicas peculiares. Não raro, o (a) adolescente é submetido
a situações de risco, entre elas a gravidez precoce.
A gravidez na adolescência é um fato corriqueiro na comunidade estudada. Cerca de 90% das
mulheres ribeirinhas foram mães pela primeira vez com idade entre 13 e 20 anos. Embora alguns autores
60
relatem que a mãe da adolescente primípara exerce certa ascendência sobre ela, decidindo “assumir” o
neto ao invés de ajudar a filha nas tarefas da maternidade, as avós ribeirinhas não costumam se
responsabilizar pelo neto ou mesmo cuidar da criança. Irani, uma das entrevistadas, sustentou que a
responsabilidade de cuidar do filho é da mãe, independente da idade que a mulher deu à luz. O filho,
disse Irani, é dela, e não do outro:
Prá menina se tornar mulher, adolescente, ou prá jovem mesmo se tornar mulher, isso não tem
idade assim; por causa que prá amar não tem idade; só que prá tornar mulher assim isso deveria,
deveria não, deve ser assim um entendimento, por causa que ser mãe, ser mãe não é dizer assim,
eu vou ser mãe, e dizer que não vou ter a responsabilidade; então, prá ser mãe precisa de ter uma
boa inteligência, uma boa confiança em si mesmo, uma boa confiança em si mesmo e ter uma
coragem de dizer que sou mãe, porque eu não vou dizer assim; porque tem menina de doze anos,
treze anos, quatorze anos, quinze anos, que tem filho e se torna uma mãe e não assume seu próprio
filho; eu já vi gente até de trinta anos ser mãe, depois de ter o bebê dá pra alguém; então pra ser
mãe não precisa da idade, precisa da responsabilidade, responsabilidade é que é. (Irani, 39 anos)
As estatísticas nacionais revelam que, nos últimos anos, o número de adolescentes grávidas tem
crescido vertiginosamente. Na faixa etária de 15 a 19 anos, a proporção passou de 37,4% filhos de mães
adolescentes em 1991 para 41,4% em 2000 (GÓIS, 2004).
Segundo Cavasin e Arruda (1998), 79,5% das internações de mulheres com idade entre 15 e 19
anos, na região Norte do Brasil, têm por causa a gravidez, parto e pós-parto, colocando em evidência o
tema da maternidade da adolescência, convertido, nos últimos anos, em problema de saúde pública
(SANTOS, 2003).
O século XXI traria à tona dados mais dramáticos. Segundo dados do Ministério da Saúde, em 2002
foram realizados cerca de 1.700 partos por dia de mulheres entre 10 e 19 anos, o que representa 26% do
total de nascimentos. De Janeiro a Abril de 2003 foram notificados 200.946 partos de adolescentes,
havendo um aumento da taxa de fecundidade, na última década, nas cinco regiões do país. Esses números
colocaram o Brasil no leque de países que apresentam taxas de gravidez na adolescência acima da média
mundial, que é de 50 nascimentos por mil mulheres (COLUCCI, 2003).
Estudos recentes revelam que o aumento da gravidez na adolescência não está restrito às classes
menos favorecidas, demonstrando que o aumento da gravidez precoce não pode ser atribuído a pobreza
ou falta de escolaridade, sendo um fenômeno que se espalha por toda pirâmide social (GÓIS, 2004).
Encontrei na comunidade muitas mulheres grávidas na adolescência. Seus depoimentos deixam
entrever, no entanto, que o desejo de engravidar independe da idade. Yara, que foi mãe aos 13 anos, conta
sobre esse desejo:
Eu tinha muita vontade de engravidar, tinha muita vontade mesmo, ate que eu me engravidei...
Porque eu achava bonito uma mulher com criança no braço, eu achava bonito e eu queria me
engravidar, prá eu andar com um bebezinho no braço. (Yara, 18)
Ao contrário da visão hegemônica da sociedade e da visão dos profissionais de saúde em geral - que
consideram a gravidez na adolescência como indesejada - a experiência de cuidar do seu filho, para a mãe
adolescente, também é repleta de significados positivos. A mãe nesta faixa etária é olhada como
61
integrante do grupo de risco para exercer a maternidade. Takiuti (2001) considera, no entanto, que a
adolescente pode apresentar competência para tal.
A maioria das mães ribeirinhas aprenderam a cuidar de seus filhos por meio dos ensinamentos que
assimilaram quando ajudaram suas mães a cuidar dos irmãos menores na infância. O depoimento de
Apuã, por exemplo, dá conta que ela auxiliou no cuidado aos irmãos quando a mãe saía de casa para
trabalhar na plantação de mandioca:
Ajudei a cuidar da irmã minha, a mamãe ia trabalhar e eu ficava com ela, fazia a mamada dela,
fazia ela dormir, cuidava dela... eu que ajudei a cuidar dos meus irmãos, porque eu sou a mais
velha do meu pai com a minha mãe... eu já tinha aprendido a cuidar dos meus irmãos né, aí foi
mais fácil. (Apuã, 19)
Constatei assim, por meio da Observação-Participação-Reflexão (OPR) e das entrevistas, que a
responsabilidade do cuidado dos filhos é materna, mas o auxílio dos filhos mais velhos acontece em
alguns momentos. A prática da menina ajudar a criar os bebês – irmãos, sobrinhos, primos – é comum em
núcleos familiares com grande número de filhos. Isso possibilita a aprendizagem baseada em experiências
próprias, como ocorreu, aliás, com Apuã. Aos 19 anos e mãe de um menino de dois anos, a entrevistada
vive distante da casa da mãe. O cuidado que presta ao filho, no entanto, ela aprendeu cuidando dos irmãos
na infância. Esse é um método antigo de transmissão do conhecimento, de mãe para a filha, referente aos
cuidados maternos, contudo muito eficiente. Ele não retira da mãe a responsabilidade sobre os filhos e
cuidado dos mesmos, mas permite que os filhos mais velhos auxiliem neste cuidado (MACHADO &
MADEIRA, 2003).
E assim essas mulheres aprendem e cuidam de seus filhos, sem o auxílio e intervenção das mães,
mas, eventualmente, com o auxílio dos filhos. A maternidade na adolescência é um fato corriqueiro na
comunidade, considerada por muitas como desejada e não precoce. Elas aprendem a cuidar por meio do
auxílio que prestam às mães no cuidado dos irmãos. Quando se tornam mães, elas se responsabilizam e
cuidam dos seus filhos, segundo elas de maneira boa. Consideram-se boas mães, de acordo com seus
conceitos, mesmo diante de tantas dificuldades.
1.2 - O significado do cuidado materno para as mulheres ribeirinhas
Encontramos diversos significados para o cuidado materno. Ele pode ser visto como a assistência
dirigida ao filho diante das suas necessidades evidentes ou antecipadas para melhorar seu modo de vida,
oferecido pela mãe/progenitora. Esse cuidado é aprendido e transmitido de modo popular (LEININGER
& MCFARLAND, 2006). Ou ainda, esse cuidado materno é entendido como o amparo às necessidades
fisiológicas, todo investimento de amor, aconchego, de maneira boa e protetora (WINNICOTT, 2006).
No entanto, para compreender melhor as práticas de cuidado ribeirinho, é necessário conhecer os
conceitos que o cuidado tem para as mães ribeirinhas, e como elas descrevem o significado da
maternagem.
62
Ao analisar as dezesseis entrevistas, entendi como essas definições são ricas e peculiares na
comunidade. Um dos conceitos de cuidado materno é dado por Janaina, uma das matriarcas da
comunidade, mãe de oito filhos. Ela acredita ter oferecido um bom cuidado:
Cuidava bem deles, não deixava eles comerem as coisas pelo chão, só eu mesmo que cuidava
deles, eu fazia de tudo, mas com eles ali, mas não os deixava pelo chão... A criação deles foi bem,
eu não maltratava eles, cuidava bem deles. (Janaina, 63)
Para Janaina, o bom cuidado materno é cuidar da higiene e dar atenção aos filhos, além, é claro, de
não infligir maus tratos às crianças. Já Jaciaba, com sete filhos, acredita que ser boa mãe é atender a todas
as necessidades deles:
Acho que eu sou boa mãe assim com elas, nunca fui mau assim com elas... Cuidei tudo bem deles
graças a Deus, não fui uma mãe ruim, o que eu posso fazer por eles eu faço, o que eu posso dar eu
dou. (Jaciaba, 38)
Observei nas entrevistas que ser mãe e ser uma boa mãe é um ideal para as mulheres de Vila Nova
Maringá. Esse anseio vai ao encontro de Freud (1976), quando este autor menciona a feminilidade que só
se completa na maternidade. Ser mãe, assim, é algo como um símbolo de amor e ternura instintivamente
bons. Muitas mães entendem ter alcançado este objetivo porque atenderam às necessidades dos filhos. O
depoimento de Jaciaba confirma a tese.
Mas, o mito da mãe ideal é o inimigo número um da maternidade feliz. Isso acontece quando o
cuidado dos filhos significa dar tudo a eles, saber como evitar doenças e suas dificuldades na escola. De
acordo com os ditames dessa mitologia, a mãe não tem sequer o direito de fracassar no desempenho deste
papel, o da mãe perfeita. Com o fracasso sobrevém a culpa e esta última provoca uma tristeza infinita e,
ao mesmo tempo, indefinida. Encontramos esse estado de espírito com muita freqüência entre as mães
jovens. Essa sensação é, portanto, um inimigo que precisamos acompanhar e, quando preciso, abater
imperativamente, pois é necessário ser uma mãe feliz e não ideal (SERRUIER, 1993).
É imperioso também observar o que a mãe entende por cuidado materno para que ela alcance uma
maternidade feliz, realista e experimente a sensação de ser uma boa mãe. Ainda que resmunguem quando
são obrigadas a interromper o sono durante a noite para amamentar ou reclamem da necessidade de caçar
à noite para trazer o alimento. O depoimento de Iracema, mãe aos 15 anos, ilustra bem a situação:
Eu me senti feliz, sonhei de ter filho, aí eu tive, mas se não tivesse eles, eu estava sozinha,
trabalhando em algum lugar, comprando o que eu precisava, se não tivesse eles nem marido do
meu lado... Mas, o cuidado com eles foi bom, tá indo bem, se eles têm alguma queixa de nós eu
não sei, mas eu e o pai, nós não fica maltratando os filhos... Eu sonho felicidade, nunca penso mal
para elas não, um bom, uma felicidade para todas elas, não quero ver o mal delas não. (Iracema,
36)
Iracema, assim como outras mulheres, reconhece seus limites como mãe, mas, além de gostar muito
dos filhos, também deseja sua vida de mulher, no trabalho ou no estudo, seja apenas sonhando com esta
possibilidade ou a vivenciando na prática (SERRUIER, 1993).
Precisamos valorizar muitas práticas de cuidado entre as ribeirinhas. Inclusive a percepção que ela
tem de si própria. A ribeirinha entende ser uma boa mãe, é feliz na sua maternagem e reconhece como
bons os cuidados maternos que presta. Ainda que não atenda todas as necessidades dos filhos, ela não se
63
acha perfeita, mas suficientemente boa, segundo os seus próprios conceitos (SERRUIER, 1993). A
valorização das mães ribeirinhas, então, deve acontecer mesmo quando elas reconhecem e explicitam os
prejuízos que a maternidade e o cuidado materno podem trazer. Jurema, por exemplo, vê no cuidado
materno dedicado a seus dez filhos a razão de viver que ocupa toda sua vida. A entrevistada, no entanto,
convive com a contradição de saber que o desempenho das tarefas tem seus aspectos negativos:
Muito sacrifício criar filho, e é muito mesmo, às vezes eu penso na minha vida, tá criando eles
graças a Deus. Tô satisfeita com esses que Deus já me deu mesmo, mas a gente trabalha, faz as
coisas pra cá, bota filho pra casa, planta uma planta por ali, bota uma macaxeira pra lá, planta um
cará, é pro alimento das crianças; isso ai é o alimento das crianças, a gente trabalha por ali, faz
aquela farinha e bota prá casa prá criança comer, bota uma macaxeira, bota um cará prás crianças
comerem as coisas de manhã e a gente vai vivendo a vida... A vida da gente é cuidar, zelar, criar
filho, Virgem Maria, é ruim. (Jurema, 40)
Atualmente com vinte e seis anos, Garaciaba ingressou no universo da maternidade aos treze anos e
desde então teve seis filhos. À frente dos cuidados dispensados a todos eles, a entrevistada levantou a
questão do trabalho que o cuidado traz, a disponibilidade de tempo, a prioridade dispensadas às crianças e
como isso afeta a satisfação de suas próprias necessidades.
Quem dizer que filho não dá trabalho tá mentindo, a gente dorme mal dormido, come mal comido,
tem hora que não da pra fazer nada, tem que largar, tem que ver, é muito trabalho, cuidar do filho
dá trabalho, é muito difícil. (Garaciaba, 26)
Observo nos depoimentos aqui reproduzidos, de Jurema e Garaciaba, que a maternagem é vista e
definida como sacrificante e muito trabalhosa para essas mulheres ribeirinhas. Elas reconhecem o
trabalho e as dificuldades implícitas no cuidar dos filhos, mas ainda assim desejam ser mães e se
sacrificam para cuidar bem.
Para as mães ribeirinhas o cuidado está além de atender às necessidades fisiológicas e de higiene
dos filhos, oferecer amor e proteção e promover o bem-estar do concepto. Para essas mulheres, o cuidado
materno significa também trabalho e responsabilidade dedicados ao filho. Elas, na verdade, vivem um
cuidado que é mais que um ato: é uma atitude cheia de significados.
Portanto, abrange mais que um momento de atenção, de zelo e de desvelo. Representa uma atitude
de ocupação, de preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro (BOFF, 1999).
Já os fundamentos de Winnicott vêem na relação mãe-bebê e nas interações com o meio uma
ligação com os processos de maturação e desenvolvimento psíquico. A utilização dessas categorias,
popularizadas na década de 50, deixam entrever que não existe saúde, para o ser humano, que não tenha
sido acolhida com amor por meio de uma maternagem suficientemente boa (WINNICOTT, 1978). A
constatação a que chegamos - de que as mulheres riberinhas cuidam de seus filhos com paciência,
abnegação e auto-sacrifício e encontram satisfação nas tarefas mais prosaicas da maternidade – vai ao
encontro da obra de Forna (1999).
1.3 – As dificuldades do dia a dia no cuidado dos filhos ribeirinhos
64
Depois de significar o cuidado, muitas mulheres ainda viram a importância de relatar sobre as
dificuldades que encontram no cuidado diário dos filhos, ou seja, a realidade do cuidado no dia-a-dia de
uma comunidade ribeirinha. Essas dificuldades são proporcionadas pelo quantitativo de filhos e as
condições da vida dos ribeirinhos, dentre outros fatores que serão discutidos a seguir.
O número elevado de filhos foi apontado por algumas mães como um fator que dificulta o
cuidado. O universo pesquisado neste trabalho incluiu oito (08) grandes multíparas, com cinco a dez
filhos. Uma dela é Jurema, mãe de dez filhos. Aqui, ela comenta as dificuldades de se cuidar de muitos
filhos:
Agora só que é sacrificoso você criar muito filho, tem que quebrar cabeça pra cá, e chama pra cá,
quando já ta grande tudo bem, quando ta pequeno, que tão engatinhando a gente tem aquele
trabalho, aquele cuidado de vir pra beira, não deixa ta comendo porcaria, não deixa ta com terçado
na mão, com faca pra não cortar outra criança, pra não bater no outro, ô meu Deus! Muito
sacrifício criar filho assim, e é muito mesmo, às vezes eu penso na minha vida, ta criando eles
graças a Deus. (Jurema, 40)
O depoimento de Jurema indica que o cuidado dos filhos muitas vezes é dificultado pelo tamanho
da família. Segundo as entrevistadas, é difícil administrar as práticas de cuidado diário de muitas crianças.
O Ministério da Saúde reafirma a autonomia e a liberdade de escolhas facultadas às usuárias do
Sistema Único de Saúde (SUS). De acordo com a legislação, elas têm o direito a informações, assistência
especializada e acesso aos recursos que lhes permitam optar livre e conscientemente por ter ou não ter
filhos. Ainda de acordo com o texto legal, o número, o espaçamento entre eles e a escolha do método
anticoncepcional mais adequado são opções que toda mulher deve ter de forma livre, sem discriminação,
coerção ou violência (BRASIL, 2002).
Apesar das facilidades dispostas pelo SUS, descobri ao longo da pesquisa feita em Vila Nova
Maringá, que nenhuma das grandes multíparas ali entrevistadas utiliza ou conhece algum método
contraceptivo. Constatei também que 87.5% das mulheres são analfabetas ou não completaram o ensino
fundamental, características que contribuem para alta incidência de multíparas (GAMA, 2001),
circunstância que, segundo as próprias mulheres, representa um agravo para o cuidado materno diário.
Além do quantitativo de filhos, outra dificuldade no cuidado diário, levantada por duas mulheres, é
a ausência do pai. Mãe de seis filhos, Japira, uma mulher trabalhadora e separada do marido, resume a
vida de quem cuida sozinho:
O filho que não tem pai, que é só a mãe que cuida, fica muito difícil, ela se esforça muito até vira
rapaz até fica moça, dá muito trabalho. (Japira, 39)
De acordo com a tese de doutorado de Silva (2003) – Cuidado de enfermagem na dimensão cultural
e social: história de vida de mães com sífilis – nos dias de hoje a mulher, mais do que nunca, questiona
seus valores e suas funções numa sociedade marcada por valores morais e materiais. Conciliar de forma
harmônica e sem culpa a sua tripla jornada - mulher, mãe e trabalhadora - é muito difícil. Ainda mais
quando se é mãe solteira e se enfrenta dificuldades financeiras.
65
A baixa renda mensal da maioria das mulheres – em alguns casos famílias com até 14 pessoas
vivem com um salário mínimo – dificulta muito, segundo as próprias depoentes, o cuidado materno.
Muitas mulheres vêem na pobreza um sério complicador que influi diretamente na compra de alimentos e
roupas e na melhoria da moradia, entre outros bens seguramente necessários ao bem-estar das crianças.
Os relatos de Maiara e Irani ilustram bem a situação:
A criação deles foi um pouco difícil porque a gente não tem aquele ganho bem né, prá ajudar a
sustentar. (Maiara, 20)
A criança nasceu sem pano, sem nada de enxoval, tudo que Deus botou em mim assim ele tirou, aí
os vizinhos viu que a criança tava sem nada, cada um pega uma roupa, uma camisa, um pedaço de
lençol, ajuntaram aquelas coisas e trouxeram, embrulharam a bebezinha. (Irani, 39)
Como a renda mensal da maioria das mulheres é baixa, as mulheres não conseguem ter alimentos o
mês todo. Para suprir essa necessidade, as mães precisam caçar e trabalhar na agricultura, com ou sem o
auxílio do companheiro. Constatei durante a Observação-Participação-Reflexão e nas entrevistas que a
alimentação diária é praticamente baseada na farinha e em algum animal proveniente da caça ou da pesca.
Esses são os alimentos que as mães podem oferecer aos filhos. Os depoimentos de Jurema e Irani indicam
que elas têm um companheiro mas, mesmo assim, trabalham na produção de alimento para os filhos:
A gente trabalha, faz as coisas pra cá, bota filho pra casa, planta uma planta por dali, bota uma
macaxeira pra lá, planta um cará, é pro alimento das crianças, isso ai é o alimento das crianças, a
gente trabalha por ali, faz aquela farinha e bota pra casa pra criança comer, bota uma macaxeira,
bota um cará pras crianças comerem as coisas de manhã e a gente vai vivendo a vida. (Jurema, 40)
Eu fiquei sem o pai dos meus filhos, mas eu nunca ganhei dinheiro do meu próprio corpo não, isso
aí eu tenho a consciência livre, eu sou séria mas eu não sou casada; aí eu vinha só eu e minha
canoa pra cá, quando eu voltava, eu já voltava procurando comida pra sustentar os meus filhos, eu
sempre fiquei com esse costume quando não tem alguma coisa em casa que a noite é bonita eu vou
sozinha, quando eu tava lá passava só eu, dois, três dias sozinha lá na minha casa ali, ficava
capinando roça, sempre trabalhando assim na agricultura, aí sempre minha vida foi assim mesmo,
de luta, de trabalho. (Irani, 39)
A preocupação com a obtenção de alimentos, seja na agricultura ou na caça, pinta em cores vivas,
assim, a permanente luta que a mãe ribeirinha trava contra a fome dos filhos. Mas, o leque de dificuldades
vai além da falta de recursos. Além das razões de ordem financeira, muitas mulheres relataram que morar
no interior, longe do centro urbano de Maués, também compromete a qualidade do cuidado prestado aos
filhos. Cunhapora e Garaciaba, por exemplo, alertam que na cidade é possível conseguir acesso à
educação, saúde e alimentação:
É assim nossa vida no interior, nosso alimento é meio precário porque não é na cidade né, quando
falta tem aonde comprar e aqui no interior não... Antes morar na cidade que no interior, porque
morar na cidade e o ganho da cidade é pouco, mas no mesmo momento é muito porque lá na
cidade você tem tudo, você tem sua geladeira, você tem água na torneira, você tem seus filhos que
estuda na cidade e é com pouco salário você consegue; e no interior você trabalha tanto e não
consegue nada. (Cunhapora, 46)
Eu acho que na cidade é mais fácil de cuidar, porque na cidade tudo que acaba na casa tem na loja
e aqui se acabar... principalmente bebê pequeno assim, se acabar a alimentação ele vai chorar
porque não tem, é difícil gente pra comprar, não tem gente vendendo por aqui, acabou uma coisa
tem que ir em Maués porque aqui não tem, eu acho assim que a dificuldade da cidade pro interior é
assim, no caso de uma doença em Maués corre pro hospital, aqui no interior é muito difícil as
coisas. (Garaciaba, 26)
66
A vida no interior, portanto, é percebida, por muitas mulheres ribeirinhas, como um fator que
dificulta o cuidado. Viver longe dos centros, segundo elas, restringe o acesso a meios que propiciam um
cuidado melhor e mais fácil.
Nem todas as mulheres do estudo enxergam a vida ribeirinha como uma dificuldade para as práticas
de cuidado. Como relata Apuã:
Lá em Maués tudo é comprado né, e aqui no interior não, a gente ajeita uma coisa pra ali, uma
coisa pra ali, eu achei melhor do que Maués... Porque aqui você compra umas coisinhas lá em
Maués e dura muito, é só pro bebê e lá em Maués não, a gente tem que comprar, e aqui não, aqui a
gente faz mingau de macaxeira, mingau de cará, de qualquer coisa e já vai alimentando eles, nós
temo plantado. (Apuã, 19)
Ao contrário de Garaciaba e Cunhapora, Apuã entende que a questão da subsistência no interior, e
sua íntima relação com o cuidado, não é tão ruim quanto apregoam suas companheiras: é que as
populações ribeirinhas cultivam e têm acesso aos alimentos, ao contrário da vida no centro urbanos de
Maués, onde tudo é comprado. É importante, portanto, conhecer o conjunto de individualidades que se
esconde por trás de cada mulher – e não somente aquilo que chamamos de cultura da comunidade. Do
contrário, corre-se o risco de generalizar e comprometer a visão que o pesquisador colhe da assistência
em Vila Nova Maringá.
As análises desenvolvidas a partir da categoria aqui utilizada deram origem a duas certezas. Uma
delas é a de que as mulheres enfrentam muitas dificuldades no seu dia-a-dia durante as práticas de
cuidado. A outra diz respeito às razões dos obstáculos com que se deparam no cotidiano ribeirinho. Elas
apontam a multiparidade, a falta de companheiro, a baixa renda familiar mensal, o acesso aos alimentos e
a vida no interior como fatores que dificultam o cuidado materno. Ainda assim encontrei, na maioria das
falas, uma esperança: a de que o sacrifício empenhado no cuidado será, um dia, recompensado pelos
filhos na velhice da mãe. Jurema foi uma delas:
Eu to satisfeita, de ter meus filhos, criar todo eles, ficar tudo homem, tudo mulher, pra me
ajudarem que eu já to ficando muito idosa, todo mundo tá vendo que eu to ficando idosa (Jurema,
40)
A percepção que as mães ribeirinhas têm do cuidado materno e de seus significados – construída a
partir das dificuldades diárias que enfrentam – confirmam a construção teórica do mito da maternidade.
Reproduzimos aqui trecho da obra de Forna (1999:11) no qual o autor discorre sobre o mito da mãe
perfeita:
Deve ser completamente devotada não só aos filhos, mas ao seu papel de mãe. Deve ser a mãe que
compreende os filhos, que dá amor total e, o que é mais importante, que se entrega totalmente.
Deve ser capaz de enormes sacrifícios. Deve ser fértil e ter instinto materno... Acreditamos que ela
é a melhor, e a única capaz de cuidar corretamente dos filhos, e que eles exigem sua presença
contínua e exclusiva. Ela deve incorporar todas as qualidades tradicionalmente associadas à
feminilidade, tais como, acolhimento, ternura e intimidade. Queremos que ela seja assim e é assim
que tentamos fazê-la.
Essa atitude de sacrifício e de abnegação da maternidade, diante das dificuldades diárias do
cuidado, segundo Herdy (2001), é uma concepção idealizada pela sociedade ocidental que vem se
perpetuando ao longo da história. A mulher encara a maternidade e o cuidado como algo instintivo e
natural. A mulher acredita que o seu único destino é a procriação e a perpetuação da espécie. Por isso, ela
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se entrega totalmente aos cuidados com o filho e abdica de seus ideais femininos. A autora entende que a
cultura da mulher influencia a maneira como ela enxerga a maternidade: um ideal feminino. Esse
fenômeno ocorre em Vila Nova Maringá e deve ser respeitado pelo profissional de saúde ali lotado para
prestar assistência.
Ao conhecer o cuidado materno das mães ribeirinhas, percebemos que ele é uma atitude de
ocupação do tempo. Sua prática envolve trabalho e atenção, a permanente preocupação em conseguir
alimentos e as demais tarefas do cuidado de quem vive no interior. Conforme define Boff (1999), esse
cuidado é responsabilidade da mulher que cuida só. Trata-se, acima de tudo, de um envolvimento afetivo,
uma satisfação em cuidar, aguardando um retorno de afeto e, mais do que tudo, é um zelo.
Procurei a comunidade de Vila Nova Maringá para conhecer as práticas de cuidado materno ali
prestado. A convivência com as mães ribeirinhas despertou-me o interesse de não só saber como cuidam
das crianças, mas desvendar o significado que elas mesmas atribuem ao cuidado que oferecem. Os
depoimentos confirmaram minhas expectativas e foram ricos porque, entre outras coisas, a maioria das
mulheres tem o perfil de grandes multíparas, inicia a maternidade na fase da adolescência e enfrenta
dificuldades para levar adiante sua tarefa no ambiente ribeirinho. E esses fatores, de grande relevância
influenciam diretamente as práticas de cuidado.
A realidade, no entanto, é que geralmente não observamos esses princípios quando prestamos
assistência - saber quem cuida, o que é cuidar e quais dificuldades a mãe encontra para o cuidado. Na
maioria dos casos nos contentamos em conhecer as práticas de cuidado e assim rotulamos o certo e o
errado, elaboramos prescrições sem refletir sobre a amplitude deste cuidado. Assim é que acabamos
desrespeitando o meio, a cultura e a individualidade de cada mãe. Depreende-se, então, que conhecer os
princípios e as implicações do cuidado materno ribeirinho contribui essencialmente para o
desenvolvimento e a prática de um cuidado profissional de enfermagem culturalmente coerente com a
saúde materno-infantil.
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Categoria 2 - O cuidado dos filhos ribeirinhos – as práticas do cuidado materno
Reproduzimos aqui a maneira como alguns autores definem os cuidados essenciais que as mães
devem prestar aos filhos. Para Winnicot, a criança necessita de cuidado desde o nascimento e não pode
existir sozinha. Essa atenção é, essencialmente, parte de uma relação mãe e filho. E é através das práticas
de cuidado que a criança sobrevive nos primeiros dias de vida e subseqüentemente cresce e se desenvolve
com o passar dos anos (WINNICOTT, 1985).
Cuidar do filho é uma prática para assistir ou ajudar outros no sentido da cura e do bem-estar
(LEININGER & MCFARLAND, 2006). É um cuidar do corpo desde a alimentação segundo Leloup
(1997).
Para Winnicott (2006), é por meio do cuidado que a mãe atende as necessidades fisiológicas dos
filhos e oferece a eles proteção. Através das práticas de cuidado a mãe atende as necessidades evidentes
ou antecipadas. Necessidades evidentes diante do processo saúde-doença, e antecipadas para prevenção
de doenças e promoção do bem estar por meio de práticas como alimentação e higiene do seu filho, assim
como na proteção dos filhos (LEININGER & MCFARLAND, 2006).
É nesse sentido que esta categoria – O cuidado dos filhos ribeirinhos – as práticas do cuidado
materno - foi construída: conhecer as práticas de cuidado materno dos filhos ribeirinhos e, deste modo,
capacitar e incentivar a enfermagem a oferecer uma assistência culturalmente coerente com a realidade
ribeirinha. Muitas das práticas levantadas nos depoimentos e OPR, nesta categoria, são peculiares à
comunidade estudada e diferentes dos centros urbanos. Por isso é necessário um estudo sistemático de
maneira que as ações do cuidado de enfermagem propostas sejam coerentes com a realidade ribeirinha,
por vezes acomodando, repadronizando e, sempre que possível, preservando o valor cultural. Para
facilitar o desenvolvimento deste estudo sistemático das práticas de cuidado, os depoimentos das mães
ribeirinhas foram agrupados em duas subcategorias:
O cuidado materno em situações de adoecimento dos filhos: a mãe atendendo a necessidades
evidentes
O cuidado na alimentação e higiene dos filhos: a mãe atendendo a necessidades antecipadas
2.1 - O cuidado materno no processo saúde-doença: a mãe atendendo a necessidades evidentes
Leininger & McFarland (2006) se debruçaram sobre o assunto. De acordo com estes autores, cuidar
em situações de adoecimento do filho, ou de prevenção de doenças específicas, representa um
atendimento a uma necessidade evidente. Ou seja, a mãe, através do cuidado, procura promover a cura ou
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prevenção específica de alguma patologia diagnosticada por ela e que pode comprometer a saúde de seus
filhos.
Em Vila Nova Maringá identifiquei não só a presença de muitas doenças que acometem as crianças,
como desnutrição, desinteria, parasitoses e outras, mas uma carência de assistência de profissionais de
saúde. É num contexto como esse – permeado por uma carência de cuidado profissional – que a mãe
ribeirinha se apresenta como agente do cuidado tradicional e trata da saúde-doença. Ela não passou por
uma preparação específica para desempenhar essas funções mas, informalmente, adquiriu um saber de
seus familiares e das pessoas mais velhas, fez suas observações e adquiriu alguma experiência com os
profissionais. Teixeira (2001) já descrevera essa situação anteriormente. É ela, descreve a autora, com seu
saber popular, que realiza o diagnóstico e os sintomas, e cura seus filhos com medicação caseira ou
farmacêutica tradicional.
A observação é o método mais comum usado pelas mulheres para detectar alguma anormalidade na
saúde de seus filhos e diagnosticar a doença. As mães observam permanentemente as crianças e tomam
providências a certos sinais: quando o filho está quieto na rede, aceitando pouco o alimento, com olhar de
tristeza e chorosos. Os depoimentos de Maiara, Irani, Garaciaba e Yara ilustram bem a situação:
Do jeito que eles são danado, quando começarem a ficar na rede deitado, não ligar pra brincadeira,
é porque alguma coisa ta acontecendo, fico desconfiada... aí quando um já fica separado do outro
lá pela rede, deitado, dormindo é porque não tá muito bem não. (Maiara, 37)
Eu percebo assim porque quando eles tão sentindo alguma coisa, ou alguma dor, ou tão com
verme, quando eles tão com verme ou eles tão comendo demais, ou quando eles comem alguma
coisa eles sente ruim, ou então eles tão dormindo muito, quando eles tão sentindo alguma dor que
eles não querem me contar, eles ficam por ali triste, eu falo com eles, eles falam aquela voz
estranha. (Irani, 39)
Eles ficam triste assim, você vê que eles não tá alegre, eu já percebo que não tá nada bem. Eu
percebo, porque assim menino, eu acho assim esse meuzinho ele não gosta de ficar dormindo se
um dia ele for prá rede dele ir dormir, já sei que alguma coisa ele tem, eu já coiso assim, eu já
percebo assim, se ele tiver ali pela rede, não quiser levantar da rede, por ali, eu já sei que alguma
coisa tem, ou dor de cabeça, qualquer uma coisa tá com ele, eu percebo assim. (Guaraciaba, 26)
Percebo que ela é difícil quase chorar, ela não chora quase nada, quando ela tá assim ela dorme,
coisa mais difícil é ela dormir de dia, quando ela não tá se sentindo bem ela deita na rede e dorme,
acorda às vezes com febre, ela é muito difícil adoecer. (Yara, 18)
Baseado na observação dos filhos, algumas mulheres relataram, durante os depoimentos, os meios
que utilizam para a prevenção das doenças de modo empírico. Assim como Iracema, muitas mulheres
levam em conta até o clima para orientar o horário de banho nos filhos e evitar gripes:
Só dá banho neles, agora essa época de verão a gente não pode nem tá toda hora molhando né,
porque essa gripe, faz até mal tá toda hora molhando a criança, mais de manhã e de tarde, não
assim tarde porque de noite dá a gripe, eu até dou banho neles (Iracema, 36)
Piatá relata que para evitar a disenteria, dava algodão para os filhos morderem quando nasciam os
primeiros dentes:
Quando tava prá nascer, que a gente via que tava prá nascer os dentinho, eu dava algodão prá
criança brincar, prá morder né, ai não faz mal, não da dor de barriga nem nada, dava algodão prá
criança brincar, botava algodão prá ela morder né, prá não dá disenteria, porque tem criança que
quando vai nascendo dente vai dando muito disenteria e assim não, você da o algodão pra criança
brincar e não dá disenteria. É dava algodão pra morderem pra não dá a disenteria. (Piatá, 45)
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Já Cunhapora observa que o feijão faz mal a uma de suas filhas à noite:
Ela é fraca em todos os organismo dela, ela é fraca, até pra comer um feijão de tarde eu não gosto
dela comer feijão de tarde, porque o feijão é forte, no almoço tudo bem, eu deixo ela comer bem,
encharcar bem no feijão, mas de noite eu não quero. (Cunhapora, 46)
Do mesmo modo, Garaciaba observou que o café prejudica uma de suas filhas:
Essa minhazinha que tava pra Maués, o café eu já não dou pra ela, que não faz bem, nunca fez bem
o café pra ela, de manhã eu dou chá, eu dou leite, mas não dou café pra ela não, tem vez que ela
chora mas eu não dou, já faz mal pra barriga dela, não pode tomar café não. Da diarréia nela.
(Guaraciaba, 26)
Yara relatou que a filha só vai comer peixe após começar a andar. A medida, segundo ela, é uma
precaução contra o sapinho (candidíase):
Peixe, aí dá sapinho na boca, fica cheio de negocinho branquinho que a gente limpa, aquilo fica
tudo ruidinho. (Yara, 18)
Já Jaciaba e Garaciaba, por sua vez, relatam que o peixe pode causar desarranjo no intestino
(diarréia) da criança antes de um ano:
Não gosto de dá logo peixe antes de interar um ano porque desarranja a barriga, a criança fica
doente da barriga, defeca muito, toda hora fica fazendo coco, fica ruim da barriga. (Japira, 39)
Ele é bom o peixe, mas não pra criança muito pequena, ele estraga com a barriga, ele não é muito
bom não. O peixe às vezes da disenteria e diarréia, muito novinho pra criança comer assim, se for
muito também, tem que ver a qualidade do peixe, o peixe liso ele já é mais forte do que outros
peixe com escama. Ele dá assim, porque se alguma criança tiver alguma feridinha, alguma coceira,
deu o peixe liso ela inflama, tem outro tipo de peixe que o curumaxã, piranha, tem uns peixe muito
remoso, qualquer coisa assim, se tiver qualquer coisa no olho, se tiver tomando remédio pra
alguma coisa, já tiver sarando, uma tosse, uma coisa, se der, renova tudo de novo, aí por isso que
eu não dou esses peixes. (Guaraciaba, 26)
O cuidado fundamentado na cultura popular e oferecido pelas mães, informal e tradicional,
comporta crenças sobre a manutenção da saúde. Essas crenças são, normalmente, um conjunto de
diretrizes específicas para o comportamento correto para evitar a falta de saúde. De acordo com Helman,
as crendices incluem orientações sobre o modo saudável de comer, beber, dormir, vestir-se e conduzir a
vida, conforme os relatos de mães que prestam cuidados aos filhos em regiões ribeirinhas (HELMAN,
2009).
No momento em que as crianças adoecem, as mães também são as principais cuidadoras. É por
meio do uso exclusivo de medicação caseira, ou associada a medicação farmacêutica tradicional, que as
mães procuram promover a cura dos filhos. Devido ao difícil acesso aos serviços de saúde do Sistema
Único de Saúde, essa medicação farmacêutica quase sempre ocorre sem prescrição do profissional de
saúde.
Primeiro eu dou o remédio depois eu dou o chá, se não melhora aí eu dou o chá. (Potira, 20)
Potira conta que prefere dar o remédio farmacêutico antes dos chás e remédios caseiros, mas esta
ordem de prioridade no cuidado pode variar entre as mulheres. Muitas costumam utilizá-los
concomitantemente, conforme o relato de Iaciara:
Quando ela tá gripada eu faço chá pra ela de alho e de limão e dou com um AAS, quando ela tá
com febre eu faço isso também, às vezes quando ela tá com dor de barriga, fazendo coco toda
hora, eu sempre dou aquele Diazec® prá ela tomar. Chá de alho e de limão. (Iaciara, 20)
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Janaina, uma das matriarcas da comunidade, adota a utilização do remédio caseiro antes do
farmacêutico. Ela reconhece a necessidade de levar a crianças ao centro urbano de Maués no caso de a
patologia persistir:
Remédio caseiro quando dá prá remédio caseiro dá, quando não a gente manda logo pra Maués, aí
fica lá pro médico cuidar no hospital... Às vezes quando tava com garganta eu botava mel, mel de
abelha com essa Sufadiazina® que é uma pastilha muito boa, calmante, eu dava pra comerem
assim por causa de gripe, o mel pra criança com gripe. A dor de ouvido eu botava leite de peito
com esse trevo roxo, uma folhinha redondinha roxinha, escalda ela, espreme põe no algodão e bota
no ouvido da criança, qualquer pessoa é bom... Pra tomar banho morno, casca de taperebá; botava
n’água, dava banho neles quando custa a andar, pra não custar a andar, pra pegar força nas pernas,
botava no sol, já de tardinha e dava banho neles. Tirava o frio das pernas, da cadeira da criança, é
bom. (Janaina, 63)
Algumas mulheres, como Tingá, mencionam apenas o uso da medicação caseira no cuidado dos
filhos quando adoecem:
Às vezes a gente usa, chazinho de urichiparigórico, a plantinha né, ai tem hortelã também né, tem
vick, tem uns vickzinho docinho e tem uns que é quemoso. O urichiparigórico é bom prá dor de
estomago, prá enxaqueca né, quando a gente sente aquela enxaqueca no estomago, ele é bom pra
enxaqueca, o hortelã ele é bom assim prá dor de barriga, tem arruda, aqui tem arruda, arruda é prá
febre, às vezes a febre tá muito alterada, a gente faz aquele chazinho e dá, aí não precisa de
calmante prá botar mais não, só é aquele chá mesmo. A vick é prá chazinho, prá cheirar aquela
folhinha tem um cheiro igual daquele vick que vem em latinha, eu tinha das duas qualidades, do
quemoso e daquele docinho, só que do quemoso eu perdi, só tenho do docinho. (Tinga, 36)
A literatura existente registra a relação existente entre a sabedoria popular e a cura das doenças. É
sabido que a utilização de plantas medicinais é uma das mais antigas práticas populares em saúde,
advinda da sabedoria popular, conhecida predominantemente por mulheres, relata Atraíde et al. (2007).
Loyola (1984) constatou, inclusive, que essas práticas não ocorrem apenas em áreas rurais ou afastadas,
mas também nas áreas urbanas em todos os níveis sócio-econômico-educacionais. Segundo o autor, a
medicina popular é extensamente praticada e representa uma alternativa que faz concorrência à medicina
tradicional e científica.
Durante a coleta de dados procurei saber que plantas são usadas para a confecção de remédios
caseiros e qual a finalidade de tal uso. Descobri que diversas medicações citadas pelas mães ribeirinhas
são utilizadas no cuidado de doenças e/ou problemas específicos dos filhos. As informações, esmiuçadas
no quadro 13 adiante reproduzido, identificam o uso de 37 indicações vegetais para 17 doenças e/ou
problemas de saúde.
Alguns autores se debruçaram sobre as remotas origens da utilização de nossa flora. De acordo com
Estrella (1995), a história do uso das plantas medicinais na Amazônia remonta à ocupação da região pelos
aborígenes da selva. A presença do homem na região, registrada desde a mais remota antiguidade (cerca
de 10.000 anos), provocou o uso dessas plantas para satisfazer as necessidades das populações.
Desenvolveram-se, desde então, esquemas de exploração e manejo desses recursos, permitindo uma
adequada conservação do meio.
Teixeira (2001) acrescenta que há séculos várias plantas úteis são cultivadas para a alimentação e a
medicina, a construção de habitações, elaboração de tintura de vestimentas, confecção de ferramentas e
utensílios, além da produção de estimulantes e alucinógenos utilizados em rituais cerimoniais mágico-
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religiosas. O registro histórico do uso destes vegetais surge com os primeiros cronistas da invasão
européia. Muitas incursões, ocorridas nos séculos XVI e XVII, eram exclusivamente para tratar de
encontrar as prometidas riquezas e as drogas da mata. E até hoje, segundo a autora, a flora local é usada
para a obtenção de venenos utilizados em armas.
Utilizei como fonte de consulta alguns repertórios e trabalhos de catalogação de plantas medicinais
da Amazônia (ESTRELLA, 1995; BERG, 1982; BERG et al, 1987; DISTASI et AL, 1989; RIBEIRO,
1999; VIEIRA, 1992). Comparei os dados ali contidos com os nomes populares referidos pelas mulheres
e constatei que as partes utilizadas das plantas – e seu uso terapêutico indicado para os respectivos
problemas de saúde - estavam de acordo com o estabelecido nas respectivas fontes consultadas.
Quadro 13 – Relação de medicação caseira e indicação segundo as mães ribeirinhas
Vegetal utilizado
Indicação
ANEMIA
Abacate
Carajituba
Cipoquira
Tuá
Açaí
Cupunha
Cará
Abacate
Parte utilizada
Modo de uso
FOLHA
FOLHA
FOLHA
FOLHA
RAIZ
RAIZ
LEGUMINOSA
FOLHA
XAROPE
FOLHA
FOLHA
CHÁ
FOLHA
CHÁ
FOLHA
FOLHA
CASCA
CHÁ
SUMO
ÁGUA
INGERIR
FOLHA
FOLHA
CHÁ
FOLHA
CHÁ
FOLHA
SOLUÇÃO
CASCA
BANHO
FRUTO
CASCA
FOLHA
FOLHA
CHÁ
SEMENTE
SEMENTE
IMPLASTRO DO
PÓ
LEGUMINOSA
GARRAFADA
FOLHA
CHÁ
CHÁ
AZIA E CÓLICA
Hortelã
Elexir Paregórico
CALMANTE
Erva cidreira
DIARRÉIA
Diazec
Capim santo
Caju
DISENTERIA
Coco
DOR
Ardósia
Melhoral
DOR DE CABEÇA
Anador
DOR DE OUVIDO
Trevo roxo
FAZER A CRIANÇA ANDAR
Taperebá
FEBRE
Alho
Limão
Ardósia
Arruda
FERIDAS
Abacate
Amor crescido
FORTALECIMENTO DA CRIANÇA E
COAGULANTE
Batata
FLATOS
Erva doce
GRIPE
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Alho
Limão
Jucá
Manga
FRUTO
CASCA
CASCA
CASCA
CHÁ
XAROPE
LIMPEZA DOS DENTES
Cedro
Café
CARVÃO
BORRA
TÓPICO
PALHA
PALHA
CHÁ
SEMENTE
IMPLASTRO DO
PÓ
SARAMPO
Cana
Milho
SECAR O COTO
Taperebá
Fonte: entrevistas
As plantas que foram mencionadas compondo algumas receitas de remédios caseiros estão
discriminadas no quadro 14 aqui apresentado.
Quadro 14 – Receitas com plantas utilizadas pelas mulheres
Receita
Chá de alho com limão
Chá de folha de abacate com cará
Xarope de folha de abacate com folha de carajituba, folha de cipoquira, folha de tuá, raiz
de açaí, raiz de cupunha mais açúcar
Chá de palha de cana com palha de milho
Gotejar no ouvido trevo roxo escaldado com leite materno
Xarope de casca de jucá, casca de manga com açúcar
Fonte: entrevistas
Indicação
Gripe e Febre
Anemia e malária
Anemia
Sarampo
Dor de ouvido
Gripe
Chamamos de setor informal o espaço no qual as mães – detentoras de um saber leigo, não
profissional e não especializado – diante do pouco acesso aos sistemas de saúde colocam em prática
atividades de cuidado nas comunidades ribeirinhas. Esse setor inclui todas as opções terapêuticas a que as
pessoas recorrem sem pagamento e sem consulta a provedores tradicionais ou praticantes da medicina.
Ainda nesse contexto, a principal arena da assistência à saúde é a família. A maior parte dessa assistência,
assim, se dá entre pessoas que estão ligadas entre si por laços de família, conforme acontece no cuidado
materno (HELMAN, 2009).
Também é possível encontrar em Vila Nova Maringá uma outra modalidade de cuidado no processo
saúde-doença: o setor popular de cuidado. Nesse segmento, frequentemente encontrado em sociedades
não-industrializadas, certos indivíduos especializam-se em formas de cura sagradas ou seculares ou numa
mistura de ambas. Esses curandeiros não pertencem ao sistema médico oficial e ocupam uma posição
intermediária entre os setores informal (praticado pela mãe, por exemplo) e profissional. Existe grande
variação nos tipos de curandeiro popular em qualquer sociedade – desde especialistas puramente
seculares e técnicos (como indivíduos que curam ossos quebrados ou deslocados, parteiras, pessoas que
tiram dentes ou herboristas) até curandeiros espiritualistas, clarividentes e xamãs (HELMAN, 2009).
Na comunidade em questão encontrei uma herborista, uma parteira, indivíduos que curam
desmentidura (osso deslocado), e dois curandeiros espiritualistas (benzedor). Jurema, mãe e herborista
conta, na entrevista, como aprendeu a cuidar utilizando ervas:
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Isso aí não aprende, eu trouxe comigo mesmo, eu trouxe comigo mesmo, aprendi comigo mesmo...
Desde quando eu comecei a ter filho, foi sempre fazendo remedinho prá lá, remedinho pra cá, aí
foi, aí aprendi a fazer esses outros remédios pra criança tomar, pra mim às vezes eu faço, pros
outros quando vem me procurar eu faço, eu faço pros outros, remédio, xarope, chá... Ah, porque a
mamãe, a vovó com a mamãe ela me dizia quando eu tivesse meus filhos eu ia aprender fazer
remédio, qualquer uma coisa eu tinha que fazer. (Jurema, 40)
Jurema utiliza o cuidado tradicional com técnicas usadas por agentes populares, orientada por uma
tradição oral, cultural e de base experimental, de modo não invasivo, produzindo remédios caseiros que
curam seus filhos e outros da comunidade (TEIXEIRA, 2001).
Atualmente, a única parteira da comunidade é dona Piatá. Ela conta que aprendeu com seu esposo,
o antigo parteiro da comunidade, os cuidados da prática de partejar.
Era ele mesmo que fazia o parto de todas, agora não, agora já eu que partejo as mulherada. Quando
não vão pra cidade, sou eu mesmo que partejo por aqui mesmo. Partejar é ter cuidado com a
criança quando vem nascendo, a gente ter o cuidado de a criança não se afogar. Às vezes a criança
nasce encapada, eu já tenho assistido assim umas crianças que nasceram encapadas, aquela capa aí
o bichinho fica sufocado, eu tenho que rasgar aquela capa prá poder ele sair fora no mundo, é
interessante, eu já partejei três assim encapadas. E outros eu partejei com o umbigo da criança
laçado pelo pescoço da criança, aí na hora que ele nasce tem que tirar logo o umbigo do pescoço,
aí ele não pode se esticar, o bebê, ele fica encolhido assim, porque fica o cordão, aí ele não pode se
esticar, tem que tirar prá ele poder se desenvolver, prejudica o umbigo dele, às vezes estufa o
umbigo. E a placenta quando nasce a gente enterra. A gente corta o umbigo e enterra aquele resto
lá, pro bicho não comer, porque a gente joga lá na fossa não presta, vai apodrecer e nem a gente
fica lá, aí a gente cava um buraco fundo aí enterra que é pra o bicho não comer. É pro bicho não
comer, por causa do bicho mesmo. O urubu, o urubu come, o bicho mais perigoso que tem por
aqui é o urubu, o cachorro, o gato mesmo pode comer, ai a gente enterra pra não comer o resto da
gente. (Piatá, 45)
Rosilda Chamico (2004) desenvolveu em sua tese de doutorado o tema “Práticas culturais das
parteiras tradicionais na assistência à mulher no período grávido-puerperal”. O trabalho clarificou que os
rituais e os procedimentos sistemáticos, utilizados pelas parteiras durante o processo grávido-puerperal,
têm o objetivo de ajudar no enfrentamento do “novo” e na redução da incerteza durante o processo de
nascimento. De acordo com a autora, as parteiras não só auxiliam as mães nos primeiros cuidados
maternos prestados ao neonato, mas assumem o papel de conselheiras delas nos primeiros procedimentos.
É necessário assim, ainda segundo Chamico (2004), respeitar essas parteiras, pois são elas que socorrem a
gestante em lugares onde não há assistência médica, realizando práticas de cuidado que são transmitidos
de geração em geração, como um legado eterno.
Diante do cuidado materno e da presença de parteiras não basta ao enfermeiro ser científico. Ele
(o profissional) precisa ter uma visão holística, dando crédito aos saberes populares das parteiras, suas
crendices e rituais, para que ambos possam oferecer às mulheres no período de parto e pós-parto um
cuidado adequado à sua realidade cultural (Leininger & McFarland, 2006). E, quando necessário,
interligar os saberes científico e popular, entre o profissional de saúde e a parteira. É possível, portanto,
capacitar as parteiras, respeitando suas crendices e ritos (BRASIL, 2000).
A desmentidura é um mal que, segundo as mães, é constante na vida da criança, principalmente o
recém-nascido. Sua cura exige um especialista puramente secular em desmentidura. Durante a pesquisa,
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observei dois homens especializados em curar aquilo que o saber formal chama de problema ortopédico.
Piatá explica, aqui, como a desmentidura ocorre e quais são os sinais observados pela mãe para
diagnosticar o osso deslocado:
Às vezes desmente né, que tem um ossinho fraco, aí desmente, aí já sabe que é uma dor que ele tá
sentindo, mas é difícil. Desmente, às vezes descoloca um ossinho assim da criança, até dum grande
mesmo às vezes a gente sente, é a desmentidura falada. Porque a criança ela é molinha, ela é
verdinha, então se você pegar ela de mau jeito, dá mal cheio em qualquer um ossinho né, numa
costelinha, um bracinho mesmo às vezes pode descolocar a gente sabe às vezes como é que é
porque aí, se for uma costelinha aqui o braço dele não pode movimentar o braço né, se for uma
costelinha ele puxa fôlego dói, aí ele chora né, a gente percebe se for isso aí, e quando a gente
suspira a gente sente a dor, a gente percebe na criança assim. (Piatá, 45)
Nas entrevistas é comum observar mães dando razões místicas para as doenças, um fato comum a
lugares não-industrializados (HELMAN, 2009). É comum ouvir, entre os ribeirinhos da comunidade,
sobre essas doenças que acometem as crianças. No quadro 15 estão dispostas as doenças e as causas
místicas, segundo as entrevistas:
Quadro 15 – relação de doenças com causas místicas.
Doença
“mau olhado de bicho”
“quebranto”
Sintomas
“a criança fica só dormindo,
com ferida na boca, não come
nada”
“a criança vive fazendo coco,
um coco meio verdinho, fica
assim quebranto”
Causa
“quando a pessoa vai menstruar assim na
beira o bicho sai da água. E tem bicho que
se agrada de criança e dá mau olhado”
“gente com olho grande olha a criança”
Fonte: entrevistas
Além dessas duas doenças muito comuns na infância, e que, segundo as mulheres, têm causa
mística, Janaina descreve um terceiro mal: a praga que a filha recebeu e que a levou a adoecer:
Essa outra filha também quase ela morre... jogaram uma praga prá ela que Deus me livre, quase ela
morre, ela adoeceu, eles foram pra Maués, quando ela veio de lá ela tava muito fininha, essa
menina veio com a cabeça cheia de tumor que não tinha lugar pra botar e fui eu quem cuidei,
chorava, chorava, chorava a criatura, tava mais morta do que viva. (Janaina, 63)
Diante de uma dessas patologias o único meio de cura, segundo elas, é através da reza realizada
pelo benzedor, ou seja, o curandeiro espiritualista. Como vemos na fala de Yara e Tinga:
Um dia um filho da mamãe quase morre com mau olhado, só queria tá dormindo, dormindo,
dormindo, aí fomos chamar o papai ali na casa dele em Itacuruçá, um dia sei que o homem dali
benzeu, o papai benzeu, que ele não tava agüentando não, não comia nada de comida na boca,
ferida na boca que só. (Yara, 18)
Ah pro rezador eu sempre levava, às vezes o que mais dá assim é quebranto, aquele negócio que
dá na criança, leva assim pra benzer, daí eu sempre mandava benzer às vezes, mas era difícil, não
era toda vez não. (Tinga, 36)
Já na opinião de Loyola (1984), o jogo com as diferentes possibilidades terapêuticas e religiosas
constitui-se num sistema de defesa coletivo frente aos processos de imposição da racionalidade e
legitimidade da medicina científica moderna. Esta última não contempla a dimensão metafísica, como
acontecem nas práticas populares de cura. E deste modo, Vila Nova Maringá desenvolveu práticas
populares de cura que auxiliam as mães no cuidado dos filhos diante do processo saúde-doença.
2.2 - O cuidado na alimentação e higiene dos filhos: a mãe atendendo a necessidades antecipadas
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O cuidado na alimentação e higiene dos filhos é uma prática frequentemente citada pelas mães
como um meio de atender a uma necessidade antecipada, um meio de promover bem-estar e, em alguns
casos, evitar doenças de um modo geral, sem a especificidade com que foi apresentada na subcategoria
anterior. Durante minha vivência na comunidade, observei que a preocupação das mães em evitar o
processo de adoecimento dos filhos passa quase sempre pelo modo como alimentam as crianças e a rotina
de higiene observada.
Os depoimentos das mulheres ribeirinhas de Vila Nova Maringá indicaram, inclusive, que a
preocupação com a alimentação se manifesta desde o nascimento do filho e tem características peculiares.
Esse é um fenômeno está presente em outras culturas, conforme o testemunho de autores que se
dedicaram ao tema. O cuidado e a alimentação dos bebês, lembra Helman (2009), é uma das
preocupações centrais de qualquer grupo humano. Contudo, existem grandes diferenças nas técnicas de
alimentação dos bebês, na utilização do seio materno, da mamadeira ou de alimentos artificiais. Kenner
(2001), por sua vez, assinala que a amamentação pode ter inúmeras influências culturais. A administração
do colostro e do leite maduro pode variar segundo a geografia e a cultura.
Não diferente de outras culturas, Vila Nova Maringá apresenta diferenças na técnica de alimentação
dos bebês, principalmente quando se trata de recém-nascidos. Na comunidade é comum à maioria das
mulheres administrar chá de hortelã – Mentha Villosa Huds – ao recém-nascido (RN). Essa prática de
cuidado é adotada por elas com a finalidade de prevenir doenças e promover o bem estar dos RN. Janaina,
uma das matriarcas da comunidade, explica que o chá serve para a limpeza do intestino, cumprindo,
assim, um papel profilático:
Depois que nascia ela dava chazinho, dava remédio caseiro para dar para criança, ela dizia que era
bom prá limpar o intestino da criança; às vezes já nasce com problema, aí ela dava, depois que a
gente dava o peito. Chá de hortelãozinho uma plantinha que tem, a gente dava prá eles todinho. No
mesmo dia prá tarde assim mamava. (Janaina, 63)
Jurema, por sua vez, descreveu a maneira como esse chá deve ser dado à criança:
Tem por exemplo hoje à noite, quando não tem o leite do peito faz um chá, eu tenho a planta que
faz o chá prá criança, eu tenho ali, o hortelãozinho a gente pega, faz o chazinho, prá ele já ir
bebendo, põe na mamadeira, eles vão mamando até criar o leite no peito da gente, quando cria o
leite no peito a gente dá assim o chá, mas não é assim como era. Já tem o leite no peito, já é prá dar
prá criança; aí vai tomando, mamando, mamando, aí o chá a gente já tira, pra não mamar no chá.
Dá o chá primeiro, porque vai lavar o peito com álcool, com água morna, aí o chá a gente dá pra
criança, esfria, põe na mamadeira e põe prá criança mamar, é de dia ou é de noite quando a criança
nasce mama o chá, mama hoje, amanhã e quando criar o leite tira do chá e põe só no peito até
completar o tempo de amamentar de tirar da mama. (Jurema, 40)
De acordo com o conhecimento científico, lembra Kenner (2001), o colostro é um fluido seroso e
fino, produzido até 96 horas após o parto, com altas concentrações de proteínas, vitaminas lipossolúveis,
minerais e imunoglobulinas que funcionam como anticorpos para o recém-nascido. Por isso, acrescenta o
autor, o colostro deve ser administrado logo após o parto. Atualmente sabe-se que o colostro amadurece
em leite rapidamente, e essa descoberta ajudou a refutar a teoria de que a freqüência do aleitamento
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deveria ser limitada até que o leite maduro surgisse. Contudo, em algumas culturas os bebês nunca
recebem o colostro.
No quadro 16 estão distribuídos países com suas respectivas práticas de amamentação,
exemplificando que o aleitamento materno é uma prática muito influenciada pela cultura local.
Quadro 16 – relação de países com diferentes práticas de amamentação
Países
Finlândia
Colômbia
Tailândia
Nova Guiné
Filipinas
México
Vietnã
Nigéria
Coréia
Quênia
Austrália
Nova Zelândia
China
Prática
Onde não se fabrica qualquer fórmula alimentar infantil, a amamentação é regra.
Reverteram o recente declínio na amamentação por meio da promoção vigorosa do
aleitamento materno.
Alguns deles não dão colostro aos recém-nascidos; nesses grupos as mães só
começam a amamentar após o começo da ejeção do leite.
Algumas mulheres coreanas retardam a amamentação até 3 dias após o parto; outras
começam a amamentar imediatamente e amamentam sempre que a criança chora.
As mães alimentam os recém-nascidos prematuros apenas ao seio e começam a
amamentar muito mais cedo que na América do Norte. Os quenianos nunca usam
tubos de gavagem e alimentam os recém-nascidos prematuros com pequenos copos
até que eles estejam aptos a sugar.
A amamentação ainda é comum, contudo, à medida que mais mulheres saem de casa
para trabalhar nesses países, o índice e a duração da amamentação vêm caindo.
Nas primeiras 12 a 24 horas após o nascimento, a mãe e o bebê são separados. A
amamentação é estimulada e continuada por 4 a 5 anos.
Fonte: KENNER, 2001.
Vila Nova Maringá não é diferente de outras culturas e tem suas características próprias quanto à
prática da amamentação. Na comunidade, o chá de hortelãozinho é o primeiro alimento que o recémnascido recebe, substituindo o colostro no primeiro dia pós-parto. Segundo as mulheres, existe a crença
de que o chá pode “limpar” o intestino da criança. Por isso, o profissional enfermeiro envolvido com o
cuidado da saúde materno-infantil deve ficar atento a um detalhe: o de que existem não só culturas
diferentes daquela por ele vivenciada, mas conceitos sobre a amamentação igualmente diferentes dos
preconizados pelo modelo biomédico.
O chá de Mentha Villosa Huds (hortelã) tem ação comprovada e recomendada pela ciência em
casos de gripe, como anti-helmíntico e estimulante do apetite, tendo ação sobre o intestino (ATAÍDE,
2007). O uso da erva em si não acarreta prejuízos ao recém-nascido, mas é necessário conhecer a
procedência da água utilizada no chá e o recipiente em que a bebida é administrada, até porque a maioria
(62,5%) das mulheres utiliza a água do rio no preparo dos alimentos dos adultos e crianças. O profissional
de saúde precisa saber, por exemplo, se todas as mulheres que administram o chá a seus filhos observam
os mesmos cuidados seguidos por Tingá:
Fervia a água né, era água do rio mesmo aí, mas aí tirava água do rio mesmo aí, aí tirava né, fazia
aquelas panelada prá ferver, botava nas vasilha, deixava esfriar, aí repassava, colocava o cloro
dentro e botava assim, prá fazer de mamadeira. (Tinga, 36)
Ricci assegura que a capacidade demonstrada pelo recém-nascido diante das forças ambientais
hostis é essencial para sua sobrevida. E que o desenvolvimento do seu sistema imunológico tem origem
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no começo da própria gestação, mas muitas respostas não funcionam adequadamente durante o início do
período neonatal. Uma fonte importante de IgA, a imunoglobulina, que protege o sistema gastrointestinal
do recém-nascido, é o leite materno, de modo que se acredita que o aleitamento materno tem vantagens
imunológicas importantes (RICCI, 2008).
Dotado de um sistema imune ainda imaturo, o recém-nascido, assim, necessita de cuidados
especiais na administração de alimentos que não seja o leite materno. No caso específico de Vila Nova
Maringá, onde o chá de hortelã é usado com frequência, é importante que a população tome cuidados de
higiene durante sua preparação. É importante também conscientizar a mãe sobre a importância do
colostro na dieta do recém-nascido, de maneira que, assim que possível, as duas práticas caminhem juntas
em prol de um cuidado cultural saudável.
O uso do chá de hortelã não é uma prática de alimentação diária do recém-nascido no universo
pesquisado. É que no mesmo dia do nascimento, após administrar o chá, as mães dão início à
amamentação. A amamentação exclusiva entre as ribeirinhas, no entanto, ocorre em media até o sexto
mês. Piatá conta porque parou o aleitamento exclusivo e introduziu outros alimentos na dieta dos filhos:
E quando eles tão com uns quatro, cinco meses já que eu acostumava dar assim suco né, um suco
só, e quando chegava o tempo deles mamarem a papa, eu fazia a papinha prá eles mamarem.
Quando eles tava com cinco meses assim, chorava muito, chorava, chorava, chorava, aí eu
pressentia que ele queria alguma coisa mais grossa que o peito, aí eu fazia a papinha prá eles, dava,
aí eles dormiam, aí eu ia trabalhar, prá poder ter o tempo de trabalhar, assim eu fazia prá eles, prá
todos. (Piatá, 45)
Na fala de Piatá identificamos como a observação da mãe funciona como instrumento para avaliar a
necessidade de o filho receber complemento alimentar. Além da sensibilidade e da experiência materna,
que orientam as mães nesses casos, constatei, na maioria dos depoimentos, que o uso de alimentos
artificiais para os bebês é uma prática comum naquela comunidade ribeirinha. O próximo quadro (17)
discrimina as “massas” (alimentos artificiais) usadas pelas mães no desmame dos filhos e quantas delas as
utilizam.
Quadro 17 – relação de alimentos artificiais utilizados na dieta dos bebês ribeirinhos.
“massa” (alimento artificial)
Mucilon®
Cremogema®
Leite Ninho®
Nestrogeno ®
Maisena®
Neston®
Nutrilon®
Fonte: entrevistas
Número de mães
06
04
03
01
01
01
01
Piatá foi uma das entrevistadas que demonstrou ter idéia formada sobre a necessidade de o filho
receber outro alimento além do leite materno. Ela declinou inclusive os tipos de massa (alimentos
artificiais) que utiliza na papa (mamadeira) dos filhos após seis meses:
Pra todos eles eu fazia da mesma forma. Essa papinha era de massa, a gente comprava a massa pra
fazer, Cremogema®, a Maisena® mesmo, depois quando tava mais graúdo aí comprava o
Mucilon®, o Nutrilon® dava prá eles com leite. (Piatá, 45)
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Já Guaraciaba, ao revelar os alimentos que utiliza nas mamadeiras, destacou que procura comprar
leite de qualidade para os filhos mais novos:
Eu só dou o leite e a massa prá ele. Olho também a qualidade da massa e do leite né, não é todo
leite, eu só dou leite Ninho® prá ele e massa eu só dou Mucilon® de arroz, não dou outra massa
(Guaraciaba, 26)
As técnicas de propaganda e a consequente entrada de alimentos artificiais nas dietas das crianças é,
infelizmente, um fato comum a lugares subdesenvolvidos em todo o mundo. O fenômeno já foi inclusive
registrado por Helman (2009). Em Vila Nova Maringá não é diferente. Embora as mães não consigam
comprar cesta básica suficiente para todo o mês, elas se preocupam e separam dinheiro para adquirir, no
mínino, leite e “massa” para os filhos mais novos que estão em fase de desmame.
É pesada a campanha publicitária em favor da mamadeira, promovida pelos fabricantes de
alimentos artificiais para bebês. Essa mudança na dieta infantil em lugares pobres tem sido muito
criticada porque retiram dos bebês as vantagens nutricionais proporcionadas pelos alimentos naturais
nesta fase de desmame. As conseqüências são bastante conhecidas: o aumento dos perigos da má nutrição
e os riscos das doenças diarréicas. Até porque em lugares como Vila Nova Maringá, as mães não dispõem
de recursos para preparar adequadamente os alimentos dos bebês, com água tratada e mamadeiras limpas.
Esses aspectos, segundo Helman (2009) aumentam, portanto, o risco de seus filhos desenvolverem uma
infecção do trato gastrointestinal.
Janaina foi uma das poucas mulheres entrevistadas que utilizavam alimentos naturais no desmame.
Ela disse, no entanto, que essa não era uma rotina e que tinha o costume de utilizar, paralelamente, o
alimento industrializado quando o companheiro comprava:
Dava a massinha prá eles, fazia a massa de macaxeira, tirava a macaxeira, ralava, nós cortava
miudinho, botava prá secar e pilava bem fininho, e quando ia fazer botava na água e coava no pano
e ia fazer a papinha com leite e açúcar, se não o pai deles comprava massa prá eles comerem.
(Janaina, 63)
Jurema foi a única ribeirinha que relatou não ter condições de comprar o alimento artificial e, por
isso utilizou, no desmame dos filhos, somente alimentos naturais. Alguns dos alimentos citados por ela,
no entanto, não agregam valor nutricional algum, como o café e o chá, fazendo com que a criança chore
de fome por cerca de quatro dias:
Às vezes faço um mingauzinho, eu dou de tarde prá criança, quando for a janta eu dou um
chazinho, eles tomam e vão dormir, porque aqui é difícil comprar esse negócio de leite, qualquer
massa prá criança aqui é muito difícil, aí vão bebendo um mingauzinho, um café, um chá, aí vai
passando, ainda choram com dois dias choram, com uns quatro dias pronto, já não choram mais
pra mamar. (Jurema, 40)
O desmame completo costuma ocorrer na comunidade entre o primeiro e o segundo ano de vida da
criança. A mudança da dieta é gradual, de líquido pastoso a sólido. As mães falam sobre essa transição do
ponto de vista empírico, conforme demonstra Jaciaba. Ela explica que o intestino da criança, após o
desmame, ainda é “fraco” e merece essa mudança gradual de dieta:
Com mais de ano, um ano e dois meses, um ano e três meses, aí conforme, mas é só com mais de
ano, eu nunca dei assim só com 8 meses, 6 meses, eu nunca dei comida pra eles, quando intera
mais de um ano. A comida é assim, eu faço a comida mais fraquinha pra dar, porque o intestino
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dele ainda não é muito forte ainda, é meio fraco, uma sopinha, eu coloco uma verdura, dou pra ele
ir tomando caldinho de feijão, só aquele caldo mesmo, então é assim que eu faço, aí depois eu
começo a dar peixinho prá eles, depois. (Jaciaba, 38)
Embora o peixe faça parte da rotina alimentar dos ribeirinhos de Vila Nova Maringá, as mães
evitam dar este alimento ao RN no período do desmame. Elas acreditam que o peixe é prejudicial à saúde
porque acelera o processo inflamatório, causa diarréia, disenteria e “sapinho” (candidíase bucal).
Garaciaba e Yara assim justificaram a decisão:
Ele é bom o peixe, mas não prá criança muito pequena, ele estraga com a barriga, ele não é muito
bom não. O peixe às vezes dá disenteria e diarréia, muito novinho prá criança comer assim, se for
muito também, tem que ver a qualidade do peixe, o peixe liso ele já é mais forte do que outros
peixes com escama. Ele dá assim, porque se alguma criança tiver alguma feridinha, alguma
coceira, deu o peixe liso ela inflama, tem outro tipo de peixe que o curumaxã, piranha, tem uns
peixe muito remoso, qualquer coisa assim, se tiver qualquer coisa no olho, se tiver tomando
remédio pra alguma coisa, já tiver sarando, uma tosse, uma coisa, se der, renova tudo de novo, ai
por isso que eu não dou esses peixes. (Guaraciaba, 26)
Peixe, ai dá sapinho na boca, fica cheio de negocinho branquinho que a gente limpa, aquilo fica
tudo ruidinho. (Yara, 18)
Após o período de desmame, a alimentação da criança é igual a do adulto, predominando, a partir
de então, a farinha e carne de caça ou pesca. Esporadicamente, algumas famílias conseguem comprar
arroz e feijão. Irani ainda expõe a dificuldade em conseguir verduras:
Hoje, a alimentação deles é... se acostumaram a comer farinha, carne, peixe, feijão e arroz quando
tem. Alimentação mesmo pouca, pouca verdura por causa que aqui no interior prá gente consegui
uma verdura parece uma batalha mesmo né. (Irani, 39)
Outra prática de cuidado que visa atender a uma necessidade antecipada, é a higiene dos filhos.
Muitas mulheres citam a higiene como uma prática que pode evitar doenças. Segundo Helman (2009), a
limpeza pode ser um rito, quando se traduz numa forma de comportamento repetitivo que não tem um
efeito técnico explícito e direto, com função protetora física do corpo. Pois esse rito, embora realizado
com propósitos rituais, pode eliminar impurezas e bactérias, promovendo a higiene física. Quando a mãe
pratica a limpeza com o propósito de efeito físico específico, de limpar e proteger o filho, esta assepsia
deixa de ser considerada um ritual. Durante as entrevistas observei também que algumas mulheres tinham
a higiene como um rito e outras conheciam e atribuíam importância ao efeito físico específico da limpeza.
A limpeza dos filhos é um hábito de higiene diário na prática do cuidado materno. Entre outros
momentos de limpeza se destacam o banho no rio e o “asseio”, termo utilizado por elas para denominar a
limpeza dos membros inferiores com um pano úmido. O banho de rio é dado pelas mães nas crianças
menores, até a idade em que elas consideram o auxílio necessário. Algumas delas procuram dar o banho
também nas crianças maiores pelo menos uma vez por semana. Garaciaba chama esse procedimento de
um banho mais reforçado:
Eu limpo eles, é eu mesmo que eu dou banho neles... esse maior não é todo dia que eu dou banho
nele, mas de três em três dias eu pego ele pra esfregar porque ele pula n’água, ele fica muito sujo.
(Guaraciaba, 26)
Os banhos ocorrem geralmente na parte da manhã e o asseio pela tarde. A escolha dos horários está
relacionada com a prevenção de doenças, conforme indicam as falas de Iracema e Yara:
Aqui por causa dessa “climação”, o que mais tem é negocio de gripe, não sabe o que é inverno e
verão. Agora essa época de verão a gente não pode nem tá toda hora molhando né, porque essa
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gripe, faz até mal tá toda hora molhando a criança, mais de manhã cedo antes das 11 horas eu dou
banho e de tarde antes das 3 horas eu asseio eles. (Iracema, 36)
De tarde assim, eu não dou banho nela tudo não, só pra mim assiar ela, pelas pernas, não molho
mais a cabeça dela não, tenho medo de ela ficar gripada, agora de manhã não, ela gosta de tomar
banho de manhã, ela gosta de uma água (Yara, 18)
O banho de rio é uma rotina na prática de cuidado materno oferecido aos filhos, mas que traz muita
preocupação às mães. Durante as entrevistas, as mulheres levantaram as características do rio que banha a
comunidade. Segundo elas, o rio Parauari, pela importância que tem na vida local, demanda atenção
permanente e cuidado materno.
O rio de águas escuras é fonte de bem-estar na medida em que fornece água para o banho e o
preparo da alimentação da população. Mas, por outro lado, esconde perigos que preocupam as mães, pois
abriga cobras, jacarés e arraias que podem matar os filhos de modo rápido e surpreendente. Além disso, a
possibilidade de afogamento também gera preocupação permanente. Garaciaba ilustra o medo que sente
pelo rio a partir da recente história de uma mãe que perdeu o filho devorado por um jacaré:
Eu tenho medo deles pularem n’água, porque uma conversa puxa outra, aqui nesse rio mesmo, não
aqui nessa comunidade, mas numa comunidade mais ali em baixo, o jacaré ano passado comeu
uma criança, de perto da mãe, tava em cima da ponte, a mãe desceu pra dá banho nos dois
meninos, aí deu banho, quando o filho sai d’água ele pegou ficou na pontinha da ponte, o jacaré
levou, ano passado numa comunidade logo ali próxima, logo ali em baixo, ali baixo um
pouquinho. O jacaré comeu ele de dia do lado da mãe dele, muito triste, chocou muito, eu tenho
medo por isso, porque a gente não sabe o que tem nesse rio, tem sucuri jú, tem jacaré, tudo isso
eles come, e eu já não gosto deles ficarem aqui, meu medo é esse. (Guaraciaba, 26)
Apuã é mãe de filho único, de dois anos, e também vê o rio como fonte perigos permanentes:
A preocupação que eu tenho com ele, é não deixar ele ir pra beira, porque ele não sabe nadar,
tenho medo de bicho. (Apuã, 19)
Embora a maioria das mães experimente a sensação do medo, elas não podem isolar os filhos do
rio. Por isso, adotam certas precauções para protegê-los. Um dos procedimentos adotados é evitar que a
criança vá desacompanhada até o rio. O depoimento de Yara ilustra bem a situação:
A minha preocupação é de deixar ela assim sozinha, ela vai pra beira, eu me esquecer dela, ela
pode ir prá beira né, a gente tem sempre que ficar prestando atenção, que se não ela pode ir prá
beira... Ela vai chegando querendo pular pra dentro d’água, aí eu agarro ela e dou banho nela, às
vezes ela chora prá poder ficar lá mais, eu não deixo não, tenho medo dela se afogar. (Yara, 18)
Os perigos do rio transformam o banho, assim, numa prática eivada de medo que, por sua vez,
desenvolve, nas mães, uma prática de proteção naturalmente associada à prática rotineira. Segundo
Winnicott (2006), a criança necessita de proteção desde o nascimento para se desenvolver. Em Vila Nova
Maringá, a preocupação com a segurança dos filhos e o ato de proteger estão presentes diariamente. A
diferença é que são redobradas, ao contrário do que ocorre nos grandes centros, durante situações
comezinhas como o banho da criança.
Além do banho de rio e do “asseio” diário, a mãe precisa fazer a limpeza dos filhos após as
eliminações vesicais. Para compreender essa prática é necessário conhecer um pouco a utilização da fossa
no dia-a-dia ribeirinho. A fossa é o destino das fezes e urina de todas as entrevistadas. De acordo com as
ribeirinhas, a criança que ainda não usa a fossa para evacuação e micção demanda cuidados de
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responsabilidade materna. Iracema conta que é comum as eliminações vesicais acontecerem na roupa ou
na fralda de pano. Nesta fase a criança, portanto, depende da mãe para a higiene:
Agora o menor, quando está pequeno ainda assim não saber ir lá à fossa, faz na fralda ou na
roupinha aí tem que tá limpando, quando é a na fralda a gente tira e põe lá na fossa. (Iracema, 36)
O momento de transição do uso da fralda para o bacio ou fossa é determinado pelas mães de
diversas formas. Iracema diz que a transição acontece na
Idade de dois prá frente, sabendo andar já sabe se dirigir ao banheiro (Iracema, 36)
Para Jaciaba essa transição da fralda para o bacio deve ocorrer quando a criança começa a falar:
Quando eles são pequenininha primeiro logo é no bacio, aí depois vai pro banheiro, aí eu vou
levando eles como é que é, fazer assim, aí eles já vão aprendendo... Porque assim eu vou logo
ensinando, dando aquelas instrução deles falarem, como que é, e eu vou ensinando e ensinando,
vão aprendendo. Aí eles vão aprendendo, vão falando que querem. (Jaciaba, 38)
Maiara utiliza a observação dos próprios filhos para lidar com a transição:
Sempre, eu observava na hora que eles tavam querendo fazer xixi, fazer coco, perguntava, botava
eles, levava eles, começava a ensinar prá eles como é que era, aí eles foram aprendendo, iam
aprendendo, toda vez um ia crescendo a gente ia ensinando... Primeiro foi no bacio, botava eles pra
fazer no bacio até uns dois anos, com dois anos que ele já começa a andar direito aí já vai
ensinando aos pouquinhos. (Maiara, 37)
A fossa é o destino das fezes e urina de 76,2% dos moradores da comunidade. O restante da
população não dispõe deste recurso e deposita os excrementos a céu aberto. Todas as mulheres
entrevistadas tinham fossas em suas residências. Durante as entrevistas, as mães mencionavam os
cuidados que precisavam ter com os filhos que já a utilizavam.
Eu não gosto que eles vai é descalço pro banheiro, eu não gosto que eles vão descalço. Porque eu
acho assim, não sei, micróbio, alguma coisa tem naquelas tabua, eu não gosto que eles vai
descalço, nem eu não vou, se eu tiver descalço... não pisar em cima da tabua, fazer direito no
buraco, botar o papel, porque aqui nós não joga papel em sacola, a gente joga pra dentro do buraco
né, joga o papel dentro do buraco, lavar a mão quando vem de lá. (Guaraciaba, 26)
Irani esclarece a necessidade de ensinar os filhos a lavarem as mãos:
Eles ensinei eles a usarem o banheiro, depois do banheiro eles lavar bem a mão deles com água e
sabão pra não contaminar onde eles tiver, aí eu falo toda vez que vocês forem no banheiro, que
virem do banheiro vocês pega a vasilha com água limpa, vocês lavam bem a mão de vocês com
água e sabão, enxuga com essa toalha que tá aqui bem limpa, depois pode pegar qualquer coisa.
(Irani, 39)
Já Tingá não permite que a filha de dois anos utilize a fossa por medo de acidentes:
Ela faz assim no bacio, porque eu acho difícil porque o sanitário aí, ele é fossa, é tabua que nem
aqui, é feito buraco, tenho medo assim não é grande o buraco, mas ela ainda tá pequena né, Deus o
livre ela pode escapulir, entrar uma perna prá dentro e se machucar e eu não deixo ela ir lá. (Tinga,
36)
A limpeza dos filhos no ambiente ribeirinho, assim, envolve o cuidado com o banho, o “asseio”, as
mudanças da fralda para a fossa. A assepsia, então, é uma preocupação que envolve providências
conscientemente destinadas a proteger a saúde dos filhos.
Na rica convivência que experimentei com as mães ribeirinhas de Vila Nova Maringá foi possível
confirmar, na prática, categorias teóricas já explicitadas por autores como Rocha, Bezerra e Campos
(2005). De acordo com eles, o cuidado materno constitui um conjunto de ações biológicas, psicossociais e
ambientais que permitem à criança desenvolver-se bem. Além de ela se achar rodeada de afeição, precisa
de um potencial de cuidados e providências a serem adotadas: a alimentação, a higiene e outros
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Através do estudo aqui desenvolvido, foi possível não só conhecer práticas de cuidado que visam
atender necessidades antecipadas, como a alimentação, a limpeza e a proteção dos filhos, mas as que
visam atender necessidades evidentes, como a cura e a prevenção no processo saúde-doença.
É necessário, portanto, conhecer essas práticas. Antes de oferecer uma assistência que vise
repadronizar toda a maternagem oferecida pela mãe, devemos refletir, pois como vimos nesta categoria,
muito do cuidado oferecido pela mãe é reconhecido, em pesquisas, como benéfico para a criança. Muito
embora possa parecer exótico ao profissional de enfermagem urbano, é importante entrar em contato com
esta forma de saber e conhecê-lo o suficiente para acomodá-lo e, sempre que possível, preservar o valor
cultural popular.
CAPÍTULO V
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa em questão demonstra como alguns valores culturais maternos podem influenciar no
cuidado prestado aos filhos por mães ribeirinhas. A perspectiva transcultural adotada neste estudo me
permitiu não só identificar características do contexto social e cultural do meio ribeirinho, mas projetar
novas frentes para o trabalho do enfermeiro nessas comunidades. Entendo que os dados e situações
levantados devem vir a ser usados na promoção de uma assistência mais articulada, culturalmente
pertinente e que respeite o saber popular das mães que cuidam de seus filhos. A etnoenfermagem,
enquanto método unido aos preceitos da Teoria do Cuidado Cultural permitiu ao longo da pesquisa, a
construção do conhecimento dos saberes e práticas do cuidado materno no contexto ribeirinho.
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Antes de explorar tais saberes e práticas, foi necessário conhecer o agente cuidador dos filhos desta
comunidade. Foi incrível perceber que as adolescentes compunham a maioria do universo das mães
pesquisadas. Mais surpreendente ainda foi constatar que essas mulheres, mães na adolescência, cuidam
elas mesmas dos filhos de maneira independente e sem o auxílio ou interferência das avós. Uma
realidade, portanto, bem diferente da observada nos grandes centros urbanos, já que, na comunidade de
Vila Nova Maringá, as mulheres adolescentes se responsabilizam pelo cuidado dos filhos. Um cuidado
materno aprendido, aliás, num passado recente – a infância da qual acabara de sair – quando auxiliava a
mãe a cuidar dos irmãos. A mulher ribeirinha – que na maioria dos casos foi primípara adolescente – que
emergiu desta investigação é, portanto, um indivíduo capaz de oferecer cuidado aos seus filhos na
adolescência. Essa constatação, aliás, contradiz a crença existente entre os profissionais de saúde – e
disseminada por toda a sociedade – de que esta fase da vida – a adolescência – é um período impróprio
para a maternidade.
A partir do momento que identifiquei o cuidador na comunidade, procurei conhecer o significado
que as mães daquela comunidade ribeirinha atribuem ao cuidado materno. Fui surpreendida mais uma vez
pelas conexões que as entrevistadas estabeleceram entre o sacrifício contido no trabalho do cuidar e a
responsabilidade nele implícito, definições que, a princípio, dariam à maternidade e a chamada
maternagem, uma conotação negativa. Essa impressão, no entanto, foi rapidamente apagada pela
surpreendente análise crítica encontrada nos depoimentos dessas mães: elas não só expuseram com
clareza que o cuidado é uma coisa difícil de ser conduzida, mas isso não as impediu de enxergar e
confrontar os prós e os contras do cuidado materno. Constatei que, na verdade, as mulheres se defrontam
com a seguinte situação: carregam consigo resquícios do mito ocidental da mãe perfeita e abnegada;
enfrentam a dura e difícil realidade de exercer o papel materno no cuidado diário; reconhecem e
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convivem naturalmente com as dificuldades de ordem prática e vivem aparentemente sem nenhum
sentimento de culpa.
Descobri muitas coisas durante a coleta de dados e o saudável convívio que daí decorreu com a
comunidade. Uma delas diz respeito a outro mito: aquele que leva o habitante da cidade grande a só
enxergar vantagens na vida ribeirinha. Vila Nova Maringá é uma belíssima comunidade, banhada pelo
lindo e extenso rio Parauari e cercada pela floresta amazônica com uma fauna diversificada. Um cenário
estonteante. Chega a ser intrigante o convívio equilibrado dessa população com a natureza, naquilo que
vem a ser um exemplo para os grandes centros urbanos.
No entanto, ao penetrar na vida ribeirinha e conhecer a história de vida dessas mulheres-mães,
constatei que neste ambiente também encontramos dificuldades que diariamente surgem como obstáculos
ao cuidado materno. Foi durante seus depoimentos que as mulheres me levaram a conhecer o mundo
ribeirinho real que se esconde por trás de nossas idealizações.
A baixa renda, a dificuldade de comprar de alimentos e a fome é uma equação que incomoda e
preocupa as mães diariamente. O arroz, o feijão e o macarrão acompanham a carne de animal caçado
diariamente. Mas isso só acontece no início do mês quando é possível comprar a cesta básica mensal da
família – com o dinheiro da venda da única saca de farinha que o núcleo familiar consegue produzir
geralmente. Já nos dias restantes, na medida em que o final do mês se aproxima e os filhos choram de
fome quando as mães não conseguem caçar nenhum animal, o máximo que oferecem às crianças é um
mingau de farinha ou chá. Não raro, quando o dia amanhece elas se embrenham na floresta à procura de
alimento.
A fome leva muitas mulheres de Vila Nova Maringá a acreditarem que a vida no centro urbano de
Maués seria melhor. Elas vislumbram que poderiam trabalhar, ganhar um salário e comprar alimentos.
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Quando os mantimentos acabassem, era só ir à mercearia da esquina comprar mais comida para os filhos.
A vida urbana, de acordo com essa projeção, proporcionaria a elas um trabalho gratificante e uma
retribuição por este esforço no fim do mês. Uma realidade diametralmente oposta àquela vivenciada na
comunidade ribeirinha, onde as mães trabalham dia-a-dia na lavoura doméstica e na caça, apenas para
garantir a subsistência. Além disso, o viver na cidade, para essas mulheres, significa ter acesso ao sistema
de saúde que, segundo elas, é ineficaz na região ribeirinha.
Na realidade do cotidiano as mulheres apontaram a composição da família como um fator que pode
dificultar o cuidado. Seja a família com muitos filhos ou a mãe sem companheiro. Segundo as mulheres, a
multiparidade é um fator que dificulta o cuidado. O número elevado de filhos aumenta naturalmente o
volume de trabalho, multiplicando as práticas de cuidado. A situação assume contornos mais graves
quando a mãe é solteira, não tem o auxílio de um homem e assume sozinha a tarefa de viver na mata e
cuidar dos filhos.
O estudo aqui apresentado levou-me a constatar também que é importante o profissional de saúde
conhecer aquilo que a comunidade define como o cuidador: a pessoa que oferece o cuidado popular
diariamente. A razão é simples: conhecer apenas as práticas de cuidado materno e pesquisar um meio de
intervir não é suficiente para atender as necessidades desta população. Entendo ainda que não é possível
promover uma assistência de enfermagem materno-infantil, desconhecendo a história de vida, a realidade
sócio-cultural das mães e das crianças e, portanto, da família. Ou seja, conhecer as dificuldades que esses
núcleos familiares enfrentam.
Entendo que ao ouvir o cuidado, o enfermeiro necessariamente constata como as dificuldades
direcionam este cuidado e levam as mulheres a desenvolver algumas práticas características do ambiente.
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Viver no ambiente ribeirinho leva as mães, assim, a reagirem a esta realidade. O cuidado materno,
portanto, pode ser peculiar e merecedor da observação rigorosa do pesquisador.
Constatei que as práticas do cuidado materno são ricas. As mães buscam com os procedimentos
adotados atender às necessidades evidentes e antecipadas para promover o bem-estar dos filhos. As
chamadas necessidades de saúde evidentes eram levantadas a partir da observação dos filhos na rotina
diária. As mães demonstraram experiência e uma percepção aguçada para identificar os sintomas nas
crianças. Não raro, elas não só levantam diagnósticos, mas traçam os planos da cura.
A carência de atendimento tradicional e científico desenvolveu na comunidade a admirável prática
da medicina popular. Todas as mulheres relataram cuidar dos filhos no processo saúde-doença utilizando
o saber popular, manipulando ervas, frutas e cascas de árvores para o tratamento de patologias
específicas. Algumas delas demonstram largo conhecimento fitoterápico. Mas mesmo aquelas que não
dominam este saber o utilizam no dia a dia, seja isoladamente ou associando as fórmulas caseiras aos
fármacos tradicionais.
Infelizmente, tal prática ainda é estigmatizada e marginalizada. Os profissionais de saúde ainda
desconfiam desses saberes, pois muitos ainda não são “comprovados” pela ciência e ensinados nas
instituições acadêmicas. Com isso, muitos se fecham e buscam a repadronização de todo o cuidado
materno no momento em que prescrevem, numa clara demonstração de que vêem na medicina
institucionalizada o procedimento “certo”. Há necessidade, portanto, de uma reflexão mais aprofundada
sobre tais práticas, um estudo sistemático e uma maior troca de conhecimentos. Devemos criar as
condições necessárias visando à abertura de um espaço que contemple a interculturalidade. Uma espécie
de fórum que permita a troca de informações entre o profissional e a população. E esse tipo de
entendimento só acontece quando há respeito aos valores culturais do outro, aqui no caso as populações
ribeirinhas, e a confiança daí decorrente. Como diria o filósofo Jean Paul Sartre, expoente da escola
existencialista, “é preciso enxergar o outro no outro que lá está”.
O cuidado materno, conforme sustentei ao longo desta dissertação, também cumpre papel relevante
no atendimento das necessidades de saúde antecipada dos filhos, como um meio de promover a cura e a
prevenção no processo saúde-doença. Mais um motivo para que os profissionais promovam um cuidado
personalizado. O enfermeiro, desta forma, precisa compreender a mulher para, só então, ajudá-la no
cuidado dirigido aos filhos. Para promover o bem-estar e a saúde dos conceptos, e decidir os cuidados de
88
enfermagem que irão preservar, acomodar ou repadronizar o cuidado cultural, o profissional deve se
conscientizar de que nem sempre o melhor caminho é a simples reestruturação do cuidado materno. Os
profissionais não podem desconsiderar o cuidado popular materno e suas experiências anteriores, assim
como não podem se considerar os únicos detentores do saber técnico e científico. Ao contrário, o
enfermeiro deve estar preparado para uma abordagem cultural mais aberta, pois a complexidade que
permeia o cuidado materno é relevante para que o cuidado profissional seja, de fato, benéfico.
Identificamos significados culturais e simbólicos emprestados pela comunidade ribeirinha ao
cuidado, entre eles a proteção, o cuidado como respeito e o cuidado enquanto presença materna durante
todo o desenvolvimento bio-psico-social do filho. Muitos dos valores éticos e morais encontrados na
comunidade são baseados em condições ambientais e religiosas, espirituais, de gênero, de classe, e de
visões filosóficas da população materno-infantil de Vila Nova Maringá.
Concordamos com os preceitos de Leininger quando esta teórica de enfermagem comenta a origem
do conteúdo de uma obra artística. De acordo com ele, sempre que um artista cria o novo sua obra
contém uma visão de futuro fundamentada nas idéias de alguém e/ou de um grupo e suas novas
perspectivas. As propostas contidas neste trabalho, assim, refletem, de uma certa forma, o que levantei ao
longo da pesquisa: o cuidado materno de mães ribeirinhas que, com toda a sua sapiência, têm suas visões,
esperanças e previsões para o futuro dos seus filhos.
Leininger vivenciou durante a validação da Teoria do Cuidado Cultural na Nova Guiné, em 1960,
que muitos fenômenos humanos sobre pessoas e culturas não poderiam ser mensurados e diminuídos por
resultados significativos. À época, ela já percebera também que a enfermagem era holística e que, por
isso, era necessário entrar no mundo da cultura, das pessoas e estudar vários fatores que influenciavam a
saúde e o bem-estar.
Nesse contexto, é bom lembrar os comentários de autores como Leininger & McFarland. A
globalização do cuidado à saúde, dizem eles, e as diferenças e semelhanças entre os grupos humanos e
culturas continuarão como um imperativo em crescimento (LEININGER & McFARLAND, 2006). O
conhecimento comparativo do cuidado materno entre riberinhas e mães que moram em uma grande
capital – o Rio de Janeiro, por exemplo – precisa ser investigado e aprofundado. E a descoberta das
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diferenças e das semelhanças, com respeito às culturas e sub-culturas, levará a novas, inevitáveis e
profundas mudanças nas práticas de saúde.
Portanto, a velha crença o certo é “tratar todos os clientes da mesma maneira” será eliminada. Ela
será substituída por práticas diferenciadas de cuidado que prevalecerão e se tornarão essenciais para o uso
dos provedores de cuidado cultural. Não há dúvida, portanto, que o cuidado comparativo e a pesquisa na
área da saúde são necessários para o progresso da ciência.
Nossas conclusões vão ao encontro de Leininger & McFarland, que fizeram as seguintes
observações sobre a questão: “A Teoria do Cuidado Cultural tem conduzindo a um novo paradigma no
cuidado a saúde. Ela move os pesquisadores para longe do enfoque médico, dominante e estreito,
patológico e sistemático para uma perspectiva ampla do comportamento do cuidado humano. Mais
acertadamente, focalizar nas culturas tem sido um novo caminho holístico para descobrir a saúde e o bemestar” (LEININGER & McFARLAND, 2002).
Sem dúvida foi um excitante desafio descobrir o poder do cuidado materno e a manutenção do
bem-estar dos filhos numa comunidade ribeirinha. Mais gratificante ainda foi confirmar que, sem sombra
de dúvida, é necessário preservar o cuidado genérico (popular) para evitar as práticas de imposição do
saber científico.
Mais pesquisas são necessárias para apoiar o cuidado genérico e o profissional para tornar-se
congruente, seguro, e significativo às diversas culturas. Quando isso ocorrer, será possível finalmente
reduzir significativamente e eliminar as práticas de imposição cultural, preferências raciais e outros
comportamentos negativos. Os enfermeiros precisam, acima de tudo, aprender como entrar no mundo
cultural do cliente, e aprender os seus padrões de cuidado para que possam ganhar a confiança; assim nós,
enfermeiros, seríamos “facilitadores de cuidado à saúde” (LEININGER & McFARLAND, 2006).
90
E é desta forma que concluímos essa investigação. Procuramos trazer à luz uma forma de
conhecimento relacionado ao cuidado materno diferente do aprendizado acadêmico que recebemos.
Acredito que obter os valores de cuidado, crenças, significados e modos de viver cultural foi importante.
Os dados aqui levantados e consolidados podem vir a ser usados no futuro para discutirmos o cuidado
materno com um enfoque transcultural. Nossa missão, afinal, vai além do simples exercício profissional.
Devemos confrontar permanentemente nossa prática e as carências da população porque em um dado
momento nossas ações podem deixar de corresponder às suas necessidades. E nessas horas, a história
demonstra, é necessário mudar e transformar a realidade. Só assim, seremos capazes de contribuir,
preservar e manter a saúde de nossos filhos.
Afinal, como disse Garaciaba, uma de nossas mães ribeirinhas: “O mundo ensina sim a viver, mas
se a pessoa souber, ter assim um alerta de alguém que está orientando; mas ir na cega no mundo não dá,
por isso a gente teve muita dificuldade”.
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94
APÊNDICES
95
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
Escola de Enfermagem Anna Nery
E E A N
Comitê de Ética em Pesquisa da EEAN/HESFA
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA EEAN/HESFA
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Resolução nº 196/96 – Conselho Nacional de Saúde
Você foi selecionado (a) e está sendo convidado (a) para participar da pesquisa intitulada: “O cuidado materno e os
aspectos culturais e sociais que envolvem a criação de filhos”, que tem como objetivos: identificar os mitos, ritos e
costumes na criação de filhos a partir da história de vida de mães moradoras no município de Maués – AM; descrever
os valores culturais materno e a sua influência no cuidado dos filhos; descrever o cuidado dos filhos oferecido pelas
mães à luz da Teoria do Cuidado Cultural. Este é um estudo baseado em uma abordagem qualitativa, utilizando como
método a etnoenfermagem.
A pesquisa terá duração de dois anos, com o término previsto para novembro de 2009.
Suas respostas serão tratadas de forma anônima e confidencial, isto é, em nenhum momento será divulgado o seu
nome em qualquer fase do estudo. Quando for necessário exemplificar determinada situação, sua privacidade será
assegurada uma vez que seu nome será substituído de forma aleatória. Os dados coletados serão utilizados apenas NESTA
pesquisa e os resultados divulgados em eventos e/ou revistas científicas.
Sua participação é voluntária, isto é, a qualquer momento você pode recusar-se a responder qualquer pergunta ou
desistir de participar e retirar seu consentimento. Sua recusa não trará nenhum prejuízo em sua relação com o pesquisador
ou com a instituição que forneceu os seus dados, como também na que trabalha.
Sua participação nesta pesquisa consistirá em responder as perguntas a serem realizadas sob a forma de formulário
e entrevista aberta, e a liberação para que sejam feitas fotografias do seu cotidiano diário. A entrevista será gravada em fita
K-7 e MP3 para posterior transcrição – que será guardado por cinco (05) anos e incinerada após esse período.
Você não terá nenhum custo ou qualquer compensação financeira. Não haverá riscos de qualquer natureza
relacionadas a sua participação. O benefício relacionado à sua participação será de aumentar o conhecimento científico para
a área de enfermagem de terapia intensiva.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone/e-mail e o endereço do pesquisador responsável, e
demais membros da equipe, podendo tirar as suas dúvidas sobre o projeto e sua participação, agora ou a qualquer
momento. Desde já agradecemos!
Leila Rangel da Silva
Raquel Faria da Silva
Pesquisadora Principal
Mestranda (a)
Cel.: (21) 94690139
Cel.: (21) 7628-9483
e-mail: [email protected]
e-mail: [email protected]
End.: Rua Xavier Sigaud 290, 6˚ andar. Praia Vermelha, Urca – Rio de Janeiro – RJ
Comitê de Ética em Pesquisa EEAN/HESFA: (21) 2293-8148/ramal 228
Maués, ___ de _____________ de 2008
Declaro estar ciente do inteiro teor deste TERMO DE CONSENTIMENTO e estou de acordo em participar do estudo proposto,
sabendo que dele poderei desistir a qualquer momento, sem sofrer qualquer punição ou constrangimento.
Sujeito da Pesquisa:___________________________________
96
GUIA DE OBSERVAÇÃO, PARTICIPAÇÃO E REFLEXÃO
Nome:
Maués,
de
de
Hora:
Aspecto
1
Linguagem, Comunicação & Gestual (nativa ou não-nativa)
2
Contexto de vida ambiental geral (símbolos, materiais e não-materiais)
3
Vestuário em Uso & Aparência Física
4
Tecnologia Utilizada em Ambiente de Vida (residencial)
5
Visão de Mundo (como a pessoa percebe/observa sobre o mundo)
6
Modo de Vida Familiar (valores, crenças e normas)
7
Interação Social e Geral e Laços de Parentesco
8
Atividades Padronizadas Diárias
9
Crenças e Valores Religiosos (ou espirituais)
10
Fatores Econômicos (custo de vida difícil, estimado e rendimentos)
11
Valores Educacionais ou Fatores de Crença
12
Influenciadores Políticos ou Legais
13
Usos na Alimentação e Valores Nutricionais, Crenças e Tabus
14
Cuidado à Saúde Popular (genérico ou indígena – cura) Valores, Crenças
e Práticas
15
Cuidado à Saúde Profissional (cura) Valores, Crenças e Práticas
16
Conceitos ou padrões de cura que orientem as ações, isto é, referentes
a apoio, presença, etc.
17
Padrões ou Expressões de Cuidado
18
Visões dos Modos de: 1) Prevenção de Doença; 2) Prevenção ou
Manutenção do Bem-estar ou da Saúde; 3) Cuidado Próprio ou aos
outros
19
Outros Indicadores de Apoio mais Tradicionais ou não, aos modos de
vida
Anotações
97
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro
Centro de Ciências Biológicas e da Saúde
Programa de Pós-Graduação – Mestrado em Enfermagem
Formulário do Perfil Sócio-Econômico-Cultural
Maués,
de
de
Hora:
Nome:
Sexo:
Idade:
Idade quando teve o primeiro filho:
Perfil Sócio-Econômico-Cultural
Tecnológicos
Possui luz na residência?
Possui água na residência?
Qual a forma de transporte?
Possui algum eletrodoméstico?
Religião e filosofia
Em que religião foi criado?
Qual religião pratica agora?
Companheirismo e sociais
Você vive com alguém?
Há quanto tempo?
Como chama relação?
Participa de reunião ou festas? Freqüência?
Modos de vida
Quem mora na sua casa?
Como é a casa?
Quem mora em que cômodos?
Hábito noturno?
Hábito diurno?
Local onde dorme?
Local aonde a criança dorme?
Possui banheiro dentro de casa?
Políticos e legais
Qual o líder político?
Sistema de escolha de liderança local?
Econômicos
Renda da família
Fonte de renda
Educacionais
Você estudou?
Freqüentou a escola até quando?
Interrompeu os estudos por quê?
n˚ de filhos:
Respostas
98
ANEXOS
99
100
AUTORIZAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA
Download

Raquel Faria da Silva