SOB AS BÊNÇÃOS DE SANT’ANA, A PROTEÇÃO DA ELITE E O CONTROLE DA IGREJA: O MATRICIADO DE SENHORA SANT’ANA DE SIMÃO DIAS/SE Everaldo de Carvalho Dorea1 RESUMO Pretende-se com este artigo discutir o processo de criação da Paróquia de Senhora Sant’Ana de Simão Dias, bem como analisar as controvérsias existentes entre alguns historiadores sergipanos sobre o referido fato. Para tanto, adotaremos a seguinte metodologia de pesquisa: consulta bibliográfica, revisão historiográfica e análise documental, através das quais será desenvolvido um estudo específico sobre a criação da Freguesia de Senhora Sant’Ana de Simão Dias, a qual foi oficializada pela Assembleia Provincial de Sergipe em 06 de fevereiro de 1835. Palavras-chave: Igreja Católica – Paróquia – Simão Dias. ABSTRACT The aim of the paper is to discuss the creation process of the Parish of Senhora Sant’Ana of Simão Dias (Sergipe/Brazil); and analyze the controversies between some historians Sergipeans about that fact. To this end, we will adopt the following research methodology: consultation bibliographical, historiographical review and document analysis, which will be developed through a specific study on the creation of the Parish of Senhora Sant’Ana of Simão Dias, which was officiated by the Provincial Assembly of Sergipe on February 6, 1835. Keywords: Catholic Church – Parish – Simão Dias. 1 – Simão Dias: ocupação e colonização O processo de ocupação e colonização do território que atualmente corresponde ao município de Simão Dias/SE, segundo Felisbelo Freire, teria se iniciado em princípios do século XVII, quando a pedido de Simão Dias Fontes, Cristóvão Dias e Agostinho da Costa, o Capitão-mor, Antônio Pinheiro de Carvalho, fez uma doação de terras aos referidos peticionários. Esta doação se estendia três léguas da cidade de Itabaiana em direção ao ocidente, chegando até a Vila do Coité ou Malhada Vermelha, região que hoje compreende o município de Paripiranga, este pertencente ao Estado da Bahia 2. Afirmava o texto da carta de sesmaria: 1 Graduado em História pela Faculdade José Augusto Vieira – FJAV – Lagarto/SE. E-mail: [email protected] 2 Cf. FREIRE, Felisbelo Firmo de Oliveira. Historia de Sergipe: 1575 – 1855. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1891. p. 342. Saibão quantos este estromento de carta de sesmaria deste dia para todo sempre virem que no ano do nasimento de noso senhor Jesus C. de mil seissentos e sete anos nas pouzadas de min escrivão ao diante nomeado pareseo simão dias fontes e cristovão dias e agostinho da costa todos moradores desta capitania que eles tem feitos muitos servisos a sua magestade nesta dita capitania e não tem teras bastantes para seus gados e na tabanhananam foi tera desta sidade estão teras devolutas pede a vosa merse lhes de de sesmaria em nome de sua magestade tres leguoas de tera en coadro que se comesarão a medir donde acaba domingos loirenso corendo pello rumo do nordeste e testadas de domingos ferera e sendo caso que não aja a dita tera no dito rumo a tomarão na largura do dito domingos ferera da banda do nordeste corendo para o noroeste e tornara a tomar o rumo do leste e da i tornara a tomar o rumo do de sueste para fazer o dito quoadro com todas as pertensas que nela ouver de riberos e auguoas e matos e sendo cazo que seja dado a tomarão donde milhor lhe pareser e resebera merse – Dou aos sopriquantes en nome de sua magestade a tera que pedem não sendo dada e sendo dada a tomarão donde ouver e cober seregipe vinte e sete de feverero de seissentos e sete anos – o capitão mor antonio pinheiro de carvalho3. Entretanto, o que se percebe, é que antes mesmo desta doação, o nome de Simão Dias já aparecia como donatário de outras duas sesmarias na Capitania de Sergipe Del Rei: a primeira delas, datada de 16 de agosto de 1599, conforme nos mostra um fragmento da carta de doação transcrito a seguir: Saiban etc. Diz Simão dias morador nesta capitania que elle ora está casado nella e que ora não ten teras pede a vm. lhe fasa m. em nome de sua magestade de mea legoa de tera nas cabeceiras manoel amoré e gaspar de souza coredo rumo direito conforme a demarcasão das ditas dadas de tera con todas as demarcasois con todas as aguas lenhas que nas ditas tera ouver. Dou ao sopricante em nome de sua magestade a tera que pede oje desaseis dagosto de 1599. – Diogo de Qoadros4. A segunda sesmaria, por sua vez, data de 02 de janeiro de 1602, cuja descrição territorial também pode ser acompanhada a partir dos fragmentos que se seguem: Saiban etc. dis simão dias morador nesta capitania que elle havera dous anos que he morador nesta capitania e querendo fazer rosas para seus mantimentos não ten teras para as fazer povoar por lhe não serem dadas conforme o .............. mandou en seu regimento se desse a todos os 3 Cf. Carta de sesmaria doada a Cristovão Dias, Simão Dias Fontes e Agostinho da Costa em 27 de Fevereiro de 1607. Apud. FREIRE, Felisbelo Firmo de Oliveira. Op. Cit. p. 416. 4 Cf. Carta de sesmaria doada a Simão Dias em 16 de Agosto de 1599. Apud. FREIRE, Felisbelo Firmo de Oliveira. Op. Cit. p. 361. moradores e povoadores della visto ser casado na dita capitania e nella não tem teras e na pitanga termo desta sidade estão teras devolluto as quais foram dadas a manoel de miranda morador na bahia termo de piraja avera como oito anos ou no tempo que por verdade se achar lhe foi dada hua llegoa de terra a quall o capitão diogo de coadros deu-a para masiel mea llegoa e outra mea llegoa está devolluta pede a vosa merse lhe de a dita mea llegoa como en sua pitisão pede a quall pede por divolluta com todas as auguas matos pastos que na dita tera ouver erm. – dou ao sopricante na parte que pede en nome de S. Magestade mea llegoa por divolluto não sendo dada seregipe a dous de Janeiro de 1602 o capitão manoel m. b.5. A partir destas doações é possível perceber que existem alguns desencontros quanto à figura do vaqueiro Simão Dias, fato este que dificulta distinguir quem, de fato, teria iniciado a colonização da região que atualmente denominamos de Simão Dias, visto que os fatos descritos na primeira carta de doação, segundo o historiador Francisco A. Carvalho Lima Júnior, encontram-se fora de cogitação, em virtude da região descrita na carta de sesmaria de 1599 está localizada no Cahipe, nas proximidades do rio Santa Maria6. Com relação às cartas de 1602 e 1607, respectivamente, é que se estabelece a maior dúvida sobre a figura do vaqueiro Simão Dias, uma vez que para Lima Júnior, qualquer um destes poderia “ter dado o nome à cidade de Simão Dias, antigo Distrito e Curato de Lagarto, porque as suas sesmarias estão localizadas no Vasa-Barris, perto de São Cristóvão, e durante mais de meio século depois aquela região era conhecida só pela denominação de ‘Sertão do Vaza-Barris’7”. No entanto, apesar dos questionamentos, Felisbelo Freire afirma que “os terrenos onde está edificada hoje a villa de Simão Dias, foram doados à Simão Dias Fontes, Christóvão Dias e Agostinho da Costa 8”, conforme mostramos anteriormente9. Jorge Barreto, discípulo fiel do historiador sergipano Felisbelo Freire, a quem considera como “erudito homem de letras e incansável pesquisador da História de Sergipe10”, também afirma que o nome do município de Simão Dias está diretamente ligado ao seu fundador, Simão Dias Francês, o qual teria chegado de Itabaiana ainda no 5 Cf. Carta de sesmaria doada a Simão Dias em 02 de Janeiro de 1602. Apud. FREIRE, Felisbelo Firmo de Oliveira. Op. Cit. p. 380. 6 Cf. LIMA JÚNIOR, Francisco A. de Carvalho. Apud. DÉDA, José de Carvalho. Simão Dias: fragmentos de sua história. 2. ed. Aracaju: Gráfica J. Andrade, 2008. p.36. 7 Idem, ibidem. loc. cit. 8 Cf. FREIRE, Felisbelo Firmo de Oliveira. Op. Cit. p. 342. 9 Sobre a carta de sesmaria doada a Simão Dias Fontes, Cristóvão Dias e Agostinho da Costa consultar as páginas 1-2. 10 Cf. BARRETO, Jorge. Minha Terra e Minha Gente. Aracaju: Gráfica Aracaju S/A, [20--]. p. 18. século XVII, trazendo consigo grande rebanho bovino, este, pertencente ao pecuarista Braz Rabelo, de quem Simão Dias era vaqueiro na região de Itabaiana. Refutando estes argumentos, o historiador e padre, Dr. João de Mattos Freire de Carvalho, afirma que até 1757 não existia nestas terras nenhuma mata com o nome de Simão Dias, visto que o mesmo só começa a aparecer na história da região durante a segunda metade do século XVIII, aproximadamente cento e cinquenta anos após Simão Dias Fontes ter recebido a sesmaria de 27 de fevereiro de 1607, a qual se configurou como a última sesmaria confiada a sua administração11. Segundo o referido padre, o processo de colonização do território que atualmente chamamos de Simão Dias iniciou-se em meados do século XVIII, quando o casal de senhores de engenho, Manuel de Carvalho Carregosa e Anna Francisca de Menezes, residentes no Termo da Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, recebeu uma doação de terras que se estendia três léguas em direção ao sertão, tendo como referência para dar o início ao processo de demarcação desta sesmaria o riacho Timbó, este, pertencente à Vila do Lagarto. Além da referida doação, o padre afirma que o casal, acima citado, adquiriu mais terras nesta localidade por meio de compra a Antônio José de Sousa Freire de Brito e Castro, grande proprietário baiano e possuidor de um patrimônio de terras na região. Dispondo de prestígio e fortuna, quis o Capitão Manuel de Carvalho Carregosa alargar os seus trabalhos agrícolas e pastoris nas novas terras, para isso designou seu filho, Geraldo José de Carvalho, que aqui fixou residência, e além dos trabalhos ligados a agricultura e a pecuária construiu um engenho, dando início assim ao nosso processo de colonização12. Para o padre João de Mattos, a figura de Simão Dias Fontes ou Francês como colonizador desta região em 1607 constitui-se como “uma verdadeira fábula13”, embora a mesma seja veementemente defendida por Felisbelo Freire e seus seguidores. Maria Thetis Nunes, ao referir-se ao vaqueiro Simão Dias, afirma que o mesmo é um personagem em que história e lenda se confundem, para isto ela utiliza-se de um texto escrito por Vladimir Souza Carvalho, o qual afirma: E quando raia o ano de 1575, Luís de Brito com forte expedição, surpreende os índios e os franceses, vencendo-os em inúmeras batalhas, uma das quais travada no bojo da Serra da Cajaíba. O soldado francês e 11 Cf. CARVALHO, João de Mattos Freire de. Mattas de Simão Dias. Aracaju: Est. Graphico F. Sampaio & Cia, 1922. p. 6-7. 12 Idem, ibidem. p. 71 e 86. 13 Idem, ibidem. p. 21. sua índia batem em retirada, fugindo em direção às matas que se erguiam onde está localizada a cidade de Itabaiana. Em 1594 sob a sombra da secular quixabeira, situada onde hoje está a Matriz, nasce das entranhas da índia sergipana um menino. Ela morre, vítima do parto. Simão Dias Francês é amamentado por uma cabra. Com um ano de nascimento o menino perde também o pai. Sozinho, a cabra, conta a lenda, continua a lhe amamentar, até que os colonos descobrem, no início do século XVII, o garoto e lhe conduzem para o arraial de Santo Antônio, onde mais tarde se torna vaqueiro de Brás Rabelo. Em 1637, receoso das ameaças do Conde de Bagnuolo, à época da invasão holandesa em Sergipe, Simão Dias Francês, com 47 anos, já casado, invade as matas do Caiçá, preludiando a colonização e o povoamento das terras que mais tarde receberiam seu nome14. No entanto, faz-se necessário ressaltar que, antes mesmo da presença de qualquer indício de colonização nestas terras, a região já se encontrava habitada por grupos indígenas, estes eram remanescentes das diversas batalhas empreendidas pelo governo português durante o processo de conquista e colonização da Capitania de Sergipe. Segundo relatos do historiador Carvalho Déda, os índios ao evadirem-se da região do Rio Real acabaram por encontrar “uma mata virgem, que guardava grande variedade de caça e apresentava um solo propício ao cultivo do milho e da mandioca 15”, além desta, encontraram também, “um riozinho piscoso correndo, perene e manso, à sombra de gigantescos jequitibás. Era o rio Caiçá16”. Ainda de acordo com Carvalho Déda, foi às margens desse rio que os indígenas construíram seus primeiros aldeamentos e, por consequência, desenvolveram também várias atividades, através das quais buscavam, efetivamente, garantir sua própria subsistência, a citar: a caça, a pesca, a colheita e o plantio, sobretudo, de milho e mandioca17. Uma vez estabelecidos nas Matas do Caiçá, os sobreviventes da batalha do Rio Real viveram de forma pacífica, até que um novo episódio viesse a incomodá-los: a invasão holandesa em Sergipe, fato este que implicou no envio de diversos rebanhos, de propriedade do pecuarista Braz Rabelo, para a região do Caiçá, o qual buscava, efetivamente, proteger suas reses das tropas holandesas. A grande movimentação no aldeamento do Caiçá fez com que os índios, temerosos do que havia acontecido no Rio Real, desertassem para duas regiões distintas: uma localizava-se às margens do rio Paracatu, o qual estava a duas léguas ao sul do Caiçá e a outra na Lagoa Escondida, 14 CARVALHO, Vladimir Souza. Apud. NUNES, Maria Thetis. Sergipe Colonial II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. p. 212. 15 Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 30. 16 Idem, ibidem. loc. cit. 17 Idem, ibidem. loc. cit. mais tarde chamada de Malhada Vermelha, região onde foi fundada a atual cidade de Paripiranga no Estado da Bahia18. Contudo, faz-se necessário salientar que não se constitui como objetivo do presente trabalho, neste momento, discutir quem, efetivamente, teria iniciado a colonização e povoação da atual cidade de Simão Dias. 2 – Simão Dias de Capela à Freguesia: um estudo sobre o processo de formação da Paróquia de Senhora Sant’Ana de Simão Dias O historiador Jorge Barreto, ao escrever sobre o processo de colonização e ocupação da área territorial que atualmente compreende o município de Simão Dias, afirma que a primeira capela erigida nestas terras data de 1655, a qual teria sido construída pelo vaqueiro Simão Dias Francês após o mesmo estabelecer-se às margens do rio Caiçá. Entretanto, antes mesmo da construção da referida capela, o vaqueiro já havia edificado uma casa para morar, um curral e, posteriormente, com o desenvolvimento da imigração de colonos para a região, estes procedentes da região de Itabaiana, foi edificado, também, um pequeno ponto comercial, o qual veio servir de posto de abastecimento para aqueles que trafegavam a deserta região a procura dos Sertões de Geremoabo. Concomitante a esse processo, teria iniciado-se a imigração das primeiras famílias colonizadoras para o povoado que estava nascendo, sendo que, nesse mesmo período, foram edificadas primitivas habitações, as quais formavam uma pequena aldeia. Dentre estas edificações, estava uma pequena capela em louvor a Senhora Sant’Ana isto, aproximadamente, em 165519. No entanto, este fato é veementemente negado pelo padre João de Mattos Freire de Carvalho, que questiona: A que Matriz parochial pertenceu essa Capella de 1655! A’ do Lagarto – sua mãi – não. E’ bem possivel, portanto, sinão muito provavel ou certo, que por esse tempo o Lagarto não tivesse ainda Capella; porque, creada Freguesia em 1679, não teria passado de 1655 até então – 24 anos – como simples Capella. Seus laboriosos habitantes, sua proverbia crença religiosa, a necessidade espiritual e social de dar o “primeiro passo da civilisação” não lhe permitiriam passar tantos annos de 1655 a 1679 como simples Capella naquelles tempos de alluvião colonial. 18 19 Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 30. Cf. BARRETO, Jorge. Op. Cit. p. 36-37. Seria Freguesia antes disto; e para ter aquella capella filial de 1655, teria sido Freguesia antes desta data, e Capella muito antes desse tempo. Entretanto, creado Freguesia o Lagarto em 1679, foi então que teve o seu primeiro parocho e a sua Matriz; dahi em deante é que podia ter filhas ou Capellas filiaes, regidas por seus vigários. Até era mesmo um absurdo, uma contradicção, a simples idéa de uma Capella em 1655 por falta não só da Matriz e do parocho, como mesmo de qualquer sacerdote então nessas paragens. Depois que o Lagarto foi Freguesia e Matriz em 1679 é que poude ser concebida, na gestação de alguns annos, a idéa e depois a realisação de sua filial Capella de Annapolis em 178420. Além das indagações feitas pelo padre João de Mattos, podemos ainda nos questionar como, por exemplo, um simples vaqueiro, pessoa sem muitos recursos financeiros, poderia ter erigido uma capela? E mais, qual a justificativa para a devoção à Senhora Sant’Ana naquele momento específico? Por que Senhora Sant’Ana? Quais as fontes históricas que comprovam, efetivamente, que existiu uma capela nesta região em 1655? Quem teria sido o padre designado a prestar assistência espiritual à dita capela? É justamente baseado nestes questionamentos e na ausência de dados históricos que atestam a veracidade das afirmações feitas, com tanta veemência, pelo historiador Jorge Barreto, que afirmamos inexistir a presença de qualquer capela nesta região em 1655. Para o padre João de Mattos, a primeira capela erigida nas terras que hoje compreendem o município de Simão Dias, data de 1784, quando o capitão Manuel de Carvalho Carregosa, abastado senhor de engenho nas Moendas, esta pertencente à Vila do Lagarto, ampliou o seu patrimônio territorial em uma légua de largura e três de comprimento do riacho Timbó, que estava localizado nas proximidades do Lagarto, em direção ao sertão21. Além desta doação, concedida por meio de um alvará datado de 27 de julho de 1751, o capitão Manuel Carregosa adquiriu, por meio de compra a Antônio José de Sousa Freire de Brito e Castro, mais algumas terras, as quais foram denominadas de Curral Novo. A administração destas terras foi confiada a seu filho, Geraldo José de Carvalho, o qual construiu engenhos e desenvolveu a pecuária22. Manuel de Carvalho Carregosa, ao ser informado da prosperidade econômica e do desenvolvimento pelo qual passava suas terras, nas quais seus descendentes revelavam brilhante capacidade administrativa, decidiu erigir uma capela em louvor a Senhora Sant’Ana. Homem religioso que o era preocupava-se, sobretudo, com os seus familiares, 20 Cf. CARVALHO, João de Mattos Freire de. Op. Cit. p. 23-24. Cf. CARVALHO, João de Mattos Freire de. Op. Cit. p. 71. 22 Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 44-45. 21 os quais viviam distantes de um templo, onde pudessem, efetivamente, realizar suas atividades espirituais. A edificação de uma capela, na região que atualmente corresponde ao município de Simão Dias, configurou-se, a partir deste momento, como a principal preocupação dos senhores do engenho Moendas, o casal Manuel de Carvalho Carregosa e Anna Francisca de Menezes23. Em 07 de dezembro de 1784, no escritório do Sr. José da Costa Barjão, tabelião vitalício da Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, o casal acima citado, fez uma doação de terras e gado, cuja escritura foi lavrada pelo tabelião substituto Afonso da Franca Corte Real. Tal doação, constitui-se como um patrimônio de mão morta em louvor a Senhora Sant’Ana, santa do nome e devoção de Anna Francisca de Meneses, doadora do patrimônio24. Afirma o texto da histórica escritura: Traslado da escriptura de dote e doação, que fazem o Capitão Manuel de Carvalho Carregosa e sua mulher Dona Anna Francisca de Meneses, de quinhentas braças de largo e meia legua de comprido com trinta vaccas femeas situadas na mesma terra para creação da Capella de Senhora Sant’Anna, os quaes doadores são moradores no termo desta villa. Saibão quantos este publico instrumento de escriptura de dote e doação ou como em direito melhor nome e logar haja virem, que sendo no Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil setecentos e oitenta e quatro annos, aos sete dias do mez de Dezembro do dito anno, nesta Villa de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, Comarca da Cidade de São Christovão, Capitania de Sergipe d’El Rey, no Escriptorio de mim Tabellião appareceu presente o Capitão Manuel de Carvalho Carregosa, digo Tabellião adiante nomeado, apparecerão presentes o Capitão Manuel de Carvalho Carregosa e sua mulher Dona Anna Francisca de Meneses, moradores no termo desta villa, ambos de mim Tabellião reconhecidos pelos proprios de que trato e dou fé; e por elles marido e mulher foi dito perante as testemunhas adiante nomeadas e no fim deste instrumento assignadas, que elles erão senhores e possuidores de umas poucas de terras denominadas Curral Novo para baixo de Simão Dias, as quaes houverão de compra a Antonio José de Souza Freire de Britto e Castro da cidade da Bahia, das quaes estão elles marido e mulher de posse mansa e pacificamente sem contestação de pessoa alguma, nas quaes terras ahi têm suas roças e fazenda de criar gados, na qual porção de terras dão elles marido e mulher quinhentas braças de terras de largo e meia legua de comprido, começando a correr a dita do Nascente para o Poente, pelo rio Caiçá acima, com trinta vaccas femeas situadas nas ditas quinhentas braças de terra de largo e meia legua de comprido, comprehendendo dentro da dita terra a Matta da Moita, cuja terra e gados dão elles doadores e fazem dote para creação de uma Capella de Santa Anna, que nas ditas terras querem levantar, cuja doação fazem de hoje para todo sempre, com todas as suas mattas, fontes e rios, enseadas; cujas terras são livres e desembargadas: sem penhoras hypotheca, encapellados; as quaes terras, 23 24 Idem, ibidem. p. 46. Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 46. sendo que se erija a dita Capella, poderão os seus administradores quer dirigirem em minha vida, e por minha morte meu filho Geraldo José de Carvalho, e legando pelos filhos deste, sendo sempre os mais velhos, e não tendo estes filhos legitimos, ou casados, digo ou não cazados, passará a administração a meu filho Bernardo José de Carvalho, e se haverão seguindo os mais velhos filhos deste linha recta; as quaes terras e gados poderão administrar com sua livre administração, e dos rendimentos comprar cêra, vinho e hostias para a administração do Santo Sacrificio da Missa; e serão sempre obrigados todos os ditos administradores a perfazer as trinta vaccas e as producções dellas, “e da terra para a dita despeza de vinho, cera e hostias e o mais que for preciso e abranger os rendimentos; e tudo dão em virtude de todo dito acima; os quaes doadores promettem haver por bem feito, por si e seus herdeiros ascendentes e descendentes, tudo na forma dada; e conferem todo o dominio que no sitio e gados têm, levantando-se a tal Capella para a dita Santa; e logo encorporão em si e aos administradores, dá por encorporado na pessoa dos ditos administradores, para Patrimonio da dita Capella, e lhe dá posse e confere á dita Capella, sendo feita real, natural, civil e corporal; e porque assim o doarão na forma dita, prezente as testemunhas abaixo nomeadas e assignadas em fé de testemunho de verdade assim o disserão e outhorgarão; e me requererão lhes fizesse este instrumento nesta nota em que pedirão e acceitarão para della lhes dar os traslados necessarios e assignarão, e pela doadôra não saber ler nem escrever assigna a seu rôgo seu filho Manuel de Carvalho Carregosa, sendo presente por testemunhas Manuel Guedes Soares e Felix da Franca Côrte Real, que todos aqui assignarão depois deste instrumento lhes ser por mim lido em suas prezenças. Eu Affonso da Franca Côrte Real, Tabellião que sirvo no impedimento do actual José da Costa Barjão, que o escrevi. Manuel de Carvalho Carregosa. Assigno a rôgo de minha mãi Dona Anna Francisca de Menezes, Manuel de Carvalho Carregosa. O moço Felix da Franca Côrte Real. Manuel Guedes Soares25. No entanto, apesar do texto da escritura comprovar que as terras doadas pelos senhores de engenho eram livres, não possuindo penhoras ou encapelados, o historiador Jorge Barreto, na tentativa de desconstruir e refutar os argumentos do padre João de Mattos, insiste em afirmar que: Desde 1655, existia na pequena aldeia de Simão Dias, uma capela que fora construída em louvor a Santana, num misto de fé e devoção, à Santa Padroeira. Com o proporcional crescimento da Aldeia de Simão de Simão Dias, tornou-se impreterível a construção de uma nova capela destinada à tributação do culto sagrado, pois a Capelinha de 1655 se tornou insuficiente devido ao crescente aumento da população e, por conseguinte, do número de fiéis que para ali rumavam aos domingos e nos dias santificados. (...) Correndo o ano de 1784, o casal Manuel de Carvalho Carregosa e Ana Francisca de Menezes, vendo o crescimento da povoação de Simão Dias, onde já se propalava reivindicar a elevação à categoria de freguesia, faz, por escritura de 07 de dezembro do mesmo 25 Cf. Escritura pública de doação do patrimônio da Capela de Senhora Sant’Ana de Simão Dias. Apud. CARVALHO, João de Mattos Freire de. Op. Cit. p. 102-105. ano, doação de meia légua de comprido por quinhentas braças de largura, com trinta vacas de criar, instituindo o Patrimônio da futura freguesia de Santana de Simão Dias, construindo nesse mesmo ano e em lugar da primitiva capela de 1655, outra capela, mais condizente com o progresso do povoado26. Embora Jorge Barreto tente sustentar a tese de que existia uma capela na região de Simão Dias em 1655, os fatos históricos negam-na. Como se justifica, por exemplo, a doação de terras feita por Manuel Carregosa e Anna Francisca para a construção de uma capela se a mesma já existia? Existindo desde 1655, ela possuiria, no mínimo, um patrimônio de terras. E mais: se a capela de 1655 ainda não tinha terras, onde e como foi edificada? Quem a edificou? É partindo dessas indagações e tendo como base as informações constantes na escritura de 1784, a qual foi transcrita anteriormente, que negamos com muita veemência a existência da referida capela em 1655. Depois de lavrada a escritura e, consequentemente, efetivada a doação do patrimônio para a construção da Capela de Senhora Sant’Ana de Simão Dias, o Capitão Geraldo José de Carvalho, filho do casal doador, edificou a referida capela, na qual, passou a reunir-se com frequência em companhia dos familiares e dos outros membros da povoação, a citar: vaqueiros, feitores, escravos e todos quanto procurassem o templo para realizar suas orações27. A construção da Capela, aliada ao desenvolvimento populacional e econômico da região, levou Domingos José de Carvalho, filho de Geraldo José de Carvalho, o qual havia falecido no engenho Moendas, a liderar um movimento pedindo a elevação da Capela de Sant’Ana ao status de Freguesia28. De um modo geral, este reconhecimento, segundo Murillo Marx, não garantia somente (...) o acesso à desejada e necessária assistência religiosa que se obtinha, mas também o reconhecimento da comunidade de fato e de direito perante a Igreja oficial, portanto perante o próprio Estado. Não era apenas o acesso ao batismo mais próximo, ao casamento mais fácil, ao amparo aos enfermos, aos sacramentos na morte, mas também a garantia do registro de nascimento, de matrimônio, de óbito, registro oficial, com todas as implicações jurídicas e sociais. Não era somente o acesso ao rito litúrgico que propiciasse no quotidiano, nos faustos e infaustos, o conforto espiritual; era também o usufruto da formalidade civil com todo o direito e a segurança que pudesse propiciar29. 26 Cf. BARRETO, Jorge. Op. Cit. p. 22; 32. Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 48. 28 Cf. CARVALHO, João de Mattos Freire de. Op. Cit. p. 90. 29 Cf. MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem?. São Paulo: Nobel; Edusp, 1991. (Coleção Cidade Aberta). p. 18-19. 27 Pois, continua o autor com muita propriedade: (...) Não bastava, contudo, erguer a ermida; não bastava construir, por melhor que fosse, uma capelinha; era necessário oficializá-las. Não era suficiente dotar o povoado de um abrigo para o exercício religioso em comum; era necessário sagrá-lo. A sacralização iria tornar esse abrigo uma ermida também para a Igreja, uma capela reconhecida como tal, uma capela curada, ou seja, visitada regularmente por um padre30. Em 1826, visando justamente obter este reconhecimento, Domingos José de Carvalho31, neto de Manuel de Carvalho Carregosa e de Anna Francisca de Meneses, juntamente com os habitantes da povoação da Capela de Senhora Sant’Ana de Simão Dias, esta subordinada eclesiasticamente à Matriz de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto; e boa parte dos moradores da Freguesia de Nossa Senhora do Bom Conselho pedem, efetivamente, a elevação desta capela à condição de paróquia. Por portaria do Ministro da Justiça de 04 de novembro de 1826, a petição foi levada à Mesa de Consciência e Ordens32, a qual, apesar da informação favorável dos camaristas do Lagarto, não deu nenhuma resolução, fato este que pode estar relacionado aos interesses econômicos de alguns chefes políticos da Bahia, em virtude da região compreendida pelo Encapelado de Sant’Ana está nas proximidades das Freguesias do Bom Conselho do Boqueirão e São João de Geremoabo, as quais pertenciam à Bahia33. Diante disso, em 03 de junho de 1831, mais uma vez sob a liderança de Domingos José de Carvalho34, os eleitores da paróquia da Vila do Lagarto, que faziam parte, efetivamente, da Capela de Simão Dias, por intermédio dos camaristas da dita Vila, pediram novamente a elevação da referida capela à condição de freguesia, alegando que foi na povoação de Simão Dias que primeiro se aclamou a Independência do Brasil e o Governo Imperial, e que sendo ela populosa, com uma feira e comércio vantajosos, não 30 Idem, ibidem. p. 19. Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 50. 32 Instituição da administração portuguesa, criada no século XVI e responsável, entre outros assuntos, pela aplicação do padroado dos territórios ultramarinos. Entre suas atribuições constava, além da administração das ordens militares – Cristo, Santiago de Espada e São Bento de Avis – o cuidado das “coisas espirituais” e o “acrescentamento do culto divino”. Isso significa que era a Mesa que examinava, em relação ao ultramar, para submetê-las à aprovação do rei, as indicações de sacerdotes para paróquias e os cabidos, solicitação dos bispos para criação de uma nova freguesia e queixas dos fiéis a respeito de padres relapsos. Cf. NUNES, Verônica Maria Meneses. Glossário de termos sobre religiosidade. Aracaju: Tribunal de Justiça; Arquivo do Judiciário do Estado de Sergipe, 2008. p. 96. 33 Cf. FREIRE, Felisbelo. História Territorial de Sergipe. Aracaju: Sociedade Editorial de Sergipe; Secretaria de Estado da Cultura; FUNDEPAH, 1995. p. 72. 34 Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 51. 31 se justificava o fato da região permanecer eclesiástica e politicamente subordinada à Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, da qual se distanciava cinco léguas, visto que a mesma já dispunha de meios que garantiam, efetivamente, sua independência da Matriz da Piedade. No entanto, nenhuma decisão favorável às reivindicações foi tomada pelos poderes constituídos35. Em 07 de fevereiro de 1834, por meio de um ofício, o presidente do Conselho Geral da Província de Sergipe, Antônio Fernandes da Silveira, remeteu à aprovação da Assembleia Geral diversos atos por ele promulgados, dentre os quais daremos ênfase, ao que afirmava: O Conselho Geral da Província, convencido da necessidade de se criarem mais três freguesias, na Capela de Simão Dias, na Vila de Itabaianinha e na Missão de São Félix da Boa Vista da Pacatuba; atende as representações feitas pelos habitantes daqueles lugares, que não são bem paroquiados pela extensão do terreno, e falta de operários36. Desse modo, o Conselho Provincial de Sergipe, através da Resolução de 07 de fevereiro de 1834, em seu Artigo 2º, decretava que: Art. 2º. Fica (...) criada freguesia a capela de Simão Dias, dividida da de Lagarto, como se segue – principiará do Rio Vasa-Barris no Poço do Bicho, de onde seguirá pelo lado de cima da fazenda da Ilha Grande em direitura ao Olho d’Água da Bananeira, e daí em linha reta às cabeceiras do Pombo, descerá riacho abaixo, procurando o campo do Caracará, de onde passando pelo lado de cima da casa do Sítio de Pedro, seguirá em linha reta ao oitão da morada da Fazenda do Saco do Capim pela parte do poente, e daí em direitura ao Campo da Cavaleira, de onde descerá pelo Sanharó ao lugar da Fazenda Velha, e daí seguirá a estrada que sobe para o Oiteiro, passando pelo oitão da Casa de Farinha de Geraldo Coelho, que ficará dentro da divisão, e seguindo em linha reta a Fazenda Velha do Senne, seguirá a estrada real em busca das cabeceiras do rio Piauitinga, passando pela frente da Fazenda da Cruz, atravessando a mata em linha reta, procurará o Olho d’água, denominado águas ricas, e daí atravessando para o curral de cima, e desta seguirá pela da Fazenda do riachão, em direitura ao Caripao de cima, procurando a Fazenda da Caraíba, de onde em linha reta seguirá a Fazenda da Garapa, desta pela estrada comum à Fazenda do Tanque, seguindo ao Rio Real em procura da Fazenda do Ambeixeiro, e daí seguirá Rio Real acima em procura da Fazenda de São Francisco, desta em linha reta ao Sítio de D. Inácia, deste ao Sítio Velho das duas Barras, e descendo o riacho que vai entrar no rio Vasa-Barris, na Tabua de baixo, e daí atravessando o mesmo rio pelo distrito da freguesia de Itabaiana grande, até o pináculo da serra, pela qual 35 36 Cf. FREIRE, Felisbelo. Op. Cit. p. 73. Idem, ibidem. p. 77. seguirá até descer outra vez ao Rio Vasa-Barris, no Poço do Bicho onde finda37. Após esta decisão do Conselho da Província, o padre José Francisco de Meneses, vigário encomendado e primo de Domingos José de Carvalho, instalou solenemente a Freguesia de Senhora Sant’Ana de Simão Dias em 29 de abril de 1834, celebrando assim, a primeira missa fora dos auspícios da Matriz de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto38. Entretanto, apesar da freguesia já está instalada, a Resolução de 07 de fevereiro de 1834, que decretava, efetivamente, a sua criação e legalidade, não foi discutida nem aprovada pela Assembleia Geral, pois a mesma estava empenhada nas discussões que resultaram na promulgação do Ato Adicional à Constituição do Império em 1834, e por consequência, não analisou a petição enviada por Antônio Fernandes da Silveira, então presidente do Conselho Provincial de Sergipe39. No entanto, o referido fato não significou o fim do exercício das atividades religiosas que vinham sendo desenvolvidas na região, visto que, mesmo estando numa situação irregular perante os poderes constituídos, o padre José Francisco de Meneses continuou a ministrar sacramentos na localidade, conforme veremos a seguir: Certifico (...) que nesta Matriz de Sant’Ana, denominada de Simão Dias, depois de minha posse nela,que principia de vinte e nove de abril do ano próximo pretérito até o fim de dezembro do mesmo ano, se tem feito 218 batizamentos, a saber: 16 brancos, 12 brancas, 72 pardos, 74 pardas, 7 pretos, 17 pretas, 11 cativos, 6 cativas, 4 índios. Casamentos 58, a saber: 7 de brancos, 44 de pardos, 4 de pretos, 1 de cativos, 2 de índios. Enterramentos: 6 de brancos, 3 de brancas, 9 de pardos, 8 de pardas, 4 de pretos, 3 de pretas, 2 de cativos, 1 de índio, que ao todo são 35. Freguesia de Sant’Ana, denominada de Simão Dias, 3 de janeiro de 1835. José Francisco de Meneses40. A promulgação do Ato Institucional à Constituição do Império, em 1834, decretou que os antigos Conselhos Gerais das Províncias fossem substituídos pelas Assembleias Provinciais, as quais possuíam autoridade para legislar sobre as organizações civis, judiciárias e eclesiásticas, bem como sobre a vida econômico-financeira provincial41. Com a instalação da Assembleia Provincial de Sergipe em 1º de janeiro de 1835, um novo 37 Cf. Resolução do Conselho Geral da Província de Sergipe de 07 de fevereiro de 1834. Apud. FREIRE, Felisbelo. Op. Cit. p. 78-79. 38 Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 51. 39 Cf. FREIRE, Felisbelo. Op. Cit. p. 80. 40 Cf. Mapa estatístico enviado ao Governo Provincial pelo vigário José Francisco de Meneses. Apud. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 52. 41 Cf. NUNES, Maria Thetis. Sergipe Provincial I: 1820-1840. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000. p. 208. movimento foi organizado pelos habitantes da povoação de Simão Dias pedindo que a dita Assembleia pudesse reconhecer e legalizar esta Freguesia, visto que desde sua instalação, em 29 de abril 1834, a mesma encontrava-se em pleno funcionamento42, conforme demonstramos anteriormente. Uma vez elaborada a nova petição, efetivou-se o encaminhamento da mesma à recém-instalada Assembleia Provincial, que por sua vez, deu o parecer favorável às reivindicações da população de Simão Dias, decretando, através da Lei de 06 de fevereiro de 1835, que estava novamente criada a Freguesia de Senhora de Sant’Ana 43, a qual apresentava a seguinte delimitação territorial: Lei de 6 de fevereiro de 1835. Art. 2º. Fica creada freguezia a capella de Simão Dias, desmembrada da do Lagarto, da maneira seguinte: principia do Pôço do Bixo no rio Vasabarris, e passando pelo lado da parte de cima da casa da fazenda da Ilha Grande em rumo direito, irá até o Olho d’agua da Bananeira, e d’ahi sahirá em rumo direito ás cabaceiras do Pambo, e descendo riacho abaixo irá ao campo do Caracará, e d’ahi passará pelo oitão da parte de cima, da casa do sitio de Pedro, e d’ahi rumo direito ao oitão da parte de cima da casa da fazenda da Dionizia, e d’ahi ao oitão pela parte de cima da casa da fazenda do Sacco do Capim, e d’ahi rumo direito ao oitão, pela parte de cima da casa da Fazenda de cima, e d’ahi rumo direito ao Campo da Cavalleira, donde descerá ao Sanharó no lugar da Fazenda Velha, e d’ahi seguindo a estrada que sobe para o oiteiro, passará pelo oitão da parte de cima da casa de farinha de Geraldo Coêlho, e d’ahi rumo direito á Fazenda velha da Sume, e sahindo estrada real ás cabeceiras do rio Piauhytinga, passará pela frente da fazenda da Cruz, e atravessando d’ahi a Matta irá em direitura ao olho d’agua das aguas ricas, donde atravessando a serra, irá passar pelo oitão da parte de cima da casa da Religião, e d’ahi em rumo direito irá encontrar-se com a devisão da freguesia de N. S. aos Campos do Rio Real de cima, e d’ahi rumo direito pela parte de cima da casa e fazenda do sitio, seguirá em direitura pela parte de cima da casa da fazenda de S. Francisco, em divisão com a freguezia de Nossa Senhora do Bom Conselho dos Montes do Boqueirão, donde seguirá rumo direito pela parte de cima, da casa da lagoa da fazenda Seca de João Damasceno; e seguindo rumo direito, atravessará a serra, e irá passar no Cabeço debaixo da serra João-grande, e d’ahi atravessando por cima, a serra do Capitão, e descendo pela passagem do rio das Carahibas, descerá rio abaixo e atravessando o rio Vaza-Barris, irá pela mesma divisão antiga encontrar-se com a divisão da freguezia de S. Antonio e Almas de Itabaiana, donde seguirá rumo direito até o pináculo da serra, e d’ahi rumo direito ao Vaza Barriz na Malhada Grande, ou Praia Grande, donde descerá rio abaixo a terminar no lugar, em que principiou a divisão44. 42 Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 51. Idem, ibidem. loc. cit. 44 Cf. FRANCO, Candido Augusto Pereira. Compilação das Leis Provinciaes de Sergipe: 1835 a 1880. Aracajú: Typ. de F. das Chagas Lima. Volume I – A-H – p. 623-624. 43 Dom Romualdo Antônio de Seixas, arcebispo da Bahia, a quem a Província de Sergipe estava subordinada eclesiasticamente, ao ser informado sobre a criação desta Freguesia, demonstrou a sua insatisfação por não ter sido consultado pelas autoridades sergipanas. Afirmava ele: Remetido ao Nosso Reverendíssimo Desembargador Provisor para que, depois de registrar o incluso decreto, apesar da irregularidade com que foi expedido sem nossa audiência como é de direito, passe as convenientes ordens ao Reverendíssimo Vigário Geral de Sergipe, para que faça cumprir e publicar, autorizando-o para nomear Vigários Encomendados para as novas Freguesias, sem prejuízo do direito de opção, garantido aos antigos párocos das referidas Freguesias, e assinar um prazo razoável aos ditos Encomendados para que venham nesta Metrópole, a fim de proceder-se ao competente concurso. Bahia, doze de março de mil oitocentos e trinta e cinco. Romualdo – Arcebispo da Bahia45. Obedecendo as determinações do Arcebispado da Bahia, o padre José Francisco de Meneses, até então Vigário Encomendado, realizou o concurso para Vigário Colado desta Freguesia. Feito o concurso, e dada sua aprovação, Dom Romualdo Antônio de Seixas propôs a nomeação daquele nos seguintes termos: Ilmo. e Exmo. Snr. Presidente da Província de Sergipe. Em virtude do concurso que mandei proceder, da Freguesia de S. Anna, denominada de Simão Dias, que fora criada por decreto da Assembleia Legislativa Provincial, tenho a honra de propor para seu Vigário Perpétuo, o Padre José Francisco de Meneses, único opositor e já Vigário Encomendado da mesma, julgando-o digno da apresentação, à vista não só do testemunho da respectiva Câmara Municipal que muito o abona, e a pede em nome dos Povos para Pároco daquela Igreja, mas também dos documentos juntos que submete à consideração de V. Excia. Bahia, 6 de junho de 1835. Romualdo – Arcebispo da Bahia46. Neste sentido, é possível afirmar que o primeiro pároco da Freguesia de Senhora Sant’Ana de Simão Dias foi o padre José Francisco de Meneses, sobrinho de Anna Francisca de Meneses, o qual exerceu suas atividades paroquiais desde 29 de abril de 1834 até, provavelmente, 1838, ano em que teria ocorrido seu falecimento, visto que nesta mesma época ele remeteu o último boletim sobre o movimento desta Paróquia ao 45 Cf. SEIXAS, Dom Romualdo Antônio de. Apud. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 54-55. Cf. Carta de Nomeação do Padre José Francisco de Meneses para a Freguesia de Senhora Sant’Ana de Simão Dias. Apud. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 55. 46 Secretário do Governo da Província 47. As causas que teriam levado o padre a óbito são desconhecidas, no entanto conjectura-se que o mesmo tenha falecido vítima de uma moléstia, a qual ele se refere numa de suas correspondências dirigidas ao pároco do Lagarto em 1836: Acuso a recepção do ofício por V. S. a mim dirigido datado de 23 de janeiro em consequência de outro expedido pelo Secretário do Governo desta Província a que respondo. Eu, Senhor, da exposição da mesma não fiquei bem entendido, se sou chamado a essa vila, por ser um dos Membros Coadjuvadores da recadação desse socorro para com os nossos Irmãos Paraenses, ou se para contribuir com aquilo que poder para o dito fim; Se para ir coadjuvar, não posso, por não ter tido bexigas, mal que se acha contagiada essa Vila, além do ataque do meu mal, que me impede viagens longas e apressadas, agora me sobreveio uma dor entre os peitos, que me impede o movimento do corpo, quanto mais balanço de cavalo; se para contribuir com o que poder para o dito fim, não é preciso lá estar, com o aviso de V. S. determinarei o quanto. Ds. Gde. V. S. Simão Dias, 27 de janeiro de 1836. – José Francisco de Meneses48. Com o falecimento do primeiro vigário desta Freguesia, foi nomeado para assumir o posto de Vigário Colado da mesma, o Cônego Antônio da Costa Andrade, que por quarenta e dois anos esteve à frente das atividades religiosas da Paróquia de Senhora Sant’Ana de Simão Dias49. 3 – Considerações finais Não existe entre os historiadores sergipanos um consenso sobre o processo de ocupação e colonização do município de Simão Dias, visto que até os dias atuais o assunto é motivo de longas discussões, muitas teorias e poucas respostas. Nenhum estudioso conseguiu, até o momento, explicar de forma efetiva e convincente como ocorreu a ocupação deste território, fato este que nos instiga a desenvolver futuras pesquisas sobre o assunto. Felisbelo Freire e seus discípulos, por exemplo, afirmam que a colonização do território que atualmente corresponde à região de Simão Dias iniciou-se no século XVII, quando o vaqueiro Simão Dias Fontes recebeu uma sesmaria, cuja área territorial situavase nesta localidade. O padre João de Mattos, por outro lado, nega com muita veemência 47 Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 53. Cf. Carta do Padre José Francisco de Meneses dirigida ao Vigário do Lagarto em 27 de janeiro de 1836. Apud. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 53. (Grifos nossos). 49 Cf. DÉDA, José de Carvalho. Op. Cit. p. 57. 48 esta afirmativa e defende que a colonização de Simão Dias teria ocorrido apenas em meados do século XVIII, quando o casal Manuel de Carvalho Carregosa e Anna Francisca de Menezes ampliou seu patrimônio territorial, o qual passou a estender-se até estas terras, iniciando-se assim o seu processo de colonização. Outra temática que tem sido motivo de controvérsia para os pesquisadores da história religiosa de Simão Dias é a data em que foi construída a primeira capela nesta região, visto que, para o historiador Jorge Barreto, esta construção data de 1655, quando por ocasião da chegada de Simão Dias Francês teria iniciado-se o processo de colonização destas terras. No entanto, as afirmações feitas pelo nobre historiador carecem de fontes históricas que possam, efetivamente, comprová-las. Diferentemente deste, o padre João de Mattos defende que a construção da primeira capela desta localidade tem como data o ano de 1784, quando o Capitão Manuel de Carvalho de Carregosa e sua esposa D. Anna Francisca de Menezes fizeram a doação de um patrimônio de terras e gado para a construção e manutenção da mesma. Tendo como base a Escritura Pública de doação do referido patrimônio, afirmamos com veemência que a capela de 1655 inexistiu, sendo a de 1784 a primeira construção religiosa desta cidade. Alguns anos após a edificação da primeira capela, a população de Simão Dias requereu a elevação desta à condição de Freguesia, fato este que significava o rompimento eclesiástico com a Vila de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, a qual não se opôs ao movimento “separatista” em nenhum momento. Diante das reivindicações, o Conselho Geral da Província de Sergipe resolveu, em 07 de fevereiro de 1834, criar a dita Freguesia, no entanto, com a promulgação do Ato Institucional à Constituição do Império, esta só foi ratificada pela Lei de 06 de fevereiro de 1835. Esta pesquisa vem contribuir para ampliar o conhecimento de seus leitores sobre a ocupação e colonização da atual cidade de Simão Dias, bem como para que os mesmos possam, efetivamente, entender como ocorreu o processo de formação e implantação da Paróquia de Senhora Sant’Ana, desde a edificação da primeira capela em 1784, até o momento em que a mesma foi reconhecida e oficializada como Paróquia pela Assembleia Provincial de Sergipe em 1835. 4 – Referências Bibliográficas BARRETO, Jorge. Minha Terra e Minha Gente. Aracaju: Gráfica Aracaju S/A, [20--]. CARVALHO, João de Mattos Freire de. Mattas de Simão Dias. Aracaju: Est. Graphico F. Sampaio & Cia, 1922. DÉDA, José de Carvalho. Simão Dias: fragmentos de sua história. 2. ed. Aracaju: Gráfica J. Andrade, 2008. FRANCO, Candido Augusto Pereira. Compilação das Leis Provinciaes de Sergipe: 1835 a 1880. Aracajú: Typ. de F. das Chagas Lima. Volume I – A-H. FREIRE, Felisbelo Firmo de Oliveira. Historia de Sergipe: 1575 – 1855. Rio de Janeiro: Typographia Perseverança, 1891. ______. História Territorial de Sergipe. Aracaju: Sociedade Editorial de Sergipe; Secretaria de Estado da Cultura; FUNDEPAH, 1995. MARX, Murillo. Cidade no Brasil: terra de quem?. São Paulo: Nobel; Edusp, 1991. (Coleção Cidade Aberta). NUNES, Maria Thetis. Sergipe Colonial II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1996. ______. Sergipe Provincial I: 1820-1840. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000. NUNES, Verônica Maria Meneses. Glossário de termos sobre religiosidade. Aracaju: Tribunal de Justiça; Arquivo do Judiciário do Estado de Sergipe, 2008.