DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação - v.7 n.3 jun/06
COLUNAS
Periódicos Eletrônicos: problema ou solução?
por Briquet de Lemos
Se é fácil identificar qual foi o primeiro, ou, pelo menos, os dois primeiros periódicos
científicos impressos em papel, o mesmo não se pode dizer quanto à origem do periódico
eletrônico, apesar de esse fato ter ocorrido há pouco tempo. Além do vezo humano de
vangloriar-se pela primazia, a disputa justifica-se por haver dúvida quanto à definição de
periódico eletrônico.
Antes do advento do cederrom foram buscadas alternativas para o periódico impresso em
papel: por exemplo, microfichas produzidas como saída de computador ou mesmo feitas com
o emprego da técnica micrográfica tradicional, e revistas em disquetes. São hoje exemplares
que pertencem à história. Ainda na primeira metade da década de 1990, quando a internet
ainda não havia se instalado no Brasil, surgiram algumas publicações em cederrom. Tenho à
minha frente o número 1, datado do outono de 1994, da Neo-Interativa, que se anunciava
como a primeira revista brasileira em cederrom. Que fim terá levado?
Parece haver consenso de que o primeiro dessa nova genealogia de produtos da
comunicação científica teria sido Postmodern Culture. Pelo menos as pessoas que o criaram
consideram-no como "o primeiro periódico eletrônico avaliado pelos pares [...], o de mais
longa sobrevida, o primeiro editado por uma editora universitária, o primeiro periódico
acadêmico a incluir multimídia em rede e o primeiro a ser distribuído gratuitamente." Nas
palavras absolutamente imodestas de seus criadores, essa revista, mais do que qualquer outra,
inventou "seu suporte, seu público e seus métodos". Surgiu em setembro de 1990 no formato
de correio eletrônico, depois em disquete e, em janeiro de 1994, lançou versão em hipermídia
na internet.
Quando surgiu, o periódico eletrônico se anunciava como solução para os problemas da
comunicação científica. Rompiam-se os grilhões que amarravam o artigo científico
contemporâneo a uma metodologia e tecnologia ultrapassadas, velhas de mais de 500 anos, e
a um produto - a revista científica - com mais de 320 anos de idade, que estava aquém das
necessidades de um mundo cada vez mais globalizado. Todos exultamos. O periódico
eletrônico seria também a libertação dos sistemas perversos impostos pelas editoras de
periódicos científicos, inclusive as sociedades científicas, isoladamente, ou a elas associadas.
Isso no mundo desenvolvido. No mundo subdesenvolvido a proposta seduzia principalmente
pelo seu aparente baixo custo de produção. Era uma proposta que tinha tudo para dar certo.
Finalmente a produção científica dos países da periferia poderia valer-se de um veículo de
divulgação universal, principalmente agora que essa produção vinha redigida numa língua
planetária.
E era uma proposta que parecia pôr fim a quase 80 anos de insatisfação com a velha e boa
revista científica. Em 1919, Sir Robert Abbott Hadfield, ilustre metalurgista britânico, inventor
do aço-maganês, que chegou a presidir a Faraday Society, que existiu de 1903 a 1972,
quando se fundiu com outras para formar a Royal Society of Chemistry, sugeriu que fosse
criada uma central que classificaria os originais de artigos e os encaminharia às revistas. Isso
com a finalidade de eliminar a dispersão dos artigos por uma ampla gama de periódicos, além
da enorme demora na publicação e difusão desses artigos. Dispersão que foi estudada e
comprovada cientificamente pelo documentalista inglês S.C. Bradford, que formulou a lei que
leva seu nome. Também houve quem propusesse o fim das revistas, pois os artigos seriam
distribuídos como unidades independentes. Reclamavam os cientistas que cada fascículo de
uma revista continha apenas uma minoria de artigos de seu interesse. Que assim estavam
pagando por material supérfluo. É claro que essas propostas punham em risco os interesses
das associações científicas, que eram então as principais publicadoras de revistas científicas.
Haja vista a reação à proposta de J.D. Bernal formulou em 1948. Tampouco havia um
mecanismo operacional que possibilitasse a implantação de uma mudança radical (Muddiman,
2004).
As críticas aos produtores e ao modelo que ainda predominava na década de 1990 passaram
a se concentrar, nos últimos anos, no aumento exagerado dos preços das assinaturas. A
análise de dados estatísticos de 123 bibliotecas afiliadas à Association of Research Libraries,
dos EUA, mostrou que, entre 1986 e 2004, os gastos com a aquisição de periódicos subiram
273%, enquanto com a compra de livros sofreram uma elevação de 63%. Em 2003-2004,
deu-se um gasto médio superior a 5,5 milhões de dólares com a assinatura de periódicos. Na
mesma época os recursos eletrônicos consumiram 30% do orçamento destinado a material.
Segundo dados obtidos pelo Parlamento britânico durante inquérito realizado em 2003-2004
sobre a questão da comunicação científica, num prazo de apenas cinco anos, de 1998 a
2003, os preços dos periódicos haviam subido 58% (House of Commons, 2004).
Há um periódico que há anos vem sendo citado como o campeão dos preços altos. Trata-se
de um título (sem trocadilho) que sua editora, a Reed Elsevier, que já reclamou de ser
considerada o saco-de-pancadas (the whipping boy) de bibliotecários e cientistas, não quer
ceder a nenhum concorrente. A assinatura de Brain Research para o ano de 2006 está em
US$ 23.617,00, abrangendo 66 fascículos publicados durante o ano.
O citado relatório do Parlamento inglês chama atenção para o fato de que os lucros das
editoras de revistas científicas são excepcionalmente altos em comparação com os do resto
da indústria editorial, chegando, no caso da citada Reed Elsevier, líder do mercado, a 34% de
lucro operacional.
Isso me faz lembrar uma conversa que tive, acho que no início da década de 1990, com
representantes das editoras da Oxford University e Cambridge University, renomadas
publicadoras de revistas científicas, durante seminário sobre editoras organizadas pelas
editoras da Universidade de São Paulo e da Universidade Estadual de SãoPaulo, em São
Paulo. Perguntei-lhes qual era o ônus que as revistas científicas representavam para suas
editoras, pois, na minha visão de brasileiro, periódico científico não poderia dar lucro. A
pergunta os deixou no mínimo excitados. Responderam, com entusiasmo, que as revistas não
representavam ônus. Pelo contrário, eram lucro certo. E me perguntaram que, se tivesse
algum título novo a propor, eles teriam grande interesse em examinar a proposta.
Convém lembrar que os periódicos, em qualquer formato, não se destinam à compra por
pessoas físicas. Seus consumidores principais são as bibliotecas. Esse fato talvez haja criado
um mecanismo viciado de atribuição de preços, mesmo porque muitas editoras atribuíam
preço mais alto para as assinaturas ditas de uso institucional.
O grupo Reed Elsevier detinha, em 2003, 28,2% do mercado mundial de informação em
CTM, seguida pela Thomson, que adquiriu o ISI, com 9,5%, Wolters Kluwer, com 9,4%,
Springer, com 4,7%, John Wiley, com 3,9%, American Chemical Society,com 3,6%,
Blackwell, com 3,6%, Taylor & Francis com 3,6%, e o restante (33,6%) distribuído entre
diferentes fornecedores. Ou seja, apenas oito fornecedores concentram quase 70% do
mercado mundial (House of Commons, 2004). Este segmento da indústria editorial apresenta
forte tendência ao monopólio e à cartelização. Vejamos esta seqüência cronológica:
1991 - A Reed Elsevier compra a Pergamon Press que publicava 57 títulos de ciências
biomédicas indexados nas bases do ISI. Isso eleva o total de títulos biomédicos da Elsevier
nessas bases para 190.
1997-1998 - A editora Harcourt compra 17 títulos biomédicos da Churchill Livingstone e 27
da Mosby. Com isso seus títulos biomédicos nas bases do ISI subiram de 118 para 162.
1998 - Wolters Kluwer adquiriu 22 títulos da Plenum Publishing, 41 da Thomson Science e
37 da Waverly, passando a ter 212 títulos nas bases do ISI.
2001 - A Reed Elsevier comprou a Harcourt General e com isso passou a ter 409 títulos
biomédicos nas bases do ISI (Wellcome, 2003). Atualmente, a Reed Elsevier publica 2 600
títulos de periódicos de CTM.
Segundo diferentes estudos, parece haver uma relação significativa entre as fusões e compras
de empresas e o aumento de preços das assinaturas. (Susman, 2003). Especula-se que
haveria uma relação maligna entre o fator de impacto que a revista tem no ISI e o preço de
sua assinatura, da mesma forma que se avalia o mérito acadêmico com base na publicação em
revistas de mais alto impacto. Quer dizer, uma técnica mercadológica há muito tempo usada
no setor de hotelaria e gastronomia: quanto mais estrelas tiver o hotel ou restaurante, mais
caro ele será.
Mas a análise do papel das editoras comerciais não esgota a questão do aumento de preços.
Convém verificar qual é a participação das sociedades científicas nessa história. Pelo menos
para 20 delas, que tiveram suas receitas divulgadas em estudo recente, a publicação de
revistas é uma fonte generosa de recursos. Basta um exemplo: a American Astronomical
Society (AAS), com um quadro de 2 400 associados, faturou, em 1999, US$ 5.834.020,00
com a publicação de três revistas, terceirizadas junto a uma editora universitária. O orçamento
total da AAS foi nesse ano de US$ 8.255.845,00. (Willinsky, 2005).
Os modelos atuais de financiamento das revistas científicas são:
a) O assinante da revista paga a assinatura e às vezes os autores também pagam para publicar
seus artigos, as page charges.
b) Os autores sempre pagam para publicar seus artigos, mas o acesso é livre.
c) As instituições a que as revistas estão afiliadas arcam com os custos, sozinhas ou com
apoio governamental.
É compreensível que as bibliotecas do mundo inteiro hajam sido forçadas, nos últimos 20
anos, a impor políticas rígidas de contenção de gastos e cancelamento de assinaturas. Por
conseguinte, além dos aumentos que vinham sendo praticados por conta de fatores que jamais
ficavam claros, surgiam novos aumentos provocados pela diminuição da procura. Isso foi
particularmente danoso para os países em desenvolvimento. O acesso à informação nesses
países só não entrou em colapso por causa de serviços de fornecimento de cópias, como, por
exemplo, o Comut e a Bireme.
É nesse contexto que se dá o aparecimento e o rápido crescimento do número de periódicos
eletrônicos. Antes de continuar, adotemos, para fins práticos, uma definição de periódico
eletrônico. Proponho que se aceite esta: "Um recurso eletrônico, com artigos completos, que
pode incluir elementos de multimídia, disponível na internet, e que é publicado
seqüencialmente, com uma designação numérica ou cronológica, e que pretende continuar
indefinidamente. Pode ser a reprodução de uma revista impressa ou uma publicação
exclusivamente em linha."
Se em 1991 havia mais ou menos 30 periódicos eletrônicos, hoje (23/11/2005) seu número
chega a 16 587, que inclui revistas propriamente ditas e boletins. Com base na oferta de
alguns agregadores de periódicos eletrônicos, podemos supor que o número de PCEs, em
novembro de 2005, supera o total de 11 mil títulos.
Há estudos que têm acompanhado o uso desses materiais em universidades norte-americanas.
Segundo pesquisa realizada por Carol Tenopir recentemente, houve aumento na quantidade
de artigos lidos após o advento da Rede. Dois terços ou mais do material que hoje os
cientistas lêem vêm de fontes eletrônicas. Em astronomia, chega a ser de 80%. Esse estudo
mostrou que o pessoal da área médica ainda é o que mais lê material impresso (Tenopir,
2005).
Ao longo desse período acumularam-se observações que mostram que as vantagens do PCE
tinham um grande alcance, além da redução de preço. Uma dessas vantagens, pelo menos do
ponto de vista dos bibliotecários e dos administradores de universidades, seria a economia de
espaço nas bibliotecas. Todos se lembram dos estudos feitos por Fremont Rider, na década
de 1940, que mostravam como as bibliotecas universitárias norte-americanas, cresciam de
modo exponencial, dobrando de volume a cada 16 anos. Isso deu origem a uma verdadeira
corrida à microfilmagem de coleções inteiras de periódicos e outros materiais, como teses.
Lembram-se da University Microfilms (que hoje possui o ProQuest)? Cometeram-se loucuras
com essa mania da microfilmagem (Baker, 2002). Em certa medida, foi a preocupação com a
questão da disponibilidade e gestão de espaço nas bibliotecas norte-americanos que justificou
o surgimento do Journal Storage Project (JSTOR). Aliás, segundo recente relatório de
pesquisa, parece que no Reino Unido está ocorrendo uma mania similar, agora com a
digitalização adoidada de documentos, sem os devidos cuidados de padronização e controle
de qualidade (Digitisation, 2005).
Pois bem. A economia de espaço não é a mais importante, do ponto de vista do usuário. As
outras são: acessibilidade - onde houver um microcomputador ligado à internet, você terá
acesso ao periódico; divulgação ilimitada: estaria garantida a distribuição em âmbito
planetário, sem necessidade de embalagem, selos, correio, carteiro e atrasos; rapidez de
publicação: redução do tempo entre a submissão dos originais e sua publicação; qualidade
garantida pelos pares: manutenção da qualidade do sistema, pois continuaria sendo feita a
revisão pelos pares; extensão ilimitada: não haveria limite para o tamanho dos artigos; ligação
automática do artigo à rede de seus antecessores ou correlatos: isso seria assegurado pela
vinculação (linking) do artigo com as referências citadas; utilização de cores sem qualquer
limitação; uso de diferentes métodos de indexação; buscas fáceis; utilização de multimídia;
interatividade; remissivas para outros recursos disponíveis na rede; e o aumento da utilização
de material antigo.
Parece que só haveria uma desvantagem intrínseca: a incerteza quanto à permanência do
suporte digital, que, segundo alguns, não passaria de 15 anos. Há outras desvantagens, por
assim dizer, extrínsecas, que não dependem do veículo em si, mas de como se construíram os
mecanismos políticos e econômicos de comercialização dos PCEs. Uma dessas desvantagens
e que toca de perto o trabalho dos bibliotecários refere-se aos procedimentos de seleção,
compra e gerenciamento dos serviços de acesso aos PCEs. E, é claro, os custos mais alto
desses procedimentos, em comparação com os que eram praticados com os periódicos
impressos em papel.
As bibliotecas, nos países desenvolvidos, podem lançar mão de várias possibilidades de para
compra da licença de acesso aos PCEs:
1) Diretamente de cada editora, que pode oferecer um ou poucos títulos ou milhares, como
Reed Elsevier.
2) De empresas que prestam serviço de hospedagem de conteúdo para as editoras que
mantêm periódicos em linha, como Ingenta, MetaPress, Extenza (Atypon), ou até de
sociedades científicas que realizam serviço semelhante, como o American Institute of Physics
(Online Journal Publishing Service).
3) De agregadores comerciais, que reúnem periódicos de múltiplas editoras, como Ovid,
EBSCO, OCLC (FirstSearch), etc.
Cada uma dessas opções tem suas características e elementos complicadores. Além das
complexas negociações com os fornecedores, que podem exigir dos bibliotecários e
administradores a mesma habilidade de comerciante da 23 de Março ou da José Paulino, é
preciso controlar se o que está disponível corresponde ao que foi comprado, o
dessparecimento, sem mais nem menos de títulos, interrupções no acesso, etc.
Separei para tratamento à parte uma outra grande vantagem prenunciada pelo PCE: seu baixo
custo. O PCE surgia num momento crítico. Como vimos, fazia mais de 30 anos que os preços
das assinaturas dos periódicos científicos vinham subindo de forma sistemática, sempre acima
da inflação dos países desenvolvidos. Isso está bem resumido na página de apresentação do
projeto JSTOR: "O rápido desenvolvimento das tecnologias da informação, especialmente
dos recursos de edição eletrônica, leva muitos membros da comunidade bibliotecária a crer
que haverá maneiras de aliviar as pressões [dos custos]. Os custos (supostamente) menores
relativos à editoração, produção, armazenamento e distribuição de conteúdo eletrônico
causaram a esperança em alguns setores de os preços das revistas realmente seriam
reduzidos, ou que surgiria um modelo de publicação menos dispendioso (isto é, a publicação
feita pelos próprios pesquisadores, a autopublicação). Infelizmente, nenhuma das iniciativas de
edição eletrônica até hoje resultou em economia relevante para as bibliotecas. As editoras que
oferecem assinaturas de versões eletrônicas e impressas tendem a vendê-las por um preço de
"pacote" (bundled), em geral de 10 a 30% acima do preço da assinatura apenas da versão em
papel. Relutantes em abandonar as assinaturas das versões em papel, na realidade
aumentando o custo da assinatura. Nesta época ainda de experiência, as bibliotecas justificam
esses gastos adicionais argumentando que estão oferecendo um nível mais elevado de serviço
a seus usuários, ao mesmo tempo em que aprendem sobre o impacto e os padrões de uso
dos formatos eletrônicos da literatura científica. Embora essas decisões possam ser tomadas
(e justificadas) com relação aos primeiros experimentos eletrônicos, é imporvável que essa
posição possa ser sustentada indefinidamente." (Ver em www.jstor.org)
O fato é que hoje não estamos mais numa fase experimental. O caminho está aberto para a
hegemonia a curto prazo do periódico eletrônico. Em 2005, cerca de 75% dos periódicos
científicos têm um equivalente (ou espelho, se me é permitido usar essa palavra que designa as
cópias de arquivos eletrônicos colocadas em diferentes lugares) eletrônico ou são
exclusivamente eletrônicos (Turner, 2005).
Ao contrário do que acontecia com as assinaturas de periódicos impressos em papel, cujos
preços eram públicos, as assinaturas de periódicos eletrônicos são flutuantes, e dependem do
tipo de arranjo ou composição de títulos a que chegam cliente e fornecedor. Há contratos que
incluem uma cláusula de non-disclosure, pela qual o cliente não pode revelar quanto pagou.
Apenas a título de exemplo e com a ressalva de que não disponho de maiores detalhes sobre
as condições contratuais de cada caso, vejamos quanto o consórcio de 70 bibliotecas de
instituições de ensinoe pesquisa do estado da Virgínia (EUA) (www.vivalib.org) gastou com
aquisição de periódicos em 2005:
No ano de 2003/2004, esse consórcio baixou um total de 3 654 032 artigos desses
diferentes fornecedores. O agregador comercial foi responsável por 68% desse total, ou seja
2 496 984 artigos.
O outro exemplo é o da Capes. Em 2004 o consórcio Portal de Periódicos dava acesso a 8
515 títulos que eram utilizados por 135 instituições. O total despendido foi de US$
16.280.139,00, o que corresponde a quase 50% dos investimentos com bolsas de estudos
no exterior no mesmo período. Nesse portal os dados estatísticos mostram que em 2004
foram baixados mais de 12 milhões de textos completos. Quase 50% dos textos baixados
foram da editora Reed Elsevier (ScienceDirect), que, sozinha, publica 2 100 títulos. A tabela
que mostra esses dados tem um segundo título que diz "acesso às bases com texto completo"
(Almeida, 2005; Capes, 2005). Há uma falta de clareza. Não se sabe se "texto completo" é o
mesmo que "artigo completo". Ficamos sem saber se texto completo significa artigo completo,
resumo completo, patente completa, livro completo, ou seja, unidades completas de
documentos, Se a dividirmos o total de "textos completos" pelo total de usuários potenciais
do portal, informado pela Capes como sendo de 1 321 000 docentes, estudantes e pessoal
técnico, teremos 9,63 "textos completos" por usuário potencial. Seria possível informar a
quantidade de páginas? Pouco ou muito?
O fornecimento de periódicos eletrônicos baseia-se não na compra de um produto, mas no
aluguel ou licenciamento de uso de um serviço por um prazo delimitado. A interrupção do
serviço implica a perda do direito de acesso. Esse direito poderá ser mantido desde que se
continue pagando uma quantia proporcional ao uso anterior. Em síntese, ao contrário do que
acontece com a publicação impressa, o usuário não conserva uma coleção mesmo depois de
cancelada sua assinatura.
Foi observado, há seis anos, que nem sempre as versões impressa e eletrônica de um mesmo
periódico se equivalem. Talvez hoje a situação seja diferente. Mas vale a pena levar em conta
a observação dessas variações feita por Helen Atkins (Atkins, 1999):
- A versão autorizada e integral é a impressa, que apresenta mais conteúdo (somente são
disponibilizados em linha artigos selecionados).
- A versão autorizada e integral é a eletrônica, que apresenta mais informações.
- Nenhuma das duas é integral ou autorizada, ou seja, é preciso acessar ambas para obter o
conteúdo na íntegra.
- As duas versões são mais ou menos equivalentes, mas pode haver diferenças nos artigos,
dependendo da versão que foi acessada.
Percebe-se que vêm aumentando as manifestações de diferentes setores que revelam
insatisfação com o ponto a que chegou a indústria da comunicação científica. Vários modelos
alternativos têm sido propostos. Algumas, como a de Herbert Van de Sompel e
colaboradores propõe uma alteração radical no atual modelo, com a finalidade de torná-lo
mais ágil, aproveitando ao máximo os recursos ainda inexplorados da tecnologia da
informação e da internet, mais garantido, com melhores filtros de qualidade e maior
competitividade (Sompel, 2004). Outra proposta, menos abrangente, foi feita por Ulrich
Pöschl, com a finalidade de criar um processo, com mais de uma etapa, em que houvesse
revisão interativa pelos pares e debates públicos (Pöschl, 2004).
Uma observação presente em muitos estudos é que no sistema atual o poder público aloca
recursos para a comunicação científica por meio de três vias, ou seja, o contribuinte paga três
vezes: 1) quando desembolsa dinheiro para financiar pesquisas; 2) ao pagar os salários dos
cientistas que atuam como avaliadores de originais; e 3) quando financia as bibliotecas. E, por
fim, ainda tem que pagar, e caro, pelas publicações que relatam os resultados das pesquisas.
Em contrapartida a essa situação, inúmeras iniciativas, em diferentes lugares, têm ensejado a
criação de periódicos eletrônicos de acesso livre, bem como repositórios ou agregadores que
possibilitam o uso gratuito das informações. Essa é uma área que cresce aceleradamente e
que hoje já forma uma espécie de cruzada em defesa da desmercantilização do conhecimento.
Só me será possível, neste pouco tempo, citar alguns casos.
A Association of Research Libraries, dos EUA, iniciou em 1997 o projeto SPARC (Scholarly
Publishing and Academic Resources Coalition), que congrega universidades, bibliotecas de
instituições de pesquisa e outras organizações. Sua finalidade é oferecer "uma resposta
construtiva às disfunções do mercado no sistema de comunicação científica." O SPARC atua
como incubadora de soluções alternativas aos periódicos comerciais e aos agregadores;
estimula parcerias que estimulem a expansão do setor não-comercial do sistema de
publicação científica. Além de atividades de formação de opinião, educação dos usuários e de
demonstração da viabilidade e eficiência de um sistema de edição que se contraponha ao
atual, trabalha no sentido de ampliar a desagregação hoje dominante. O PubMed Central do
National Institutes of Health é exemplo de trabalho em que colaborarou o SPARC.
Outro exemplo importante é a HighWire Press, uma divisão das Stanford University Libraries.
Outro exemplo importante é a HighWire Press, uma divisão das Stanford University Libraries.
Ela hospeda 885 periódicos, de acesso gratuito ao texto integral. São periódicos de alta
qualidade, todos submetidos a avaliação de originais pelos pares, e que hoje oferece mais de
um milhão de artigos em linha. Ali se encontram 73 dos periódicos citados com mais
freqüência.
Quanto à questão da recuperação da informação nesse mosaico, aparentemente caótico, de
iniciativas de acesso livre o OAIster, desenvolvido pelo University of Michigan Digital Library
Production Service, tem o objetivo de "crier uma coleção de recursos digitais, de orientação
acadêmica, disponíveis gratuitamente, e que eranm de acesso difícil. Já contém mais de 6
milhões de registros de mais de 500 instituições. (http://oaister.umdl.umich.edu/o/oaister/)
Li notícia de que o ISI está planejando o desenvolvimento de um serviço de acesso a esse
tipo de informação.
Todos conhecemos a história bem-sucedida do projeto SciElo, iniciativa da Bireme,
implantada em 1998, financida pela Fapesp e CNPq. Temos aqui um exemplo de um
agregador não-comercial, mantido com recursos públicos e que oferece acesso gratuito a
mais de 145 periódicos brasileiros, de diferentes disciplinas, e que atendam a critérios de
qualidade editorial. Além do SciElo Brasil, existem as versões de Chile, Cuba, Espanha e
Venezuela, com 112 títulos. O total de revistas disponíveis no Scielo é, portanto, de 257
títulos. Além de agregador, fomenta a produção de periódicos eletrônicos no continente
mediante o desenvolvimento e aplicação da chamada metodologia ScieElo para esse tipo de
edição.
Também em 1998 foi criado o African Journals OnLine (AJOL), como um projeto-piloto
administrado pela International Network for the Availability of Scientific Publication (INASP).
Hoje hospeda 229 periódicos de 21 países africanos, e tem projeto de desenvolver sistema
similar para os países do Sul e do Sudeste asiáticos.
Um modelo interessante (do tipo "o autor paga, mas o acesso é grátis") é o da Public Library
of Science. Seu objetivo é publicar revistas com a mesma qualidade editorial e científica das
revistas tradicionais, em formato eletrônico.
O serviço PubMed Central oferece acesso gratuito ao texto completo ou quase completo de
160 títulos de periódicos da área biomédica
(http://www.pubmedcentral.nih.gov/about/openftlist.html).
O Centro de Informações Nucleares da Comissão Nacional de Energia Nuclear mantém um
sítio regualmente atualizado sobre periódicos de acesso livre na internet. No final de
novembro de 2005, relacionava 2 209 títulos nas diferentes áreas. Ver
emhttp://livre.cnen.gov.br/Default1024.asp
O movimento em prol do acesso livre
Declarações de eminentes foros têm enfatizado a necessidade de se assegurar o livre e amplo
acesso aos resultados das pesquisas científicas. Em reuniões realizadas em Berlim, Budapeste
e Salvador especialistas de variadas disciplinas e de muitos países, bem como instituições
e Salvador especialistas de variadas disciplinas e de muitos países, bem como instituições
nacionais e internacionais, têm concordado com a necessidade de ser estabelecida uma
política que assegure o direito à livre circulação das informações científicas (IBICT, 2005;
Salvador, 2005; Wellcome, 2005).Encontra-se uma boa introdução sobre acesso livre em
http://www.earlham.edu/~peters/fos/overview.htm
Um dos mais completos documentos sobre os aspectos econômicos e políticos da
comunicação científica foi o relatório da comissão de inquérito do Parlamento inglês que
estudou essa questão e que já citei. Ali se anuncia que brevemente o Reino Unido
estabelecerá uma política para lidar com a disseminação e o acesso aos resultados de
pesquisas realizadas nesse país. É provável que essa política se fundamente em quatro
princípios fundamentais:
1) As idéias e conhecimentos resultantes de pesquisas financiadas com recursos públicos
devem ser tornados disponíveis e acessíveis para uso público, questionamento e análise da
forma mais ampla, rápida e eficiente que for possível.
2) Devem ser implantados mecanismos eficazes que assegurem que os resultados de
pesquisas a serem publicados se submetam a rigorosa garantia de qualidade.
3) Modelos e mecanismos de acesso aos resultados de pesquisas devem ser tanto eficientes
quanto eficazes em termos de custos no que concerne à utilização de recursos públicos.
4) Os resultados de pesquisas atuais e futuras deverão ser preservados e mantidos acessíveis
não só durante os próximos anos mas para as gerações futuras.
A reação da Royal Society não se fez esperar. No dia 24 de novembro de 2005, soltou nota
no seu sítio na internet. Ela defende o vetusto modelo que inaugurou em 1665 e declara o
receio de que a implantação de uma política de apoio a periódicos de acesso livre possa ter
um efeito danoso para as sociedades científicas e associações profissionais. A polêmica
coloca em campos opostos os conselhos de pesquisa do Reino Unido e sua tradicionalíssima
academia de ciências.
A Declaração de Salvador sobre Acesso Livre: a Perspectiva do Mundo em
Desenvolvimento, aprovada em seminário internacional que se realizou junto com o 9.
Congresso Internacional de Bibliotecas e Informação em Saúde, em Salvador, em setembro
de 2005, reitera as posições que vêm sendo defendidas pelos defensores desse movimento
internacional (Salvador, 2005).
Conclusão
Durante muitos anos, apesar das críticas isoladas que despontavam aqui e ali, a revista
científica reinou toda poderosa como o veículo ideal para a comunicação de resultados de
pesquisas e troca de informações entre os cientistas. Elas constituíam um elemento-chave na
atuação da maioria da sociedades científicas, que as tinham como único benefício a oferecer a
seus associados. Não constituíam um produto lucrativamente atrativo para a maioria das
editoras comerciais. Essa situação, acompanhando as próprias mudanças que ocorreram na
estrutura da pesquisa científica, principalmente a partir da década de 1960, foi sendo
modificada de forma paulatina e constante. Essa modificação consistiu essencialmente em
tornar os conhecimentos produzidos pela ciência - os resultados das pesquisas - como uma
matéria-prima dessa nova etapa do desenvolvimento do capitalismo, de uma economia que
tende cada vez mais a estar baseada na indústria do conhecimento. Matéria-prima abundante,
tende cada vez mais a estar baseada na indústria do conhecimento. Matéria-prima abundante,
inesgotável e, antes de tudo, fornecida gratuitamente e sem expectativa de recompensa
material. Implantava-se assim, em pleno capitalismo, uma versão pós-moderna do
colonizador predador que recebia dos índios pau-brasil em troca de espelhinhos e miçangas.
Espelhinhos e miçangas a que equivalem os lauréis efêmeros e as pífias gratificações por
produtividade científica.
É paradoxal dizê-lo, mas foram as facilidades advindas dos avanços da tecnologia da
informação que geraram a crise atual. Quer dizer, a crise foi gerada por razões de ordem
econômica e cultural. A inércia dos cientistas, o conservadorismo de sua maioria, a aceitação
passiva do statu quo, a ausência de consciência crítica, a busca da quimera de critérios
"objetivos" de avaliação de mérito, o fetiche da quantificação, a adoção de uma atitude
complacente diante dos problemas que os cercam.
Tudo que se havia acumulado nos últimos séculos com os avanços da tecnologia da
comunicação e da informação, desde a imprensa de Gutenberg, passando pela invenção da
linotipo, da impressão offset, das máquinas rotativas de impressão, até os computadores e a
internet seriam indícios, para o marciano distante que estivesse a nos observar, de que estaria
chegado o momento para que se desse a plena e universal difusão dos conhecimentos a todos
os interessados a um preço acessível ou até mesmo gratuitamente.
O aumento exorbitante dos preços das assinaturas dos periódicos em papel continuou sendo
praticado com os periódicos eletrônicos nos chamados "big deals" em que as grandes editoras
empacotam os títulos e enrolam os compradores. O chamado bundling (quando o fornecedor
exige que o consumidor compra um pacote ou feixe (bundle) de periódicos eletrônicos,
mesmo que a ele só interesse um dos títulos não passa de um mecanismo de venda casada.
Na definição do Ministério da Fazenda: "prática comercial que consiste em vender
determinado produto ou serviço somente se o comprador estiver disposto a adquirir outro
produto ou serviço da mesma empresa. Em geral, o primeiro produto é algo sem similar no
mercado, enquanto o segundo é um produto com numerosos concorrentes, de igual ou melhor
qualidade. Desta forma, a empresa consegue estender o monopólio (existente em relação ao
primeiro produto) a um produto com vários similares. A mesma prática pode ser adotada na
venda de produtos com grande procura, condicionada à venda de outros de demanda
inferior." O artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor considera essa uma prática
abusiva, ilegal, portanto.
Como muito bem sintetizou o professor Jean-Mark Sens: "a publicação eletrônica realmente
não revoluciona a publicação científica, porém acentua algumas das tensões existentes em
termos de flutuação de preços, durabilidade, duplicação de informação, inovação e
obsolescência relacionadas com vida efêmera dos periódicos" (Sens, 2003).
A situação atual é insustentável para todos os países. Para mudá-la de forma conseqüente e
duradoura será preciso abordar o problema no contexto mais amplo dos mecanismos de
incentivo à produção científica, no abandono da avaliação com base na publicação em
revistas de determinado "fator de impacto" ou que sejam tidas como de prestígio
internacional. As universidades e demais instituições de pesquisa deverão encampar o
movimento internacional do Acesso Livre (Open Access), promover a implantação de
repositórios institucionais e valorizar em primeiro lugar a publicação em revistas nacionais que
estejam disponíveis gratuitamente na internet.
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Texto também disponível em
http://www.briquetdelemos.com.br/briquet/briquet_lemos7.htm
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