EMPREGABILIDADE – UMA VISÃO CRÍTICA adm. Paulo Roberto Pereira da Costa A OIT – Organização Internacional do Trabalho, estima que há em todo o mundo cerca de 160 milhões de trabalhadores desempregados, a maioria dos quais jovens em busca do primeiro emprego. Há mais de um bilhão de jovens, entre 15 e 24 anos de idade, em todo o mundo. Isto é, uma em cada cinco pessoas que habitam o planeta é jovem. Significam cerca de 18% da população mundial e 85% vivem em países em desenvolvimento. Nesse cenário está inserida a mais profunda mudança das relações do trabalho ocorrida em tempos modernos – o declínio do emprego formal. Esta nova situação exigirá maior criatividade, por parte dos administradores, e mais eficácia no cumprimento das exigências de projetos sem vínculos duráveis, por parte dos executivos. No mundo inteiro, o emprego fixo e de longa duração tem retraído e novas modalidades de trabalho se expandem, como a sub contratação, trabalho por projetos, atividade autônoma, tarefas realizadas através de redes eletrônicas de comunicação, teletrabalho, etc. Os empregos, como nós os conhecemos, com seus postos fixos e horários próprios, que constituíam a própria alma das empresas e que se lastreavam em continuidade, comprometimento, competência, estão decididamente em processo de mudança. Como predisse Jeremy Rifkin, presidente da Foundation on Economic Trends, em seu best-seller publicado em 1995, “The End of Work”, traduzido no Brasil como “O Fim dos Empregos”, está ocorrendo um declínio radical no nível de empregos nos países desenvolvidos. Governos e sindicatos têm negociado a redução da jornada de trabalho como paliativo visando a compensar perdas laborais. Esse tipo de medida, contudo, não tem mostrado reflexo positivo no crescimento da força de trabalho, pois a indústria tem procurado compensar a redução do número de horas com aumento da produtividade e dos índices de automação, substituindo, portanto, mão de obra. 1 Reprodução somente com autorização do autor O conceito tradicional de sucesso, que tinha como paradigma, no Ocidente, uma carreira profissional construída com base em um emprego sólido, sedimentado ao longo de toda a vida, está definitivamente ameaçado. Esse tipo de emprego não está mais disponível para todos os trabalhadores. Agora o mercado de trabalho divide-se em dois mundos: o do emprego e o do trabalho. O emprego formal não é a única maneira de ganhar a vida e nem será a mais abundante daqui para frente. O trabalho é que está em alta. Hoje, esse trabalhador desempregado não deve mais buscar o mesmo cargo, mas uma atividade compatível com seus conhecimentos e experiências sem identificar exatamente aonde possam inserir-se na estrutura da empresa. A realidade do mercado tem mostrado que, na maioria das vezes, aquele trabalho, ou cargo antigo, não existe mais, com as mesmas funções e responsabilidades que seu último ocupante exercia. Procurei resumir no quadro que segue as principais características do mercado de trabalho no passado e atualmente. “Reavaliando sua Carreira” de Robert Critc hley. Ontem Hoje Emprego Trabalhar Escritório Espaço virtual Sucesso = degraus na carreira Sucesso = alinhamento de valores, metas e competências (entrecruzamento) autoridade influencia Status = posiçao Status = impacto direitos negociação Lealdade à empresa Compromisso com o trabalho e consigo mesmo Estabilidade no emprego Liberdade pessoal e controle Identidade determinada pela função e pela empresa Identidade determinada pelas circunstancias de vida e pelo trabalho desempenhado Chefes e gerentes Consumidores e clientes funcionários Fornecedores e Colaboradores Salários e Benefícios Contratos e honorários Enquanto isso, também as empresas passam por grandes mutações para se ajustarem aos novos tempos de competição em nível global. É evidente que esse processo tem forte impacto também no mundo do trabalho. Podemos listar algumas dessas conseqüências: • A estrutura das organizações se reduz com a informatização dos processos de administração, diminuição de custos fixos e terceirização de funções. 2 Reprodução somente com autorização do autor • Conquistas femininas nos campos da educação e do mercado de trabalho aumentam a oferta de mão de obra e, em conseqüência, a demanda por emprego. Trabalhos tradicionalmente realizados por homens passam a ser executado por mulheres. • Trabalhadores e atividades profissionais são transferidos de um país para outro. • Grandes empresas multinacionais concentram suas estratégias acionárias em seus países de origem e fecham capital nas nações onde têm subsidiárias. • Centros de Pesquisa e Desenvolvimento de novos produtos são centralizados em paises que detêm excelência. Peças, subconjuntos e conjuntos passam a ser fabricados pelas unidades que se mostram mais eficazes e capazes de suprir as demais empresas do grupo e o mercado mundial. • Mudanças de atividades profissionais tornam -se freqüentes. • A globalização afeta a organização do trabalho e estimula a redução dos níveis de hierarquia e a criação de equipes focadas em projetos. • Empregos tornam -se mais escassos. • Desempregados levam mais tempo para conseguir emprego. Este panorama evidencia um claro processo de mutação que leva o trabalhador a ter de repensar o próprio conceito de empregabilidade. Num passado ainda recente, o jovem administrador, ao ser admitido numa grande empresa, era levado a crer que a conquista de um bom cargo na estrutura formal seria apenas uma questão de tempo. Mas já passou a época em que diploma significava garantia de emprego. Os recrutadores das grandes empresas estão à procura do que o candidato sabe fazer e, sobretudo, do que é capaz de aprender. Assim, para crescer numa organização é preciso mais do que formação acadêmica: é preciso estar capacitado a decidir, a criar, a liderar e motivar, além de ter independência e arrojo para correr riscos. E é preciso, ainda, que ostente o utras características, como: • • • • • • • Inteligência e personalidade adequada Valores Intuição Habilidade na condução de problemas humanos Autoconfiança. Determinação. Senso de prioridade 3 Reprodução somente com autorização do autor • • • • • • Objetividade - Foco Estabilidade emocional Coragem para assumir responsabilidades Visão analítica Visão estratégica Visão de Futuro Como se pode ver, as exigências atuais ajustam-se a perfis de super administradores, de generalistas. Defendo a tese de que, no campo da administração, o administrador só poderá ser um generalista após ter tido oportunidade de expor-se em uma ou mais especialidades. Só após essa experiência é que estará preparado para apresentar-se como um generalista, pois terá capacidade e experiência adequadas. Em resumo, CAPACIDADE = APTIDÃO + TREINAMENTO / DESENVOLVIMENTO + EXPERIÊNCIA. A fórmula vale para todos os campos de atuação. Com a velocidade das mudanças nas tecnologias e nos modos de produzir e de vender, a educação tornou-se elemento chave para a empregabilidade de todo o universo da força de trabalho. É condição sine qua non também para a competitividade das empresas. Rezam os manuais de contratação das empresas que o administrador precisará ser polivalente e assumir compromissos com um processo de educação permanente. Nesse contexto, os diplomas são, portanto, perecíveis, isto é, devem ter um certo prazo de validade e serem renovados com conhecimentos adquiridos num processo de educação contínuo que obriga seu portador a estar permanentemente atualizado. Mesmo assim muitas vagas não são preenchidas porque não há pessoas preparadas. É o momento, então, de perguntarmos qual será o papel do administrador nesses tempos de profundas mudanças nas relações de trabalho? Independentemente de crises econômicas que sempre existiram e que continuarão existindo, pois estamos diante de mudanças estruturais que vieram para ficar, qual será a nova concepção desse emprego que está se transformando em postos de trabalho, com a redução da força dos vínculos empregatícios? Nós, administradores, temos, portanto, de estar atentos para a construção de um novo humanismo nas relações capital-trabalho que deve, sim, privilegiar resultados, mas não rebaixar o trabalhador ao nível de uma peça de engrenagem, como retratou Chaplin em “Tempos Modernos”. A competição desfechada pela globalização não pode trazer em seu bojo ameaças às conquistas legítimas do trabalhador. Essas conquistas se traduzem em 4 Reprodução somente com autorização do autor aumento da dignidade das pessoas, em maiores e melhores oportunidades de crescimento profissional e na possibilidade de construção de um futuro promissor para as famílias. A verdade é que o emprego nas grandes corporações não oferece mais o regaço confortável e seguro almejado por muitos administradores num passado não muito longínquo. Essa mudança de paradigmas já começa a transparecer de maneira sintomática dentre os administradores, como notamos nos depoimentos que transcrevemos abaixo cuja fonte é reportagem publicada pela principal revista brasileira dedicada a questões empresariais, a revista Exame : 03/09/2003 “A ênfase na organização hoje é conseguir mais resultados com menos recursos e mais rapidamente. Se hoje vendo X a um custo 100, amanhã terei de vender 2X pelos mesmos 100. Minhas metas não são negociáveis. Quando tudo dá certo, o reconhecimento que recebo do chefe é só um: sabia que você conseguiria. Qual a próxima meta?” (Diretor de uma grande empresa de tecnologia). “Tenho sido obrigado a gastar mais de 40% do tempo com questões que não agregam valor”. (Diretor de uma multinacional). “Hoje há mais controle e menos autonomia. As demandas de reestruturação não param de surgir. Os ganhos são cada vez mais atrelados aos resultados, diante de metas mais duras e de um mercado recessivo. Tenho um bom salário, benefícios, e sou visto como um dos talentos da empresa. Mas, quanto tempo ainda agüentarei ficar?” (Gerente de uma multinacional). Aproveito para abordar alguns outros aspectos que me parecem distorções neste afã de perseguir a empregabilidade a qualquer custo. Observa-se uma tendência para convencer as pessoas de que a conquista de um bom emprego está fundamentalmente ligada à montagem de currículos pomposos e à construção de uma sofisticada rede de contatos. Constrange-nos observar que estratégias desse tipo estão sendo vendidas por publicações especializadas, por consultores e até por pessoas que se dizem especialistas em regras de etiqueta e em formas de vestuário capazes de encantar o futuro empregador. Que tristeza....a que ponto chegamos! É preciso lembrar que o administrador que age desta forma está iludindo a si próprio. Pois “ninguém pode enganar muitos por muito tempo”, como dizia Churchil. O que as empresas querem, em realidade, é performance. Observa-se ainda no mercado uma profusão de fórmulas mágicas apregoadas em livros e manuais, que são vendidas para jovens profissionais incautos e ansiosos para se colocar 5 Reprodução somente com autorização do autor na vitrine profissional. São muito mais programas de auto -ajuda, placebos inócuos, do que orientação profissional correta capaz de realmente fazer diferença no processo de preparação para o mercado de trabalho. Mas é preciso que o leitor tenha em mente, ao lêlos, a máxima de Emerson para uma reflexão: “Nem todo caminho é para todo caminhante”...(*) Assim, o profissional que se preocupar em polir seu currículo, sem dar ênfase ao real desempenho que dele se espera, terá êxito efêmero, virá a frustrar-se quando tiver de enfrentar os embates do cotidiano do mundo empresarial. Serão indivíduos com boa formação acadêmica, mas não adequados para o mundo do trabalho, profissionais com bagagem, mas sem rumo. Suas bússolas deverão ser reajustadas de acordo com cada momento. Para isso, deverão submeter-se, dentre outras exigências, a exercícios permanentes de coaching internos ou externos com profissionais especializados. Outro conceito que ainda subsiste, de forma equivocada, é aquele que sugere que, quanto mais mudança de emprego, maior será a empregabilidade. A mudança constante de emprego poderá gerar perda de valores, instabilidade psicológica e profissional o que, em suma, reduzirá o grau de empregabilidade do profissional. Tenho observado em minha consultoria empresarial, especializada em executive coaching, que as empresas freqüentemente se deparam com um conflito entre o potencial apregoado e o desempenho desejado. Percebo, também, com preocupação, que vem diminuindo o número de empresas que estimulam seus diretores a fazerem coaching e mentoring com seus subordinados. Creio que na raiz de tudo isso esteja um outro equívoco: a preocupação com o momento presente, com o aqui e agora. O foco é o resultado do dia, como para um atleta. Os resultados são medidos trimestralmente, os lucros têm de ser cada vez maiores para incrementar o valor das ações e remunerar o acionista. As empresas necessitam de fatos novos para alavancar o valor de suas ações em Wall Street, o que exige uma postura dos seus administradores com relação a resultados a curto prazo. É preciso superar esse senso da urgência, da pressão por resultados a serem obtidos em curtíssimo prazo com novas técnicas ou métodos de administração. Os administradores devem, sim, tomar conhecimento das últimas tendências, mas no caso de aplicá-las, fazêlas com moderação, como ensina Peter Druker, visando o interesse das empresas e o desenvolvimento das pessoas. Não devemos nos deixar iludir pelos modismos em administração. ________________________ (*) Máxima de Ralph Waldo Emerson (1803-1882), filósofo americano criador do transcendentalismo, preocupado com as limitações humanas. 6 Reprodução somente com autorização do autor Outro mito comum, ultimamente, é o do caráter indispensável do chamado profissional polivalente para o sucesso dos negócios. Muitos autores têm apregoado as virtudes desse ator capaz de jogar em várias posições. Trata -se, a meu ver, de um sofisma. Não entendo que um profissional possa canalizar seu talento para várias especialidades, pois isso resultará num jogo de soma zero, isto é, a eficácia dessa polivalência acabará neutralizando cada uma das vantagens isoladamente porque o potencial não se realizará em sua plenitude. Insisto, contudo, na necessidade das empresas investirem em seus administradores através de programas sistemáticos de Desenvolvimento de Executivos (management development) na identificação e manutenção de talentos, reconhecendo valores, interesses, inteligência e traços de personalidade mais adequados ao perfil da empresa. Não podemos, também, esquecer algo fundamental para a vida e para a perpetuidade da empresa, que é a formação moral, a ética, o caráter e a lealdade dos seus administradores, porque o sucesso de uma empresa sempre dependeu deles e mais do que nunca este tipo de exigência se tornará prioritário. Finalmente, o achatamento provocado pela globalização e, em muitos casos, pela reengenharia, tira o foco da atividade do administrador e o empobrece. Por outro lado, as fusões e incorporações de empresas multinacionais provocam um achatamento nas funções e responsabilidades dos seus administradores. Em função do downsizing, que cria desconforto e contrariedade dentre os executivos, o presidente da empresa passa a agir como diretor, o diretor assume funções gerenciais e os gerentes incumbem-se de atividades operacionais. Envolvidos neste processo perdem o seu próprio foco. CONCLUSÃO Nossas responsabilidades como administradores são imensas. Devemos ter em mente que vivemos um período em que a existência de uma força de trabalho mais competitiva e mais produtiva é crucial para a sobrevivência da empresa, mas não podemos deixar de lado valores humanísticos, como a confiança nas pessoas, a liberdade e o respeito ao indivíduo. Devemos, nós administradores, compatibilizar nossos valores com os das empresas em que trabalhamos. O avanço tecnológico e o desenvolvimento do conhecimento humano por si só não produzirão efeitos se a qualidade da administração não permitir uma aplicação efetiva desses valores. As organizações empresariais são complexas e envolvem situações que transcendem a fria análise dos números e o bottom line. Tarefas, metas, estruturas, tecnologia devem submeter-se ao primado das pessoas, exigindo que o administrador tenha capacidade para lidar com situações diversas envolvendo não só problemas tecnológicos e econômicos, mas também políticos e humanos. Reafirmo minha crença na necessidade das empresas investirem em seus executivos, especificamente em seus administradores, na descoberta de talentos e no investimento através de programas de desenvolvimento de executivos e no constante apoio por meio de 7 Reprodução somente com autorização do autor coaching. O diferencial da empregabilidade do administrador, que o conduzirá ao sucesso, serão sua personalidade e sua coragem de assumir riscos. O ambiente de trabalho continuará sofrendo importantes transformações como resultado das mudanças que vem ocorrendo no mundo corporativo. Haverá menos postos para se ascender, após processos de aquisições, fusões e enxugamento das empresas. Com a globalização, que veio para ficar, aumentarão a concorrência e a necessidade de resultados a curto prazo para uma efetiva remuneração dos acionistas. Tudo isto está elevando o nível de insatisfação, afetando o moral dos profissionais em geral, executivos e administradores, reduzindo consideravelmente a motivação. É preciso que tenhamos sabedoria para saber aliar a juventude com a experiência dos velhos, minimizando o culto ao jovem e a cultura do descartável. E, se em algum momento, tivermos dúvidas de que estamos fazendo a coisa certa, devemos nos perguntar se gostaríamos que nossos filhos viessem a trabalhar em nossa empresa. Se a resposta não for decididamente positiva, devemos pensar em mudar com urgência nossos procedimentos porque, certamente, nossos funcionários e nossos clientes estarão pensando a mesma coisa. *** 8 Reprodução somente com autorização do autor