Em pouco mais de um ano, por contingências que a memória não há-de guardar, assistimos, participando, à tomada de posse do segundo director da Escola Secundária de Emídio Navarro no período pós-25 de Abril. Por coincidência celebrativa, fazemo-lo dois dias após as comemorações do centenário da República que tem a sua secular existência indelevelmente marcada no historial desta escola. O conceito de “coisa pública” perde-se no tempo, e tem como primeiro topos existencial verosímil a Roma, anterior ao império, de 509 a. C. Platão, um pouco depois, no séc. IV. da mesma era, daria à estampa um exame maiêutico, servido por um diálogo vivo a que chamou Politeia, mas que haveria de atravessar os séculos com o expressivo nome de A República. Os tempos que a fortuna colocou no nosso caminho terão pouco que ver com as velhas civilizações grega e romana. Terão? A Republica de Platão, escrita em tempos de declínio da democracia, já então, permeável às injustiças e à corrupção, advogava uma organização social fortemente estratificada e reprodutora. O Estado, que tudo administrava, devia ser entregue aos melhores e, qual semelhança, a educação, de modo a permitir um crescimento mais perfeito e harmónico, era inteiramente regulada pelo Estado que cuidava das crianças, subtraídas à tutela dos pais. Estranha república que, ressentida, em vez de melhorar e aperfeiçoar o sistema democrático, ia, em largas passadas, lançando o descrédito na própria república. 25 Séculos de História e um quase nada de progresso civilizacional. Cícero, no séc. I a. C., ainda patrocinava o regresso à república enquanto esperança para adiar a queda previsível do império. Depois, na Europa e no mundo, foi necessário esperar pelas Revoluções Americana e Francesa para que o conceito, assente nos valores da liberdade, da igualdade e da fraternidade, ganhasse adeptos e vingasse. Finalmente em 1910, estávamos em Outubro, era dia 5 e, em Lisboa, implantava-se a República. Hoje, os seus desígnios, velhos de cem anos, centrados na protecção e segurança face ao desemprego, invalidez e doença, apoio à família e defesa de um horário de trabalho inseparável do descanso semanal, conhecem uma decomposição que anuncia, a breve trecho, o fim do estado social e, com ele, o desaparecimento, que há-de ser progressivo, dos seus principais valores fundacionais. A braços com um analfabetismo, rondando os 80%, e na esperança de que cidadãos mais informados seriam mais participativos e socialmente empenhados, as grandes preocupações, de então, dirigiram-se para uma profunda reforma do ensino, centrada na construção de escolas e na formação de professores, em paralelo com a reforma das universidades e de um cuidado dirigido ao ensino elementar, secundário e politécnico. Tal ideário leva-nos a uma inevitável analogia com o presente. Portugal, 1 mergulhado numa persistente deriva económica, tem, na sua agenda, problemas de invulgar gravidade em qualquer dos sectores que, fragilizando a democracia, desamparam a república. Em tempos de crise, a escola, por ser mais vulnerável, é das primeiras instituições a sofrer os seus nefastos efeitos. Estudantes mal nutridos, famílias com desempregados vão exigir da escola uma atenção redobrada, sinalizando e respondendo a potenciais crianças e jovens em risco. Isso mesmo descobrimos, como intenção, no projecto do novo director. Estaremos disponíveis para o ajudar a cumprir esse desígnio. Uma escola é essencialmente o lugar das aprendizagens, onde cabe por inteiro a preparação para um futuro que prevemos, mas desconhecemos. Aqui se ensina e, quem o faz, ontem como hoje, está imbuído de uma missão que em muito ultrapassa o espartilho profissional. As condições de trabalho dos professores degradam-se; na sociedade, a sua imagem, meticulosamente afectada, torna-os também vulneráveis perante a indisciplina crescente. Sentem-se submersos numa burocracia desmedida e inoperante; sujeitos a uma avaliação, cada vez mais injusta e incompreensível, e, por isso, incapaz de empreender as mudanças qualitativas, de que o sistema de ensino tanto carece. Os professores encontram-se órfãos do tempo necessário para cuidar dos seus alunos. M. Maria Carrilho, num diagnóstico recente, em poucas palavras, expunha as razões de mais uma reforma errante: escassa sensibilidade à missão humanística, muito deslumbramento tecnológico e uma contínua crispação com os professores, cuja cumplicidade é vital para se reformar o ensino (MMC, 2010). Nesta deriva, a gestão das escolas perdeu a designação democrática. Desenvolve-se agora num modelo unipessoal, assente na eficácia e nos resultados, qual caixa de Pandora por onde pode escapar, a todo o momento, o autoritarismo, a hostilidade, o favorecimento, o descontentamento, enfim, a dependência. Na nossa escola, num curto período, depressa percebemos o alcance de tal intuito. Com evidentes custos pessoais, mudámos a tempo de paradigma e, perscrutando Galileu, sabemos um pouco melhor o que muda e o que permanece ou, como ironicamente pergunta António Gedeão: Quem acredita que um penedo caia com a mesma rapidez que um botão de camisa ou que um seixo da praia? Vários são os projectos e muitas são as mudanças que é necessário implementar; algumas estão literalmente descritas no Projecto de Intervenção do Dr. Paulo Viegas. A premência de umas e a justeza de outras terão no Conselho Geral um forte aliado. A comunidade escolar e com ela a comunidade educativa esperam que estejamos à altura do que é preciso mudar para melhorar. A nossa sobrevivência, como escola, depende do que soubermos construir, colaborando; do que soubermos decidir, negociando; do que conseguirmos partilhar, abdicando ou, como bem evidencia Drummond de Andrade em As Impurezas do Branco: 2 […] Restam outros sistemas fora do solar a colonizar. Ao acabarem todos só resta ao homem (estará equipado?) a dificílima dangerosíssima viagem de si a si mesmo: pôr o pé no chão do seu coração experimentar colonizar civilizar humanizar o homem descobrindo em suas próprias inexploradas entranhas a perene, insuspeitada alegria de con-viver. O Homem, as Viagens [1978] Ao Dr. Paulo Viegas, que agora assume a tarefa de gerir esta diversa e distinta comunidade, e à sua equipa, o CG, deseja um desempenho que preencha as nossas melhores expectativas, anseio, certamente, subscrito por quantos se revêem nesta instituição. jcosta 3