RETOMANDO REFLEXÕES SOBRE TENDÊNCIAS PEDAGÓGICAS
NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA
Beatriz Helena Furlanetto/ PUCPR *1
Resumo
Neste trabalho procuramos percorrer a trajetória histórica da educação brasileira ressaltando as
tendências pedagógicas nela presentes, e discutindo alguns aspectos sociais e políticos que
avalizam um sistema dual de ensino: uma “educação-privilégio” presente no Brasil desde o
Período Colonial. A ação pedagógica dos jesuítas fundava-se numa cultura transplantada que
auxiliava o colonizador a manter o domínio e a introjetar no colonizado o conformismo. O
dualismo colégio para os ricos e escolas para os pobres apresentava a distinção que se estabelecia
entre a elite e o povo. Este sistema dual de ensino atravessou o período colonial e imperial e
manteve-se no período republicano. Ao sistema de ensino popular, até o início do século XX, é
dado pouca importância: a educação permanece acadêmica e aristocrática , e a ela se atribui o
status da elite. A reorganização da sociedade brasileira refletir-se-á no movimento educacional
denominado “escolanovismo”, o qual irá defender a educação como um direito assegurado a
todos pelo Estado, mas, enquanto pedagogia burguesa, a Escola Nova continuará mantendo a
divisão entre as classes sociais – elite e povo. A concepção social de mundo positivista auxiliou a
fragmentar o saber e a impor o Tecnicismo na prática educacional brasileira, que permanece
presente nas escolas. Atualmente, a ideologia neoliberal concebe a educação como bem de
consumo: enquanto uma mercadoria a ser adquirida, a educação é um produto acessível às
camadas que possuem poder aquisitivo. Portanto, a “educação-privilégio” revela uma prática
educacional não-democrática, acessível a poucos e mantenedora da ordem social e política
estabelecida.
Palavras-chave: Educação Brasileira; Tendências Pedagógicas; Ensino Jesuítico; Escola Nova;
Tecnicismo.
Introdução
Na trajetória histórica da educação no Brasil, pode-se perceber que algumas tendências
pedagógicas conformam-se e se traduzem em políticas educacionais, que, aparentemente,
avalizam um sistema de ensino dual e reforçam a distinção entre elite e povo. Assim, uma
“educação-privilégio” parece estar presente nesse país desde a sua colonização. Este texto procura
* Mestranda em Educação na Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
E-mail: [email protected]
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apontar, sucintamente, alguns aspectos do percurso histórico, social e político do processo
educacional brasileiro, e suas repercussões na atualidade.
Neste trabalho as tendências pedagógicas são compreendidas, segundo Miguel (2004, p.9),
como expressões de “determinadas concepções de homem, de mundo e de educação que,
provenientes do desenvolvimento social, conformam-se e se traduzem em políticas educacionais
moldando uma forma específica de ser da organização do sistema escolar e da escola”.
Do Período Colonial ao início do Século XX
Os jesuítas da Companhia de Jesus chegaram ao Brasil em 1549, como representantes do
movimento de expansão colonialista português alicerçado na ideologia católica da ContraReforma, e com o objetivo de recrutar fiéis e servidores através da ação educadora.
“Desde que chegaram ao Brasil, os jesuítas estabeleceram escolas e começaram a ensinar a
ler, a escrever e a contar e cantar.[...] As letras deviam significar adesão plena à cultura
portuguesa” , afirma Paiva ( 2000, p.43 ) ao analisar a escola jesuítica no contexto colonial. As
letras pertenciam à corte, como eixo social, e através delas se confirmavam a organização da
sociedade – a qual determinava os graus de acesso às letras: a uns ( filhos dos nobres ) mais e a
outros ( índios e escravos ) menos.
A ação pedagógica dos jesuítas fundava-se numa cultura transplantada que auxiliava o
colonizador a manter o domínio e a introjetar no colonizado o conformismo.
“O ensino que se baseava no latim, na literatura clássica e na retórica, destituído de qualquer
sentido crítico, contribuiu para aumentar a distância entre os que sabiam e os que não tinham a
possibilidade (condições materiais e sociais) de ‘adquirir’ o saber. O dualismo colégio para os
ricos e escolas de ler e escrever para os pobres ( futuros liceus de artes e ofícios ) avalizou a
distinção que se estabelecia entre a elite ( os que tinham posses e detinham o saber ) e o povo ( os
destituídos )” ( SAMPAIO, SANTOS, MESQUIDA, 2002, p.175).
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O Ratio Studiorum, código pedagógico dos jesuítas, fundamentava-se na compreensão de
uma sociedade teocêntrica: destinação do homem e de todos os seus atos para Deus, cujo
princípio estrutural é a autoridade hierarquizada – Deus como princípio e fim – , da qual decorrem
a centralização, a uniformidade e a disciplina. Os jesuítas, humanistas por excelência, se
preocupavam em desenvolver as atividades literárias e acadêmicas, que correspondiam aos ideais
de “homem culto” em Portugal, caracterizando um saber fechado ao espírito crítico e alheio à
realidade da vida da Colônia.
“O fato do ensino, nas escolas jesuíticas e principalmente nos colégios, pautar-se por princípios
que não guardavam relação com o que se passava fora dos muros escolares, traduz o caráter
formal da educação aristotélico-tomista, matriz do modelo pedagógico adotado pelo movimento
da Contra-Reforma. Nessa concepção, o mundo é obra divina, acabada, perfeita. As imperfeições
são decorrência da imperfeição humana deformada pelo pecado. Ao homem resta tornar-se
perfeito, mortificando-se, flagelando-se ou admirando a obra divina” ( MIGUEL, 2004, p.17 ).
Para esta autora, nos dois séculos de permanência no Brasil, o ensino jesuítico constituiu
um sistema educacional único, com os mesmos tipos de escola de norte a sul do país, o mesmo
currículo, os mesmos conteúdos e a mesma metodologia, conformando a primeira tendência
pedagógica calcada no Humanismo tradicional.
Esta educação literária, humanista, não apresentava utilidade visível para uma economia
fundada na agricultura rudimentar e no trabalho escravo, por isso não podia contribuir para
modificações estruturais da vida social e econômica do Brasil, e acabou se tornando elitizada.
“Foi ela, a educação dada pelos jesuítas, transformada em educação de classe, com as
características que tão bem distinguiam a aristocracia rural brasileira, que atravessou todo período
colonial e imperial e atingiu o período republicano, sem ter sofrido, em suas bases, qualquer
modificação estrutural” , segundo Romanelli ( 1991, p.35 ). Esta educação como símbolo de
classe era destinada aos filhos dos senhores de engenho – os primeiros representantes da Colônia
junto à Corte.
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O Marquês de Pombal, vinculado às idéias anticlericais provindas do enciclopedismo,
expulsou os Jesuítas de Portugal e de seus domínios em 1759, gerando inúmeras dificuldades para
o sistema educacional brasileiro.Tentando reorganizar o ensino e estabelecer seus novos objetivos,
o governo de Pombal criou uma Direção Geral para a Colônia – encarregada de toda estrutura
educacional no Brasil. Para Alves ( 2002, p.46 ) “ a intenção era modernizar a educação da elite
colonial para que ela pudesse servir melhor aos interesses e projetos de exploração da Metrópole
Portuguesa”. Entretanto, os objetivos de um ensino mais moderno (conforme os modelos das
potências européias ), de natureza científica e de aprofundar a língua portuguesa, propostos pelas
“Reformas Pombalinas” não foram alcançados, pois a educação dos jesuítas – as humanidades, o
academicismo e o aristocracismo – foi preservada pelos professores do clero secular e dos leigos
formados nos colégios da Companhia de Jesus.
A instalação do governo português no Brasil, de 1808 a 1821, introduziu aqui instituições
de ensino superior, criou organismos de caráter cultural e científico, e impulsionou a arte, para
que a Corte tivesse uma vida cultural e educacional. Com a volta do Rei Dom João VI para
Lisboa, seu filho Dom Pedro ocupou o governo brasileiro e o proclamou independente, tornandose o Brasil um Império.
Segundo Alves ( 2002, p.49 ), essa autonomia política não acarretou mudanças
significativas para o país, pois o sistema monárquico foi preservado pela presença do Imperador, e
a Corte foi substituída pelas elites econômicas e intelectuais ( e entre eles os padres ligados ao
Estado ), que ocuparam postos da administração pública. E em 1824, o Brasil promulga sua
primeira Constituição, que “consolida o estado sóciopolítico-econômico que existia no tempo da
Colônia, inclusive no que concernia à Igreja e às suas relações com o Estado”. A Religião
Católica Romana foi reconhecida como religião oficial do Brasil, mas o Imperador era sua
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autoridade máxima e nomeava, inclusive, os bispos. Em relação à Educação, a Constituição
acrescentou o ensino primário obrigatório para todos.
A ausência de recursos das Províncias, no entanto, leva ao estado de abandono o ensino
público, primário e gratuito, abrindo espaço para que a iniciativa privada assumisse tal tarefa,
especialmente no nível secundário.
“A partir desse momento, mais e mais as escolas privadas secundárias, à medida que o
acesso ao ensino superior se torna possível, tornam-se escolas a serviço das elites, que
tinham em vista ver seus filhos, o mais cedo possível, incorporados à ‘classe dos homens
letrados’, reconhecidos como habilitados para preencher as funções sociais que tornam
possível a manutenção do padrão de vida, do status, e de subir na hierarquia
administrativa pública” ( ALVES, 2002, p.51 ).
Em meados do século XIX, a expansão da produção e da exportação do café gerou um
crescimento econômico no Brasil, e uma camada intermediária surgiu na estrutura social: uma
pequena burguesia vinculada aos ideais liberais europeus, anticlericais, positivistas e republicanos
– contrários à ordem fundada em ideais aristocráticos-feudais – que conquistou a abolição da
escravatura e a proclamação da República.
A Constituição da República de 1891, que instituiu o sistema federativo de governo, iria
consagrar, na prática, o sistema dual de ensino que se vinha mantendo desde o Império, ou seja,
uma educação para a classe dominante ( escolas secundárias acadêmicas e escolas superiores ) e
outra para o povo ( escola primária e escola profissional ), refletindo uma dualidade que era o
próprio retrato da organização social brasileira, segundo Romanelli ( 1991 ) , e representava
também os antagonismos em torno da centralização e descentralização do poder, isto é, os direitos
e competências reservados à União e ao Estado.
O poder político, econômico e cultural se conservou nas mãos da classe que tinha recebido
a educação humanística originária da Colônia, e que atravessou o Império sem modificações
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estruturais. Portanto, a velha mentalidade escravocrata marcava o comportamento das camadas
dirigentes e das massas, que se acostumaram a ligar trabalho com escravidão.
“O povo, principalmente as camadas médias que almejavam ascender na escala social, afastou
logo de si a idéia de educar-se para o trabalho. Decorreu daí que, malgrado os esforços privatistas
das camadas dominantes, a educação, que acabou por expandir-se, foi justamente aquela que
representava o próprio símbolo de classe. [...] A classe média aspirava ao status de elite e não
podia ver na educação para o trabalho, tão estigmatizado durante três séculos, um objetivo
almejável” ( ROMANELLI, 1991, p.44 ).
Assim, a permanência da educação acadêmica e aristocrática e a pouca importância dada
à educação popular marcaram a situação educacional até o início do século XX, quando o
processo de urbanização –
impulsionado pela industrialização – propiciará novos rumos à
educação brasileira.
A Educação Brasileira no Século XX
O crescimento econômico dos centros urbanos, a transformação do capital agrícola do café
em capital financeiro, o surgimento da burguesia industrial e do operariado, o desenvolvimento do
comércio e das novas instituições financeiras, todas essas modificações irão provocar uma
reorganização ( inclusive arquitetônica ) da sociedade brasileira, e revestirão de importância a
educação – atribuindo-lhe uma missão de progresso dentro da ordem, segundo Miguel ( 2004,
p.22 ). Na escola primária “iam se integrar o humano e o nacional. Iniciou-se então a difusão do
seu caráter obrigatório, dotado de significado democrático e republicano. Seria esta instituição a
responsável pela diminuição da diferença entre a elite e o povo. Surgiu aí a idéia da escola
enquanto formadora do homem produtivo”.
A concepção do homem como recurso humano para o progresso da nação, somada aos
princípios de racionalização e de sistematização, representam a implantação do modelo industrial
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na rede escolar: o liberalismo educacional. Para Miguel ( 2004, p.26 ) “a concepção de mundo é a
do mundo industrial, no qual os produtos naturais são transformados para gerar valor, as relações
entre o homem e o mundo do trabalho são estabelecidas no processo de geração de riquezas, e a
educação é a técnica pela qual capacita-se o homem enquanto gerador de mais recursos”. E, a
pedagogia considerada necessária para desenvolver o homem produtivo, será a Pedagogia da
Escola Nova.
O movimento educacional renovador brasileiro tem suas bases no “escolanovismo”
surgido em fins do séc. XIX na Europa e nos Estados Unidos. Este movimento se opunha às
práticas pedagógicas tradicionais, visando uma educação que pudesse integrar o indivíduo na
sociedade e ampliar o acesso de todos à escola.
Publicado em 1932, o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova” – escrito por
Fernando de Azevedo e assinado por vários intelectuais – resulta de discussões sobre os
problemas relacionados à educação, e representou uma cisão entre educadores progressistas e
conservadores. Os reformadores ou “pioneiros” defendem, no Manifesto, a gratuidade, a
obrigatoriedade, a laicidade, a co-educação e o Plano Nacional de Educação. Os conservadores,
partidários da escola tradicional,
“ viam na interferência do Estado um perigo de monopólio e na laicidade e co-educação, uma
afronta aos princípios da educação católica. Encarados os fatos à distância, no tempo, é possível
perceber que, subjacentes aos objetivos explícitos dessa luta, estavam, na verdade, objetivos
implícitos, que consubstanciavam o verdadeiro sentido do movimento. A reafirmação dos
princípios e valores da educação confessional significa, em realidade, a determinação dos grandes
grupos, que até então vinham monopolizando o ensino, de impedir, a todo custo, a perda desse
monopólio que a ação do Estado naturalmente haveria de acarretar” (ROMANELLI, 1991, p.130).
A luta ideológica entre essas duas correntes, portanto, era não apenas de caráter religioso,
mas também apresentava aspectos políticos e econômicos. As escolas públicas e gratuitas
poderiam representar o esvaziamento das escolas privadas, e ameaçariam os privilégios da elite –
os “donos” do conhecimento e das estruturas do poder.
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A urbanização crescente e a reorientação do modelo econômico, no sentido da
industrialização, fez crescer a demanda social da educação, e o direito de todos à educação se
torna a principal máxima do movimento renovador. Assim, o Manifesto expõe que esse direito
seria garantido apenas se o Estado assegurasse às camadas menos favorecidas o acesso ao ensino
– público e gratuito ; o direito de todos também representaria a igualdade do homem e da mulher
às mesmas oportunidades educativas – co-educação; e a escola deveria estar acima de crenças
religiosas – laicidade.
A “escola única” representaria um programa de reconstrução educacional nacional e
deveria oferecer uma educação comum e igual para todos, que estimulasse a colaboração entre
pais e professores, que tivesse autonomia, que aplicasse os métodos científicos aos problemas
educacionais e que mantivesse uma continuidade nos seus quatro períodos (pré- primário,
primário, secundário e superior).
A nova concepção de escola coloca o educando como centro do processo educativo, e a
escola como um ambiente dinâmico, envolvido com a comunidade, e que ofereça atividades
alegres e espontâneas, que sejam interessantes e dirigidas à satisfação das necessidades dos
próprios indivíduos, enfatizando a posição da escola em face da vida como uma “instituição
social” ( Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, 1932).
A concepção de educação proposta pela Escola Nova, portanto,
“modificou consequentemente , a concepção de professor, aluno, trabalho pedagógico,
conteúdos, formas de avaliação e também, a relação com o educando durante o processo ensinoaprendizagem. O professor passou a ser visto como aquele que, na sua tarefa educativa, se
utilizaria do método científico levando para a sala de aula as experiências no campo pedagógico;
experiências inspiradas, principalmente pela Biologia Educacional, Psicologia da Aprendizagem e
do Desenvolvimento e, ainda pela Sociologia. A formação do professor passou, a partir desse
momento, a ser percebida como necessariamente muito mais sólida, uma vez que não se
fundamentava apenas na vocação enquanto um dom inato, mas sim na Pedagogia entendida como
a ciência da Educação” ( MIGUEL, 2004, p.31).
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Segundo Romanelli (1991), ao considerar a educação como um direito assegurado a todos
pelo Estado, e defender uma escola pública gratuita, obrigatória e leiga, opondo-se à educaçãoprivilégio, o Manifesto trata a educação como um problema social – o que é um avanço para a
época – e , ao traçar diretrizes novas para o estudo da educação no Brasil, representa também uma
tomada de consciência por parte dos educadores. O Manifesto representa, assim, a reivindicação
de mudanças totais e profundas na estrutura do ensino brasileiro, em conformidade às novas
necessidades do desenvolvimento da época, e sua luta é contra a escola tradicional, não contra o
Estado burguês.
Para Miguel ( 2004 ), a Escola Nova no Brasil pode ser entendida como uma pedagogia
burguesa que expandiu a escolarização, utilizando a Razão Humana no plano educacional –
ideário do Humanismo Moderno – e manifestando-se em uma metodologia científica que
procurou manter a divisão entre as classes sociais.
À medida que a década de 70 foi transcorrendo, “a Pedagogia Tecnicista se delineou com
características bastante próprias e, inclusive, passou a ser adotada como pedagogia oficial,
compondo a maior parte das bibliografias dos concursos públicos para o ingresso na carreira do
magistério”, segundo Ghiraldelli Jr. ( 1990, p.196).
Enquanto no Humanismo Tradicional o sujeito da educação era o professor, e na Escola
Nova o aluno passou a ocupar este lugar, no Tecnicismo a técnica é o centro da educação. A
concepção taylorista de trabalho – valor atribuído ao técnico sobre o humano – e a concepção de
homem enquanto recurso humano – o “capital humano” de Schultz – aliado aos princípios de
racionalidade, eficiência e produtividade, irão colocar a educação em função do mercado.
As idéias positivistas, presentes no início da República para formular sua ideologia da
ordem e do progresso, também influenciaram a escola tecnicista. Para Iskandar e Leal ( 2002,
p.91-92 ), o positivismo “admite apenas o que é real, verdadeiro, inquestionável, aquilo que se
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fundamenta na experiência.” A classificação das ciências proposta por Comte gerou a
fragmentação do conhecimento e a especialização: os positivistas favoreceram a ascensão das
ciências exatas sobre as ciências humanas, e “o conhecimento fragmentado levou à elaboração de
currículos multidisciplinares, restringindo qualquer tipo de relação entre diferentes disciplinas”.
Para os tecnocratas governistas dos anos 70 do século XX, o tecnicismo pedagógico era
superior às demais teorias por sua cientificidade, apresentando a educação baseada em teorias da
instrução, objetivos operacionais, avaliação formativo-somativa, estratégias de ensino e análise de
custos e efetividades, segundo Ghiraldelli Jr. ( 1990 ).
Entretanto, como afirma Horta ( 1973, p.229 ), “ao se preocupar com a qualidade do
ensino, o tecnocrata visa garantir-lhe maior eficácia e rentabilidade, medidas em função da
capacidade do sistema de ensino em ajustar a formação de ‘recursos humanos’ às necessidades
econômicas do país”. Ou seja, a procura pela eficiência, por parte dos tecnocratas, visa à
adequação do sistema de ensino às estruturas sócio-políticas e o fortalecimento dos grupos
políticos dominantes.
Para Miguel ( 2004, p.50 ), o tecnicismo não foi superado: “embora a nova Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional já esteja em vigor, desde 1996, a concepção de educação
que parece ser preponderante é a da competitividade colocando o homem a serviço do mercado”.
O tecnicismo, portanto, reestruturou o sistema educacional, constituindo-se numa nova
tendência educacional que continua presente no ensino brasileiro.
Considerações Finais
Percorrendo este breve percurso histórico da educação no Brasil, pode-se afirmar que a
organização da educação das elites – “educação-privilégio” – teve início no Período Colonial, sob
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a égide dos jesuítas. Tinham acesso à educação os membros da classe hegemônica do país, ou
seja, uma minoria de funcionários públicos, os proprietários de terras e os donos de engenho de
cana. Nos colégios, os ricos se tornavam “homens cultos”, e nas escolas o povo aprendia apenas a
ler e escrever. Esta ação pedagógica dos jesuítas fundava-se numa cultura transplantada que
auxiliava o colonizador a manter o domínio e a introjetar no colonizado o conformismo.
A educação de classe, dada pelos jesuítas, atravessou o período colonial e imperial, e no
período republicano manteve-se o sistema dual de ensino – uma educação para as classes mais
favorecidas e outra para o povo. Esta educação acadêmica e aristocrática, à qual se atribui o status
da elite, permanece presente até os dias de hoje, pois, mesmo defendendo uma educação pública
gratuita e obrigatória, a Escola Nova manteve esta distinção das classes sociais, justificada pelas
diferenças individuais: sua luta foi contra a escola tradicional e não contra o Estado burguês.
O Tecnicismo, adotado como pedagogia oficial no Brasil na década de 70, colocou a
técnica como o centro da educação e o homem enquanto recurso humano, ajustando o sistema de
ensino às estruturas sócio-políticas. Ao fragmentar o saber e adotar um modelo de uniformização
e de treino técnico nas escolas, os sujeitos são qualificados para a repetição: o homem é tratado
como capital humano, em função do mercado.
Atualmente presencia-se a imposição da ideologia neoliberal no pensamento educacional
brasileiro, a qual concebe a educação como bem de consumo, ou seja, a educação é vista como
uma mercadoria a ser adquirida. Isto evidencia um certo tipo de poder: às classes menos
favorecidas, um ensino que garanta apenas a alfabetização ( ou o analfabetismo funcional ),
enquanto às classes detentoras de posses, a educação deve garantir a preparação para o exercício
de cargos da administração pública.
Atento a esta dualidade presente na educação e na sociedade brasileira, as classes de
opressores e de oprimidos, Freire ( 2005) considera que “a pedagogia dominante é a pedagogia
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das classes dominantes”. Ao tratar a educação como uma prática de liberdade, o autor assinala que
alfabetizar é conscientizar, e que a prática educacional é um dos caminhos para a transformação
social.
A “educação-privilégio” revela uma prática educacional não democrática, acessível a
poucos e mantenedora da ordem social e política estabelecida. Portanto, a escola, na atualidade,
pode e deve ser um dos instrumentos para a formação de sujeitos capacitados, conscientes das
contradições intrínsecas na ideologia hegemônica que tem sido imposta no Brasil desde o seu
colonialismo.
Referências
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