UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI
LUCIA HELENA SOARES DE LIMA
OS PROCESSOS DE MIDIATIZAÇÃO DA COZINHA
PAULISTA: do Arraial à metrópole
SÃO PAULO
2011
LUCIA HELENA SOARES DE LIMA
OS PROCESSOS DE MIDIATIZAÇÃO DA COZINHA
PAULISTA: do Arraial à metrópole
Dissertação de Mestrado apresentada à
Banca Examinadora, como exigência parcial
para a obtenção do título de Mestre do
Programa de Mestrado em Comunicação,
área de concentração em Comunicação
Contemporânea da Universidade Anhembi
Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr.
Gelson Santana
SÃO PAULO
2011
L698p
Lima, Lucia Helena Soares de
Os processos de midiatização da cozinha paulista: do arraial à
Metrópole / Lucia Helena Soares de Lima. – 2011.
143f.: il.; 30 cm.
Orientador: Gelson Santana
Dissertação (Mestrado em Comunicação) - Universidade
Anhembi Morumbi, São Paulo, 2011.
Bibliografia: f.127-135.
1. Comunicação. 2. Midiatização. 3. Cozinha paulista.
4. Cultura alimentar. 5. Modernização. 6. Rádio. 7. Televisão.
8. Processos. I. Título.
CDD 302.2
LUCIA HELENA SOARES DE LIMA
OS PROCESSOS DE MIDIATIZAÇÃO DA COZINHA
PAULISTA: do Arraial à metrópole
Dissertação de Mestrado apresentada à
Banca Examinadora, como exigência parcial
para a obtenção do título de Mestre do
Programa de Mestrado em Comunicação,
área de concentração em Comunicação
Contemporânea da Universidade Anhembi
Morumbi, sob a orientação do Prof. Dr.
Gelson Santana
Aprovado em ----/-----/-----
Prof. Dr. Gelson Santana
Profª. Drª. Maria Ignês Carlos Magno
Prof. Dr. João Luiz Maximo
Dedicatória
Aos meus santos protetores São Benedito (padroeiro dos cozinheiros) e Nossa
Senhora Aparecida (padroeira do Brasil)!
À minha bisavó, D. Quinoca que tirou de seu tabuleiro de doces o sustento de seus
filhos, deixando seu legado como herança no imaginário da nossa família!
Ao meu pai, Seu Soares, e D. Izinha, minha mãe, que me incentivaram a estudar
sempre!
Aos meus filhos Rodrigo e Marcos por acreditarem nos meus sonhos!
A meu marido Luis Paravati, paulistano, neto de imigrantes que me ensinou, desde
os nossos primeiros encontros, a amar a sua São Paulo, incondicionalmente...
Agradecimentos
Agradeço a todos os meus colegas de turma os tantos momentos felizes,
emocionantes e inesquecíveis que compartilhamos, em especial a Adriana
Fernandes, Armando Filho, Sandro Pavão e Roberto Mellão.
Agradeço também a Alessandra Marota pela paciência, dedicação e ternura para
conosco, nosso verdadeiro anjo da guarda no Mestrado em Comunicação.
Quero agradecer ainda a cada um de nossos mestres: a Prof. Bernadette Lyra pelos
meus primeiros traços e laços com a comunicação; a Prof. Laura Cánepa e ao Prof.
André Gatti por nos guiarem pelas trajetórias e fitas de cinema.
E por fim, gostaria de agradecer ao Prof. Gelson Santana, meu querido orientador e
mestre, o grande maestro dessa saborosa orquestra polifônica.
“[...] meu Anhangabaú das lavadeiras,
nem o teu leito ressequido existe!
Que é de ti, afinal? Onde te esgueiras?
Para que vargens novas te partistes?
Sepultaram-te os filhos dos teus filhos;
E ergueram sobre tua sepultura
Novos padrões de glórias e de brilhos...”
Mario de Andrade
RESUMO
Essa dissertação tem por objetivo investigar os modos como a cozinha paulista foi
se transformando ao longo do século XX. Para tanto, trabalha com a assimilação de
novos sabores e fazeres a que foi submetida no decorrer das décadas do século
passado, através dos processos de urbanização. Bem como a interferência das
tecnologias tanto urbanas quanto sociais na produção de pratos e na reconstrução
dos sabores da cozinha do arraial. Neste sentido leva em conta a influência das
mídias em todo o processo de mudança da matriz alimentar paulista. Não deixamos
de observar que mesmo com essas mudanças a base primária da cultura alimentar
paulista manteve-se em muitos dos seus aspectos originais. Muito daquilo que
denominamos de cozinha paulista sofreu diferentes tipos de influência ao longo das
transformações urbanas que a cidade de São Paulo registrou durante esse período.
Estas influências vêm marcadas com novos procedimentos e experiências com
produtos industrializados. Todo esse processo de passagem dos modos de
produção colonial para formas de produção industrial inventaram processos e
mecanismos que se acoplaram à invenção de uma urbanidade paulista multicultural. Por isso, alguns dos procedimentos que levantamos ao longo da pesquisa
trafegam por diferentes técnicas de produção. Assim, é na relação entre diferentes
técnicas e diferentes estratégias de apresentação midiática que se consolida um
olhar mediado da cozinha paulista. Essa relação se dá tanto nas formas de
apresentação das receitas, e/ou pratos, quanto na instituição de novos hábitos
alimentares que passam por uma atualização dos referenciais do gosto.
Observamos ainda que não é só um olhar que se institui, mas também os
procedimentos em torno da cozinha ganharam um caráter espetacular.
PALAVRAS
CHAVE:
Midiatização.
Cozinha
Modernizaçao. Radio. Televisão. Processos.
Paulista.
Cultura
Alimentar.
ABSTRACT
The purpose of this paper is to investigate the ways how the paulista cooking
transformed itself little by little in the course of the twentieth century. To do it this
paper works with the thesis that the paulista cooking absorbed new tastes and new
ways of cooking to which it was submitted in the course of decades in the last
century, in the process of urbanization, as well as the interference of both urban and
social technologies in the production of new dishes and in the reconstruction of
tastes of the provincial cooking.
In this respect, it takes into consideration the
influence of the social media in the whole process of change in the basic feeding of
the paulista population. However it is to be noted that in spite of those changes, the
primary basis of the paulista feeding culture maintained many of its original aspects.
A great part of what we call today the paulista cooking suffered different kinds of
influences in the course of the transformations that the city of Sao Paulo underwent
during this period of time.
Those influences brought new procedures and
experiments with industrialized products. All this process of moving from the colonial
way to the industrialized forms of production brought new processes and systems
that resulted in a multicultural city. That is why some of the procedures we found all
along our researches include different techniques of production. Therefore, it is in the
relation between different techniques and different ways of presentation by the media
that we have the media look on the paulista cooking, both in the presentation of
recipes or dishes and in the creation of new feeding habits and also in the updating
of taste references. We would say that it is not only a media look that was introduced
in the paulista cooking but that its procedures have acquired a spectacular character.
KEY WORD: Media Coverage; Paulista Cooking; Food Culture; Modernization Radio;
Television; Processes.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ....................................................................................................
1. Das dimensões temporais e espaciais da cozinha paulista
13
17
1.1. Até o final do século XIX: a cozinha da necessidade .........................
18
1.1.1. A cultura rústica alimentar paulista ...........................................
19
1.1.2. O espaço da cozinha ..............................................................
26
1.2. Do final do Século XIX até 1930: Um caldeirão de misturas .............
29
1.2.1. A modernização da cozinha ..................................................... 32
1.2.2. A fixação de novos hábitos ......................................................
36
1.2.3. O processo de urbanização: as ruas e o comércio restaurantes e a paulatina transformação da cidade................
40
1.2.4. A cultura paulista e o mito da paulistanidade...........................
45
1.2.5. O processo de industrialização.................................................
48
1.3. Depois de 1930: a contaminação da cozinha pelas mídias...............
52
1.3.1. As
transformações
na
preparação
do
alimento:
a
convergência do Gosto.............................................................
55
1.3.2. A emergência de uma identidade urbana ................................
62
1.3.3. A identidade da metrópole........................................................
65
1.3.4. A reelaboração do caipira.........................................................
67
2. Das dimensões sociais do modo de ser e do redimensionamento
das representações.................................................................................
70
2.1. O ―bom gosto‖ como um novo conceito.............................................
75
2.1.1. Uma socialização dos sentidos...............................................
81
2.2. A transformação da estética tradicional em poética da emoção ......
85
2.2.1. A Semana de Arte Moderna como efeito da metrópole........
90
2.3. Um jeito urbano de olhar a comida ...................................................
95
2.3.1. Passagens da domesticidade à globalidade...........................
101
3. A midiatização da cozinha como processo social ..............................
105
3.1. Os novos comeres da cozinha contemporânea ................................
107
3.1.1. Os comeres domésticos e públicos .......................................
109
3.2. Os caminhos para uma cozinha científica ........................................
112
3.2.1. A cozinha científica paulistana como movimento
gastronômico............................................................................
116
3.2.2. A atualização da cozinha regional ..........................................
118
A cozinha das celebridades na TV................................................
121
CONCLUSÃO .....................................................................................................
126
REFERENCIAS ..................................................................................................
129
ANEXOS..............................................................................................................
138
GLOSSÁRIO .......................................................................................................
146
3.3.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Panela de pressão Clock ...................................................................... 39
Figura 2 – Receitas para panela de pressão ......................................................... 40
Figura 3 – Foto da Confeitaria Castelões ............................................................... 43
Figura 4 – Fogão a gás .......................................................................................... 56
Figura 5 – Livrinho do Liquidificador Arno .............................................................. 58
Figura 6 – Eletroportáteis Walita ............................................................................ 59
Figura 7 – Receitas do Livrinho da Arno ................................................................ 60
INTRODUÇÃO
Conheci São Paulo e Rio como presente de aniversário dos meus quinze
anos, em 1969. Naquela época, na minha cidade, Mossoró, essa data era
comemorada com uma festa inesquecível seguida do sonhado baile de debutantes.
Troquei tudo por essa viagem.
Fiquei encantada com o cosmopolitismo de São Paulo daquele tempo: o
frêmito de suas ruas, as curvas dos viadutos, a majestosa verticalização da cidade.
O Mappin com suas gôndolas de infindáveis produtos, cuja maioria eu não fazia a
menor idéia para que serviriam. E a comida... era maravilhosa, mas também
totalmente estranha e nova para mim, como a pompa do menu francês servido no
gueridon no Terraço Itália culminando com um espetáculo do maitre na preparação
de ―bananes flambées‖ diante do nosso olhar incrédulo. Ou as massas de textura
firme e recheio delicado acompanhadas de molhos deliciosos servidas no ambiente
alegre e festivo das cantinas italianas do Bexiga.
Em 2004 quando surgiu a oportunidade de vir trabalhar em São Paulo, eu já
trouxe na bagagem muito carinho e curiosidade por sua cultura, tantas vezes tema
das longas conversas com meu marido, um paulistano apaixonado por sua terra,
exilado por algum tempo em Natal. Ano a ano nossas peregrinações pelos sebos e
livrarias da cidade foram nos rendendo aquisições de livros especiais que se
transformariam no referencial teórico para essa pesquisa, até que encontrei na
Bienal paulista de 2009, o livro recém lançado de João Luiz Maximo da Silva,
Cozinha Modelo que considero o ponto de partida para esta pesquisa porque foi a
partir dele que localizei a cozinha como o meu espaço de estudo.
Através de filmes e leituras fui percebendo, no mestrado, que o modelo de
modernização paulista tão intenso e repentino foi pioneiro no país, seguido em
dimensões reduzidas e de diferentes formas pelas demais cidades, por isso decidi
estudá-lo.
Neste sentido, São Paulo, mais do que qualquer outra cidade brasileira viveu
um intenso processo de transformação a partir do final do século XIX. Os processos
de urbanização, industrialização e midiatização da cidade contribuíram para a
transformação da cozinha paulistana em um caldeirão antropofágico de sabores e
fazeres, determinando sua escalada, nos últimos anos, para um lugar de destaque
entre as maiores metrópoles gastronômicas do mundo. Com um repertório tão
diversificado e paradoxal, a cidade ostenta também o título de capital brasileira da
gastronomia contabilizando, em 2009, cerca de doze mil e quinhentos restaurantes.
Dessa forma, esse estudo se orienta já no primeiro capítulo pelo processo
histórico identificando três dimensões temporais nítidas do desenvolvimento da
história de São Paulo responsáveis pelas grandes mudanças ocorridas na cozinha
paulistana entre o final do século XIX até os nossos dias. Caracterizado por uma
temporalidade própria na construção do tecido urbano, o processo de transformação
da cidade vai desencadear uma mudança profunda no espaço da cozinha, foco
desta pesquisa.
Primeiramente, observa-se o abandono gradativo das características de uma
cozinha rural, sujeita aos ciclos da natureza e marcada pela necessidade de
produção doméstica de equipamentos e utensílios, bem como do cultivo e
beneficiamento dos alimentos para assumir características urbanas alavancadas
pelo apogeu da economia do café. Deve-se observar que a abolição da escravidão
também influenciou profundamente esse período porque tornou impossível a
sobrevivência nos casarões das fazendas onde toda estrutura de funcionamento
dependia da mão de obra escrava. Foram esses dois fatores: a riqueza do café e a
libertação dos escravos que demandaram a necessidade da imigração européia.
Aos poucos a urbanização da cidade foi sendo construída apoiada na
chegada das primeiras fábricas para atender necessidades novas, dando origem a
uma sociabilidade de muitos sotaques, tipificando atitudes e sentimentos desse
espaço comum como um reflexo dos diferentes imaginários oriundos de diversas
nacionalidades. Uma sociedade emergente baseada no modelo europeu pode ser
considerada responsável pela elevação do conceito de civilidade graças à paulatina
e abrangente mudança dos hábitos alimentares, do comportamento à mesa e do
ritual de relações humanas desenvolvidos durante esse período.
A partir da década de 1930, essa escalada para a modernidade ganhou um
grande aliado nos lares – o rádio, cujas emissoras chamadas na época de rádios
clubes e rádios sociedades tinham como objetivo difundir informações, cultura,
educação e ciência. Porém, foi com a chegada ao Brasil de fabricantes estrangeiros
como a Philips e a Philco que o rádio se popularizou e passou a ter uma participação
cada vez maior na vida doméstica ao reunir toda a família em torno dele. Essa nova
sociabilidade doméstica, pautada na oralidade, reforçada pelos apelos publicitários
veiculados
pelas
programações
das
rádios
autorizados
em
1932,
e
as
transformações impulsionadas por essa nova ideologia compõem a segunda
dimensão temporal desse estudo.
A terceira dimensão temporal é representada pelo resultado das mudanças
ocorridas no espaço da cozinha, após a invasão de equipamentos que acabaram
transformando a produção do alimento e abreviando seu próprio tempo de preparo,
reforçada pela oferta da matéria-prima industrializada, ou até mesmo da própria
comida pronta congelada. Com a abertura do governo Fernando Henrique, a
globalização gerou a possibilidade de escolha de inúmeros sabores e métodos
propiciando o multiculturalismo alimentar fomentado pelo mercado de alimentos
próprio da cultura capitalista propagando novos gostos através da expansão dos
restaurantes étnicos contribuindo para o estabelecimento de uma outra relação com
a comida – a de prazer.
No segundo momento, esse estudo aborda a cozinha paulistana sob o ponto
de vista estético, baseado na constatação de um redimensionamento das
representações sociais do modo de ser observado através da evolução e da
padronização do gosto com a emergência do culto à gastronomia, iniciado na França
na segunda metade do século XVII e mediado pelos livros de culinária. A
instauração de uma indústria cultural e sua relação com a produção de bens
simbólicos, depois da Revolução Industrial, leva posteriormente à reorganização
das sociabilidades a partir da cultura midiática que representa o fio condutor desse
capítulo.
O terceiro capítulo compreende o estágio atual de massificação da cozinha
paulista, massificação esta provocada pela contaminação dela pelos processos de
midiatização. Estes processos forjados pela cultura do capital em detrimento de seus
contornos simbólicos como a perda de seu espaço original e de sua autonomia,
determinam o desligamento da comida de sua função social de necessidade de
sobrevivência para se transformar em prazer e entretenimento.
Por fim, será abordada a substituição do fazer culinário pela prática das
cozinhas industriais e da indústria química alimentar conquistada pelos avanços da
ciência e das novas tecnologias. Esta abordagem salienta a passagem do ambiente
doméstico da cozinha para o laboratório como o novo espaço paradigmático da
transformação da comida contemporânea.
Nesta pesquisa, as sociabilidades do gosto se destacam como um viés
narrativo que parte de uma função prática no primeiro capítulo, durante a cozinha da
necessidade, floresce e ganha contornos do bom gosto francês no segundo capitulo,
para se homogeneizar graças a uma dimensão espetacular e pela transformação
dos mercados locais em globais, no último capítulo.
O papel decisivo das mídias como instrumento de convergência de condutas
e preferências, desde os processos de urbanização até as estratégias de
midiatização da culinária urbana paulista, além de efetivar o gosto flutuante através
do contrato entre ciência e mídia, vai reinscrever os sabores locais no espaço da
globalidade. A nossa percepção deste movimento histórico-social sustenta o título
desta pesquisa: ―Os processos de midiatização da cozinha paulista: do arraial à
metrópole‖.
17
1. DAS DIMENSÕES TEMPORAIS E ESPACIAIS DA COZINHA PAULISTA
―Calai silenciosos que, em meu peito, enjaulo!
Esta paisagem que daqui se avista,
a terra pode ainda ser São Paulo,
mas a gente deixou de ser paulista.‖
Ibraim Nobre
A passagem da vida rural da pacata cidade para uma São Paulo que se
industrializa e se urbaniza criou uma nova domesticidade urbana e organizou
paulatinamente as camadas sociais e as mentalidades públicas o que gerou novos
espaços de sociabilidade e inventou um comportamento público novo.
A classe burguesa se estabeleceu como a primeira classe urbana,
acostumada a viver entre o Brasil e a Europa tinha acesso às idéias da modernidade
que propunha novos valores de consumo, inerente ao processo de industrialização.
Por outro lado, a oferta de trabalho nas lavouras de café, atraiu imigrantes de vários
países, sobretudo italianos e, posteriormente, japoneses. Muitos desses italianos se
estabeleceram na cidade trabalhando nas fábricas ou no comércio, prestando
serviços, abrindo pequenos negócios contribuindo para o desenvolvimento de uma
infra-estrutura urbana enquanto os japoneses se fixaram mais na agricultura. O
comércio ambulante também se renovou com a oferta de novos produtos e serviços.
Como as tradições brasileiras se apoiavam na forte cultura oral facilitou a
adaptação dos imigrantes, alguns analfabetos, criando novos encaixes e abarcando
os diferentes imaginários, o que determinou uma acoplagem do imaginário original
do estrangeiro com o imaginário local reorganizando o modo de ser do paulistano.
Na cultura de um modo geral e, sobretudo, na cultura alimentar pode-se dizer
que houve uma degeneração de velhos padrões com a ruptura de parâmetros
vivenciados no passado, e a adoção do consumo como o novo referencial da
população.
18
1.1.
Até o final do século XIX: a cozinha da necessidade
―Comendo içá, comendo cambuquira,
Vive a afamada gente paulistana,
A mesma a quem chamei de caipira,
Que não parece ser da raça humana.”
Francisco José Pinheiro Guimarães
A alimentação é considerada um recurso vital por excelência, uma
necessidade básica inadiável que tal qual a respiração, a fome suscita de satisfação
constante como uma condição de vida, e de uma organização social capaz de suprila.
É a alimentação que vai imprimir um caráter seqüencial de continuidade
ininterrupta entre as relações do grupo com o meio, ao mesmo tempo em que
representa também um vínculo entre ambos. Segundo Antonio Candido:
Ela é de certo modo um vínculo entre ambos, um dos fatores de
solidariedade profunda, e, na medida em que consiste numa
incorporação ao homem de elementos extraídos da Natureza, é o
seu primeiro e mais constante mediador, lógica e por certo
historicamente anterior à técnica (CANDIDO, 1975, p. 28).
De acordo com o autor, o meio natural se apresenta inicialmente como um
grande celeiro em potencial que deverá ser utilizado de acordo com as
possibilidades de intervenção do grupo que seleciona e transforma, por exemplo,
animais e plantas em alimentos, elementos que em si, sob o ponto de vista da
cultura e da sociedade, não o são. Assim, o meio emerge como um projeto humano
tanto no sentido do grupo projetar suas necessidades sobre ele, como também
desse grupo se planejar em função dele, originando o que Marx chamaria de
construção da cultura. Isto significa dizer que a obtenção de comida, bem como a
definição e elaboração de uma dieta alimentar dependem de uma técnica de viver
inerente à cultura da qual a alimentação faz parte, e, assume tamanha importância
que se torna capaz de explicar a vida social do grupo. Isto porque como cerne deste
complexo cultural, a alimentação abrange atos, normas, símbolos e representações,
além de percorrer, em sua cadeia para obtenção de comida, uma vasta gama de
instituições sociais que vão desde o esforço físico ao rito.
No entanto, à medida que as fontes de abastecimento alimentar vãose modificando ou ampliando – como ocorre em todo processo
civilizatório – vamos assistindo a transformações radicais na estrutura
19
e função da caça. (...) O animal, que antes era uma espécie de
comparsa antagônico num drama, alvo de solicitações, propiciações,
verdadeiros entendimentos em que o homem se incorpora ao mundo
natural, passa agora a integrar uma realidade diferente, a que o
homem se opõe. As novas fontes de abastecimento levaram a uma
rearticulação do meio, em que a posição do alimento é outra
(CANDIDO, 1975, p. 30).
O estudo da alimentação à luz da Sociologia e da Antropologia se manifesta,
sobretudo, através de pesquisas sobre sociedades rústicas, insistindo nas técnicas
de obtenção de alimentos, critérios de distribuição, chamando a atenção para os
vínculos sociais correlatos, suas representações e seu sistema simbólico. Já entre a
Sociologia propriamente dita e a Economia as pesquisas se voltam para os níveis de
vida a partir de um olhar econômico e estatístico, focando uma totalidade numérica
decomposta em tabelas, índices e orçamentos que abarcam grandes regiões.
1.1.1. A cultura rústica alimentar paulista
Candido (1975) desenvolveu um estudo, entre 1948 e 1954, a partir de
investigações realizadas no município paulista de Bofete buscando compreender os
diversos aspectos da cultura rústica1 (caipira), adotando como base a realidade
econômica. Segundo ele, a acentuada incorporação dos diversos tipos étnicos que
compõem a cultura rústica paulistana resultou em um processo de acaipiramento ou
acaipiração. Nesse estudo, ele parte do principio de que a existência de um grupo
social só é possível graças ao equilíbrio das necessidades do grupo com os
recursos do meio físico, tendo como ponto de partida o número e a qualidade de
soluções encontradas no meio (caráter natural), para a satisfação dessas
necessidades (caráter social):
A existência de todo grupo social pressupõe a obtenção de um
equilíbrio relativo entre as suas necessidades e os recursos do meio
físico, requerendo da parte do grupo, soluções mais ou menos
adequadas e completas, das quais depende a eficácia e a própria
natureza daquele equilíbrio. As soluções, por sua vez dependem da
1
Para CANDIDO o termo rústico, não designa rural, rude ou tosco, embora os englobe, mas pretende
se referir às culturas camponesas. Rústico se traduz aqui por caboclo – cultura cabocla – como o
resultado étnico do mestiço próximo ou remoto de branco e índio, base da população tradicional de
São Paulo. E, caipira, para designar os aspectos culturais, embora seja um termo restrito à área de
influência histórica paulista. (CANDIDO, 1975, p. 21,22)
20
quantidade e qualidade das necessidades a serem satisfeitas. São
estas, portanto, o verdadeiro ponto de partida... (CANDIDO, 1975,
p.23).
Esse mesmo pensamento ampliado deve ser estabelecido para as
sociedades, onde conclui que sua evolução depende do surgimento e da satisfação
constante, portanto, da renovação multiplicada dessas necessidades cuja satisfação
corresponde ao encontro de recursos (iniciativas humanas) sempre renovados e
multiplicados que vão alterar o meio tornando-o, com o tempo, reflexo da ação do
homem. O espaço de tempo como duração social é incorporado à história dos
grupos evidenciando os diferentes aspectos das solidariedades entre essas duas
oposições obliteradas. Por sua vez, a incorporação do espaço à sociedade se dá por
intermédio do trabalho e da técnica, vetores da constante transformação capaz de
definir etapas de evolução e de poder conceber um mundo sensível que totaliza a
atividade sensível e viva dos indivíduos.
Candido (1975), portanto, compreende a vida social a partir da satisfação das
necessidades
baseado
na
recusa
de
Marx
em
aceitar
a
solidariedade
(idealismo/materialismo mecânico) da dicotomia homem-natureza para compreendêla à luz do desenvolvimento histórico, como partes integrantes do mesmo processo
dialético, ou seja, tudo ciência da História, mas História da Natureza e História dos
Homens. É dessa forma que o autor mostra:
(...) de um lado, que a obtenção dos meios de subsistência é
cumulativa e relativa ao equipamento técnico; de outro, que ela não
pode ser considerada apenas do ângulo natural, como operação para
satisfazer o organismo, mas deve ser também encarada do ângulo
social, como forma organizada de atividade (CANDIDO, Op. cit., p.
24).
Sob o prisma sociológico, segundo Candido (1975), a produção dos meios de
subsistência deixa de ser considerada apenas uma reprodução da existência física
dos indivíduos para ser identificada como uma espécie determinada de sua atividade
ou uma manifestação do seu modo de vida, ou seja, é colocada como um ―fato
social da organização no âmago da discussão dos problemas de subsistência‖
(CANDIDO, 1975, p. 24). Concluindo, o autor afirma que para cada grupo a
obtenção de equilíbrio entre essas duas forças (necessidades e recursos do meio)
está dividida (equacionada) entre dois tipos de organização: a busca de solução
para explorar o meio a fim de obter recursos de subsistência e, o estabelecimento de
21
uma organização social compatível com elas. Trata-se, portanto, de uma fórmula de
equilíbrio onde ele percebe a existência de um limite mínimo social e vital para cada
cultura, em um determinado momento, que garante a regularidade das relações
humanas, usada nas sociedades civilizadas em situações de mudança e com
sentido comparativo.
Assim, os meios de subsistência de um grupo não podem ser
compreendidos separadamente do conjunto das ‗reações culturais‘
desenvolvidas sob o estímulo das ‗necessidades básicas (CANDIDO,
Op. cit, p. 28).
Candido (1975) estabelece como ponto de partida de seu estudo sobre a
formação da sociedade caipira tradicional paulista a natureza de seu povoamento,
destacando a atividade nômade do bandeirantismo com sua economia seminômade
responsável pela dieta e pelo caráter do paulista, como um determinado tipo de
sociabilidade caracterizada por suas formas particulares de ocupação do solo e de
se relacionar com o grupo. A fusão da herança portuguesa com o índio é apontada
por ele como a base desse processo de acomodações sucessivas nesse estudo,
análise reforçada por Holanda apud Candido:
Para a análise histórica das influências que podem transformar os
modos de vida de uma sociedade é preciso nunca perder de vista a
presença, no interior do corpo social, de fatores que ajudam a admitir
ou a rejeitar a intrusão de hábitos, condutas, técnicas e instituições
estranhas à sua herança de cultura. Longe de representarem
aglomerados inânimes e aluviais, sem defesa contra sugestões ou
imposições externas, as sociedades, inclusive e, sobretudo entre
povos naturais, dispõem normalmente de forças seletivas que agem
em benefício de sua unidade orgânica, preservando-as de tudo quanto
possa transformar essa unidade. Ou modificando as novas aquisições
até o ponto em que se integrem na estrutura tradicional (HOLANDA
apud CANDIDO, 1975, p. 36, 37).
Desde a sua fundação em 1554 até a implantação da Academia de Direito em
1828 a cidade de São Paulo era de acordo com Bruno (1984), um ―arraial de
sertanistas‖ marcado por um relativo isolamento caracterizado pela falta de contato
com a Metrópole e pelo desprezo da Coroa portuguesa graças a sua localização de
difícil acesso e ao tipo de economia praticada.
Sobre a inacessibilidade Anchieta em sua Informação de 1585, descreve:
A quarta vila da Capitania de São Vicente é Piratininga, que está dez a
doze léguas pelo sertão e terra a dentro. Vão lá por umas serras tão
22
altas que dificultosamente podem subir nenhuns animais, e os homens
sobem com trabalho e às vezes de gatinhas por não despenharem-se,
e por ser o caminho tão mau e ter ruim serventia padecem os
moradores e os nossos grandes trabalhos (ANCHIETA apud BRUNO,
1984, p. 38).
Ainda no século XVI, enquanto as capitanias do norte eram bem servidas de
bons tecidos e os homens andavam tão bem vestidos que se aproximavam do
padrão europeu, Fernão Cardim relata que a situação de São Paulo era diferente
―por falta de navios‖ (CARDIM apud BRUNO, 1984, p. 39) os paulistas não recebiam
nem mercadorias nem panos. As condições econômicas da pequena Piratininga, de
acordo com Capistrano de Abreu, não favoreciam a abertura de caminhos melhores
que ligassem o interior com o litoral da capitania, uma vez que se limitaria a oferecer
um pouco de ouro e os índios apreendidos pelas bandeiras. Sendo assim, os
bandeirantes ‖movendo-se pelo próprio pé, dispensavam conduções dispendiosas‖
(ABREU apud BRUNO, 1984, p. 39). Baseado em um escritor anônimo de 1690,
Capistrano de Abreu traçou um retrato da situação dos paulistas como ―homens
capazes para penetrar todos os sertões, por onde andavam continuamente, sem
mais sustento que caças do mato, bichos, cobras, lagartos, frutas bravas e raízes de
vários paus, pelo hábito que tinham dessa vida‖ (ABREU apud BRUNO, 1984, p.
41). Ainda sobre o planalto de Piratininga Capistrano escreve: ―Sob aquela latitude,
naquela altitude fora possível uma lavoura semi-européia, de alguns, se não de
todos os cereais e frutas da península. Ao contrário o meio agiu como evaporador:
os paulistas lançaram-se bandeirantes‖ (ABREU apud BRUNO, 1984, p. 45).
A maior pobreza da sociedade do planalto, nas palavras de um observador
registrado por Auguste de Saint-Hilaire estava relacionada com a ausência dos
homens na cidade porque enquanto os paulistas se lançavam longe de sua terra
―suas lavouras ficavam abandonadas, seus rebanhos se dispersavam, suas
propriedades se arruinavam [...] e sua terra natal entrava em decadência‖ (SAINTHILAIRE, 1976, p. 28).
Para Candido (1975), o caráter nômade da vida social do caipira paulista, o
provisório da aventura vivido até o século XVIII estava condicionado à assimilação e
preservação de sua origem nômade caracterizada por uma estrutura instável
dependente da mobilidade do grupo e voltada para uma economia pautada pelas
práticas de presa e coleta. Para exprimir esse caráter de pouco e por ter que se
23
adaptar a uma vida de escassez é que sua habitação chamava-se rancho e não
passava de um abrigo de pau-a-pique coberto de palha. A efemeridade da duração
dessas moradias também chamou a atenção do autor como a escolha do caipira
preservada até os nossos dias com suas técnicas de construção rudimentares.
Outra característica da rudeza da cultura caipira era a tradição de ser ele mesmo o
produtor de quase tudo para sua subsistência desde tecer o fio de algodão para o
camisolão aos chapéus de junco, da pólvora à iluminação, da produção de melado e
rapadura aos instrumentos usados no beneficiamento e no preparo de alimentos
como moenda, moinhos de água, fornos de barro, monjolos, tachos, gamelas, e
formas, pote de barro, colher de pau.
Sergio Buarque de Holanda (2005) reforça que apesar do grau de
transigência dos colonos brancos ser superior ao do gentio da terra, houve uma
acomodação da dieta alimentar dos indígenas como resultado de um intenso esforço
de adaptação às condições materiais e climáticas que contribuíram para a energia e
resistência – qualidades que caracterizam o povo paulista. Segundo ele foi ―a fome
companheira constante da aventura‖ (HOLANDA, 2005, p. 56) que acabou impondo
esse gênero de vida ao paulista, sobretudo, durante a entrada nos sertões ou em
períodos de ―excessiva penúria‖ (HOLANDA, Op. cit.) por absoluta falta de opção e
pela facilidade e garantia da domesticação alimentar indígena. Segundo ele:
Quando sujeito a condições semelhantes, o próprio europeu, para
sobreviver, devia acolher esses recursos e aceitar, em muitos casos,
as mesmas técnicas e ardis inventados pelo gentio. Não só de cobras
e outros bichos que rastejam, mas ainda de sapos, ratos, raízes de
guariba e guareá, grelos de samambaia, sustentava-se o viandante
perdido em sertões de escasso mantimento, os ‗sertões famintos‘ de
que falam alguns roteiros. Ou em ocasiões de excessiva penúria,
como logo após os descobrimentos nas minas gerais, onde o alqueire
de milho foi a trinta e quarenta oitavas e o feijão a vinte, sendo tal a
necessidade dos moradores, que ‗se aprouveitárão dos mais imundos
animais [...] (HOLANDA, 2005, p. 56)
No entanto, ainda segundo Holanda (2005), os tempos de fartura também
foram marcados pelo exotismo dos pratos apetecidos como jacarés, lagartos e a içá
torrada que conseguiu se urbanizar quase tão completamente como a mandioca, o
feijão, o milho e a pimenta, graças a uma possível disseminação do gosto pelos
jesuítas com o propósito de defender a lavoura da praga das saúvas.
24
Como ―prato de bugres‖ (HOLANDA, Idem, p. 57) a içá torrada aparentou o
colonizador do colono e se fez presente durante os séculos XVIII e XIX, pelos meses
de setembro e outubro, nas mesas rurais e paulistanas ou nos tabuleiros das negras
quitandeiras da cidade como saborosa iguaria. Ainda em 1903, o próprio Monteiro
Lobato se deleitava e recomendava em carta a Godofredo Rangel a içá torrada - seu
‗Bezuquet‘ - que considerava a ambrosia do Olimpo grego (CAMARGOS &
SACCHETTA, 2008. p. 12). Abandonado pelas famílias ditas honradas, esse hábito
sobrevive ainda hoje por algumas cozinhas do interior do Estado.
O bicho-de-taquara, outro acepipe indígena, também serviu de alimento aos
colonizadores em sua dieta habitual bem como inúmeras variedades de palmito,
pinhões da araucária e frutas nativas como: jabuticaba, araçá, pitanga, grumixama e
cambuci, algumas variedades de araticum, e jataí, entre outras. Os pinhões muitas
vezes foram a farinha do paulista em substituição à mandioca e sua presença era
tão marcante que o gentio chamava de ―ibá‖2 - a fruta do outono que também recebia
deles o mesmo nome.
Entretanto, para CANDIDO (1975) a dieta básica do sertanejo paulista e as
especificidades de seu preparo e modo de comer deve muito à exigência da
plantação de roças de milho, feijão, mandioca, banana entre outros, pela trilha dos
primeiros desbravadores, publicada no Regimento de Castelo-Branco, de 1707,
visando garantir a subsistência dos colonizadores que por ali passassem.
De acordo com J.J. Machado D‘Oliveira3 foi a partir do século XVIII, no
governo do Morgado de Mateus que a agricultura se estabeleceu como uma
ocupação central amenizando os costumes vigentes do caipira. Plantavam
basicamente roças de feijão, mandioca e milho. Sua ração correspondia a porções
mínimas para garantir o sustento a exemplo dos sertanistas, e às vezes tinham
acesso a leite, carne salgada ou seca e toucinho. CANDIDO registra alguns
alimentos utilizados largamente a partir desse triângulo básico da alimentação
caipira paulista.
2
Expressão usada por Holanda 2005, p. 38
3
(D‘OLIVEIRA apud CANDIDO, 1975, p. 42)
25
A mandioca era, por antonomásia, o mantimento, e o milho, a roça.
Mais rudes de cultivar que o feijão, admitiam além disso uma série de
transformações e empregos que este não comportava. Em São Paulo
e área de influência, sobretudo o milho. Verde, come-se na espiga,
assado ou cozido; em pamonhas; em mingaus; em bolos, puros
(curaus) ou confeccionados com outros ingredientes. Seco, come-se
como pipoca, quirera, canjica; moído fornece os dois tipos de fubá,
grosso e mimoso, base de quase toda a culinária de forno entre os
caipiras, inclusive vários biscoitos, o bolão, bolinhos, broas, numa
ubiqüidade só inferior à do trigo; pilado, fornece a farinha e o beiju, não
esquecendo o seu papel na alimentação dos animais (CANDIDO,
1975, p. 42).
Paula Pinto e Silva (2005) afirma que o cultivo do milho no sertão além de ter
sido favorecido pelas condições do clima e do solo também se deveu à assimilação
das técnicas de preparo simples empregadas pelos nativos e por sua adequação a
uma vida rústica e itinerante, ao que HOLANDA (2005) aponta como o pouco
espaço que os grãos de milho ocupavam no transporte dos sertanistas, e a
brevidade de sua colheita entre cinco e seis meses após o plantio, o que denominou
de ―civilização do milho‖4:
É característico da acolhida ordinariamente dispensada entre gente da
terra – índios, mestiços, brancos aclimados – aos métodos e recursos
adventícios no aproveitamento de produtos nativos, que a preferência
para o milho de técnicas associadas ao Velho Mundo ao tratamento do
trigo não afetou, tanto quanto poderia se esperar, os hábitos
alimentícios da população. A preferência geral continuou a dirigir-se,
não para o milho moído ou fubá, que se destinava, em geral, aos
escravos, mas para o grão pilado ou apenas pelado ao pilão, de
acordo com os métodos usuais entre os índios (HOLANDA, 2005, p.
181).
Outros alimentos faziam parte da dieta do paulista com menor freqüência:
abóbora, cará, batata doce e mangarito, além de hortaliças que se aclimataram aqui
com facilidade: couve, chicória e serralha. A pimenta (indígena) foi o principal
condimento e o sal que representou o fator de sociabilidade intergrupal graças à
necessidade de sua obtenção fora do grupo. As frutas do mato: jabuticabas,
goiabas, pitangas, araticuns, bananas, etc. e os palmitos doces ou guariroba
permaneceram no sistema de coleta. A caça considerada atividade caipira por
excelência, consistia na maior fonte de obtenção de carne. De herança indígena,
exigia conhecimento dos hábitos dos animais e técnicas precisas de captura e
4
(HOLANDA, 2005, p. 181)
26
morte. As principais aves do mato caçadas eram macuco e nhambus e dos animais:
pacas, cotias, quatis, porco-do-mato, etc. e à beira da água, a capivara. Também
nos campo, brejos e lagoas se caçava codorna e perdiz, saracura, marrecos e patos,
veados, lagartos e tatus.
Segundo Candido (1975):
No caso brasileiro, rústico se traduz praticamente por caboclo no uso
dos estudiosos, tendo provavelmente Emilio Willems o primeiro a
utilizar de modo coerente a expressão ‘cultura cabocla‘; e com efeito
aquele termo exprime as modalidades étnicas e culturais do referido
contato do português com o novo meio. (...) no presente trabalho o
termo caboclo é utilizado apenas no primeiro sentido, designando o
mestiço próximo ou remoto de branco e índio, que em São Paulo
forma a maioria da população tradicional (CANDIDO, 1975, p. 22),
Para o autor (1975) o sentido da palavra rústico empregada em seu estudo
não significa rural porque estaria se referindo apenas a uma localização, nem tosco
nem rude, embora os englobe, mas deve ―exprimir um tipo social e cultural,
indicando o que é, no Brasil, o universo das culturas tradicionais do homem do
campo‖ (CANDIDO, 1975, p. 21), resultante da adaptação das transferências e
mutações sofridas pela cultura no contato do português com o índio do Novo Mundo.
Não se trata também de uma cultura isolada, mas em permanente incorporação e
reincorporação de traços que vão se alterando na relação rural-urbano.
Corresponderia, segundo o autor, ao conceito de cultura camponesa adaptado por
Redfield5 usado ―para descrever situações antes compreendidas no seu conceito
inicial, e desprovidas mais tarde de designação adequada, desde que se operou
nele a mencionada restrição‖ (CANDIDO, 1975, p. 21).
1.1.2. O espaço da cozinha
Maria
Cristina
Cortez Wissenbach
(1998)
identifica
o
cotidiano
do
caipira/caboclo como obediente a uma temporalidade própria onde se combinavam
dois níveis de regularidade: o ciclo da natureza com as estações do ano e o ciclo
das comemorações das festas religiosas católicas. A sociabilidade do dia-a-dia era
extrapolada pelos ritos religiosos que coincidiam na maioria das vezes com o
5
REDFIELD apud CANDIDO, 1975, p. 21
27
período da colheita, quando os devotos pagavam suas promessas aos santos com
os principais produtos de suas roças, sobretudo, o milho e o feijão. As romarias e
penitências também indicavam o momento do plantio e colheita, alterado apenas
pelos flagelos diante dos castigos dos céus.
Um estudo sobre a cozinha entre 1870-1930 realizado por João Luiz Máximo
da Silva (2008) concluiu que até meados do século XIX as casas de São Paulo eram
construídas em taipa de pilão, no padrão bandeirista, compostas de uma sala na
frente, quartos no meio, varanda nos fundos e um puxado no quintal que servia de
cozinha. As construções rurais eram idênticas. Tinham uma grande dependência do
trabalho escravo para o funcionamento dos serviços da casa, sobretudo da cozinha.
Os fogões faziam parte da estrutura da cozinha, eram feitos de pedra, barro, ferro ou
alvenaria e abastecidos com lenha cortada, facilmente obtida nos arredores da
cidade. A cozinha era escura e suja e abrigava os trabalhos pesados e
sanguinolentos desde a matança de animais, como o beneficiamento dos víveres a
serem consumidos pela família como o preparo do fubá e da mandioca para
obtenção de farinha, a cocção do caldo de cana até se transformar em melaço e
depois em açúcar, o processamento do sal etc., limpeza e produção de alimentos e
estocagem. (SILVA, 2008)
Nesse trecho do livro dá para se ter uma idéia da casa desse período:
A máquina brasileira de morar ao mesmo tempo da Colônia e do
Império dependia dessa mistura de bicho e de gente que era o
escravo. Se os casarões remanescentes do tempo antigo parecem
inabitáveis devido ao desconforto, é porque o negro está ausente. Era
ele que fazia a casa funcionar: havia negro para tudo, desde negrinhos
sempre à mão para recados, até negra velha, babá. O negro era
esgoto, era água corrente no quarto, quente e fria: era interruptor de
luz e botão de campainha, o negro tapava goteira e subia vidraça
pesada, era o lavador automático, abanava que nem ventilador‖
(LEMOS apud SILVA, 2008, p. 141).
Silva (2008) ainda chama a atenção para a presença da carne de porco,
sobretudo, do toucinho, e da carne seca nas refeições parcas e frugais desse
período.
Rosa Maria Belluzzo (2008) recorda que o paulista utilizava nessa época o
pilão, tachos, sertãs de cobre e de ferro, chocolateiras, pratos e copos de estanho
de herança portuguesa, bem como cultivava hortas e pomares, e criava animais
28
domésticos. Segundo ela, grande número de utensílios de cozinha ainda era de
origem indígena. No cardápio, o paulista preferia leitão assado e frango, mas não
dispensava o feijão com farinha de mandioca ou de milho. No tempo de abóbora,
comia-se quibebe e cambuquira com sopa de milho verde, e se preparava doces de
frutas da estação como goiaba, marmelo, pêssego e figo de tachadas que eram
guardados em caixetas para o ano todo. E, nos dias festivos era oferecido arrozdoce, manjar branco e rabanadas.
Jamile Japur (1963) registra a presença freqüente à mesa de pinhão cozido, o
hábito de comer carne de vaca afogada ou assada, cuscuz de camarão de água
doce ou bagre, moqueca de piquira, pamonha, curau, canjica6, bolos de milho
socado ou de mandioca puba, pastéis de farinha de milho ou de trigo, empadas de
lambari ou piquira, paçoca e quindungo de amendoim, doces de batata, tarecos e
sequilhos. Bebia-se chá, aguardente de cana, melado, vinhos ibéricos, gengibirra e
caramuru. Já a ração do escravo compunha-se de fubá, feijão, canjica, carne seca,
toucinho e abóbora.
De acordo com Japur pelas ruas de São Paulo negras de tabuleiro vendiam:
(..) içá torrada, biscoitos de polvilho, pé-de-moleque, furrundum,
cuscuz de bagre, pinhão quente, batata assada,, cará cozido,
empadas de farinha de milho com piquira ou lambari, tigelinhas de
café (...) Os vendedores ambulantes vendiam leite de cabra,
queimados, balas de coco, pipoca, amendoim torrado, algodão de
açúcar (JAPUR, 1963, p. 29).
As escravas cozinheiras tinham um profundo conhecimento sobre a matériaprima e suas técnicas de preparo, dos utensílios e do processamento dos alimentos,
dominando, inclusive, a temperatura do fogo. O principal papel da mulher era o de
controlar todo o trabalho realizado por escravos, coisa que fazia, na maioria das
vezes, da varanda estrategicamente sentada. Era na varanda também que a família
fazia suas refeições e se concentrava a maior parte do tempo.
6
MARINS ressalta que a popularidade da canjica no século XIX era de tal forma, que os viajantes
bávaros Spix e Martius apelidaram-na de ―comida nacional paulista‖. (MARINS, 2004, p. 135)
29
1.2.
Do final do Século XIX até 1930: um caldeirão de misturas
Quedê o sertão daqui?
lavrador derrubou.
Quedê o lavrador?
está plantando café.
Quedê o café?
Moça bebeu.
Mas a moça, onde está?
está em Paris.
Moça feliz.
Cassiano Ricardo
A partir de 1828, São Paulo já elevado à categoria de cidade desde 1711,
passou a receber numerosos estudantes vindos de diversas cidades do país
transformando-se no que Ernani Silva Bruno (1984) chamou de ―burgo de
estudantes‖ graças à instalação da Academia de Direito, o que alterou
profundamente a existência da cidade observada na abertura de novas ruas para a
edificação de novas casas, pelo surgimento de repúblicas, pensões e cafés,
determinando sua missão de núcleo urbano e seu destaque como centro intelectual
além de possibilitar aos moradores mais contato com os livros. Segundo Bruno
(1984):
A transformação de São Paulo, de povoação onde praticamente não
havia lugar para a literatura, em centro intelectual dos mais
importantes do país se deveu ainda à presença dos estudantes de
Direito, sobretudo através das sociedades e revistas literárias, que
foram numerosas e tiveram sua fase de apogeu em torno de 1860.
Muitos estudantes desde os primeiros tempos da Academia, se
tornaram em seguida figuras de projeção muito grande nas letras
brasileiras, bastando lembrar que passaram pela escola de São Paulo,
como se sabe, Álvares de Azevedo, Bernardo Guimarães, Fagundes
Varela, José de Alencar, Castro Alves, Joaquim Nabuco e Rui Barbosa
(BRUNO, 1984, p. 809).
Bruno (1984) afirma que de 1828 a 1872 a cidade girou em torno do
funcionamento da Academia de Direito muito embora tenham sido abertos outros
cursos para formação profissional e escolas particulares, colégios e liceus. Os
estudantes também foram os grandes freqüentadores dos primeiros restaurantes e
confeitarias que se estabeleceram na cidade, além de doceiras que forneciam
grande variedade de doces para as festas de formatura. Os estudantes também
contribuíram para a existência do teatro na cidade com seus espetáculos, peças e
representações no Teatro Acadêmico que funcionava na antiga Casa de Ópera e
30
depois de 1864, no Teatro São José cuja capacidade ficava em torno de mil e
duzentos lugares. Ainda, segundo o autor, os estudantes costumavam apresentar
concertos musicais nas noites de luar no largo de São Gonçalo além de serenatas
muitas vezes nas próprias repúblicas, apesar da música popular já dominar a cidade
e seus arredores desde o inicio do oitocentismo.
Entre 1870-1872 Bruno (1984) estabelece como o início de uma nova fase
para a cidade em virtude do reflexo de ações dos anos cinqüenta enumeradas por
Sergio Buarque de Holanda (1984):
[...] o começo do movimento regular de constituição de sociedades
anônimas; a fundação do segundo Banco do Brasil; a primeira linha
telegráfica; a organização do Banco Rural e Hipotecário; a primeira
estrada de ferro do país (HOLANDA apud BRUNO, 1984, p. 899).
Sobretudo, a ligação da cidade com o porto de Santos e Jundiaí e a
importância que assumiu o desenvolvimento da cultura cafeeira para a economia
paulista que chegou a transformar a saca de café na unidade métrica da cidade.
Sobre as mudanças da cidade desse tempo escreveu Rodrigo Otávio em suas
memórias entre 1883 e 1886:
O progresso, com todas as exigências e preconceitos da civilização
havia insensivelmente invadido a velha capital jesuítica e eliminado, de
suas ruas e bairros, aspectos e perspectivas tão caros ao espírito e à
saudade de tantas gerações (OTÁVIO apud BRUNO, 1984, p. 908).
Para Soraya Moura (2008) foi a partir de 1880 que teve início o processo
imigratório para São Paulo de imigrantes que vinham de diversos países fugindo da
fome, de guerras e de perseguições políticas que abateram os países europeus, no
final do século XIX, e incentivados pelos cafeicultores paulistas através de uma
política pública estatal denominada Sociedade Promotora da Imigração (1886-1896)
que regulava o processo de subvenção de ―braços para lavoura‖ visando atender a
necessidade de mão de obra para as lavouras de café, sobretudo, a partir da
abolição do cativeiro em 1888.
De acordo com Bruno (1984) o desenvolvimento da cultura cafeeira
condicionou o desenvolvimento econômico da província que transformou São Paulo
na metrópole do café. Beneficiada com a fixação de imigrantes europeus e de outros
estados, e abrigando transitoriamente, principalmente durante o inverno, famílias
31
mais ou menos abastadas e de fazendeiros do interior que movimentavam a
economia com seus gastos, e acabaram contribuindo com o esplendor e a
prosperidade da cidade.
Segundo Bruno (1984):
Consciente ou inconscientemente, o governo municipal e o poder
eclesiástico iam eliminando da cidade os seus aspectos e os seus
costumes de feição tradicional ou provinciana mais acentuada. [...] As
próprias igrejas antigas feitas de taipa segundo os rudes moldes
coloniais – a de Santa Ifigênia, a de São Bento, a Sé – desapareceram
para dar lugar, no começo do novecentismo, a templos edificados
segundo estilos universalmente consagrados e portanto mais de
acordo com a feição tanto quanto possível européia que a cidade
procurava assumir = às vezes sem dúvida mediante esforço
deliberado de administradores como Antonio Prado – escondendo ou
eliminando qualquer traço não-europeu ou ―caipira‖ que porventura
perdurasse em suas ruas, em suas casas, em seus jardins, em seus
costumes (BRUNO, 1984, p. 911).
Wissenbach (1998) reforça essa preocupação com a nova estética da cidade
relatando que no último quartel do século XIX observou-se um grande e
desordenado crescimento demográfico na cidade7. Arquitetos como Ramos de
Azevedo foram responsáveis pela construção de uma nova paisagem urbana
erguendo os palacetes da elite paulistana que representaram um rompimento com o
passado, reconhecidamente atrasado, e marcaram a entrada da sociedade na
modernidade, então, vislumbrada apenas pela aparência: como um embelezamento
e limpeza da cidade e das residências.
A imigração européia para São Paulo teve um papel fundamental na
transformação das pessoas e do seu comportamento com a ascensão de novos
estilos, às vezes, conquistados pela brutalidade. Segundo Érnica (2004):
As várias heranças culturais ressurgiam na cidade moderna em
fragmentos de práticas e idéias recontextualizadas e relacionados
entre si. Alguns desses elementos culturais serviam para reconstruir
laços de identidade e de sentimento de pertencimento a um grupo na
metrópole que se formava (ÉRNICA, 2004, p.179).
7
Para Grahan e Hollanda (Migrações internas no Brasil p. 21) três causas são apontadas como
principal foco de atração dessas populações: fuga das secas, a Abolição e a dinâmica econômica do
Sudeste. (GRAHAN e HOLLANDA apud WISSENBACH, 1998)
32
De acordo com Heloisa Barbuy (2006):
Na arquitetura européia da Fasoli8, os jovens vestidos segundo a
última moda tomavam um chope, bebida já incorporada aos hábitos
paulistanos. Depois, vitrines iluminadas, à moderna, pontuavam-lhe os
velhos caminhos. Esta, a cidade da transição, em que conviviam os
telhadões e as paredes de barro com a inserção de vários elementos
novos (BARBUY, 2006, p. 97).
A autora identifica o processamento dessa modernidade na segunda metade
do século XIX, como um vento que vem de fora, sopra suave e vai introduzindo
novos aromas e sabores sem arrancar telhados nem derrubar paredes, mas que
impregna o ambiente e muda hábitos e mentalidades sem, contudo mudar as feições
da cidade. A elite sempre sintonizada com a cultura européia era influenciada pela
leitura, pelo modo de vida e pelo ideal cosmopolita estrangeiro de modernidade,
porém também afeita à cultura caipira das fazendas e ao modelo de vida urbana que
o casario colonial na cidade proporcionava.
1.2.1. A modernização da cozinha
Para Nicolau Sevcenko (2009) a modernidade de São Paulo começou a se
revelar nos primeiros dias de 1919 por meio de uma nova sensibilidade que foi se
definindo na cidade:
A excepcionalidade desse momento e desse local põe em relevo a
estranha conjunção observada entre simultaneidade de ações
desconexas, incomunicabilidade de grupos, fragmentação das
percepções, descontinuidade dos fluxos de trânsito pela área pública.
O mostruário da Avenida Paulista exibe a substância bizarra da
vocação metropolitana de São Paulo (SEVCENKO, 2009, p. 28).
Segundo ele, a própria identidade da cidade tinha sido afetada por esse
estranhamento que se impunha de forma repentina e difusa. Novos aspectos sociais
e econômicos se contrapunham ao passado que se perdia. Para o autor:
Essa cidade que brotou súbita e inexplicavelmente, como um colossal
cogumelo depois da chuva, era um enigma para seus próprios
habitantes, perplexos, tentando entendê-la como podiam, enquanto
8
Confeitaria Fasoli situada à principio na rua XV de Novembro mudando a partir de 1900 para a Rua
Direita, 5.
33
lutavam para não serem devorados. (...) os personagens desse mundo
em ebulição carecem, com urgência, de um eixo de solidez que lhe dê
base, energias e um repertório capaz de impor sentidos a um meio
intoleravelmente inconsciente (SEVCENKO, 2009, p. 31).
Nesse contexto, segundo Sevcenko (2009), era necessário lançar mão da
ação como ―âmago irradiador das significações na sociedade em formação‖
(SEVCENKO, Idem, p. 32) uma vez que a própria herança cultural trazida dos
séculos anteriores se tornara obsoleta, ou necessitaria de certa carga de prestígio
para se manter em circulação, ou deveria ser reelaborada de acordo com os novos
códigos. Foi assim que o imperativo da ação, como centralização da cultura, levou a
população ao papel ativo do engajamento físico como uma força coletiva capaz de
romper a rotina do cotidiano e o consenso dos hábitos e das idéias, e se nutrir da
abstinência do pensamento. De acordo com o autor:
O antigo hábito de repousar nos fins de semana se tornou um
despropósito ridículo. Todos para a rua: é lá que a ação está. (...) Sob
o epíteto genérico
de ‗diversões‘, toda uma nova série de hábitos,
físicos, sensoriais e mentais, são arduamente exercitados,
concentradamente nos fins de semana, mas a
rigor incorporados
em doses metódicas como práticas indispensáveis da rotina cotidiana:
esportes, danças, bebedeiras, tóxicos, estimulantes, competições,
cinemas, shopping, desfiles de moda, chás, confeitarias, cervejarias
(...) toda semana (SEVCENKO, Op. cit., p. 33).
Essa nova ordem cultural que se estabelecia, encontrou resistência por todos
os lugares onde passou, mas em São Paulo a propagação rápida e imediata diante
do pós-guerra de um ―novo homem‖ e de uma ―nova idéia‖ (SEVCENKO, Op. cit., p.
34) acabou contagiando a população de maneira crescente e irreversível.
A
chamada ―onda avassaladora‖ (SEVCENKO, Op. cit., p. 36) foi um mal urbano (ou
metropolitano) que se abateu sobre a cidade em seu desenfreado processo de
metropolização.
Na busca de uma identidade para São Paulo, um resultado que o autor
considera bem-sucedido foi sugerido por Alberto Torres: a ―Babel invertida‖
(SEVCENKO, Op. cit., p. 37) que assume a raiz urbana do mito, isto é, lugar do
mundo novo representado pela cidade em seus cruzamentos raciais e os consórcios
das novas gerações com os fugitivos da Europa convulsionada que buscaram a terra
prometida onde ergueriam torres sólidas que comporiam a arquitetura das
sociedades do futuro. Portanto, de acordo com o autor: ―A São Paulo moderna
34
nasce de um motim dos fatos contra qualquer ética da prudência e do bem-estar‖
(SEVCENKO, Op. cit., p. 41).
Uma nova arquitetura começava a ser observada nas residências, a cozinha
moderna diminuiu e estava integrada ao resto da casa. Nessa época a metrópole do
café já dispunha de todos os serviços urbanos como água encanada, gás,
eletricidade e até um fogão a gás. O trabalho doméstico passou a obedecer a uma
nova lógica pressionado por uma rígida normatização de ordem e higiene. Os
escravos haviam sido libertados e a mão de obra para o serviço doméstico ficara a
cargo de mulheres e menores que recebiam baixos salários usados na
complementação da renda da família, uma vez que os maridos também eram mal
pagos nas indústrias.
Segundo Silva (2008) o artigo 389 do Código Sanitário de 1918 que discutia
os cortiços, estabeleceu o papel da cozinha e seus equipamentos na casa: ―É
terminantemente proibido cozinhar, a não ser nas cozinhas, que deverão ser
instaladas, munidas de fogão e pias para a lavagem de louças‖ (SILVA, 2008, p.
112). O Padrão Municipal de 1920, ainda de acordo com o mesmo autor, dedicava
um item inteiro à cozinha onde indicava um padrão de área mínima em sete metros
quadrados, piso e paredes ladrilhados até um metro e meio de altura, teto gradeado
de madeira ou tela metálica ou de material incombustível e ventilação permanente.
Proibia a comunicação com quartos e latrinas e exigia a construção de chaminés.
O quintal diminuiu (assim como o espaço para o beneficiamento de
alimentos), entretanto aumentou a oferta de alimentos beneficiados. Bruno (1984)
descreve esse período como uma São Paulo ―de traços particularmente sensíveis na
transformação e no engrandecimento de suas atividades comerciais e industriais‖
(BRUNO, 1984, p.1131). Discorre sobre o crescimento do comércio ambulante de
quitandeiras de tabuleiro agora também disputado por imigrantes italianos que
negociavam flores, frutas, hortaliças, peixe e camarão trazidos de Santos, e
enriquecidos com novas modalidades como jornaleiros e engraxates, geralmente
jovens italianinhos. Eram as italianas que às vezes empurravam carros oferecendo
carvão de casa em casa pelas ruas da cidade. O velho Mercado do Tamanduateí
ganhou novos concorrentes mais especializados e elegantes e, em 1914, surgem as
feiras-livres. Aumentou também o número de quiosques em torno das estações, dos
35
mercados e das pontes que vendiam de tudo. Em 1889, a Cia Carris de Ferro
contabilizava quarenta e um carros de passageiros movidos por quatrocentos e
setenta e três animais, eram bondinhos lentos e que descarrilavam a toa.
A paisagem urbana, no final do século XIX, já era composta de cafés, bares,
charutarias e cervejarias. Aparecera o Grande Hotel com seus ares de hotel europeu
e, logo se instalaram também alguns outros de mais destaque nos arredores do
Triângulo, onde surgiram casas bancárias, alguns magazines, lojas de fazendas,
armarinhos, oficinas de moda para senhoras, drogarias, barbearias, lojas de
instrumentos musicais e de ferragens e casas importadoras dentre outras coisas de
bengalas, guarda-sóis, brinquedos, louças e cristais e, sobretudo de máquinas
agrícolas. Confeitarias de luxo ocupavam o Largo do Rosário e a Rua Quinze de
Novembro contribuindo para a aristocratização das ruas centrais da cidade. Aos
poucos foram se estabelecendo nos arredores da Estação Inglesa, as primeiras
fábricas de tecidos e indústrias de chapéus, que no decorrer da Primeira Guerra
(1914-1918) ganharam impulso contribuindo para firmar o caráter industrial de
alguns subúrbios paulistanos. Segundo Paulo Rangel Pestana, em 1920 a cidade já
contabilizava oito mil e oitenta e cinco casas comerciais9.
Barbuy (2006) chama a atenção para o estilo eclético e a altura do Grande
Hotel Paulista que fora erguido com o dobro da altura das demais construções da
época. Segundo a autora:
Entretanto, na visão alimentada pela mentalidade então vigente, tais
edificações representavam, isto sim, as primeiras projeções de
modernidade, signos imponentes de novos tempos que viriam para a
cidade, de riqueza material e cosmopolitismo, varrendo-lhe a
antiqualha provinciana, como era visto todo vestígio de passado
(BARBUY, 2006, p. 101).
Para Bruno (1984), a feição da cidade, sob o ponto de vista alimentar,
começou a mudar a partir do último quartel do século XIX por influência do imigrante
italiano que se fixou na cidade desenvolvendo indústrias alimentícias, modificando
temperos, técnicas de preparo e substituindo preferências por produtos da cultura
italiana.
9
Paulo Rangel Pestana, ―A Cidade de São Paulo – Evolução Histórica‖. (PESTANA apud BRUNO,
1984, p. 1169)
36
1.2.2.
A fixação de novos hábitos
Em 1896, com a primeira edição do Livro das Noivas de Julia Lopes de
Almeida, a dona-de-casa passava a ter em mãos um verdadeiro manual de normas
de conduta de extraordinária importância para a sua orientação sobre a organização
prática e científica daquele lar moderno que despontava com o novo século. No
capítulo intitulado Falta de tempo, ela escreveu:
Há mil nadas sujeitos ao nosso exame, e, exactamente para facilitar o
trabalho e dar ao espírito horas de lazer, é que devemos sujeitar a um
methodo rigoroso. Assim, tem um logar certo para cada objecto, o que
evita a impaciência da procura, coisa terrível e abominável; tendo
aceio, submissão ao relógio, para que tudo marche a tempo e a horas,
e tendo distribuído o serviço com intelligencia e justiça, parece-me que
a senhora excusa de abandonar o seu piano – por falta de tempo,
como a maioria confessa (ALMEIDA, 1914, p. 76).
A mulher ganhou um papel de grande responsabilidade como gestora da casa
e conhecedora da operação dos novos equipamentos, das novas formas de trabalho
e do preparo de refeições, deslocando-se freqüentemente pelas dependências da
casa também redimensionada. Fora relegado a um segundo plano o saber
tradicional das antigas cozinheiras passado de geração a geração e resultante da
própria experiência. Através de seus livros Almeida (1914) teve um importante
desempenho na fixação do papel da mulher como executora e gestora das
atividades domésticas, ajudando-a a definir uma nova rotina para seus afazeres e de
seus criados.
Os livros de Almeida também cumpriram um papel de conscientização da
mulher sobre a imposição dos costumes europeus sobre os nossos, e de defesa da
cultura brasileira. De acordo com ela:
Na roça é que estas festas do Natal e do Ano-Bom têm uma cor mais
brasileira. Aqui na cidade fazemo-las seguindo os costumes
portugueses. O frio do Natal europeu impele as famílias para o interior
das suas casas, para o calor dos fogões e das ceias fumegantes. O
nosso Natal é tão diverso! Em vez da neve temos o sol; em vez da
ventania áspera, que obriga as pobres criaturas a irem para à igreja
envoltas em capotes, salpicadas de lama e de chuva, temos noites
estreladas, cheirosas, em que moças e rapazes vão à meia-noite ouvir
a missa do galo, com trajes alegres, sem recear bronquites, podendo
folgar pelos caminhos à luz das estrelas palpitantes e coloridas. Na
roça é assim. A criançada come ao ar livre pinhões cozidos e faz a
algazarra que apraz. As moças dançam no terreiro com os namorados,
e os velhos, sentados sob o alpendre, contam anedotas, rememoram
37
visitas a presépios antigos, até que o sino os chame e eles partam
todos, aos magotes, para a capela tão sua conhecida, tão sua amada!
[...] Os costumes europeus não podem, em absoluto, ser reproduzidos
aqui. (ALMEIDA, 1906, p.4)
A própria companhia de gás também contribuiu com seus freqüentes
anúncios como o da Societé Anonyme du Gaz que circulou na revista Fon Fon de
julho de 1913, coletado por Silva (2008):
Preparar, cozinhar e servir alimentos nutritivos. Cozinhar em
condições higiênicas. Conservar a cozinha perfeitamente limpa.
Assegurar o conforto do lar. Minorar as suas atribulações e
aborrecimentos. Poupar a bolsa da família. Tornar felizes seu marido e
filhos. Manter o bom humor dos criados (SILVA, 2008, p. 159).
Para Luce Giard (2009) os gestos são animados por necessidades e, se
mudam é porque perderam sua utilidade, função sustentada pela ritualização e pelo
consenso de seus praticantes. Segundo ele:
Os gestos antigos não foram relegados simplesmente por causa da
entrada dos aparelhos eletrodomésticos na cozinha, mas por causa da
transformação de uma cultura material da economia de subsistência
que lhe é solidária. Quando a natureza das provisões muda, os gestos
de preparação culinária fazem o mesmo (GIARD, 2009, p. 274).
Para Paulo César Garcez Marins (2004) ―beber café é o mais expressivo
sinônimo de transformação dos costumes alimentares paulistas no século XIX‖
(MARINS, 2004, p. 135). Mas o cardápio também mudou a partir da introdução pelos
imigrantes, de pequenas indústrias de produtos como a banha enlatada por
Francisco Matarazzo a partir de 1882. JAPUR (1963) também enfatiza a influência
do colono italiano na alimentação paulista antes mesmo de 1900, com suas massas,
um maior consumo de pão, vinho, tomates, e mais tarde também com a minestra e o
risoto. MARINS (2004) recorda os célebres biscoutos de Jacareí (do Vale do
Paraíba) como um exemplo de produtos industrializados de grande sucesso na
capital, que fizeram a alegria da criançada e de adultos por muitos anos.
Belluzzo (2008) refere-se ao cultivo pelos italianos e à disseminação do gosto
entre os paulistas pelas verduras como escarola, almeirão, chicória, berinjela e
pimentão. Ainda sobre o cardápio, Silva (2008) escreveu que, com o novo conceito
de cozinha atrelado a uma conotação de higiene e saber técnico da dona-de-casa
proporcionado pelos novos equipamentos como o fogão a gás, os novos alimentos
38
beneficiados e industrializados, alterava não somente o seu preparo como ampliava
também as noções de química, do conhecimento de novas técnicas 10, e, sobretudo,
a escolha dos alimentos a serem consumidos. Nos lares mais abastados,
cozinheiros começam a assumir os lugares das antigas cozinheiras e essa visão de
modernidade se espalharia por toda a sociedade.
Baseado em informações de Eduardo Valim Pereira de Sousa e Almeida
Nogueira, Bruno (1984) relata o horário e o teor das refeições das famílias
paulistanas (que supõe mais abastadas), referente às primeiras décadas do século
XX:
(...) às sete, café com leite, bolos e biscoitos: às nove, almoço e ao
meio dia, novo café; às duas, frutas, quase sempre no próprio quintal;
às quatro, jantar; às oito, genuíno chá inglês, acompanhado de novas
guloseimas ainda quentes, feitas em casa mesmo pelas quituteiras
(BRUNO, 1984, p. 1111).
Em 1905 os produtos italianos, suas técnicas de preparo e o hábito de
consumi-los já eram tão familiares aos moradores da cidade que o viajante
português Sousa Pinto recorda que no jantar de um restaurante paulistano comeu
minestra e risoto que lhe rendeu o comentário: ―É a Itália, (...) a Itália com arroz de
açafrão e queijo ralado‖ (BRUNO, 1984, p. 1115).
Apesar do preparo de feijão estar associado às velhas cozinhas e identificado
com as classes mais baixas, com o advento do fogão a gás, ganhou mais espaço na
mesa paulistana e trocou a panela de ferro pela recém-chegada panela de pressão.
Nessa época surgem as panelas de alumínio, ágata e os utensílios de plástico.
A panela de pressão apareceu em São Paulo em 1948, oferecida como um
produto revolucionário que prometia rapidez e economia no preparo de alimentos,
sobretudo, de feijão, fabricada pela Panex11 empresa de três irmãos libaneses
instalada no Bairro do Ipiranga. A National Presto12 desde 1905 no mercado
americano começou fabricando panelas de pressão voltada, a princípio, para
fábricas de conservas comerciais. Em 1915, surgiram as primeiras panelas de
10
Silva descreve essas novas práticas como antigas práticas revestidas com um verniz de civilização
e modernidade. (SILVA, op. cit. p. 156)
11
12
http://www.clock.com.br/institucional/default.asp Acesso em 30/01/2011
http://www.gopresto.com/information/history.php Acesso em 30/01/2011
39
grande porte para uso doméstico. Em 1941 tinha se consolidado como um produto
de grande aceitação pelo consumidor e já havia ampliado seu repertório de
utensílios de cozinha. Com a Segunda Guerra a empresa se voltou para a
fabricação de produtos bélicos e só retomou suas atividades em 1945 oferecendo
panelas de pressão de quatro litros com muito sucesso.
Figura 1: Panela de pressão Clock
Fonte: Folheto da panela de pressão clock
40
Figura 2: Receitas para a panela de pressão
Fonte: Folheto da panela de pressão clock
1.2.3.
O processo de urbanização: as ruas e o comércio - os
restaurantes e a paulatina transformação da cidade
No final do século XIX, com a ascensão da cultura cafeeira que passou a
sustentar a economia paulista, a libertação dos escravos, a expansão da ferrovia, a
extração do gás de carvão, a chegada dos bondes puxados a tração animal, em
1872, e a imigração de um grande número de trabalhadores estrangeiros, São Paulo
41
começou a se transformar. As casas da cidade, antes construções mais modestas
para abrigar as famílias durante as festividades, sobretudo, religiosas, vindas de
chácaras e fazendas afastadas, também passaram por uma grande transformação.
A cidade se urbanizava e crescia em ritmo acelerado. Segundo Marisa Midori
Deaecto (2001):
A partir de 1900, o Triângulo se renova. E o marco legitima o maior
feito de Piratininga: os bondes elétricos. Alargam-se as ruas e
multiplicam-se os hotéis, bares, cafés, teatros, magazines, bancos,
automóveis e... pessoas (DEAECTO, 2001, p. 148).
Segundo Brandão (1990), em 8 de dezembro de 1891, quando foi inaugurada
a Avenida Paulista, no local escolhido conhecido como espigão central, não contava
ainda com uma única construção apesar de destinada a ser uma rua elegante
voltada para a burguesia da cidade. Era uma rua planejada, larga de terrenos
uniformes com cercas de arame, calçadas e duas pistas ladeadas por árvores.
Aos poucos fazendeiros e negociantes, entre novos-ricos e nobres do café,
foram se estabelecendo na avenida refletindo as disparidades de suas culturas nos
diversos estilos de mansões que foram preenchendo a Paulista. Ganhou o Parque
da Avenida, depois Trianon, projeto do paisagista francês Paul Villon e, na década
de 1930 já estava pronta tornando-se um símbolo de São Paulo atraindo dinheiro,
intelectuais, e a sociedade paulistana.
Para João Podanovski (1988), os primeiros restaurantes paulistas registrados
entre os anos 1848 e 1852, período em que São Paulo era uma cidadezinha pobre e
suja de catorze mil almas, tinham donos franceses, Charles e Frederico Fontaine
faziam parte das duas únicas hospedarias, e não tinham boas recomendações.
Segundo ele, a partir de 1854 a situação melhora um pouco:
(...) fundam-se, na Capital, hotéis e casa de pasto do tipo francês,
sobressaindo-se entre eles o Hotel Universal, do francês Lefrève, e
outros de madame Lagarde e Adolpho Dusser (LEITE apud
PODANOVSKI, Idem, p. 16).
Na esquina da Ladeira São João, chamada Ladeira do Acu, ficava o Hotel
Paulistano de Adolpho Dusser, na Rua do Comércio, atual Álvares Penteado, estava
o Hotel da Providência de Madame Felicia Lagarde. Na Rua da Fundição, hoje
Floriano Peixoto, esquina do Largo do Colégio ficava o Café e Hotel do Comércio de
42
Hilário Pereira Magro e também o Hotel Universal de J. Lafréve, considerado o
melhor da época. Na Rua da Imperatriz, Hotel Recreio Paulistano de Antonio
Joaquim de Lima, e o Hotel das Nações na atual Praça Patriarca que mudou de
nome e de dono algumas vezes até que Monsieur Fretin o chamou de Hotel de
França e assim permaneceu mesmo depois de comprado pelo alemão Guilherme
Lebeis.
Segundo Bruno (1984) esses primeiros hotéis paulistanos eram praticamente
freqüentados apenas por forasteiros que não corriam muito risco de desmoralização,
e possivelmente, o paulista para uma ceia discreta.
De acordo com Podanovski a vida coletiva dos hotéis não era vista com bons
olhos pela população paulistana por sugerir uma promiscuidade perigosa e
intolerável. Por não tolerarem os hotéis é que os fazendeiros e sitiantes dos
arredores mantinham suas casas no centro da cidade fechada o ano inteiro servindo
apenas para sua ocupação durante as festividades.
A partir de 1860, surgem hotéis mais imponentes como o Hotel Itália, o da
Europa e o Globo onde se praticava uma cozinha francesa. Monsieur e Madame
Guillemet do Hotel das 4 Nações anunciavam orgulhosamente sua cozinha à moda
de Paris, conquistando os primeiros elogios para estes estabelecimentos. Porém,
comparado aos melhores da Europa só O Grande Hotel inaugurado em 1878, na
Rua São Bento.
No final do século XIX apareceram: na Rua Boa Vista, o Hotel Brasil e Itália e
o D‘Oeste. Na Rua São Bento, o Provenceau e o Grande Hotel Paulista e, na Rua
Direita, o Grand Hotel de la Rotisserie; todos ofereciam comidas à moda de Paris.
Para Deaecto:
Bares, cafés, confeitarias e restaurantes se tornaram, como já
dissemos, os principais espaços de sociabilidade do paulistano. Esses
estabelecimentos se distribuíram por todas as ruas e eram visitados
por diferentes grupos sociais, o que conferiu a muitas casa
tradicionais, uma certa particularidade. Assim era o popular Café
Brandão, localizado na rua São Bento, 67. A Confeitaria Fasoli e o
Internacional Bar, na rua Direita, 15. A Confeitaria Castelões, a
Brasserie Paulista, instalada na praça Antonio Prado. O Café
Paraventi, da 15 de Novembro. O Bar Guanabara e o Restaurante
Santino, na Boa Vista. O Bar Thebaida, da Líbero Badaró, entre
tantos outros. Nos anos 1930 já aparecem as primeiras leiterias e
43
cafés chics na cidade nova, como a Rotisserie Ferraris localizada na
Xavier de Toledo, 13, entre tantos outros exemplos (DEAECTO, Op.
cit, p. 203).
Figura 3: Foto da Confeitaria Castelões
Fonte: A Cidade da Light: 1889-1930. São Paulo, Superintendência de comunicação/Departamento de
Patrimônio Histórico/ Eletropaulo, 1990, p. 117.
Na virada do século a cidade já havia recebido muitos imigrantes, sobretudo,
italianos transformando seu sotaque e suas panelas. Em 1878 foi fundada a primeira
fábrica de macarrão, no Brás e, depois, os primeiros ristorantis e cantinas. A cantina
Don Carmenielo, é considerada uma das primeiras de São Paulo situada na Rua
Rangel Pestana, no Brás, dirigida por um napolitano, Carmine Corvine,
responsabilizado por alguns, segundo Lourenço Diaféria (2004), pela introdução da
pizza em São Paulo e no Brasil. A Cantina do Chico da antiga Rua da Estação, hoje,
Rua Costa Valente, também no Brás, de Francisco Porcari também data do começo
do século XX. A Confeitaria Guarany localizada na Rua Rangel Pestana, no Brás,
considerada a mais chique do Bairro pertencia a família de Dante Siniscalchi que
posteriormente, em 1924, na antiga Travessa do Brás fundou também O Castelões,
referência da cozinha italiana até hoje na cidade.
44
Outra é o Giordano de 1910, que nasceu no fundo de uma quitanda com o
casal Giordano vendendo spaghetti alla napolitana e pasta i fagioli. Vieram as
Cantinas 1060, Bella Napoli, Balilla, Pepantino, Capuano, Manaro, 13 de maio, do
Afonso, do Roperto, todas no Bixiga: a Cantina Vagliengo na Estação da Luz,
fundada em 1889 era ponto de encontro da aristocracia e de políticos durante o ciclo
do café.
De acordo com Deaecto (2001), em 1920, o Centro da cidade já era provido
de um comércio de artigos luxuosos e ostentatórios, importados diversificados entre
tecidos, louças, cristais ingleses ou franceses, secos e molhados, aparelhos
elétricos, móveis e utensílios domésticos. Um levantamento realizado para avaliar
qualitativamente o comércio paulista entre 1905 e 1925, concluiu que os segmentos
que mais cresceram, naquele período, foram os ligados a alimentação como os
mercadores de gêneros no atacado alimentícios em grosso e no varejo dos
botequins, açougues, restaurantes, Segundo ela:
A moda está presente na arquitetura, no mobiliário, nos hábitos
alimentares, mas sobretudo nas formas de conduta da sociedade.
Essas preocupações em viver com elegância, sinônimo de civilidade,
permitem maiores investimentos no setor de vestuário e
‗quinquilharias‘. Pode-se mesmo afirmar que quanto mais
desenvolvida se apresenta a cultura urbana, maior será o mercado
consumidor de supérfluos, pois mais sofisticadas se tornam as formas
de distinção e, no seu bojo, os recursos ostentatórios (DEAECTO,
Idem, p. 171).
De acordo com Boris Fausto (2009) na década de 1930, São Paulo não era
mais considerada uma ―cidade italiana‘13, mas um centro urbano que contabilizava
aproximadamente 1,3 milhão de habitantes onde se misturavam aos velhos
paulistanos e aos nordestinos que começavam a chegar, imigrantes europeus e
asiáticos, dentre eles cerca de duzentos chineses provenientes do Cantão. Esse
número reduzido de chineses poderia ser justificado, segundo o autor, pelo ―perigo
amarelo‖ 14 propagado pelos filmes de Fu Manchu exibidos nos cinemas da cidade
entre 1930 e 1940 sempre com muito sucesso de público. Alguns chineses se
estabeleceram como feirantes vendendo pastéis com caldo de cana em feiras livres,
outros como tintureiros, ou ainda, como donos de restaurantes como o caso relatado
13
expressão utilizada pelo autor (FAUSTO, 2009, p. 29)
14
expressão utilizada pelo autor (FAUSTO, Op. cit.)
45
pelo autor que por sua localização, preço atraente e pratos condizentes com o gosto
dos paulistanos atraíram uma clientela de advogados e empregados de escritórios
dos arredores do Palácio da Justiça. No âmbito da imaginação, os asiáticos geravam
associações contraditórias como teimosia, irredutibilidade e impassividade em seus
negócios quanto ao estilo de barganha de preço e pechinchas incorporadas ao
cotidiano pelos demais imigrantes.
Em 1950, começaram a ser erguidos os primeiros edifícios residenciais, veio
a especulação imobiliária e a verticalização da Avenida. Em 1956, surge o Conjunto
Nacional, um misto de apartamentos residenciais e lojas comerciais se antecipando
aos shoppings centers que abrigou, a partir do final da década, a Confeitaria e
Restaurante Fasano, tornando-se um local de referência em elegância, bom gosto e
gastronomia da cidade. Vittorio Fasano, um milanês que se mudou para São Paulo
em 1902, para cuidar dos negócios de importação de café da família, foi o precursor
do grupo Fasano, criando a Brasserie Paulista, restaurante francês localizado na
Praça Antonio Prado, um endereço elegante da época onde permaneceu até 1923.
De acordo com Podanovski (1988), quem introduziu a pizza em São Paulo foi
um casal de italianos Ricardo Toscano, romano, e Liana Toscano, de Turim. Abriram
o Liz em 1960, que se transformou em Il Fornelo, na Rua Bandeira Paulista, o Tivoli,
na Rua Texas, La Pentola, na Barão do Rio Branco, Il Pentolino, na Rua João
Cachoeira, e Il Papagallo de 1982, na Vieira de Moraes.
1.2.4. A cultura paulista e o mito da paulistanidade
Em seu estudo sobre o multiculturalismo da terra paulista, Mauricio Érnica
(2004) identificou a partir de 1910 a construção de um mito da paulistanidade unindo
o passado bandeirante a um presente moderno, industrial, europeizado capaz de
justificar o sentido da história que se queria imprimir.
Para ele: ―Nesse mito, a
ideologia do progresso e a do trabalho se ajustariam muito bem, fazendo com que
os imigrantes e as antigas elites se comprometessem com um modo de olhar a
história e fazer a vida que valorizavam os símbolos da modernidade paulistana‖
(ÉRNICA, 2004, p.179). Segundo o autor, desde as primeiras décadas do século XX
São Paulo foi se tornando:
46
o ponto de concentração dos caminhos e dos fluxos de pessoas e
bens. Enriquecida, despontou como o universo no qual os novos
modelos de viver, habitar, pensar e ser foram desenvolvidos e
difundidos. Com isso passou a ser um centro de difusão de referências
culturais e experiências de vida para a região interiorana sob a sua
influência (ÉRNICA, 2004, p.180).
Para Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2009) a década de 1920 suscitou
um novo regionalismo que refletisse as diferentes formas ―de se perceber e
representar o espaço nas diferentes áreas do país‖ (ALBUQUERQUE JUNIOR,
2009, p. 52). Com a urbanização, a industrialização e a imigração em massa após o
fim da escravidão, São Paulo passou a se destacar do resto do país acrescendo-se
das manifestações artísticas e culturais do modernismo, dos novos códigos de
sociabilidade adquiridos e das novas concepções de modernização da sociedade e
da modernidade. Nessa época, Mario de Andrade entendeu que o Brasil não
possuía uma identidade cultural por falta de tradição e que, portanto, o trabalho
intelectual do artista se colocava como construtor dessas tradições. Esses
Intelectuais percebiam o regional como um elenco de relíquias culturais, elementos
do folclore e da cultura popular a serem pinçadas porque sucumbiriam diante do
progresso. O livro Paulicéia Desvairada de Mario de Andrade escrito em 1921 é um
canto à cidade que não seria abandonada, mas que deveria ser esteticamente
reelaborada pelo fato regional.
Florestan Fernandes (1979) observando as revoluções sociais mais, ou
menos profundas a que foram submetidos os povos contemporâneos, como o caso
de São Paulo, identificou uma desagregação da cultura popular que desfalece diante
da formação da civilização industrial e urbana. A rapidez do padrão de mudança tem
concorrido para destruir os valores sociais, além da falta de apego aos elementos
folclóricos da cultura, e seu caráter heterogêneo desde sua organização em bases
rurais. Segundo ele:
A religião oficial, o cosmopolitismo cultivado como símbolo de
‗civilização‘ pelas camadas dominantes e a supremacia indisputada do
saber erudito em contraste com o saber popular criaram essa situação
que confinou pouca a pouco, os elementos folclóricos do patrimônio
cultural paulistano a círculos humanos que não poderiam valorizá-los
socialmente nem defendê-los ativamente (FERNANDES, 1979, p. 29).
Desta forma o autor salienta que não houve por parte do folclore uma
significativa influência social construtiva na reintegração do sistema sócio-cultural da
47
cidade de São Paulo, em que tenha predominado a perpetuação de atitudes e
valores sociais. Com três exceções: de grupos que preservavam mais viva sua
herança cultural, sobretudo o folclore infantil, os provérbios e as práticas mágicas se
projetando no meio urbano como pequenos oásis semi-rurais, destacando assim, a
importância da característica adptativa dos elementos da cultura tradicional; da
existência de uma ligação afetiva entre o folclore e tendências específicas de
reintegração do sistema sócio-cultural paulista como as convicções mais profundas
que não se consegue alterar de uma hora para outra, pelo menos transitoriamente;
e, também pela inconsistência das críticas ao atraso e a vulgaridade que
condenavam os provérbios. Segundo Fernandes (1979):
(...) a expansão do sistema de classes sociais acarretou várias
conseqüências de grande importância na reconstrução do sistema de
concepção do mundo das camadas populares. Dela resultou uma
tendência decidida á valorização do social do ‗saber erudito‘, uma
ânsia incontida de assimilação das técnicas racionais de pensar e de
agir bem como formas de consciência da situação histórico-social que
pretendiam, abertamente, ‗desmascarar‘ acomodações produzidas por
arranjos de cunho paternalista. Isso quer dizer que os próprios agentes
societários, que serviam de veículo humano ao folclore, passaram a
interessar-se e a defender uma concepção do mundo na qual as
tradições foram relegadas a plano inferior (FERNANDES, 1979, p. 32).
Para o autor, as instituições ‗oficiais‘ em consonância com o processo de
desintegração da cultura tradicional já ocorrido nas classes dominantes, passaram a
exercer pressões cada vez maiores e mais drásticas contra os elementos culturais
responsáveis pela ‗incultura‘ e pelos ‗estados de ignorância‘ do povo. A Igreja
Católica começou a intervir severamente contra as ‗crendices populares‘ e as
‗manifestações profanas‘, as instituições educacionais se empenharam na
democratização do ‗saber erudito‘ e a Polícia reprimiu com veemência as atividades
consideradas ‗perniciosas‘ e ‗impróprias‘ a uma ‗cidade civilizada‘.
Segundo Candido (1975) esse patrimônio não era exatamente um ‗folclore
urbano‘, mas tipificava-se como uma ‗cultura popular‘ em fase crítica, identificada
como pobre e reconhecida como negativa.
O folclore paulista, de acordo com Fernandes (1979):
Ele foi preservado, durante muito tempo, pelas condições rústicas e
provincianas de vida, que imperaram em São Paulo até quase os fins
de século XIX. A transição para o estilo urbano de vida processou-se,
48
em seguida, com certo ímpeto e intensidade, sob a influência de
heranças culturais mais ou menos distanciadas da antiga tradição rural
imperante na cidade. Em conseqüência, não se operou uma
renovação de quadros humanos numa direção que pudesse
estabelecer maior continuidade com as matrizes do novo sistema
civilizatório (FERNANDES, Idem, p. 33-34).
Por essas razões se observa a dificuldade de sobrevivência do folclore, e das
heranças culturais de São Paulo diferentemente da reação apresentada por outras
cidades como Recife, Salvador e Rio de Janeiro que ofereceram resistência diante
da nova cultura urbana estabelecida desde então.
1.2.5. O processo de industrialização
Edgard Carone (2001) autor de uma pesquisa sobre o processo de
industrialização paulista entre 1889 e 1930, afirma que a imigração foi responsável
tanto pela criação de uma corrente ideológica modernizadora, como pelo
abastecimento de mão-de-obra proletária. O crescimento urbano da cidade de São
Paulo quadruplicou entre 1890 e 1930. Entre a nova população de imigrantes estão
34,5% de italianos, 29,2% de portugueses e 19% de sírio-libaneses.
Defensores da idéia da coletividade, os imigrantes tiveram uma importante
contribuição na base da organização do Estado durante esse período. Politicamente,
embora dividida em facções ideológicas, a classe dirigente paulista, passou, a partir
de 1870, a ter uma reconhecida hegemonia sobre a sociedade com a imposição de
seus interesses à nação. Nesse sentido o autor afirma:
A autonomia estadual permite às unidades territoriais usufruírem de
uma situação vantajosa. Enquanto o governo federal é responsável
por encargos necessários, mas sem retorno financeiro (forças
armadas, dívida pública etc.), as unidades dos estados gozam de
rendas do imposto de exportação destinadas até então ao Tesouro
Nacional, fora do benefício de outras fontes, como o imposto sobre
mercadorias. Em 1892, a arrecadação de São Paulo se multiplica por
dez, quando começa a vigorar a Constituição do Estado. De maneira
coerente, a classe governante procura não só modernizar os
mecanismos da estrutura do Estado, como criar novos (CARONE,
Idem, p. 15).
Assim, surgem várias ações governamentais como: a medida que ataca a
questão da saúde, o incentivo à produção através do levantamento da Carta
49
Geográfica e Geológica do Estado, a fundação da Escola Agrícola Luiz de Queiroz,
e a atividade industrial cujo capital tem origem na agricultura do café e do algodão,
no comércio, em capitais estrangeiros tanto adquiridos no país como trazidos de
seus países, além de recursos oriundos do sistema capitalista externo.
O precário desenvolvimento da atividade industrial paulista apresentado até
então era justificado por alguns fatores de retenção: restrição do público consumidor,
precariedade do poder aquisitivo, falta de transporte, circulação de mercadorias
importadas, escassez de recursos financeiros para movimentar os empréstimos
bancários, falta de usina siderúrgica. De acordo com Carone, em 1896, havia em
São Paulo 121 indústrias movidas por motor a combustão ou a gás, localizadas
entre os bairros de Santa Efigênia e Brás, que produziam bebidas, móveis, sapatos,
chapéus, material de construção e máquinas de beneficiamento de café, ferro e
bronze.
De acordo com o Boletim Histórico da Eletropaulo, de abril de 1985, em 17 de
Julho de 1899, o Decreto Nº 3.349 assinado por Campos Sales concedeu
autorização para a The S. Paulo Railway, Light and Power Company, Limited para
funcionar no Brasil. Em 23 de setembro de 1901 foi inaugurada a primeira
hidrelétrica de São Paulo, a Usina de Parnaíba, no Rio Tietê, com o objetivo de
suprir as necessidades energéticas dos bondes, e abastecer os motores das
fábricas e da iluminação.
A estatística de 1915, coletada por Carone (2001) registra 44 mercadorias
produzidas entre os 184 municípios do estado de São Paulo, em que já se
contabiliza um número considerável de alimentos: 218 indústrias de massas
alimentícias, 27 de conservas, 103 de biscoitos, 174 de doces, 541 de moagem de
cereais, 231 de farinha e polvilho, 53 de laticínios, e 34 de vinagres.
Entre os primeiros industriais de São Paulo se destaca Alexandre Siciliano,
um calabrês que fundou, em 1887, em São Paulo, a Companhia Mecânica e
Importadora de São Paulo e o Banco Ítalo-Brasileiro. Localizada no bairro do Pari,
essa indústria abasteceu a cidade de candelabros, colunas, máquinas e estruturas
metálicas, ferramentas, peças, engenhos e moinhos, prensas e turbinas, guindastes,
elevadores e engrenagens.
50
De 1888 a Companhia Antártica Paulista fixada na Mooca, fabricava cerveja,
bebidas não alcoólicas, gelo e ácido carbônico e, sua filial no Bairro da Água Branca
de 1912 especializada na fabricação de licores.
Francisco Matarazzo, um italiano de Castellabate, que se fixou em Sorocaba
em 1881, dedicando-se à distribuição de banha de porco até que com a constatação
do grande consumo desse produto, juntou-se a seus irmãos e passou fabricá-la, em
1890. No final do século XIX mudou-se para São Paulo inaugurando em 1900, no
Pari, o primeiro moinho de trigo. Em 1902 cria uma tecelagem para fabricar os sacos
que embalavam a farinha de trigo. Com a sobra das sementes de algodão passou a
fabricar também o óleo que acabou incentivando a fabricação de sabão e velas.
Passou a fabricar também a lata para embalar o óleo, a refinar açúcar e sal, e a
beneficiar arroz.
Dois irmãos sicilianos, Giuseppe e Nicola Puglisi-Carbone instalaram-se em
São Paulo em 1890, onde fundaram um império industrial que abarcava a
Companhia Cerâmica de Vila Prudente, o Grande Moinho de Arroz, a Companhia
Paulista de Alimentos (antiga Duchen) e a Grande Companhia União dos
Refinadores.
Em 1892, foi criada no Bairro da Água Branca a Vidraria Santa Marina por
Elias Pacheco Jordão e Antonio da Silva Prado que fornecia garrafas para as
indústrias de cerveja, e mais tarde passou a investir na fabricação de vidraças.
O paulistano Álvares Penteado funda em 1911 a Companhia Paulista de
Aniagens, situada na Mooca para a manufatura da juta e produção de sacaria de
café. Antonio de Camillis, italiano de Campobasso notabilizou-se pela construção de
um moinho para a fabricação de fubá e sal. O português Antonio Pereira Ignácio
destacou-se pela produção de tecidos de sua Fábrica Votorantim no final do Século
XIX, e a Fábrica Lusitânia instalada no centro de São Paulo.
Jacques Marcovitch (2005) afirma que em 1928 quando foi criada a Ciesp –
Centro das Indústrias do Estado de São Paulo – teve como ponto de partida a
necessidade de alguns industriais de se afastarem da Associação Comercial que
privilegiava os comerciantes contrapondo-se aos interesses da indústria. O primeiro
presidente foi Francisco Matarazzo e seu vice Roberto Simosen e na diretoria
51
figuravam nomes de peso como José Ermínio, Jorge Street, Horácio Lafer e Antonio
Devisate. Porém, com a crise de 1929 e a revolução de 1930, 50% dessas indústrias
paralisaram ou reduziram suas atividades por falta de compradores.
Na área de eletro portáteis, uma pesquisa realizada por José Abramovitz
(2006) indica que foi entre 1880 e 1890 que os Estados Unidos começaram a
fabricar os primeiros modelos de eletrodomésticos a partir de ventiladores, depois
vieram as máquinas de lavar, os ferros de passar e as cafeteiras. Foi com a Western
Eletric Company que, em 1913, passaram a ser oferecidos ao mercado que se
expandia, as torradeiras elétricas e os aspiradores de pó, rapidamente incorporado à
vida doméstica no modelo americano. Nessa época não havia um cuidado com a
aparência dos aparelhos que mostravam seus motores e mecanismos para atestar a
engenhosidade das máquinas domésticas. Outros, por sua vez, tentavam evocar o
mundo artesanal com excesso de adornos em oposição à modernidade industrial
que se impunha.
A Europa também se modernizava com suas indústrias de eletrodomésticos
em plena expansão permitindo, por exemplo, que a AEG (Allgemeine ElektricitãtsGeselschaft) alemã contasse, em 1894, em seu catálogo mais de 80 produtos.
Na medida em que a industrialização avançava na Europa e nos Estados
Unidos os produtos já fabricados em série se tornavam mais acessíveis
democratizando o consumo. Além da preocupação com a estética, depois vieram
outras inquietações com a matéria-prima utilizada e com a desumanização do
trabalho mecânico nas indústrias, daí o surgimento em vários países de movimentos
artísticos-conceituais como o Arts and Crafts, o Art Nouveau e o Bauhaus que
contribuíram, sobretudo, para redesenhar os produtos e definir o papel do designer
moderno.
Para Amy Dempsey (2003), o Art Nouveau foi um movimento internacional
que, entre 1880 e a Primeira Guerra Mundial, se difundiu pela Europa e Estados
Unidos,
graças
às
inúmeras
novas
publicações
e
algumas
exposições
internacionais. Inspirava-se no movimento inglês Arts and Crafts, que abarcava
todas as artes, e em que Williams Morris apregoava, sobretudo, a valorização do
artesanato de qualidade e a indistinção entre belas artes e artes decorativas. O Art
52
Nouveau teve em Van de Velde um de seus grandes representantes – era
incentivador da relação da arte com a indústria, e via na decoração do lar a
consolidação da arte total. Seu sucessor, Walter Groupius foi o criador da escola
Bauhaus.
Os senhores do café e suas famílias, que viajavam freqüentemente para a
Europa foram os principais responsáveis pela difusão dos primeiros eletros portáteis
em São Paulo.
1.3. Depois de 1930: a contaminação da cozinha pelas mídias
―Oh, padeiro desta rua
tenha sempre na lembrança
não me traga outro pão
que não seja o Pão Bragança.
Pão, inimigo da fome,
fome inimiga do pão
enquanto os dois não se matam
a gente fica na mão.
Oh, padeiro desta rua
tenha firme na lembrança
não me traga outro pão
que não seja o Pão Bragança.
De noite quando me deito
e faço minha oração
peço com todo o respeito
que não me falte o pão.‖
Castelo Branco, 1990, p.177
Após a Primeira Guerra Mundial houve nos Estados Unidos uma aceleração
da produção em série aliando os avanços tecnológicos, a queda de preço e o
aumento do mercado consumidor com índices que cresciam anualmente. Os anos
20 também foram marcados pela indústria de publicidade que ajudou a construir a
imagem de um tempo de prosperidade e conforto com propagandas veiculadas em
jornais, revistas e nos cinemas estimulando as vendas. Em 1929, porém, veio a crise
de depressão e a economia americana entrou em colapso acarretando a queda da
bolsa de NY, a quebra de bancos e indústrias e o desemprego da força
trabalhadora. As indústrias sobreviventes passaram a disputar fatias de um mercado
extremamente competitivo e tiveram que adotar uma nova estratégia para atrair os
consumidores institucionalizando para este fim o designer na indústria americana. O
53
salto nas vendas dos novos produtos confirmava o sucesso com o público
consumidor.
No Brasil, a escassez dos produtos e o alto preço acarretaram a diminuição
da importação e motivaram o aparecimento da indústria nacional. Pelo cinema,
rádio, jornais, revistas e mais tarde pelos primeiros aparelhos televisores foi se
consolidando na capital paulista o american way of life sobrepondo-se aos costumes
europeus adquiridos até então. Os rádios tiveram uma aceitação imediata do
público, e em 1932, obtiveram a autorização do governo para veicular publicidade
durante a programação.
Fausto (2009) relata que o rádio por si só fez o carnaval de 1938
popularizando muitas marchas e sambas como Periquitinho verde (uma alusão às
personagens melancólicas da capital paulista), Touradas em Madri e Yes, nós temos
bananas. Como os imigrantes e seus descendentes não eram avessos ao carnaval,
os paulistanos se justificavam dizendo que ―São Paulo era a terra do trabalho, do
progresso, a locomotiva que puxava vinte vagões vazios. O Rio de Janeiro em
contraposição se associava ao ócio, ao prazer, à vida fútil, à ‗eterna folia‘‖. (FAUSTO
2009, p. 62). Mais tarde, em junho do mesmo ano foi o rádio, também, o grande
responsável pelo entusiasmo da Copa do Mundo na França, evento capaz de
encerrar mais cedo o expediente de grandes casas comerciais como o Mappin
Stores e a Casa Alemã, ou de fazer soar uma sirene a ―sereia da Gazeta‖ que já
anunciava a hora do almoço diariamente ao meio-dia, também foi a fórmula
encontrada pela Gazeta para informar o placar do jogo à população após cada gol. A
venda de rádios aumentou com o incentivo da propaganda de lojas como a Casa
Mesbla que anunciava:
A TORCIDA É LIVRE
É ‗torcedor‘ de futebol? Não perca os jogos do campeonato mundial
em Paris. Basta-lhe para isso possuir um Crosley. De voz sonora e de
longo alcance, é o mais fiel dos repórteres. Onde quer que algo
aconteça, . lá V. Sa. estará com um Crosley (FAUSTO, 2009, p.142).
Foi a era do rádio – o telegrafo sem fio. Ligada à política de integração
nacional do governo Getúlio Vargas, e em 1935 foi criada a Hora do Brasil,
programa obrigatório de notícias oficiais.
54
As empresas estrangeiras Philips e Philco se instalaram no Brasil entre as
décadas de 1930 e 1940 dedicando-se posteriormente à produção e venda de rádios
estimuladas pela demanda crescente do mercado consumidor frente à urbanização
e modernização da cidade que se concretizava.
Entretanto, os primeiros rádios nacionais só começaram a ser produzidos no
limiar dos anos 1940 pela SEMP, fundada em 1942 e radicada em São Paulo foi
considerada pioneira no ramo, e a Invictus de 1943. A década de 1950, de acordo
com Abramovitz (2006) foi um período marcado pela democratização do rádio
considerado como o maior sonho de consumo dos brasileiros na época, gerando
novidades como a customização do gabinete e abrindo espaço para o mercado,
para magazines e lojas especializadas que ofereciam peças para profissionais
montadores e para atender o hobby de consumidores, além de estimular a abertura
de cursos técnicos de capacitação.
Para Renato Ortiz (2006) a televisão se concretizou como um veículo de
massa na década de 1960, enquanto o cinema e outras esferas da cultura de massa
como discos, publicidade e editorial só se estruturaram como indústria nos anos
1970. Com o advento do Estado Militar é que se consolidou no país o ―capitalismo
tardio‖ – o aspecto econômico da ditadura que reorganizou a economia permitindo a
internacionalização do capital, apesar de coexistir com a dimensão política
caracterizada pela repressão, censura prisões e exílios. A reorientação da economia
estimulou o mercado de bens materiais que por sua vez acelerou o crescimento do
parque industrial e do mercado interno de bens culturais, cuja expansão esbarrava
no poder autoritário. Como os bens culturais envolvem uma dimensão simbólica, a
censura agiu como veto e ao mesmo tempo como reguladora que impossibilitava o
surgimento de uma determinada idéia ou obra artística. Paradoxalmente, apesar da
repressão ideológica e política esse período ficou marcado como o de maior
produção e difusão de bens culturais da história brasileira com o surgimento do
conselho Federal de Cultura, Instituto Nacional de Cinema, EMBRAFILME,
FUNARTE, Pró-Memória, etc. A criação da EMBRATEL em 1965, desencadeou a
modernização das telecomunicações, que depois se associou ao sistema
internacional de satélite (INTELSAT), em 1967, permitindo a interligação de todo o
território nacional. No discurso dos grandes empreendedores da comunicação havia
55
segundo Ortiz (2006), uma associação direta da integração nacional com o
desenvolvimento do mercado.
A modernidade resultou também no abandono de velhos hábitos culturais
como o do consumo de certos ingredientes pesados como a banha de porco,
miúdos, sangue de animais etc, na transformação das receitas, na substituição de
antigos fazeres culinários e, em contrapartida, surgiram inúmeras mudanças no
universo da cozinha a partir de então.
1.3.1. As transformações na preparação do alimento: convergências do
gosto
O processo de modernização da cidade foi se consolidando pela constante
presença do rádio nos lares contrastando, segundo Abramovitz (2006), com o uso
renitente do antigo fogão à lenha ainda por boa parte da população. Só na década
de 1930 com a criação das primeiras fábricas surgiu o fogão nacional. Em 1935 a
Dako começou sua produção artesanal em São Paulo produzindo cerca de 35
fogões por mês, mas ainda eram a carvão de dupla combustão. Só com o fim da
Segunda Guerra nos anos 1950, depois que a Petrobrás iniciou a produção do gás
de cozinha, GLP (gás liquefeito do petróleo) é que o mercado para fogão a gás
cresceu e empresas como a Willig, Semer e Fundição Brasil apostaram nos
primeiros fogões domésticos a gás, das quais apenas a Semer e a Fundição Brasil
estavam localizadas em São Paulo, além da Dako que nessa época resolveu investir
no fogão elétrico.
56
Figura 4: Fogão a gás de carvão
Fonte: SILVA, 2008, p.189.
Segundo Abramovitz (2006) com a democratização do fogão a gás o mercado
consumidor
em
expansão,
criou
novas
demandas
para
os
produtos
eletrodomésticos, símbolos de conforto nessa época. Estes aparelhos elétricos
importados para uso doméstico começaram a ser comercializados pela Companhia
Brasileira de Eletricidade, em 1929, através de encomendas eram divulgados como
―fiéis servidores do lar‖ pelo anúncio do Almanak Laemmert e posteriormente pela
revista Fon-fon. Embora fossem restritos aos lares mais abastados, modificaram
hábitos e costumes domésticos nacionais.
57
Abramovitz (2006) reforça a crença de que foi o alto custo da importação dos
eletrodomésticos americanos que levou ao surgimento das primeiras fábricas
brasileiras na década de 1950. Segundo ele:
O alto custo dos produtos estrangeiros, aliado às dificuldades de
importação durante a guerra, motivou alguns empreendedores a
investir na produção nacional desses artefatos para o lar. O estilo de
vida do consumidor brasileiro também se modificava. Os costumes
europeus importados até os anos 40 eram cada vez mais substituídos
pela influência do american way of life, que chegava através do
cinema, do rádio, jornais, revistas e, mais tarde, através da televisão.
Era também o início do acelerado crescimento urbano brasileiro
(ABRAMOVITZ, 2006, p. 67).
Entre as décadas de 1940 e 1950 surgiram em São Paulo, a Walita, a Arno e
a Real. A Walita criada em 1939 por um imigrante alemão com a finalidade de
produzir artigos de iluminação direcionou suas atividades a partir de 1944, após a
importação de um aparelho liquidificador que serviu de estudo e deu origem ao
primeiro modelo nacional – o Neutron. Em 1956 a empresa já contabilizava a marca
de um milhão de aparelhos produzidos entre liquidificadores, batedeiras e
enceradeiras. Tanto a Arno como a Walita surgiram com outra finalidade na década
de 1940 e direcionaram suas atividades para a produção de eletroportáteis em 1949.
A primeira geração de produtos da Arno foi criada por designers da empresa
americana Sears Roebuck & Co marcados por uma tendência do estilo
aerodinâmico (Streamlining) que se tornou símbolo da modernidade brasileira até os
primeiros anos da década de 1960.
Em 1954, com o IV Centenário da Cidade de São Paulo, foram lançados
alguns produtos comemorativos como o liquidificador ARNO implementando as
vendas com a garantia de longevidade e a TV com gabinete e bar acoplado,
equipamentos que reforçavam a idéia da presença de modernidade.
Entre 1956 e 1961 durante o governo JK, a indústria de ―bens de consumo
duráveis‖ foi impulsionada com o programa intitulado ―desenvolvimentismo‖,
tornando-se um dos setores líderes de desenvolvimento industrial do Brasil
moldando uma nova identidade para o país que se afirmava como urbano e
industrial e que se modernizava. Para fomentar a expansão do consumo interno foi
lançada no Parque do Ibirapuera, em São Paulo, em março de 1960, a Primeira
Feira Nacional de Utilidades Domésticas (UD). Patrocinada pela Federação das
58
Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP) possibilitava a compra de todos os
produtos de utilidade doméstica, fabricados no Brasil, em um só lugar.
(ABRAMOVITZ, Op. cit, p.94-95)
Figura 5: Livrinho do Liquidificador Arno
FONTE: Livrinho do Liquidificador Arno
Mas, de acordo com Abramovitz (2006, p.130) foram as reformas financeiras
implementadas pelo governo militar, sobretudo, a Resolução número 45, de 31 de
dezembro de 1966 que determinou às sociedades de crédito (financeiras) que
concentrassem suas atividades no crédito direto ao consumidor adotando políticas
flexíveis como maior prazo de financiamento a juros controlados pelo governo que
incentivaram tanto o mercado consumidor como também abriram demanda para a
produção de bens acarretando que o período entre 1968 e 1973 ficasse conhecido,
segundo ele, como do ―milagre econômico‖ quando o Brasil apresentou taxas
59
expressivas de crescimento concentrando apenas no setor de eletrodomésticos um
crescimento de 22,6%.
Figura 6: Eletroportáteis Walita
FONTE:
http://revirandobaus.blogspot.com/2011/06/propagandas-dos-velhos-e-bons-tempos.html
Acesso em 20/02/2011
60
Com um maior beneficiamento das matérias-primas e o avanço tecnológico
dos aparelhos eletrodomésticos, o modus operandi das receitas também mudou
implicando em um redimensionamento das receitas o que resultou na diminuição da
quantidade de alguns ingredientes utilizados e no aumento de outros e, na redução
do tempo gasto com o preparo exigindo que as donas-de-casa se adaptassem aos
novos equipamentos. Por isso é que junto com os aparelhos eletrodomésticos, os
fabricantes anexavam manuais enumerando as vantagens do equipamento que
continham um receituário próprio para cada tipo.
Figura 7: Receitas do Livrinho da Arno
FONTE: Livrinho da Arno
61
A geladeira, porém, considerada um produto de luxo acessível à poucos, só
se popularizou a partir de 1952 com as primeiras peças da marca Climax, de São
Carlos (SP), além das marcas Gelomatic e Consul esta de origem catarinense.
Ambas ofereciam também a versão querosene para as regiões onde a eletricidade
na havia chegado: A Brasmotor depois Brastemp iniciou suas atividades em 1954
em São Paulo. Posteriormente, o freezer, surgido no Brasil na década de 1970,
propiciou, de acordo com GIARD (2009), a ―cadeia do frio‖
15
alavancando a
distribuição de produtos congelados criando a necessidade e a difusão do forno de
microondas.
Para (GIARD, 2009, p. 284) ocorreu uma grande revolução no domínio da
cozinha com a industrialização abrangendo produtos, utensílios e operações de
transformações que determinou o fim do antigo regime de gestão de tempo e
transmissão das habilidades culinárias estabelecido para o espaço doméstico em
vigor até então, introduzindo, da mesma forma que no espaço operário, um
esquema de parcelamento, padronização e repetição de tarefas que simplificou o
trabalho doméstico e reduziu a fadiga, mas em compensação criou um espaço de
tempo ocioso, vazio e sombrio.
Segundo a autora, para a obtenção do resultado prometido pelas receitas
existe em seu processo de produção uma linguagem falada na cozinha que abrange
um repertório que ela entende como ―quatro domínios distintos de objetos ou de
ações: os ingredientes que são a matéria prima; os utensílios e recipientes, como os
aparelhos de cozinha, batedeiras, liquidificadores etc.; as operações, verbos de ação
e descrição do hábil movimento das mãos; os produtos finais e a nomeação dos
pratos obtidos.‖ (GIARD, 2009, p. 287)
De acordo com Giard (2009):
A entrada desses aparelhos nas cozinhas modificou os processos de
preparação, de cozimento e de conservação, interferindo, portanto,
diretamente na língua das receitas. Introduziu a quantificação, a
unificação das medidas (peso, capacidade), a precisão da duração e
da temperatura de cozimento. Daí a razão e um certo empobrecimento
do vocabulário e a extinção de inúmeros pequenos truques (como
conhecer o grau de calor do forno, como evitar que a maionese
15
Expressão utilizada pelo autor (GIARD, 2009, p. 293.)
62
desande, como fazer um creme chantilly no ponto) cujo segredo
desapareceu com a memória da geração passada (GIARD et al,
2009, p. 294).
Para a autora, a antiga flexibilidade dos ingredientes das receitas cujas
medidas se apoiavam em indicações incertas como um prato cheio de açúcar ou de
textura do tipo, juntar o leite até obter uma massa bem fluida, própria da cultura oral
que, como tradição de rituais de memória da época, a aprendizagem a viva voz
passava de geração a geração, foi substituída pela generalização de uma
transmissão escrita remanejando todo o saber culinário de uma importância
proporcional à ―passagem do caldeirão pendurado na lareira (cremalha) ao fogão de
lenha e depois aos fogões elétricos ou a gás.‖ (GIARD, 2009, p. 294) Em relação ao
batismo dos pratos, Giard (2009) se refere ao cardápio da cozinha da vida privada
como oriundo de receitas comuns identificados pela ausência de nome, ou pelo uso
de um título descritivo de como se faz a preparação, ao contrário do restaurante que
quanto mais elevado o nível mais misterioso e intrigante é o seu cardápio.
1.3.2. A emergência de uma identidade urbana
José Manuel Cardoso Mello (1998) comenta que para boa parte dos
brasileiros estaríamos a poucos passos de nos tornarmos uma nação moderna e até
que poderíamos diante do nascimento de uma nova civilização nos trópicos que
combinava a singularidade dos traços de caráter do nosso povo às conquistas
materiais do capitalismo. Entretanto, a partir de 1980, a onda de otimismo deu lugar
ao pessimismo alimentado pelas dúvidas diante do pensamento da impossibilidade
de se construir uma sociedade efetivamente moderna.
Apesar do modelo
econômico, social e político de desenvolvimento ter sido modificado com o
militarismo, ficou a impressão de continuidade do progresso do modelo anterior,
manchado algumas vezes pelo regime autoritário.
Roberto da Damatta (1997) estudando a configuração social brasileira
percebeu a presença de três rituais: a parada militar (Dia da Pátria), a procissão
(Festas da Igreja ou Festas de Santo) e Carnaval cujo domínio pertence a três
instituições distintas respectivamente: Forças Armadas, Igreja e população que de
63
forma particular promovem a identidade e constroem o caráter da nação. Segundo
ele:
Porque é o ritual que permite tomar consciência de certas
cristalizações sociais mais profundas que a própria sociedade deseja
situar como parte dos seus ideais ‗eternos‘. (...) cada geração retira do
manancial que constitui a história de sua sociedade um conjunto
limitado de fatos para servir como os pontos básicos de sua
perspectiva diante das coisas (DAMATTA, Idem, p. 29).
A dramatização, recurso utilizado para dar sentido às coisas do mundo
converte-se em rito pela transformação de algo natural em social, ou seja, quando a
dramatização se torna um instrumento capaz de individualizar a coletividade como
um todo lhe conferindo identidade. Trata-se de um plano expresso pelos cerimoniais
que marca a passagem da natureza à cultura. Os ritos estão presentes, tanto na
manutenção da identidade nacional como no folclore preocupando-se com as
tradições locais e regionais. Para o autor:
O rito dá asas ao plano social e inventa, talvez, sua mais profunda
realidade. É o instrumento que permite cavar mais fundo esse lugar
ideal (...) região entre o estímulo material que pressiona e uma
resposta humana que diferencia e liberta. A resposta social, coletiva é,
fundamentalmente,
uma
resposta
que
surge
marcando
individualidades, aquilo que aparece como ‗cultura‘, ‗valores‘,
‗ideologia‘ (...) (DAMATTA, Idem, p. 38).
Segundo o autor as três características da resposta social coletiva são: a
primeira refere-se a uma resposta especifica que individualiza algum elemento que
ocorre na infra-estrutura natural, que depois de apropriado e transformado pela
coletividade em coisa social serve para emoldurar a ideologia. A segunda resposta
diz respeito aos valores ou ideologias como componentes do que chamamos de
cultura, o que representa um compromisso ―entre uma pressão externa (apresentada
pelo ambiente natural ou pelo ambiente humano abrangente) e uma resposta
específica, que pode ou não estar de acordo com quem controla essa pressão‖.
(DAMATTA, Idem, Id). A terceira característica reforça a individualidade do grupo
como uma resposta que cria uma consciência de identidade comum encapsulada no
ritual, veículo capaz de dar forma e realidade a essa resposta e que permite criar um
campo transcendente cuja projeção do grupo poderá gerar novas determinações e
estímulos, caracterizando o rito como elemento tanto da permanência quanto da
mudança.
64
Neste estudo, Damatta (Idem) classifica os rituais em: formal, informal e
solenidade. O formal refere-se aos rituais da igreja, folclore ou tradição específica de
um grupo ou lugar, como as missas e procissões; o informal é o ritual das massas
como o carnaval que usa o espaço da rua e onde impera a jocosidade; e a
solenidade é o ritual das autoridades políticas, os rituais nacionais como os desfiles
do Dia da Pátria que usam o centro da cidade e geram um sentimento de respeito. O
Dia da Pátria se caracteriza como um rito histórico de passagem (ou ritos do
calendário) que marca a passagem do período colonial para a maioridade política.
Assim, os rituais podem ser classificados também de acordo com o tempo histórico
ou cíclico. O carnaval é um ritual de tempo cíclico. DAMATTA (Idem) chama a
atenção para as associações entre ritual e poder:
(...) a intrincada ligadura entre as técnicas de poder em suas
associações constantes com as formas grandiosas do cerimonial e do
cerimonioso, seja para manter a distância entre o fraco e o forte, seja
para fazer passar – pela repetição pausada e verdadeiramente
obsessiva – uma coerência que é um dos elementos básicos da
estrutura da autoridade (Cf Milgran, 1975). Por outro lado, é por meio
do rito que se pode atualizar estruturas de autoridade, permitindo
situar, dramaticamente e lado a lado, quem sabe e quem não sabe,
quem tem e quem não tem, quem está em contato com os poderes do
alto e quem se situa longe deles. (...) Pois é por aqui que se faz a
ligação e a afirmação dos que têm com os que não têm, na conhecida
dialética dos desfiles, procissões, paradas e reflexos de um grupo
sobre o outro, no jogo complicado das múltiplas legitimações
(DAMATTA, Idem, p. 31,32).
O espaço também é abordado nesse estudo como domínios sociais básicos
fundamentados no respeito onde a rua se caracteriza pelo descontrole e
massificação, lugar de luta de todos contra todos, de enganos e decepções e a casa
como ambiente de controle e autoritarismo. A rua segmenta-se em centro e praça. O
centro diz respeito ao comércio, ao centro financeiro, já a praça representa os
aspectos estéticos da cidade. Os papéis sociais da rua implicam em escolha e
vontade, ou seja, são coisas da alma e da moral, representam as formas de
corporações civis e fazem parte do domínio público. A casa é o lugar de descanso e
renovação, dos cuidados com o corpo. É à casa que estão imbricados todos os
papéis sociais da ideologia de substância ligados ao corpo e ao sangue. Entre os
ambientes da casa, o autor destaca a cozinha como um local especial, geralmente
escondido onde a mulher reina soberana.
65
O autor chama a atenção ainda para a forma ritualizada de como é feita a
passagem da casa para a rua destacando a preocupação com a aparência e a
individualização em que a roupa representa o ato de vestir uma etiqueta social que o
distinga do anonimato.
Para incrementar o mercado de refeições fora de casa, a partir de 1976, um
estudo de Monica Abdala (2005) revela a contribuição de dois fatores: a criação do
PAT (Programa de Refeição do Trabalhador) e o uso de Ticket Refeição adotado
como serviço de refeição-convênio. Embora, segundo ela, muitos trabalhadores
tenham utilizado os vales refeição para o pagamento do supermercado e outros
estabelecimentos do tipo, o setor de serviços cresceu consideravelmente abrindo
espaço para outras modalidades como os restaurantes por quilo que vão surgir em
meados da década de 1980 e conquistar as donas de casa da classe média,
tornando-se com o tempo, na extensão das cozinhas domiciliares, com o consumo
marcado pela realização no próprio local, se sobrepondo às vendas de quentinha
para viagem. Uma característica deste tipo de restaurante é que eles praticam uma
culinária de peculiaridades culturais locais tornando-se, segundo a autora, a
manifestação de uma resistência cultural.
Henrique Carneiro (2003) já encara o advento dos restaurantes por quilo
como uma oportunidade de difusão mais ampla de uma gama de produtos
considerados exóticos, mas não fez ainda um exame sobre suas conseqüências
econômicas, sociais e culturais no Brasil.
1.3.3. A identidade da metrópole
Marcelo Carvalho (2007) em suas pesquisas sobre a transformação do
alimento em mercadoria registrou a década de 1950 a 1960 como o principal período
da transição de São Paulo para uma urbanização mais forte em conseqüência do
processo de industrialização. A passagem para uma sociedade contemporânea,
segundo ele, está associada à formação do capitalismo que apresenta dois
aspectos: a transformação do alimento em mercadoria, e a constituição de uma
sociedade de identidade urbana. O processo de apropriação das diversas
mercadorias (alimentos desprovidos de uma tradição alimentar) vai provocar uma
66
profunda
transformação
na
identidade
cultural
da
cidade
resultando
no
esvaziamento de sua cultura alimentar. (CARVALHO, 2007, p. 92-93).
Mello (1998) cita o hábito de freqüentar o Shopping Iguatemi (1966) e as lojas
de departamento como Mappin (1913) e a Mesbla (1912) como o início do hábito de
comer fora em São Paulo:
Aliás, é dessa época, também, o hábito de ‗comer fora‘. Dos almoços e
jantares, para o empresariado, os executivos, a cúpula da burocracia
do Estado, os políticos e a classe média alta, para os novos-ricos, os
novos-poderosos e os novos-cultos, em restaurantes elegantes,
preferidos os de comida italiana ou francesa, alguns árabes, alguns
espanhóis [...] Pouquíssimos os de comida brasileira. Mas ao lado da
churrascaria ou da pizzaria sem sofisticações, os remediados
certamente encontrariam onde comer mais barato: o rodízio, a pizzaria
sem sofisticações, as cadeias de venda de comida árabe,
especialmente quibe e esfiha, a cantina italiana, o restaurante mais
popular. Para refeições rápidas, os privilegiados se dirigiam a
lanchonetes badaladas e, depois, aos fast-foods [...] Os outros, nos
dias de trabalho, aos bares, às lanchonetes baratas, onde comiam o
prato feito, conhecido como PF, ou um sanduíche, moda que também
foi se arraigando: além do tradicional de pernil, vieram o misto-quente,
o queijo-quente, o cachorro-quente, o paulistaníssimo Bauru, o
churrasquinho, com ou sem queijo, o americano. As pastelarias se
multiplicam. As crianças passaram a adorar o hot dog, as batatas
chips, o sorvete com cobertura, depois o cheese-burger (MELLO,
1998, p. 567).
A década de 1950 marcou a chegada da televisão no Brasil e a
institucionalização do uso dos eletrodomésticos como símbolo de modernidade nos
lares. Para ABRAMOVITZ:
A televisão tornava-se um dos símbolos da casa moderna. Casa
moderna significava, em última instância, conforto doméstico, e isso
cada vez mais associado à elevação do padrão de vida de muitas
famílias brasileiras. E, por sua vez, ―conforto‖ traduzia-se em
refrigeradores, fogões modernos, batedeiras, aspiradores, telefones, e
até mesmo abajures e garrafas térmicas (ABRAMOVITZ, 2006, p. 94).
A partir de 1969 as emissoras de TV passaram a transmitir sua programação
em rede nacional e durante os primeiros anos da década de 1970 já detinham um
maior volume de verba publicitária que o rádio. Essa vocação para exploração
comercial da televisão determinou o desenvolvimento e a especialização das
emissoras, e a formação de redes que culminou com a sua padronização.
Segundo Douglas Kellner (2001):
67
[...] a televisão e outras formas da cultura de mídia desempenham
papel fundamental na reestruturação da identidade contemporânea e
na conformação de pensamentos e comportamentos. [...] a televisão
hoje em dia assume algumas das funções tradicionalmente atribuídas
ao mito e ao ritual (ou seja, integrar os indivíduos numa ordem social,
celebrando valores dominantes, oferecendo modelos de pensamento,
comportamento e sexo para imitação, etc) (KELLNER, 2001, p. 304).
Para Ortiz (2006): ―A idéia de ‗vender cultura‘, colocada de maneira tão
explícita, abria a possibilidade de se planejar o investimento em termos de uma
racionalidade empresarial.‖ (Op. cit. p. 136) Ele reforça que o processo de
racionalização da sociedade implica na transformação do relacionamento entre a
empresa e o empregado, e recorda a dimensão religiosa da idéia de missão e
apoiando-se em Max Weber, declara que assistimos a realização de um exemplo
claro de secularização, de desencantamento do mundo porque a ―missão‖ foi
substituída pelo cálculo, pela exatidão versus a eliminação dos elementos ―políticos‖
ou ―românticos‖ desafiadores das normas da produção industrializada.
1.3.4. A reelaboração do caipira
Para Luis Roberto de Francisco (2004) existem muitas definições para o
termo ―caipira‖ que é geralmente usado para designar algo rural, ultrapassado ou
que não sobreviveu à modernidade. Contém ―uma marca de inferioridade das
práticas rurais diante das verdades do conhecimento e dos hábitos de urbanidade‖.
(FRANCISCO, 2004, p. 23). É como caricatura que a personagem caipira aparece
na TV e no rádio para fazer rir, como vencido, fora de moda, anti-herói etc. Contudo,
o processo de massificação da apropriação do termo caipira com essa carga
marginalizadora se iniciou em 1918 quando Monteiro Lobato escreveu o livro
―Urupês‖ que criticava o sertanejo através do personagem Jeca Tatu – um caipira
que ele revestiu de ócio e inferioridade.
Candido
(1975)
refere-se
ao
caipira
como:
―esterótipos,
fixados
sistematicamente de maneira injusta, brilhante e caricatural.‖ (CANDIDO apud
FRANCISCO 2004, p. 24). Cornélio Pires em seu livro ―Conversas ao pé do fogo‖ de
1922 criticou Monteiro Lobato e defendeu o camponês brasileiro coberto de ridículo
68
valorizando sua cultura, divulgando seu linguajar e seu modo de viver porém,
transformou sua sabedoria em anedotário. Mais tarde foi lançado, em 1924, o
almanaque do ―Jeca Tatuzinho‖ também de autoria de Monteiro Lobato que ganhou
notoriedade na divulgação do Biotônico Fontoura, um medicamento que prometia a
cura do amarelão. Para Francisco (2004) a cultura do homem da roça não cabia na
lógica de progresso de Monteiro Lobato.
Mauricio Érnica (2004) entendeu as ambigüidades do papel do mundo rural
que ao mesmo tempo em que a cultura caipira atestava a marca de autenticidade e
paulistanidade de alguns grupos em oposição aos estrangeiros, contraditoriamente,
os habitantes pobres e caipiras expulsos dos espaços considerados modernos da
cidade, não tinham acesso a uma participação plena do trabalho assalariado urbano.
Em seu estudo, Maria Alice Setubal (2005) percebe que há um centro
paulistano identificado como a totalidade da cidade enquanto rejeita a periferia.
Entretanto, denuncia a existência ainda hoje de algumas reminiscências da cultura
caipira no convívio da cidade como:
(...) os pregões de pamonha, caminhões de frutas, vendedores de biju
com matracas, afiadores de faca e seus apitos, vendedores de doces
em carrinhos, bancas com ervas naturais, avícolas que vendem
produtos para horta e até mesmo galinhas vivas, casas com pequenas
hortas e minipomares, o círculo da reciprocidade nas trocas das
produções de hortifrutos e quitutes caseiros, as repentinas aparições
de cavalos e carroças no centro expandido, as procissões religiosas,
as festas de samba de roda, sambas de vela e outros ritmos, as
brincadeiras infantis de ruas, os inúmeros programas de rádio AM, o
sucesso do programa Viola, minha viola com Inezita Barroso na TV
Cultura e do antigo Som Brasil inicialmente com Rolando Boldrim e
depois com o Lima Duarte, o mercado de discos sertanejos na cidade,
os bares de cowboys. Sem contar toda a mistura entre o mundo
caipira e o mundo sertanejo nordestino – os largos da Batata e 13 de
Maio são ricos nessa mistura de sertões (SETUBAL, 2005, p. 62).
Segundo a autora, o Brasil rural, colonial, imperial e republicano dos negros
paulistas, dos imigrantes, do caipira, com seu jeito de ser e seus fazeres, deixou
inúmeras seqüelas a despeito do processo de industrialização permitindo que o
caipira encarne diversos mitos sendo ora visto como analfabeto, ora como indolente
e preguiçoso, ora como fazendeiro desbravador de sertões e conquistador de
fronteiras. A própria ruralidade tem suas facetas, representações e interpretações
que sobrevivem ao tempo ou são reelaboradas adquirindo novos significados. O que
69
se vê do olhar contemporâneo da indústria de cultura de massa, sobretudo, no
Estado de São Paulo sobre o caipira é uma reelaboração desses símbolos
denominados: caipira/country/sertanejo - uma etiqueta dos programas de rádio e de
TV com tema rural - apresentado pelas duplas de música sertaneja e principalmente,
em rodeios e exposições, apontados por Setubal (2005) como o ―ápice do
espetáculo‖. Para ela:
O fato relevante é que a indústria cultural encampou a ruralidade
em outros termos ao reelaborar suas modalidades culturais
conhecidas sob as marcas da rusticidade, do folclore, da
tradição, do atraso, da nostalgia, ressignificando a experiência
histórica e cultural campestre (SETUBAL, 2005, p. 67)
Nesse sentido, é possível perceber na cidade que muitos restaurantes
consagrados pela mídia exploram, ainda hoje, um cardápio tradicional regional
apelando para a existência de uma cozinha típica paulista, caipira, mas agora
ressignificada pela indústria cultural.
A despeito da cozinha paulista, Jorge Americano (2004) em seu livro de
memórias, de 1957, recorda o seguinte cardápio familiar praticado na época:
Segunda-feira: alcatra para rosbife; Terça-feira: camarão com
chuchu; Quarta-feira: cozido; Quinta-feira: filé; Sexta-feira: peixe ou
bacalhau; Sábado: frango; Domingo: carne de porco ou de cabrito.
Serviam de acompanhamento croquetes, picadinho disto ou daquilo,
fritadas e verduras. Também alguns pratos detestáveis como
dobradinha, fígado, miolo ou rins. Ás vezes, cuscuz ou feijoada
(AMERICANO, 2004, p.65).
Hoje, inspirando grande número de restaurantes populares por quilo, à la
carte e, sobretudo os PF, pratica-se em toda a cidade esse cardápio semanal:
Segunda-feira: Virado à Paulista; Terça-feira: Rabada ou Dobradinha; Quarta-feira:
Feijoada; Quinta-feira: Massas; Sexta-feira: peixe ou frutos do mar; Sábado:
Feijoada; Domingo: Massa.
70
2.
Das dimensões sociais do modo de ser e do redimensionamento das
representações
“Há qualidades que nos chegam unicamente pelo juízo dos outros”.
Jean-Paul Sartre
Para Pierre Bourdieu (2009), da Idade Média até grande parte do
Renascimento, a vida intelectual e artística francesa que vivia sob o comando das
demandas éticas e estéticas da aristocracia e da Igreja foi sofrendo transformações
econômicas e sociais progressivas em suas instâncias de legitimidade, acarretadas,
em primeiro lugar, pelo volume cada vez maior e socialmente diversificado do
público de consumidores virtuais capaz de propiciar aos produtores de bens
simbólicos condições mínimas de independência econômica e a concessão de um
princípio de legitimação paralelo. A segunda transformação, de acordo com o autor,
de caráter seletivo efetivada pelas restrições de acesso à profissão e participação no
meio, impostas pela necessidade de profissionalização do grande volume que se
constituiu de produtores e empresários de bens simbólicos, e do reconhecimento
exclusivo de normas e imperativos técnicos. A terceira está relacionada com o
número e a variedade de instâncias de consagração na disputa pela legitimidade
cultural e do caráter econômico e social a que eram subordinadas as instâncias de
difusão.
Segundo Bourdieu (2009):
O processo de autonomização da produção intelectual e artística é
correlato à constituição de uma categoria socialmente distinta de
artistas ou intelectuais profissionais, cada vez mais inclinados a levar
em conta exclusivamente as regras firmadas pela tradição
propriamente intelectual ou artística herdada de seus predecessores, e
que lhes fornece um ponto de partida ou um ponto de ruptura, e cada
vez mais propensos a liberar sua produção e seus produtos de toda e
qualquer dependência social, seja das censuras morais e programas
estéticos de uma igreja empenhada em proselitismo, seja dos
controles acadêmicos e das encomendas de um poder político
propenso a tomar a arte como um instrumento de propaganda. (...) Da
mesma forma, o processo conducente à constituição da arte enquanto
tal é correlato à transformação da relação que os artistas mantêm com
os não-artistas e, por esta via, com os demais artistas, resultando na
constituição de um campo artístico relativamente autônomo e na
71
elaboração concomitante de uma nova definição da função do artista e
de sua arte (BOURDIEU, 2009, p. 101).
Para o autor, esse movimento de autonomização no campo artístico da forma
e do estilo teve início em Florença no século XV, porém, seu ritmo estava vinculado
a cada sociedade e às esferas de sua vida artística, assumindo um ritmo muito mais
intenso com a Revolução Industrial e com a cisão da classe intelectual e artística
considerando as particularidades de cada nação.
O desenvolvimento de uma
indústria cultural coincide com a expansão do público, como uma resposta da
acessibilidade ao ensino elementar pelas novas classes, e a inclusão das mulheres
paralelamente ao processo de diferenciação pautado na diversidade dos públicos e
do consumo de diferentes produtos e categorias de produtores é que se
desenvolveu o sistema de produção de bens simbólicos que abarca duas realidades
distintas: mercadorias e significações, cujos valores culturais ou mercantis subsistem
relativamente independentes.
Segundo ele:
(...) tudo leva a crer que a constituição da obra de arte como
mercadoria e a aparição, devido aos progressos da divisão do
trabalho, de uma categoria particular de produtores de bens simbólicos
especificamente destinados ao mercado, propiciaram condições
favoráveis a uma teoria pura da arte – da arte enquanto tal -,
instaurando uma dissolução entre a arte como simples mercadoria e a
arte como pura significação, cisão produzida por uma intenção
meramente simbólica e destinada à apropriação simbólica, isto é, a
fruição desinteressada e irredutível à mera posse material
(BOURDIEU, 2009, p. 103).
O campo de produção de bens simbólicos está dividido em dois tipos: campo
de produção erudita – voltado para um sistema de produção de bens culturais e
instrumentos de apropriação desses bens destinado a um público de produtores de
bens culturais – e, o campo de produção cultural destinado aos não-produtores de
bens culturais, ou seja, o grande público. De acordo com Bourdieu (2009) o sistema
de produção e circulação de bens simbólicos é ―o sistema de relações objetivas
entre diferentes instâncias definidas pela função que cumprem na divisão do
trabalho de produção, de reprodução e de difusão de bens simbólicos.‖
A criação espontânea e desinteressada de produtos únicos e inestimáveis de
um artista autônomo, irredutível às necessidades da economia, elemento de
72
representação da cultura como realidade superior, identificadas pelo autor como
‗invenções‘ do romantismo, são reações à ameaça de substituição de uma clientela
selecionada (receptor ideal) por um público anônimo de burgueses. Um esforço para
validar a produção artística aferindo-lhe o valor de uma peça de origem única de um
‗gênio criador‘ separando dessa forma o intelectual do vulgar e afastando-se do povo
e do burguês.
Ao contrário do sistema da indústria cultural que obedece à lei da
concorrência para a conquista do maior mercado possível, o campo da
produção erudita tende a produzir ele mesmo suas normas de
produção e os critérios de avaliação de seus produtos, e obedece à lei
fundamental da concorrência pelo reconhecimento propriamente
cultural concedido pelo grupo de pares que são, ao mesmo tempo
clientes privilegiados e concorrentes (BOURDIEU, 2009, p. 105).
Mede-se o grau de autonomia de um campo de produção erudita de acordo
com a sua capacidade de atuação como o campo de uma competição pela
legitimidade cultural que objetiva a conquista das distinções culturalmente
pertinentes (temas, técnicas e estilos dotados de valor) capazes de conferir um valor
cultural como um princípio de diferenciação (uma especialidade, uma maneira, um
estilo) reconhecido como pertinente na esfera cultural.
A recepção das obras produzidas pelo campo de produção erudita (puras,
abstratas e esotéricas) ou depende de uma disposição propriamente estética, ou
exigem enfoques específicos, ou depende do grau de instrução dos receptores,
exigindo um domínio prático e teórico de códigos refinados, enquanto a recepção
dos produtos do campo de produção cultural independe do nível de instrução dos
receptores uma vez que se ajusta às demandas.
O modo de produção erudito deve incluir as instâncias capazes de assegurar
a produção de receptores dispostos e aptos a receber a cultura elaborada, e a
produção de agentes capazes de reprodução e inovação dessa cultura. Nesse
contexto é importante ressaltar as relações que o campo de produção mantém com
as instâncias como os museus (preservação do capital de bens simbólicos), com as
instâncias qualificadas como o sistema de ensino (reprodução dos sistemas de
ação, de expressão, de concepção, de imaginação, de percepção e de apreciação
disponíveis para uma determinada formação social). Da ação prolongada pela
inculcação do sistema de ensino produzem-se agentes dotados de um habitus
73
secundário, ou seja, a partir de um ethos e um eidos secundários se constituem os
produtos da interiorização de um conjunto de esquemas.
Segundo o autor:
(...) o habitus seria um conjunto de esquemas implantados desde a
primeira educação familiar, e constantemente repostos e reatualizados
ao longo da trajetória social restante, que demarcam os limites à
consciência possível de ser mobilizada pelos grupos e/ou classes,
sendo assim responsáveis, em última instância pelo campo de sentido
em que operam as relações de força. Para além da ‗comunicação das
consciências‘, os grupos e/ou as classes compartilham das inúmeras
competências que perfazem seu capital cultural, como uma espécie de
princípio que rege as trajetórias possíveis e potenciais das práticas
(BOURDIEU, 2009, p. 42).
O conceito de cultura para Bourdieu (2009) pode ser abordado sob duas
posturas. A cultura como instrumento de comunicação e conhecimento responsável
pelo consenso do significado dos signos e do mundo. E, cultura como instrumento
de poder que legitima a ordem vigente.
Walter Benjamin (2000) desenvolveu uma teoria política sobre a arte onde
questiona o valor da autenticidade e unicidade da obra de arte em relação ao caráter
serial da reprodutibilidade técnica que prognosticou para a modernidade capitalista.
O que ele reconhece como realmente novo é a reprodutibilidade técnica que
exemplifica com a conquista da reprodução de imagens através da fotografia, que
segundo ele, já contém o germe do cinema falado. Porém, mesmo na mais perfeita
reprodução identifica a ausência de algo que chama de hic et nunc que se refere à
ausência da unidade de sua presença no local em que se encontra e que constitui a
sua própria autenticidade. Sobre a noção de autenticidade, ele afirma que não tem
sentido quando se trata de qualquer tipo de reprodução, embora a reprodução
técnica por estar mais independente do original e por sua capacidade de reproduzir
situações não deve ser tratada como uma falsificação. Segundo ele:
O que faz com que uma coisa seja autêntica é tudo o que ela contém
de originariamente transmissível, desde sua duração material até seu
poder de testemunho histórico. Como esse testemunho repousa sobre
essa duração, no caso da reprodução, em que o primeiro elemento
escapa aos homens, o segundo - o testemunho histórico da coisa encontra-se igualmente abalado. Não em dose maior, por certo, mas o
que é assim abalado é a própria autoria da coisa (BENJAMIN, 2000, p.
225).
74
Para ele, apesar da reprodução atingir a aura da obra de arte, reconhece sua
capacidade de transformar o evento produzido apenas uma vez em um fenômeno de
massas permitindo a esse objeto reproduzido oferecer-se à visão e audição, além de
atualização constante. Como conseqüência, identifica um abalo na realidade
transmitida – a tradição - constituindo a contrapartida da crise por que passa a
humanidade e sua renovação. Nesse caso, a imagem está associada às duas faces
da obra de arte como unidade e duração, enquanto que a fotografia se coloca na
posição oposta como uma realidade fugidia de reprodução infinita. Enquanto a arte
requer recolhimento, as massas buscam diversão. Segundo o autor:
Desde que a obra de arte se torna mercadoria, essa noção (de obra de
arte) já não se lhe pode mais ser aplicada; assim sendo, devemos,
com prudência e precaução — mas sem receio renunciar à noção de
obra de arte, caso desejemos preservar sua função dentro da própria
coisa como tal designada. Trata-se de uma fase necessária de ser
atravessada sem dissimuIações; essa virada não é gratuita, ela
conduz a uma transformação fundamental do objeto e que apaga seu
passado a tal ponto. que. caso a nova noção deva reencontrar seu uso
— e por que não? não evocará mais qualquer das lembranças
vinculadas á sua antiga significação. (BRECHT apud BENJAMIN,
idem, p. 232).
Ainda de acordo com esse autor:
A massa é matriz de onde emana, no momento atual, todo um
conjunto de atitudes novas com relação à arte. A quantidade tornou-se
qualidade. O crescimento maciço do número de participantes
transformou o seu modo de participação. O observador não deve se
iludir com o fato de tal participação surgir, a princípio, sob forma
depreciada. Muitos, no entanto, são aqueles que, não havendo ainda
ultrapassado esse aspecto superficial das coisas, denunciaram-na
vigorosamente. As críticas de Duhamel são as mais radicais. O que
ele conserva do filme é o modo de participação que o cinema desperta
nos espectadores. (...) Na época de Homero, a humanidade ofereciase, em espetáculo, aos deuses do Olimpo: agora, ela fez de si mesma
o seu próprio espetáculo. Tornou-se suficientemente estranha a si
mesma, a fim de conseguir viver a sua própria destruição, como um
gozo estético de primeira ordem. Essa é a estetização da política, tal
como a pratica o fascismo. A resposta do comunismo é politizar a arte
(BENJAMIN, 2000, p. 250, 254).
Enfim, Benjamim (2000) identifica a crescente proletarização do homem
contemporâneo e o aumento da importância das massas como características do
mesmo processo histórico, em que o fascismo querendo organizar as massas sem
mexer no regime de propriedade, culmina com a estetização da vida política.
75
2.1.
O “bom gosto” como um novo conceito
“É preciso viver para comer, e não comer para viver.”
Molière
Sobre a morte do chef Bernard Loiseau que se suicidou diante da possível
desgraça de perder uma de suas três estrelas do Guia Michelin em fevereiro de
2002, o jornal britânico The Independent divulgou: ―O padrão Michelin-GaultMillau
nasceu na França, existe há séculos e sempre pertencerá ao lugar onde a
gastronomia é uma questão de vida ou morte‖ (DEJEAN, 2010, p. 130-131). Para
Joan Dejean, o processo de transformação da França em um mundo gastronômico à
parte regulado pelo Guia Michelin começou em 1651 com a publicação do primeiro
livro de culinária moderno Le Cuisinier François de François Pierre de La Varenne
que desencadeou uma revolução na cozinha fazendo com que a comida se tornasse
a cuisine e a cuisine se tornasse francesa. Segundo ela: ―Desse momento em
diante, as receitas que ainda são a base da tradicional culinária francesa passaram
a existir como parte de um repertório permanente‖ (DEJEAN, 2010, p. 130-131). Foi
assim que cozinhar e comer deixaram de ser uma necessidade para galgar os
patamares da sofisticação revestindo-se de refinamento e elegância, e tornando-se
objeto de desejo.
Para a autora:
O movimento que La Varenne iniciou fez com que a comida também
partilhasse os valores promovidos por todos os setores que
sustentavam os padrões do novo estilo francês, da alta-costura aos
cafés; tornou-se a comida essencial para a nova civilização de bom
gosto (francês) (DEJEAN, 2010, p. 132).
A memória de François Vatel outro grande exemplo da história da cozinha
francesa que o cinema imortalizou com o filme ―Vatel - um banquete para o rei‖, de
2000, confirma essa questão de como a honra culinária foi capaz de justificar seu
suicídio em 1671. Nesse contexto, Dejean (2010) observa que: ―Desde o início, os
novos pratos, promovidos como essencialmente franceses, estavam fortemente
associados à honra da própria nação‖ (DEJEAN, 2010, p. 157)
76
Noventa anos depois do lançamento do livro de ―La Varenne, o estilo francês
da cozinha‖ – a cuisine française – tinha se fixado como uma doutrina expressiva em
toda a Europa Ocidental e, paralelamente, vigorava uma segunda doutrina de que só
os cozinheiros franceses eram donos desse savoir faire, e os verdadeiros mestres
da haute cuisine. A cozinha francesa modificou completamente a forma de preparo e
consumo dos alimentos. Pautado na novidade, o estilo francês inspirou o
lançamento de outros livros de culinária se tornando um importante setor da
indústria editorial, contribuindo tanto para atribuir valor ao cardápio francês
(elegância) como para o estabelecimento de uma definição geográfica particular que
se manteve desde então: a presença de um chef francês na cozinha de qualquer
lugar é sinônimo de sofisticação. Foi a cuisine française que criou o gourmet, o chef
celebridade e conferiu a ele um status próprio da nobreza, além de fixar novos
padrões de entretenimento.
Roy Strong (2004) cita a revolução gastronômica do século XVII como
responsável pelo título Le grand siècle e oferece uma discrição dos ingredientes dos
novos cardápios:
O gosto da comida se modificou. O consumo de pássaros exóticos,
como pavões e cisnes, grous e garças, saiu de moda, junto com
lampreias e baleias. A partir daí só aparecia sob a forma de leitão ou
presunto, e o restante foi relegado aos recheios – como picadinho – e
ao toucinho. As carnes preferidas eram de boi, vitela e carneiro
(cordeiro era considerado insípido), e no que diz respeito às aves,
galinhas em todas as variedades, patos, marrecos, pombos e
pássaros de caça. A caça em geral, até a Revolução Francesa,
permaneceu uma prerrogativa da aristocracia, portanto continuou a ser
um símbolo de status. O peru era servido apenas em festas. O peixe
era consumido em imensas quantidades – nos países católicos os
velhos dias de jejum continuavam vigorando – mas os preferidos eram
os peixes de água doce, como salmão e truta (Peixes do mar, como
linguado, plaice e pescada, estiveram em grande moda no século
XVII) (STRONG, 2004, p. 192).
Segundo ele, o grande triunfo da horticultura na mesa de Versalhes se deve
ao jardineiro de Luis XIV, Jean de La Quintinie que multiplicou as variedades de
frutas e vegetais, e desenvolveu estufas para protegê-los do rigor do inverno. As
saladas se popularizaram com a oferta de cogumelos, aspargos, trufas, alcachofras,
alface, e, sobretudo, a ervilha que ganhou destaque na época. Foi inventando o
método de produção de champanhe que junto com o borgonha se tornaram os
77
preferidos da aristocracia. Entraram na moda os licores, águas perfumadas, bebidas
geladas e se popularizaram o chocolate, o chá e o café.
Para Strong (2004) a difusão da nova cozinha francesa por meio de livros
indica dois fatores relevantes: que qualquer cozinheiro importante deveria saber ler e
que as classes altas eram as principais interessadas por serem as mais
alfabetizadas. De acordo com ele: ―uma nova culinária só poderia dominar se
satisfizesse uma necessidade profunda.‖ (STRONG, 2004, p. 194) Baseado nessa
premissa é que ele acredita que, na época, a aristocracia encontrou no novo estilo
de cozinha uma forma de se destacar na hierarquia social, uma vez que piorava a
situação dos camponeses enquanto os burgueses se aproximavam tentando imitála.
De acordo com STRONG o principal fator para o rompimento com a culinária
renascentista e medieval foi a adoção da versão mecanicista do mundo contra o
predomínio do contexto cosmológico e o atomismo de Epicuro permitindo que a
comida passasse a explorar os sentidos através do estimulo do desejo. De acordo
com ele:
O novo estilo tornou o aspecto salgado e ácido da culinária
renascentista e adaptou-o, fundindo os vários ingredientes de modo a
criar um todo. No novo esquema o sal teve grande proeminência. Em
meados do século XVII era adicionado a todos os pratos. Ao mesmo
tempo o sabor adocicado – principalmente obtido acrescentando-se
açúcar o que antes era uma característica de quase todas as
seqüências numa refeição – ,em 1700, limitou-se à seqüência da
sobremesa (STRONG, 2004, p. 195).
Essa alteração também afetou o espaço da cozinha que se compartimentou
em cuisine, para a preparação das refeições e office, um espaço em plena expansão
reservado para a elaboração de sobremesas, preservação de frutas e flores, e
esculturas de açúcar. Nesse movimento da quantidade para a qualidade e para a
ascensão social, a cuisine française foi se desfazendo de especiarias e temperos
medievais e renascentistas para abarcar novos ingredientes: cerefólio, estragão,
manjericão, tomilho, louro e cebolinha, além dos laticínios, como a manteiga e o
creme de leite. O autor ainda afirma que, a mudança do foco primário do agrado aos
olhos para a ênfase no paladar foi responsável pela elevação da culinária ao
patamar de arte e, mais tarde, à ciência da gastronomia.
78
Em 1691, François Massialot substituiu La Varenne com seu livro ―Le cuisinier
royal e bourgeois‖, um livro dedicado aos cozinheiros da aristocracia que dirigia
frases de desprezo para a burguesia e que, de acordo com STRONG, pregava a
extravagância da comida e tudo mais que pudesse destacar o mundo aristocrático
em termos de decoração, ambiente e serviço, como uma expressão de poder,
embora se considerasse austero. Essa ênfase, entretanto, contrariava os princípios
do iluminismo desencadeando a reação de alguns autores como Rousseau e Marin,
e um redirecionamento da cozinha representada pelo livro ―La cuisine bourgeoise‖,
de 1746, de autoria de Manon que pregava a simplicidade, mas de forma que
ficavam preservados os elementos centrais da cozinha francesa definidos por Strong
como haute cuisine e cuisine bourgeoise.
A moda do serviço à francesa, outro legado da revolução da cozinha
francesa, em casos mais requintados se assemelhava a um balé com a substituição
das travessas a cada quinze minutos por um exército de lacaios e o aparelho de
jantar foi introduzido ao serviço à francesa para reforçar seu impacto enfatizando o
aspecto visual da arrumação da mesa. Os hábitos franceses também se
caracterizavam pelas boas maneiras à mesa. Tendências sempre copiadas pela
classe emergente.
Muito celebrado também foi Antonin Carême que em 1803 já era reconhecido
por seus grandes eventos de pastelaria de cunho aristocrático, tanto nas mesas da
realeza como na dos novos ricos. Foi autor de livros que fundamentaram a cozinha
clássica francesa do século XIX.
Jean-Pierre Poulain (2004) destaca a importância do surgimento do crítico
gastronômico na atribuição de legitimidade social à burguesia francesa através da
cozinha, por seu papel norteador da definição de critérios do gosto e do belo. O
autor aponta dois grandes nomes da época: Grimond de La Reynière que publicou
em 1802 seu livro ―L‘almanach des gourmands‖ com o objetivo de ―guiar a burguesia
no emaranhado de suas novas boutiques de carne (magasin de bouche),
restaurantes, traiteurs...‖ (POULAIN, 2004, p. 241) enquanto divulgava as regras da
gastronomia. Dirigido aos novos proprietários da Revolução ele publicou alguns
anos mais tarde, Manuel des amphitryons onde ensinava de maneira nobre a arte de
bem viver. O autor percebe em Reynière o desempenho de um papel mediador em
79
que ―Ele inventa simultaneamente a literatura gastronômica, os guias e os signos de
qualidade. Da mesma forma, dispositivos de legitimação que são ainda
determinantes na gastronomia e do consumo alimentar contemporâneo.‖ (POULAIN,
2004, p. 241). E, Brillat-Savarin (1995) que ele identifica como ―o segundo
personagem chave na articulação dos códigos alimentares da aristocracia e da
burguesia pós-revolucionária‖ (POULAIN, op. cit., p. 241)
Nessa época, ninguém falou mais dos sentidos do que Brillat-Savarin em seu
livro intitulado A fisiologia do gosto, publicado em 1825. Considerado a certidão de
nascimento da gastronomia, o livro é um ensaio dos sentidos em que o autor
apresenta a ação do bem comer dentro de um contorno científico que transforma o
que era apenas uma necessidade fisiológica em um processo artístico coberto de
delicadezas e preceitos. Segundo ele:
(...) o amor físico invadiu todas as ciências: nisso ele age com aquela
tirania que o caracteriza sempre. O gosto, faculdade mais prudente,
mais comedida, embora não menos ativa, alcançou o mesmo objetivo
com uma lentidão que assegura a duração de seus sucessos. (...) O
gosto é aquele de nossos sentidos que nos põe em contato com os
corpos sápidos, por meio da sensação que causam no órgão
destinado a apreciá-los (SAVARIN, 1995, p. 39-41).
Savarin (1995) considera o gosto a partir de três aspectos: como um aparelho
que permite a apreciação dos sabores, no homem físico; como uma sensação
despertada no órgão impressionado por um corpo saboroso, no aspecto moral; e
como a propriedade de um corpo de impressionar o órgão que desencadeia a
sensação, no aspecto material.
A gastronomia é para ele ―o conhecimento fundamentado de tudo o que se
refere ao homem, na medida em que ele se alimenta.‖ (SAVARIN, 1995, p. 57) E
objetiva zelar pelos homens através da melhor refeição possível, relacionando-se
com a história natural, a física, a química, a culinária, o comércio e a economia
política.
Para POULAIN (2004), o papel que desempenha o Guia Gault et Millau,
criado na década de 1960, na articulação da categoria de executivos divididos entre
o poder delegado pelo capital e o mundo operário da condição de assalariado, é o
80
mesmo dos críticos do século XIX porque encontra na nova cozinha um espaço de
legitimidade.
Felipe Fernández-Armesto (2004) acredita que a conseqüência mais
importante da nova cozinha francesa foi o aburguesamento da cozinha dos reis e
aristocratas graças à sua acessibilidade provocada pela renúncia aos exotismos da
cozinha ―mourisca‖16 e o retorno aos alimentos mais ocidentais e familiares.
Massimo Montanari (2009) associa a influência da cozinha francesa sobre o
gosto das altas classes européias, às traduções e adaptações de receitas dos
tratados culinários franceses daquela época, o que acarretou em muitos países, uma
dificuldade de se conhecer com precisão usos característicos e as transformações
ocorridas.
Segundo Dejean (2010) a grande divulgação da cozinha francesa na América
do Norte começou a ocorrer a partir da década de 1960, quando os turistas
regressavam de suas viagens a Paris com a convicção de que tinham encontrado a
melhor culinária do mundo. Desde então, chefs franceses passaram a fazer parte do
cenário gastronômico americano, e sair para jantar fora se tornou o principal evento
de uma noite e um dos maiores prazeres da vida.
De acordo com a autora (2010):
E a partir do momento, na década de 1960, em que Julia Child
começou a apresentar seu programa televisivo The French Chef, a
mensagem inicialmente formulada na França de Luis XIV tornou-se
parte de nossa herança culinária. Hoje, a comida elegante servida nos
Estados Unidos é quase sempre comida à francesa com um leve
sotaque. Mas a partir do momento em que The French Chef foi ao ar
pela primeira vez, ninguém deste lado do Atlântico esqueceu que todo
bom chef é um cozinheiro francês de coração (DEJEAN, 2010, p. 159).
Dejean (2010) descreve a escalada da haute cuisine para as mesas e
vocabulário americano a partir da publicação do primeiro volume do livro ‖Mastering
the Art of French Cooking‖ (Dominando a arte da culinária francesa) lançado em
1961, de autoria de Simone Beck, Louisette Betholle e Julia Child, quase três
séculos após o lançamento da obra de La Varenne. O sucesso do livro se deve à
desmistificação dos mistérios da haute cuisine, apresentada como uma questão de
16
Aspas do autor (FERNÁNDEZ, 2004, p. 187)
81
técnicas e regras, muitas compiladas por La Varenne, mediante a promessa
anunciada no prefácio de que ―qualquer um pode cozinhar à francesa em qualquer
lugar; basta seguir as instruções corretas‖ (DEJEAN, 2010, p. 159). Os anos 1960
marcaram também o início da apresentação do programa de Julia Child, The French
Chef na TV americana.
2.1.1. Uma socialização dos sentidos
De acordo com Georg Simmel (2006) o significado de sociedade, em geral, é
a interação entre indivíduos motivada por determinados impulsos (fome, instintos
eróticos, impulsos religiosos, etc.) ou certas finalidades (interesse objetivo, defesa,
ataque, conquista etc.). Assim, ao mesmo tempo em que o indivíduo exerce efeitos
sobre os demais ele também sofre os efeitos deles o que os torna formadores de
uma unidade chamada sociedade. Porém, as motivações não são consideradas por
si sós, sociais, mas se transformam em fatores de sociação quando deixam de ser
uma agregação isolada dos indivíduos para assumir características de estar e ser
para o outro de acordo com o conceito geral de interação. Para o autor:
A sociação é, portanto, a forma (que se realiza de inúmeras maneiras
distintas) na qual os indivíduos, em razão de seus interesses –
sensoriais,
ideais,
momentâneos,
duradouros,
conscientes,
inconscientes, movidos pela causalidade ou teleologicamente
determinados -, se desenvolvem conjuntamente em direção a uma
unidade no seio da qual esses interesses se realizam. Esses
interesses sejam eles sensoriais, ideais, momentâneos, duradouros,
conscientes, inconscientes, casuais ou teleológicos, formam a base da
sociedade humana (SIMMEL, 2006, p. 60-61).
A elaboração do material (conteúdo) que os indivíduos tomam do mundo varia
segundo a inteligência, criatividade, vontade e movimentos afetivos de acordo com
as condições e necessidades práticas do grupo. O formato que é dado ao conteúdo
passa a ser utilizado como um elemento da vida do grupo, passando a matéria de
valor definitivo libertando-se e tornando-se autônoma posteriormente – o que
Simmel (2006) chama de jogo. As formas do comportamento desejável do grupo
para o jogo se constroem a partir de forças, carências e impulsos da vida real. Essas
formas também criam um domínio autônomo dentro do jogo independentemente da
82
realidade, dos seus conteúdos e estímulos autônomos, comparando-se à arte.
Segundo ele:
É de sua origem - que as mantém atreladas à vida – que retiram sua
força e sua profundidade. Sempre que arte e jogo se esvaziam de
vida, tornam-se artifício e mero entretenimento. Assim, seu significado
e sua essência se encontram justamente nessa mudança fundamental
pela qual as formas criadas pelas finalidades e pelas matérias da vida
se desprendem dela e se tornam finalidade e matéria de sua própria
existência (SIMMEL, Idem, p. 63).
As formas se compõem da mútua determinação e da interação de todos os
elementos constitutivos da unidade. Assim, a partir de sua liberação, elas adquirem
por si mesmas e pelo estímulo que delas se irradia, uma vida própria e um livre
exercício dos conteúdos materiais caracterizando o fenômeno da sociabilidade.
Quanto mais perfeita for como sociabilidade mais ela adquire da realidade,
assumindo um papel simbólico e um significado racional (próprio de conteúdos
concretos) que preenche a vida da população em geral. Para Simmel (2006), o
homem em seus múltiplos papéis é uma elaboração construída: ―O ser humano
como um todo é, por assim dizer, um complexo ainda informe de conteúdos, formas
e possibilidades‖ (SIMMEL, Op. cit., p. 67) podendo mudar a configuração de sua
imagem pela alteração de suas motivações e relações da existência.
Simmel (2006) identifica uma estrutura democrática no princípio da
sociabilidade onde ―cada indivíduo deve garantir ao outro aquele máximo de valores
sociáveis (alegria, liberação e vivacidade) compatível com o máximo de valores
recebidos por esse indivíduo‖ (SIMMEL, Idem, p. 69) semelhante à lei kantiana. A
igualdade, segundo ele, resulta da eliminação do que é inteiramente pessoal e
inteiramente material, e até mesmo daquele material que moveu os indivíduos para
a sociação, como uma condição de sociabilidade. O autor se refere a essa
democracia da sociabilidade como um jogo de cena, uma artificialidade que cria um
mundo sociologicamente ideal, voltado para a felicidade dos outros, mas
impossibilitado pela exclusão das outras várias formas sociais. Para ele, esse jogo
do faz de conta de que são todos iguais, só deixa de ser verdadeiro:
(...) quando a ação sociável e o discurso se tornam simples
instrumentos das intenções e dos acontecimentos da realidade prática
– assim como a pintura se torna mentirosa quando pretende simular
panoramicamente a realidade (SIMMEL, Op. cit., p. 71).
83
É baseado nisso que ele alerta para a duplicidade de sentido do jogo da
sociedade: ―não somente joga na sociedade aquele que a mantém externamente,
mas com ele ‗joga-se‘ de fato a ‗sociedade‘‖ (SIMMEL, Op. cit., p. 72).
Para o filósofo italiano Mario Perniola, vivemos hoje sob o domínio da
sensologia em substituição à ideologia:
Na passagem da falsa consciência para o falso sentir todos se
tornaram inocentes e é-lhes também retirada a culpa de indiferença:
na verdade, agora existe sempre um olho pronto a ver, um ouvido
pronto a ouvir, um palato pronto a saborear, mas estes sentidos são
anônimos impessoais. Se a ideologia era a socialização dos
pensamentos, a sensologia é a dos sentidos (PERNIOLA, 1993, p.15).
Nesta hipótese, ele afirma que predomina hoje a mediacracia em substituição
à burocracia que consiste na imposição do poder da mediação entre governantes e
governados. Enquanto na burocracia o poder deriva da capacidade de execução, na
mediacracia deriva da capacidade de mediação, onde agentes do sentir se mantêm
atentos a todos os emissores em jogo. Como resultado, este sentimento do já
sentido e já tateado vai antecipar, preceder e até substituir o fato. Neste caso:
É evidente que os meios de comunicação de massa desempenham
um papel importantíssimo neste processo, mas no fundo limitam-se
muito mais a obedecer ao já sentido do que comandá-lo. Eles
precipitam-se numa incessante corrida para a difusão antecipada do já
sentido: os data files das redações dos jornais e das televisões, em
que é conservado o já sentido, tomaram assim o lugar dos arquivos
das burocracias, em que era conservado o já feito. A mediacracia não
consiste apenas no fato de se transferir o domínio do sentir - da
sensibilidade e afetividade – do homem para instrumentos e aparatos
impessoais, mas também na importância assumida por uma
negociação que está mais virada para elementos estéticos no sentido
literal da palavra do que para interesses e necessidades (PERNIOLA,
1993, p. 16).
Perniola (1993) observa, nesta perspectiva, o indivíduo até certo ponto como
um mercador, onde o sentir está relacionado à obediência a leis econômicas e a
liberdade é promovida pelo sistema mercantil no jogo da concorrência.
Para Richard Sennett (2006) esta liberdade de escolha do indivíduo mercador
chama-se paixão autoconsumptiva onde o indivíduo é visto como um expectadorconsumidor:
84
A decisão sobre o produto de preço baixo que será comprado é da
esfera do imaginário e do marketing globais. [...] Para o consumidor a
marca deve ter mais relevância que a coisa em si. [...] o consumidor
busca o estímulo da diferença em produtos cada vez mais
homogeneizados (SENNETT, 2006, p. 126-137).
Segundo Giovanni Sartori (2001) a opinião pública17 é uma situação que
representa um conjunto de opiniões que se encontram na coletividade envolvendo o
bem comum onde o sujeito é o público,caracteriza a opinião como um saber doxa,
subjetivo, fraco, variável que dispensa
comprovação (ao contrário do epistème)
pertinente à situação da coisa pública e alimentada pelos fluxos de informações
provenientes do poder político ou veículos de informação pautados nos jornais
(mesmo depois do rádio), cujos efeitos se davam em cascata. Havia um equilíbrio da
opinião autônoma e as opiniões heterônimas - hetero-dirigidas18. Porém, com a
televisão a comunicação imagética suplantou a comunicação lingüística, e a força
avassaladora da imagem quebrou esse sistema de equilíbrio superando os líderes
intermediários de opinião e eliminando as diversas autoridades cognitivas detentoras
do poder de direcionamento. A autoridade da televisão está na própria imagem
entendida como vozes do público, o real transformado em verdadeiro. (SARTORI,
2001, p. 49-57)
Sartori (2001) entende que informar é comunicar um conteúdo, falar a
respeito de alguma coisa, porém, informar no jargão da mídia é apenas o bit:
Quer dizer no canal televisivo a informação é tudo o que circula.
Portanto, informação, desinformação, verdade, mentira Inclusive um
boato passado na rede televisiva, torna-se informação. [...] A televisão
pode mentir, e falsificar a verdade, exatamente como qualquer outro
instrumento de comunicação. A diferença está no fato que a ‗força de
veracidade‘ contida na imagem torna a sua mentira mais eficaz e por
isso mesmo mais perigosa (SARTORI, 2001, p. 84, 85).
Sartori (2001) referindo-se à revolução cultural de 1968 afirma:
Esta revolução a essa altura é quase totalmente tecnológica, de
inovação tecnológica. [...] Os meios de comunicação, e, sobretudo a
televisão, agora são geridos pela subcultura, por pessoas sem cultura.
[...] A televisão premia e promove a extravagância, o absurdo e a
insensatez. [...] A cultura audiovisual é ‗inculta‘ e, portanto, não
cultura... (SARTORI, Idem, p. 138-141).
17
Sartori supondo a democracia como um sistema de governo controlado pela opinião pública
questiona, neste capítulo, como a opinião pública nasce e se forma. (SARTORI, 2001, p. 52)
18
Conceito de Riesmen adotado por Sartori (Op. Cit., p. 52)
85
Por estas e outras razões apontadas para o enfraquecimento da democracia,
o autor defende a idéia de que está havendo uma substituição da democracia pela
videocracia19, hoje observada em todos os segmentos como a cozinha paulista que
vive também esta influência da manipulação da cultura de consumo que se propaga
de forma globalizada liderada pela força imagética da comunicação.
2.2.
A transformação da estética tradicional em poética da emoção
“A beleza dos atos,
como a dos versos,
mede-se pela
soma da emoção que provocam”
Dr. Pereira Barreto, O Estado, 1921
Nicolau Sevcenko (2009) observa o escândalo e o grande espanto que
causou a brusca mudança de comportamento das mulheres com a irreverência de
suas danças, a moda de saias curtas e decotes generosos enquanto conquistavam
definitivamente o espaço público: ―Elas estavam por toda parte, a qualquer hora‖
(SEVCENKO, 2009, p. 50).
Em 1919, com a universalização da indústria fonográfica, sobretudo, através
das distribuidoras americanas, era a música que se democratizava com o acesso à
vitrola, e a indústria de lazer que emergia propondo novos hábitos e novos espaços
para dançar. Segundo o autor o comercial da Victor Talking Machine Co. anunciava:
―Todos podem e devem possuir uma vitrola [...]. Aceitamos seu gramofone de
qualquer marca como parte do pagamento‖ (SEVCENKO, 2009, p. 90). Ou o
comercial da Casa Murano: ―Dance muito!! [...] e divirta-se que a vida é curta‖
(SEVCENKO, 2009, p. 90). A música deixava de ser associada à audição privada e
doméstica dos gramofones com suas óperas e músicas eruditas para se tornar
19
Sartori chama de videocracia a fabricação de opinião maciçamente hetero-dirigida que parece
fortalecer, mas que esvazia a democracia como governo de opinião, porque a televisão, ao invés de
porta-voz de uma opinião pública, transmite o eco da própria voz.(Op. cit., p. 56)
86
pública e acessível não só aos mais abastados como também ao público dos clubes
e grupos excitando os jovens com o frenesi estridente dos novos ritmos.
Também crescia a paixão futebolística e o culto ao automobilismo, se
estabelecia o hábito de praticar esportes enquanto prosperava a indústria
cinematográfica americana em que, segundo o autor, predominava o cinema ―mais
rigorosamente codificado e submetido a convenções artísticas e narrativas
tradicionais‖ que o europeu o que acabou amortecendo ―o impacto revolucionário da
nova linguagem artística dentre o público paulista‖ (SEVCENKO, 2009, p. 92).
Segundo ele:
A indústria cinematográfica, em prosperidade galopante, sobretudo os
estúdios norte-americanos, beneficiários exclusivos dos transtornos
que a Guerra impusera aos concorrentes europeus, supera os teatros
e adquire um papel proeminente como forma popular de lazer nas
grandes cidades. Os norte-americanos, com suas técnicas
propagandísticas e amplos sistemas de distribuição, conseguiram
colocar, em 1920, mais de 70 milhões de metros de filme no mercado
sul-americano, um terço do total de sua produção. Os filmes
naturalmente eram só uma parte da indústria, de expressiva monta
igualmente, constando de um manancial caudaloso de revistas,
informações, mexericos, fotografias, pôsteres, suvenires, discos, fãclubes e turnês artísticas (SEVCENKO, 2009, p. 92).
Em São Paulo o cinema fez de imediato uma legião de fãs ardorosos, uma
―clientela voluntariamente cativa e feliz‖ que ―encontravam no dinamismo técnico e
temático da forma cinematográfica a arte compatível por excelência com os
estímulos voláteis da cidade‖ (SEVCENKO, 2009, p. 93). Era, segundo ele, a
indústria contemplando as demandas urgentes das massas urbanizadas.
Nesse mesmo período também se assistiu a um ―boom‖ da indústria editorial
paulista envolvendo livros, revistas e folhetos atraindo escritores de todo o país, e
beneficiando particularmente ―O Estado‖ que se consolida como o jornal de maior
tiragem no país, com um corpo composto por redatores pinçados entre brilhantes
intelectuais e tendo como colaboradores permanentes, celebridades da imprensa
européia. São Paulo passa a ser chamada: ―a capital do livro no Brasil‖ e a nova
geração de jovens intelectuais que abastecem o mercado editorial fica conhecida
como: ―o fenômeno paulista‖ (SEVCENKO, 2009, p. 96).
87
Nas artes plásticas também acontece uma explosão de espaços para
exposições improvisados em livrarias, cinemas, hotéis e casas de comércio trazendo
artistas estrangeiros e atraindo jovens artistas locais levando os críticos a forçarem,
com uma campanha ruidosa, as autoridades a dotarem a cidade de uma infraestrutura que permitisse uma rotatividade maior de artistas e obras e garantisse a
referência básica de acervos permanentes. A cidade se revelava como a capital
artística e pólo cultural. De acordo com SEVCENKO:
Em meio a essa atmosfera eufórica, várias entidades ou segmentos da
população concorrem entre si para deixarem a sua marca ou o seu
símbolo coletivo de distinção, fixando a sua própria perspectiva como
um marco de referência que viesse a se tornar um marco indelével de
qualquer possível identidade da cidade (SEVCENKO, 2009, p. 98).
O autor trata a obra de arte desse momento como ―discursos visuais
ostensivos‖ e ―cenário simbólico-político‖20 capazes de estimular e sensibilizar a
população em suas emoções regularizando sua interação com o espaço público da
mesma forma que os rituais arcaicos despertavam o entusiasmo e conduziam à
euforia e ao transe em que todos se identificavam com uma realidade, idéia ou
símbolo transcendente. Porém, segundo ele, os rituais daquele momento buscavam
―traduzir o presente como um sinal profético do futuro‖ (SEVCENKO, 2009, p. 99).
Ao mesmo tempo em que ele considera a ―cena propriamente dita‖ 21 a história que
se escrevia da cidade em que os habitantes serviam ao mesmo tempo de público e
um dos personagens.
Ainda de acordo com Sevcenko (2009) entre 1872, quando a cidade de São
Paulo já se encontrava sobre efeito do surto cafeeiro e contabilizava 64.934
habitantes, e o censo de 1934, que indicou o número de um milhão e duzentos mil
habitantes, a cidade registrou o crescimento de 5689% nesses 62 anos, razão pela
qual ficou conhecida como a cidade que mais cresce no mundo. O acúmulo de
recursos trazidos pela riqueza cafeeira e a oferta de oportunidades na indústria e
comércio atraíram um grande número de pessoas de outros países e de outros
estados brasileiros que tiveram que enfrentar muitas contrariedades e improvisar
20
21
(SEVCENKO, 2009, p. 99)
(SEVCENKO, 2009, p. 99)
88
suas vidas e moradias. A própria cidade foi perdendo sua identidade rural e
embaraçosa naquele momento, e tomando emprestada uma identidade artificial e
pasteurizada baseada em modelos europeus e americanos, durante sua busca por
um padrão superior de vida urbana. Desse efeito cenográfico da cidade resultou o
esvaziamento das imaginações e a vontade de ser passou a ser catalisada como
empreendimento coletivo.
O Teatro Municipal inaugurado em 1911 tornou-se um catalisador cultural
atuando como uma caixa de emissão e repercussão de símbolos, auxiliado pelas
companhias teatrais que atualizaram sua linguagem cênica transformando-se em
autênticas fábricas de espetáculos.
Porém,
paralelamente
a
tantas
expressões
artísticas
modernas
e
internacionais foram se desenvolvendo também pesquisas sobre a cultura popular
sertaneja e direcionando esforços para a instauração de uma arte que refletisse o
popular, o tradicional, o local baseado na própria história, enfim, como um padrão de
identidade autenticamente brasileiro.
Geni Rosa Duarte (2010) identifica em São Paulo desde as primeiras décadas
do século XX a influência da música dos imigrantes italianos que tentavam preservar
sua identidade e tradições, sobretudo pelas festas religiosas e nos espetáculos de
circo, teatro e associações esportivas onde predominava o gosto pela música lírica.
Por sua vez os negros que se concentravam em regiões mais desfavorecidas
também mantinham suas tradições através de suas músicas religiosas e rodas de
partido alto e capoeira. Mas nessa polifonia, no entanto, reconhece um movimento
de identificação do caipira com São Paulo, sobretudo, em locais habitados por
migrantes do interior do Estado e da zona rural. De acordo com o autor:
[...], o que vai se configurar em espaços como o rádio ou o teatro, por
exemplo, é a representação de um personagem, dado então como
característico do interior paulista. [...] Contudo, exatamente por se
distinguir dos demais tipos urbanos – pelas roupas, pelas
características físicas, pelo modo de falar -, o caipira podia ser o outro,
sendo-lhe permitido expressar pensamentos e opiniões em oposição
ao que prevalecia no universo urbano (DUARTE, 2010, p. 427).
Junto com outros personagens menos significativos para a cidade, o caipira
pode se expressar sobre o universo urbano nas páginas da revista O Pirralho de
89
Oswald de Andrade, entre 1911 e 1918, através de Cornélio Pires que o retratava
com o seu linguajar próprio.
Em 1916 foi criada, por um grupo de intelectuais, a ―Revista do Brasil‖ que
tratava do regionalismo paulista retratando a cena rural e a cultura caipira com a
participação de autores como Amadeu Amaral, Monteiro Lobato, Cornélio Pires,
Otoniel Mota entre outros. Entre 1917 e 1922 a Liga Nacionalista de São Paulo
liderada pelos estudantes de direito Rui Barbosa e Olavo Bilac viveu uma militância
da cultura nacionalista que apostava na escola com disciplinas intelectuais e
artísticas para promover a tradição da cultura popular. A obra ―Os Sertões‖ de
Euclides da Cunha e ―Urupês‖ de Monteiro Lobato tornaram-se marcos para o
sentimento nativista da arte que apontavam através da exclusão social de seus
personagens, as discrepâncias sociais e políticas do país. Papel mais relevante teve
o escritor Afonso Arinos que encontrou nos hábitos e costumes do nosso passado
popular, folclórico e colonial uma dimensão exótica. Afonso Arinos morreu em 1916,
e em 1918, recebeu como homenagem póstuma uma monumental montagem
dramático-musical do espetáculo ―O contratador de diamantes‖ que se transformou
na coqueluche da cidade. Em 1920 o slogan de Pinto Pereira ―assimilamos ou
seremos assimilados‖ desencadeou uma reação nacionalista liderada, entre outros,
por Sampaio Doria que alertava:
Os brasileiros estão ameaçados de passar, por imprudência, de
senhores da terra a colonos dos estrangeiros, que vencem. [...] A
reação nacionalista será pois, necessariamente, uma reação da
cultura pela supremacia do nacional (DORIA apud SEVECENKO,
2009, p. 246).
Segundo Sevcenko (2009):
Depois d‘O contratador, aquilo que era uma corrente intelectual se
transforma numa moda de ampla vigência nacional. É interessante
observar como se operam então os deslizamentos e reagregações dos
conteúdos míticos difusos pelo imaginário social (SEVECENKO, 2009,
p. 247).
Apontado pelo autor como grande sucesso também foram os Saraus
regionalistas lançados pela A Cigarra com o seguinte anúncio:
Um grupo de distintas senhoritas cantará ao violão, vestidas de
caipirinha, alguma das nossas melhores canções sertanejas e
dançarão cateretês com acompanhamento de violão, cavaquinho,
90
flauta, chocalhos e reco-reco. [...] Na segunda parte o brilhante poeta
dr Paulo Setúbal recitará versos sobre cenas da roça de seu livro Alma
Cabocla, a aparecer em breve (SEVECENKO, 2009, p. 248).
Os relatos bem-humorados de Cornélio Pires sobre rincões remotos do sertão
também, segundo Sevcenko (2009), lotavam teatros e desencadeavam lutas por
bilhetes.
Pires (2002) em seu livro ―Conversa ao pé-do-fogo‖ referindo-se ao eterno
petiscar caipira relata a estória do Nhô Tomé que após pegar seu segundo café com
mistura ou café com duas mãos (café com quitandas) pôs-se a se desculpar: ―Você
não arrepare; no sitio a gente véve prá cume, derd‘o levantá inté no deitá‖ (PIRES,
2002, p. 79). E foi contando que ao se levantar toma um café simples, em seguida
um café com leite com bolo-de-frigideira, de fubá, mandioca cozida ou pão que é um
artigo difícil porque vem da cidade e os atravessadores trocam por algumas aves.
Entre 8:30 e 9:00 é o almoço, entre 11:30 e meio dia toma-se um café com mistura
ou come-se uma fruta e depois às 14:30 vem o jantar. Às 17:00 outra merenda, e
entre 19:30 e 20:00 é a ceia. ―Tudo em abundância, porque o pessoal tem sempre
insaciável apetite‖ (PIRES, 2002, p. 79).
Em meados dos anos 1930 a programação da rádio ainda restrita à cidade,
apresentava musicais direcionados às diversas colônias de imigrantes e um
programa caipira. Em outras rádios a música caipira estava inserida em
programações regionais ou populares, e para as elites que podiam ter acesso ao
radio como participantes das radio-sociedades, ela se identificava com o folclore.
2.2.1. A Semana de Arte Moderna como efeito da metrópole
Conta Mario de Andrade em março de 1921, que, entre melões e figos com
presunto e outros acepipes do Restaurante Trianon (de cardápio desilusório, do
ágape social da cidade), de bailes e concertos, maxixe puladinho, em um almoço
oferecido em honra de Menotti Del Picchia em que se reunia a elite intelectual da
cidade, que entre muitos discursos destaca a fala de Oswald de Andrade:
O Oswald de Andrade falou também, representante e mandarim duma
geração nova, reveladora de muito brilho e alguma esperança. Era o
clarim dos futuristas, gente ‗do domínio da patologia‘ como dizem e
91
redigem certos críticos passadistas, num afanoso rancor pelas auroras
(ANDRADE, 2004, p.104).
E, referindo-se aos presentes escreve:
É uma estufa de poetas loucos, geração exótica, fantástica, arrepelada
pelo consórcio com a garoa, a internacionalidade das nossas fábricas
com o convencionalismo rural do meio. Neste manicômio pouco se
pensa, dizem... Mas que de sensações, que de comoções, que de
entusiasmos, que de luares e fogaréus, onde cada passo se multiplica
e se transfigura em Beleza – essa bem querida Errabunda entre os
sarçais da Perfeição!... (ANDRADE, 2004, p.104-105).
Relacionando como prova desse seu pensamento os aplausos à declaração
de Oswald, cuja voz ―[...] é um sacrilégio, pois imita o místico do psalmodiar
beneditino [...]‖ (ANDRADE, 2004, p.104-105).
Logo depois, em 27 de maio de 1921, Oswald, apresenta Mario, então
professor do conservatório Dramático e Musical, ao público e aos demais
modernistas, em um artigo do Jornal do Comercio intitulado: ―O meu poeta futurista‖
causando espanto nos leitores e complicações para o retratado.
Segundo FRANZINI (2010), reza a lenda, que no final de 1921 Di Cavalcanti
lançou a idéia da realização de um festival dedicado à nova produção artística do
momento que contou com o patrocínio do casal Paulo Prado e as bênçãos de Graça
Aranha, sob influência de suas experiências européias. Esses festivais realizados no
Teatro Municipal nos dias 13, 15 e 17 de fevereiro de 1922 ficaram conhecidos como
Semana de Arte Moderna que contou no primeiro dia com o Festival de Pintura e
Escultura, no segundo dia com o Festival de Literatura e Poesia e no terceiro dia
com o Festival de Música. O evento teve uma repercussão pequena e mereceu
poucas notas na imprensa da época, mas cunhou a palavra ―modernistas‖ no lugar
de ―futuristas‖, e seus participantes, de acordo com o autor:
[...] continuaram a tocar seus projetos estéticos, que logo passaram a
tomar formas ideológicas à medida que, primeiro, suas inovações e
experimentações questionavam a produção artística hegemônica e,
segundo, se inseriam nos já referidos quadros mais amplos de uma
‗redescoberta do Brasil‘. [...] o rompimento com o passado e com a
tradição [...] transformou-se na sustentação do desejo de fundar, por
eles próprios, um novo eixo articulador para a cultura nacional,
negação do passado imediato e marco zero de um futuro que, por
romper com as amarras do arcaico, poria o país a par das grandes
nações-modelo ( FRANZINI, 2010, p. 335).
92
Para Roberto Gomes (2008) a Semana de Arte Moderna consistiu na nossa
primeira tentativa de real independência cultural diante do passado europeu e dos
modelos estrangeiros, tratando-se, portanto, de uma tomada de consciência e
constatação do óbvio, isto é, que ao invés de fogo, castelos medievais e neve temos
bananeiras, coqueiros, casa de caboclo, nariz batatudo e lábios grossos, uma
derrubada do bom gosto oficial que resultou numa emancipação artística onde
assumíamos nossa posição, ou seja, uma negação contra os vínculos que nos
prendia a uma Europa idealizada, como revela Oswald de Andrade:
Nada podemos esperar da Europa européia, para onde vivemos por
tanto tempo voltados, com a luz de Paris em nossos espíritos. Foi uma
época que terminou. Tínhamos pelos latino-americanos um desprezo
que participava do conhecimento de nós mesmos, de nossos pobres
recursos civilizados, perdidos no esmagamento de uma fiança torpe
ligada à fome dos imperialismos (ANDRADE apud GOMES, 2008, p.
94-95).
Sobre o movimento modernista brasileiro escreveu Blaise Cendrars (1976), o
ilustre europeu que fazia parte do grupo:
Ah! Esses jovens de São Paulo, eles me faziam rir e eu gostava deles.
É claro que exageravam. [...] São Paulo ia se tornar uma capital, uma
metrópole. [...] É lindo o entusiasmo. Mas enquanto isso, meus amigos
eram insuportáveis, porque constituíam na realidade um cenáculo, e
escritores, jornalistas e poetas paulistas macaqueavam de longe o que
se fazia em Paris, Nova Iorque, Berlim, Roma, Moscou. Abominavam a
Europa, mas não conseguiriam viver uma hora sem o modelo de sua
poesia. Queriam estar por dentro, a prova é que tinham me
convidado... (CENDRARS, 1976, p. 96)
De acordo com GOMES (2008) Mario de Andrade identifica no próprio
modernismo e em suas modas o espírito importado da Europa: ―Era uma aristocracia
do espírito‖ (ANDRADE apud GOMES, 2008, p. 95). Porém, O Movimento
Modernista baseou-se em princípios que representavam uma ruptura com esse
colonialismo: ―O direito permanente à pesquisa estética; a atualização da inteligência
artística brasileira; e a estabilização de uma consciência criadora nacional‖
(ANDRADE apud GOMES, 2008, p. 95). E, depois, revisando o fracasso de sua
continuidade Mario de Andrade lamentou: ―Deveríamos ter inundado a caducidade
utilitária do nosso discurso, de maior angústia do tempo, de maior revolta contra a
vida como está.‖ E aconselhou: ―Eu creio que os modernistas da Semana de Arte
Moderna não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição.
93
O homem atravessa uma fase integralmente política da humanidade‖ (ANDRADE
apud GOMES, 2008, p. 96).
Em 1924 todo o país ainda se movimentava em busca de sua brasilidade
motivado por revistas, movimentos e grupos que pregavam uma revolução
ideológica embora, segundo FRANZINI: ―[...] tal guinada ideológica também se
aproveitou da embalagem inovadora para encobrir projetos conservadores [...]
(FRANZINI, 2010, p. 337) exemplificando com Gilberto Freyre e Plínio Salgado.
Gomes (2008) analisa essa ausência de repercussão da Semana de 22 na
Filosofia praticada entre nós como um estado de alienação diante da nossa
realidade, em decorrência do enraizamento da dependência cultural colonialista,
pela própria atitude de assimilação passiva do universo europeu, enquanto esse
espírito crítico feria aos interesses políticos dominantes que não permitiram
questionamentos mais profundos sobre as bases da visão do mundo vigente. E
conclui:
Assim, apesar de traços de emancipação de uma inteligência nacional
que podemos encontrar no modernismo, os praticantes da Filosofia
continuaram, e continuaram como no verso de Manuel Bandeira,
‗macaqueando a sintaxe lusíada‘ (GOMES, 2008, p. 98).
Gomes (2008) justifica essa situação através das razões históricas que
guiaram o pensamento brasileiro colocando de um lado a filosofia buscando
questionamentos radicais constantes e do outro o comodismo do povo colonizado
acostumado a receber ordens da Europa. A ligação mantida com Portugal e, por
conseguinte com o continente europeu, desde os primeiros colonizadores, marcada
pela força da coroa portuguesa, a subserviência do bandeirantismo, e o extrativismo
predatório contra a terra brasileira voltado para o abastecimento europeu, são fatos
que caracterizam uma posição de inferioridade do Brasil. Segundo o autor:
Assim, os primeiros ‗brasileiros‘ – no sentido que esta palavra tinha até
meados do século XVII: aquele que explora o pau-brasil ou aquele que
fez fortuna nestas terras – sempre se mantiveram voltados com muitas
saudades, já se pensou nas explorações dessa palavra entre nós?
para as terras d‘além-mar, De lá vinham notícias significativas, lá o
destino do mundo era decidido. Lá estavam o poder e o saber. E para
lá se voltaria algum dia (GOMES, 2008, p. 99).
94
De acordo com Gomes (2008), como não havia uma geração interna no país,
a formação do povo brasileiro se deu por meio de um transplante cultural, e o
brasileiro se manteve sempre contaminado pela posição de dependência e de objeto
de exploração, restando-lhe apenas o papel de assimilador, por isso sentiu-se
sempre saudoso mesmo depois de ter conquistado a liberdade. Ele afirma ainda que
o caráter provisório da instalação na colônia atendia ao propósito de posse, e
reservava o desejo de voltar para Portugal.
Foram os poetas portugueses que contribuíram segundo, Eduardo Lourenço
(1999), para que a cultura portuguesa se inscrevesse no círculo da saudade
transformando miticamente Portugal na terra da saudade. De acordo com o autor:
Na trama do imaginário português convivem: a imagem de reino
cristão, o sentimento de isolamento e fragilidade, o sebastianismo e a
idéia de um povo messiânico, a visão de um país predestinadamente
colonizador e oniricamente imperial. Mas é a saudade, ícone maior da
cultura de Portugal, o elemento que alinhava todos os demais.
Instaurada como mitologia nacional pelos Lusíadas e revisitada por
românticos e modernistas, a saudade ergue-se como uma espécie
brasão da sensibilidade nacional (LOURENÇO, 1999, Apresentação
do livro).
Lourenço (1999) afirma que a saudade nasceu em berço céltico – da Galícia e
Portugal - filha e prisioneira do lirismo porque nasceu cantada tendo a voz como
expressão do excesso de amor a tudo que merece ser amado desde o amigo
ausente até as ondas do mar. Transformada em mito se configura num papel
hagiográfico-patriótico.
Segundo o autor, apesar do povo português ter vivido coletivamente tantas
tragédias reais, não é trágico e se encontra aquém ou além da tragédia. Também
não é nostálgico nem melancólico. É a memória que dá vida ao passado no
momento presente. Daí ele voltar seu olhar espontaneamente para o passado
através da saudade enraizada nesse seu tão grande amor, como um lugar de sonho
em que habita a alma-portuguesa, num verdadeiro afastamento de si entendido
como ―uma adesão efetiva ao presente como sua condição‖ (LOURENÇO, 1999, p.
14). Em contrapartida, o futuro depende das expectativas e das lembranças dos
momentos vividos, portanto, também está pautado no tempo e na memória. Como a
definição de saudade de Lourenço (1999) ―A saudade é memória, consciência da
essencial temporalidade do ser que não tem nem pode ter sobre si mesmo mais alta
95
contemplação que a de si como passado em transe do futuro‖ (LOURENÇO, 1999,
p. 52). E memória é de acordo com Santo Agostinho (2002), a casa da alma, lugar
de todas as experiências vividas que através de seus registros vai desenhando
nossa constituição identitária.
2.3.
Um jeito urbano de olhar a comida
“Dize-me o que comes e te direi quem és.”
Brillat-Savarin
Laura Graziela Gomes e Livia Barbosa (2004) pesquisaram as publicações
nacionais de culinária entre o início do século XX e o século XXI, resultando em um
banco de dados de 907 livros de cozinha, denominado: ―Culinária de papel‖ – uma
alusão ao livro, para elas o elemento fundamental para o estabelecimento de uma
gastronomia ocidental onde a constituição do gosto dependeu das publicações
impressas:
(...) a culinária de papel acaba por transformar, muitas vezes, a
culinária real em uma culinária cuja difusão e circulação poderá vir a
se constituir em um paradigma do gosto e, eventualmente, em uma
marca identitária de todo um povo, como ocorre, por exemplo, na
França, onde a combinação de uma cultura do impresso com a arte de
cozinhar gerou um estilo gastronômico emblemático para o Ocidente
(GOMES e BARBOSA, 2004, p.4).
Para Belluzzo (2010) São Paulo, historicamente marcada por privações
alimentares, desenvolveu um modelo alimentar modesto, tendo sido reforçado ainda
mais pela influência da cultura dos imigrantes, cuja simplicidade de hábitos
alimentares retratava a fome muitas vezes vivida em seus países de origem. Numa
pesquisa desenvolvida pela autora nos cadernos de receita das austeras senhoras
paulistas no decorrer do século XX, encontrou muitas receitas classificas como
econômicas como o bolo econômico, o biscoito econômico etc. Esse dado adquire
maior importância diante da seguinte afirmação de Laurioux (1998):
A apresentação dos manuscritos e suas possibilidades de leitura
sugerem uma resposta extremamente aberta e matizada, em que a
96
difusão do sonho tem um papel no mínimo tão importante quanto a
transmissão de uma prática. Portanto, cada manuscrito representa um
caso particular, a combinação específica de heranças textuais de
limitações locais e materiais e finalmente de desejos e gostos
(LAURIOUX, 1998, p. 451).
Segundo Belluzzo (2010), o caso brasileiro de difusão do gosto da cozinha
através dos meios de comunicação iniciou-se com a criação da imprensa no país,
em meados do século XIX, e a publicação dos primeiros livros de receitas nacionais
que incluíam regras de comportamento à mesa e técnicas de serviço. Os registros
anteriores, sobre a alimentação no período colonial se resumem a relatos de
cronistas e viajantes que publicaram suas impressões no exterior.
Em 1840, foi editado no Brasil o primeiro livro de cozinha, intitulado, ―O
cozinheiro imperial‖ ou ―Nova arte do cozinheiro e do copeiro em todos os seus
ramos‖, assinado por R.C.M., um autor desconhecido que, para Leila Mezan Algranti
(2005), de acordo com a variedade de temperos que sugere, esse pode ser
considerado um livro de culinária moderna, porém, demonstra pouco vínculo com a
cultura alimentar nacional dedicando maior importância à transmissão do modelo
europeu de conduta à mesa. Segundo a autora:
Não importa se as receitas e os produtos apresentados eram
‗europeus‘ ou ‗brasileiros‘. Tratava-se de instruir as elites na arte de
cozinha e de receber bem, o que poderia significar estabelecer uma
fronteira bem nítida entre a culinária trivial e diária e a culinária
sofisticada destinada aos banquetes. (...) o primeiro livro de cozinha
brasileiro não atesta uma ‗culinária brasileira‘, nem indica as
transformações ocorridas entre as práticas alimentares portuguesas e
aquelas que se desenvolveram na América. Mas pode sugerir a falta
de apreço das elites brasileiras pela culinária nacional e a necessidade
de importação de modelos de comportamento referentes à mesa,
ainda em meados do século XIX (ALGRANTI, 2005)
De acordo com Belluzzo (2010) tratava-se de um livro dirigido às altas classes
sociais, pois fora a corte e a elite, o resto da população apresentava elevado índice
de analfabetismo e deveria se resignar com a transmissão oral de receitas.
Movidas pelo processo modernizador do Segundo Império é que apareceram,
na segunda metade do século XIX, as primeiras publicações para o público feminino,
―O Jornal das Senhoras (1855)‖, ―O Jornal das famílias (1863)‖ e ―Sexo Feminino
97
(1875)‖ que abordavam assuntos como moda, comportamento, romances, novelas
folhetinescas, economia doméstica e receitas culinárias.
Cozinheiro nacional ou Coleção das melhores receitas das cozinhas
brasileiras e européias, o segundo livro de receitas brasileiro de autoria de Paulo A.
Salles, lançado entre 1874 e 1888 pela Livraria Garnier é uma tentativa de libertação
do gosto europeu com um regresso às regras e costumes medievais, em que
oferece uma compilação de preparações consideradas bárbaras aludidas ao palato
do colonizador ou do indígena e enfatiza também a cozinha regional. Entre as
receitas regionais, a autora destaca ―(...) mingau paulista, peru assado com pinhões,
ensopado com ora-pró-nobis, guisado com mangaritos, anta refogada, ensopado
com cará, (...)‖ (BELLUZZO, 2010, p. 186)
Em 1851 surge o primeiro livro brasileiro dedicado à doçaria, ―Doceira
brasileira‖ ou ―Novo guia manual para se fazerem todas as qualidades de doces, de
d. Constança Oliva de Lima‖, editado por Eduardo & Henrique Laemmert que
contemplava receitas nacionais retiradas de cadernos de receitas familiares e
internacionais apresentando técnicas e ingredientes europeus. De acordo com
Gilberto Freyre:
Se o livro de d. Constança Oliva de Lima, aparecido na corte nos
meados do século XIX, vem cheio de receitas de sorvete requintados –
sorvetes de violeta, de zéfiro, de marasquino, de baunilha -, é que a
figura do confeiteiro francês ou italiano já começava a criar maior
importância entre a gente da alta sociedade no Império do que a
doceira de casa, Iaiá ou negra gorda (FREYRE, 1997, p. 62).
Freyre (1997) associa o rápido sucesso do sorvete requintado ao apelo dos
anúncios de jornal que convocavam a ―rapaziada‖ insinuando ―com certo gosto de
pecado‖ (FREYRE, Op. cit, p. 62)
Nos anos seguintes foram lançados novos manuais de doçaria, ―A doceira
doméstica‖, ―O doceiro nacional‖ e o ―Dicionário do doceiro brazileiro‖, e a partir do
século XX, de acordo com Belluzzo (2010), a publicação de livros de culinária
cresceu: ―satisfazendo o gosto da burguesia que privilegiava a cultura estrangeira
com receitas de: maionese, molho bechamel, peru à brasilienne, filet de sole,
cassoulettes, pottages e, entre outros doces, sabaione, bavaroises de fruta e
savarin‖ (BELLUZZO, 2010, p. 187)
98
No entanto, a partir de 1920 começaram a surgir no país os livros de receitas
regionais, que dizia respeito à valorização da memória das cozinhas típicas e seus
fazeres próprios que para Albuquerque Júnior (2009) tratava-se de uma invenção
das tradições pela quais se buscava estabelecer um equilíbrio, uma conciliação
entre dois processos de universalização que se enfrentam: a globalização através
das relações sociais e econômicas capitalistas e a defesa da manutenção da
nacionalização das relações de poder do passado. Para o autor:
A busca das verdadeiras raízes regionais, no campo da cultura, leva à
necessidade de inventar uma tradição. (...) O que esta construção de
uma cultura regional institui é a própria idéia de uma solidariedade e
de uma homogeneidade entre códigos culturais populares e códigos
tradicionais dominantes (ALBUQUERQUE JUNIOR, 2009, p. 90-92).
De acordo com Gomes e Barbosa (2004) as publicações dessa época, eram
consideradas uma ‗endo‘ cozinha onde os livros de culinária divulgavam receitas
familiares, eram destinados às donas de casa e tinham diferentes sentidos:
Primeiro, faz-se tudo em casa, desde a matéria-prima para se preparar
a comida até tipos de comida e alimentos específicos, que hoje são
comprados prontos. Portanto, os livros de culinária oferecem uma
variedade imensa de opções de receitas e disponibilizam técnicas que
hoje nos surpreenderiam. Ensinam a fazer de café a sorvetes,
passando por caramelos e balas, e terminando com pães, biscoitos,
conservas de frutas e pastilhas. Ensinam até a matar um peru para a
ceia de Natal (D. Benta, 2003). Segundo, o foco da cozinha está no lar
e na família. Cozinha-se para os familiares e amigos próximos, de
acordo com a tradição. Terceiro, a cozinha é um espaço
personalizado, tanto para os homens quanto para as mulheres. As
receitas não são anônimas, tiradas de quaisquer revistas ou jornais,
mas originárias de antigos cadernos de receitas de mães, avós,
comadres e outros parentes femininos (GOMES e BARBOSA, 2004, p.
12).
Em São Paulo, entre outros foram lançados os livros, ―Noções de Arte
Culinária‖, de Maria Thereza Costa, cuja primeira edição é de 1915 publicado pela
Officinas Graphicas Cardozo Feilho & Comp reeditado em 1921 e 1923; em 1928, ―A
Cozinha Moderna: Guia das donas de casa, guia do cozinheiro‖. ―A ciência das
donas de casa‖ pela Livraria e Editora Paulicéia; ―Dona Benta: comer bem‖ da
Companhia Editora Nacional, em 1940; ―Dona Zilota: Nosso caderno de receita‖, de
1948 publicado pela editora Lealdade; ―A alegria de cozinhar‖, de Helena B.
Sangirardi de 1949 pela Editora Martins; ―A cozinha tradicional paulista: salgados,
doces, ―bebidas, de 1963 de Jamile Japur, editado pela Folc-Promoções/Bentivegna.
99
A política de nacionalização observada a partir de 1930, quando historiadores e
sociólogos passaram a se interessar pela alimentação brasileira e pela cultura
nacional encontrou nas mídias uma grande aliada.
O jeito mais fácil de aprender a cozinhar entre os anos 1950 e 1960 era com
as mulheres mais próximas à mãe, à empregada ou à vizinha. Os livros de cozinha
disponíveis de acordo com Nina Horta (1995) em São Paulo eram os dois volumes
de Rosa Maria, o de Maria Theresa Costa e Marcelino de Carvalho que mesclava
receitas e boas maneiras. De acordo com a autora a comida dos anos 1960 só
precisava se parecer com ela mesma para agradar ao pai, principal vítima das
experiências culinárias das filhas que experimentavam receitas sugeridas por
Helena Sangirardi nas páginas de O Cruzeiro, ou do Ladies´ Home Journal, esse
último uma aventura com resultados imprevisíveis pela desconhecida cozinha
americana. Comer fora não era um hábito comum, para uma comemoração especial
a família ia a uma cantina no Brás. Ainda eram poucas as opções. Segundo ela: ―A
comida símbolo dos anos 60 foi a quiche e a dos 70 o pesto‖ (HORTA, 1995, p.
165).
Em 1967, em plena ditadura, a Editora Abril Cultural lançou a coleção de
fascículos ―Bom Apetite‖, caso de enorme sucesso para a culinária nacional, movida
pelo ideal de democratização do conhecimento que oferecia ao leitor a oportunidade
de adquirir gradativamente a coleção e encadernar posteriormente. Para (PEREIRA,
2005, p. 205) ―Além do eficiente sistema de distribuição, os fascículos e as coleções
da Abril Cultural tiveram amplas campanhas publicitárias.‖
Segundo Gomes e Barbosa (2004) de 1950 a 1970 a cozinha sofreu grandes
transformações sob o ponto de vista físico e tecnológico e a novidade foi o
reaparecimento da relação da cozinha com o corpo e os sentidos. A década de 1970
também foi marcada pela influência do gosto francês reforçado pela chegada de
renomados chefs franceses como Paul Bocuse, Claude Troisgros e Laurent,
inaugurando a gastronomia brasileira com a valorização dos ingredientes nacionais
como: a jabuticaba, a pitanga, a manga, a farinha de mandioca e a mandioquinha.
De acordo com as autoras:
Os títulos e receitas, a partir da década de 1980, sugerem, cada vez
mais, a existência de uma exo cozinha nos mesmos três sentidos
100
anteriores. Primeiro, grande parte da matéria-prima para a confecção
dos alimentos já é comprada pronta, bem como um grande número de
alimentos, como bolos, biscoitos, balas, sorvetes, entre outros, antes
produzidos em casa e hoje adquiridos em forma industrializada.
Segundo, a comensalidade não se restringe apenas à família e ao
grupo doméstico. Amigos do casal e colegas de trabalho estão entre
aqueles que são convidados para festas, jantares, lanches e
aniversários. (...) Terceiro, a culinária não se restringe à tradicional
cozinha brasileira. Os livros de hoje se dedicam a apresentar sabores,
cheiros e texturas de diferentes países, trazendo o mundo para dentro
da casa através da culinária (GOMES E BARBOSA, 2004, p.14).
Desde o fim dos anos 1950, a televisão brasileira em expansão no país,
passou a exibir quadros de culinária em sua programação para o público feminino,
vindo a assumir grandes proporções como a ―Cozinha Maravilhosa de Ofélia‖,
precursor do gênero que permaneceu no ar de segunda a sexta-feira durante 30
anos. Para se ter uma idéia, sua primeira receita no programa foi um tender à
Califórnia numa época em que ainda não havia tender no Brasil, obrigando o dono
da emissora a importar da Argentina. No início o programa era gravado ao vivo,
numa cozinha estúdio e casos como o de Julia Child relatado por HORTA em seu
livro eram comuns. Segundo ela: ―Num programa em que ensinava a virar crepes
numa frigideira sem tocá-los, só com uma virada de pulso, um deles voou e sumiu. A
câmara foi achá-lo dependurado nos fios, no teto‖ (HORTA, 1995, p. 113).
No entanto, logo a TV passou a simular o ambiente comum de uma cozinha
baseada num cenário de estética ideal, estruturado para a realização de uma
complexa mediação da alimentação. Nessa época, a redemocratização em curso no
país implicou também na consolidação de uma cultura televisiva voltada para a
política de consumo acarretando a transformação dos hábitos diários dos
telespectadores.
De acordo com Ana Paula Goulart Ribeiro (2010):
Já durante os anos 1980 houve um reforço do processo de construção
de uma cultura de consumo, margeado pelo crescimento de novos
produtores do saber (intelectuais midiáticos) ligados à intensificação
da indústria cultural no país. Naquele momento a televisão foi o braço
aglutinador, pois através de sua grade de programação, incluindo a
dramaturgia, ‗se colocou‘ como um lugar importante no processo de
construção de uma idéia de Brasil ‗antenada‘ com as transformações
culturais, advindas da formulação de uma política que se vinculava
cada vez mais a uma economia de mercado globalizada (RIBEIRO,
2010, p. 201-202).
101
O formato do programa de Ofélia foi seguido por outros como Ana Maria
Braga na TV Globo e Palmirinha Onofre na TV Gazeta, sempre reforçado pela
publicidade dos produtos e utensílios usados.
2.3.1. Passagens da domesticidade à globalidade
Polly Toynbee (2004) em seu artigo ―Quem tem medo da cultura global?‖
refere-se à cultura global como devastadora do sagrado, do selvagem, do autêntico,
do primitivo, do original e denuncia a apropriação pela cultura global de todos os
seus ícones e idéias culturais que resultam numa mistura exótica de tradições
adaptadas ou reinventadas para atender à demanda cultural ocidental. Coloca-a
ainda como responsável por espalhar o declínio cultural, intelectual e moral das
nações, afirmando que ―a globalização é, em grande parte, a disseminação da
cultura, das idéias, dos produtos, do entretenimento e da política dos Estados
Unidos‖ (TOYNBEE, 2004 p. 272).
Para a autora a globalização cultural é um rico estilo de vida em que a cultura
política e social é regida pelo modelo de vida democrático que pratica a liberdade
das mulheres e o otimismo multicultural. Segundo ela, com o tempo e a erosão da
democracia em suas próprias fronteiras as identidades nacionais podem desbotar,
mas invés da homogeneização ―as fronteiras se tornam difusas devido à agudização
de outras identificações mais fortes que tornam grupos específicos bem mais unidos
através de limites nacionais‖ (TOYNBEE, Idem, p. 278).
Toynbee (2004) alerta para o perigo que pode vir pelos meios de
comunicação de uma única visão do mundo que direcione disputas, como uma
teoria econômica. Destaca o filme como o motor comercialmente mais importante
dos entretenimentos. E, de acordo com a autora ―a comida serve de símbolo do
melhor e do pior da globalização‖ (TOYNBEE, Op. cit., p. 296).
Para
Robert
Stam
(2003)
observamos,
nas
últimas
décadas,
um
remapeamento das possibilidades culturais e políticas decorrentes do avanço da
globalização e do declínio das esperanças políticas utópicas revolucionárias.
102
Segundo ele, enquanto a direita interrompe a história e se rende ao capitalismo e à
democracia, a esquerda se vê pulverizada em lutas micropolíticas localizadas. Neste
estudo o termo pós-modernidade é entendido como um discurso, uma matriz
conceitual e está relacionado com a onipresença da cultura de mercado, identificada
como um novo estágio do capitalismo que converte cultura e informação em
estratégias para a luta.
Para reforçar a compreensão deste fenômeno, STAM chama a atenção para
a multiplicidade de sentidos e de contextos capazes de significar o termo pósmodernismo enumerando definições e exemplos de diversos autores que se
resumem a uma série de palavras cujo prefixo ―des‖ denotam o abandono de antigas
crenças e práticas para adotar termos sugestivos de abertura como: ―multiplicidade,
pluralidade, heterodoxia, contingência e hibridismo‖ (STAM, 2003, p. 329).
Enquanto alguns críticos valorizam o caráter estético da pós-modernidade, o
autor adota o pensamento de Jameson que reconhece como desenredáveis as
conexões
entre
o
econômico
e
o
estético,
exemplificadas
através
da
desmaterialização do capital nas transferências eletrônicas do mundo globalizado.
Porém, Jameson identifica uma ―estetização da vida cotidiana‖22 resultante da
conjunção do econômico com o cultural.
Segundo Stam a principal expressão estética da pós-modernidade é o
pastiche, que considera uma prática neutra denominada por Jameson como
―canibalização randônica de todos os estilos do passado‖23, ele também acredita na
teoria da reflexibilidade para explicar o caráter alienante da televisão:
A arte pós-moderna tende a ser irônica e reflexiva. Pode-se falar,
nesse contexto, de uma reflexibilidade pós-moderna da televisão
comercial, que se mostra freqüentemente reflexiva e auto-referencial,
mas cuja reflexibilidade é, na melhor das hipóteses politicamente
ambígua (STAM, 2003, p.331).
Quanto ao cinema pós-moderno, o autor percebe sua contribuição por meio
de um cambio estilístico tanto enriquecendo sua teoria, como contribuindo para a
análise fílmica, marcados pelos múltiplos estilos e pela reciclagem irônica: ―Em uma
22
Aspas do autor (JAMESON apud STAM, 2003, p. 331)
23
Aspas do autor (JAMESON apud STAM, 2003, p. 332)
103
era de remakes, seqüências e reciclagens, vivemos no reino do já dito, do já lido e
do já visto: já se esteve lá, já se fez isso‖ (STAM, 2003, p.333).
Stam
ampara-se
em
Jean
Baudrillard
para
explicar
esse
mundo
contemporâneo da comodificação midiática representado pela economia de signos
que, por sua vez, se caracteriza pela proliferação de signos midiáticos. Ele enumera
quatro estágios no caminho da simulação absoluta: no primeiro, o signo reflete a
realidade básica; no segundo, mascara ou distorce a realidade; o seguinte mascara
a ausência de realidade, enquanto o último se converte em simulacro - uma
simulação sem vínculo com a realidade chamada de hiper-realidade. Com ela o
signo ocupa o lugar da realidade tornando-se mais real do que a própria realidade.
Para Kellner (2001), outro estudioso de Jameson e Baudrillard, foi o fatalismo
tecnológico legitimado pelas ideologias políticas, movidas pelos interesses
econômicos da classe capitalista que disputa o controle da sociedade, que deu
origem à chamada cultura de mídia. Para ele, trata-se de ―uma forma de cultura
comercial, e seus produtos são mercadorias que tentam atrair o lucro privado
produzido por empresas gigantescas que estão interessadas na acumulação de
capital‖ (KELLNER, 2001, p.9).
As narrativas e as imagens veiculadas pelos meios de comunicação fornecem
símbolos, mitos e recursos capazes de enredar a vida cotidiana das pessoas
fornecendo modelos de comportamentos sociais, de senso das coisas, de juízo de
valores e opiniões políticas, alterando significados e forjando identidades, dando
origem a uma nova forma de cultura global. Como cultura industrial ela lança seus
produtos no mercado a fim de atrair a massa investindo na adequação de códigos,
fórmulas, e normas convencionais. Como cultura high-tech está sempre atenta às
novidades tecnológicas.
Ainda segundo esse autor, as culturas de mídia e de consumo atuam juntas
―no sentido de gerar pensamentos e comportamentos ajustados aos valores, às
instituições, às crenças e às práticas vigentes‖ (Op.cit., p.11) Kellner (2001) aponta
como resultado de tudo isso a implosão do sujeito, e em seu lugar a emergência de
identidades de constituição teatral baseadas na representação de papéis e na
construção
de
imagens.
São
identidades instáveis, fragmentadas, frágeis,
104
desconexas, sujeitas a constantes atualizações e até questionáveis se não se trata
de um mito ou ilusão. Assim:
O eu televisivo é o indivíduo eletrônico por excelência que retira tudo o
que há para retirar do simulacro da mídia: uma identidade
mercadológica como consumidor da sociedade do espetáculo: uma
galáxia de humores hiperfibrilados... ser serial traumatizado‖(CROKER
e COOK apud KELLNER, id, p.299).
Kellner (2006) acredita que ―a experiência e a vida cotidiana são moldadas e
mediadas pelos espetáculos‖ (KELLNER, 2006, p.123) onde a sociedade
espetacular, através de mecanismos culturais de lazer, entretenimento, consumo e
serviços espalha seus bens ditados pelos interesses da publicidade e de uma cultura
voltada para o mercado. Para formular um conceito de espetáculo recorre a Debord
apud Kellner (2006):
(...) o espetáculo é um instrumento para a pacificação e a
despolitização: uma guerra do ópio permanente que choca os sujeitos
sociais e os distrai da tarefa mais urgente da vida real – recuperar a
plenitude dos poderes humanos através da prática criativa (DEBORD
apud KELLNER, 2006, p. 123).
Em outras palavras, espetáculo ‖é o momento em que o consumo atingiu a
ocupação total da vida social‖ (KELLNER, 2006, p. 123). O autor reconhece no
cinema um terreno fértil, propício para o espetáculo com ―Hollywood insinuando um
mundo de glamour, publicidade, moda, excessos‖ (KELLNER, Op.cit.). Os
mecanismos que compõem o espetáculo em sua forma, estilo e efeitos especiais
foram incorporados ao cinema contemporâneo. O espetáculo pode ser identificado
nos holofotes das estréias, no glamour da entrega do Oscar, no número de
paparazzi perseguindo o furo de reportagem, no esplendor dos trailers, na utilização
de tecnologia de ponta.
105
3.
A midiatização como base dos processos sociais na cozinha
“Da mesma forma com que a inscrição num dos livros de tombamento
de tal escultura, de tal quadro histórico, dum Debret como dum
sambaqui, impede a destruição ou dispersão deles, a fonografia
gravando uma canção popular cientificamente ou o filme sonoro
gravando tal versão baiana do Bumba-meu-boi, impedem a perda
destas criações, que o progresso, o rádio, o cinema estão matando
com violenta rapidez”.
Mario de Andrade
Apesar da luta de Mario de Andrade para conter os avanços da globalização,
e a devastação que causariam os meios de comunicação de massa, através do seu
Departamento Municipal de Cultura, com atitudes que buscavam salvaguardar os
resquícios da cultura paulista e brasileira, ainda na década de 1930, a cultura
capitalista se consolidou.
O Departamento de Cultura era composto das seguintes divisões, estruturado
pelo ato 1146, de 1936: Expansão cultural, Bibliotecas, Educação e Recreio,
Documentação Histórica e Social, e Turismo e Divertimentos Públicos. De acordo
com Paulo Duarte (1971):
De inicio instalou-se a Discoteca Pública, quer dizer, uma grande
coleção de discos á disposição do público, como os livros de uma
biblioteca. Ao lado dessa atividade, inaugurou-se também o serviço de
gravações que se compunha de três ramos principais: o registro da
música erudita paulista, o registro do folclore musical brasileiro e o
Arquivo da Palavra, este último abrangendo dois subramos: o registro
das vozes dos homens ilustres do Brasil, e os registros destinados
diretamente ao estudo fonético. (...) O cinema educativo merecera um
cuidado especial. Vesperais concorridíssimos de cinema gratuito foram
dados em vários teatros de bairro aos pirralhos dos parques infantis, a
troco de favores de empresas cinematográficas (DUARTE, 1971, p.
62-66).
A Divisão de Turismo previa a abertura de um restaurante em São Paulo, no
Viaduto do Chá, ao lado do Teatro Municipal, em que a comida representaria a
evidência do fator cultural em suas formas de preparar os alimentos, desde a
plantação até o momento do cheiro da panela fumegante. Mario de Andrade queria
que o povo aprendesse que não existe povo civilizado no mundo que não tenha sua
própria cozinha:
106
Que uma boa cozinha representa tão bem a alta cultura de uma
sociedade humana como uma grande universidade. A Civilização
Latina que se acrisolou principalmente na França demonstra a sua
grandeza não só pela alta cultura científica, representada na pesquisa
pura, completamente alheia a intenção, que tanto viceja nos
laboratórios da França, mas igualmente por esse tantos outros
laboratórios de finura e gosto que são os restaurantes de Paris
(DUARTE, 1971, p. 110).
O chef suiço Eugène Wessinger, um apaixonado pela verdadeira cozinha
paulista iria dirigir o restaurante. Em uma conversa com Mario e Paulo Duarte
enquanto comiam um cuscuz paulista produzido por ele, confessara que realizava
estudos tentando estilizar os melhores pratos da cozinha paulista porque, para o
chef:
(...) o segredo do grande prato não está somente no sabor agradável
mas ainda na dosagem do tempero que sobressai. Esse sabor e ainda
na apresentação desse prato, tanto nos olhos como no olfato. A
Medicina fez o mesmo com os remédios no sentido de torná-los mais
suportáveis, impressionando bem os olhos e o paladar (WESSINGER
apud DUARTE, 1971, p. 110).
Foi através dele que Mário tomou conhecimento da existência de grandes
Academias de cozinha na Europa que ofereciam cursos que podiam durar até três
anos e ensinavam desde a arte de por uma mesa, até estudos relativos a vinhos.
Em seguida Duarte (1971) descreve um prato de rara beleza plástica
apresentado a ele e a Mario por Eugène:
(...) cheio de cores que ia do amarelo do ovo e o verde das ervas finas,
ao branco de claras cozidas e o negro do feijão. Tratava-se de uma
trivial feijoada, esse quitute delicioso que a vista repele e a que os
estrangeiros dificilmente se aventuram por causa do aspecto geral.
Não era só na apresentação física, o tempero da velha feijoada fora
também artisticamente dosado, era uma feijoada, conhecia-se, mas
diferente, mais fina, mais agradável, estilizada como só poderia fazer
um artista completo. (...) Eugène Wessinger morreu como diretor do
Hotel Gloria, do Rio, sem realizar o seu grande sonho de dar um
pouco de modos a essa gostosa, inteligente, mas mal educada
cozinha nacional... (DUARTE, 1971, p. 111).
Sobre o assunto, Duarte (1971) deixou a pergunta: ―Onde andarão hoje
apontamentos e fichas sobre a culinária brasileira que algumas vezes eu mesmo
manipulei?‖ (DUARTE, 1971, p. 111).
107
Ao considerar os apontamentos de Hall, ―A cultura popular é um dos locais
onde a luta a favor ou contra a cultura dos poderosos é engajada; é também o
prêmio a ser conquistado ou perdido nessa luta. E a arena do consentimento e da
resistência‖ (HALL, 2003, p. 246). Fica a certeza de que Mario de Andrade também
já sabia de tudo isso... pois comungava deste mesmo pensamento,
3.1.
Os novos comeres da cozinha contemporânea
“A produção de um prato novo é questão que já abordamos.
Voltemos um pouco ao assunto, começando por espantar-nos
com o gosto pela novidade que, nos mais diversos graus,
encontramos entre todos os comensais.”
Hervé This
Estudando a evolução das maneiras de comer, Poulain (2004) aponta alguns
estudos que evidenciam as mudanças ocorridas com o desenvolvimento da
alimentação contemporânea. Em primeiro lugar está o artigo de Fischler
―Gastronomie-gastro-anomie‖ que aborda a pluridisciplinaridade da alimentação e
busca interpretar suas mutações partindo de três fatores: 1) a superabundância
alimentar alavancada pelo desenvolvimento econômico e investimentos no
progresso da produção, conservação e abastecimento de alimentos; 2) a diminuição
dos controles sociais como conseqüência da redução das dificuldades com a
alimentação
e
da
autonomia
concedida
ao
indivíduo
acarretando
uma
desestruturação, desritualização e desregulação das práticas alimentares. Segundo
Fischler ―(...) o comedor moderno deve fazer escolhas, a alimentação tornou-se
objeto de decisões cotidianas e estas decisões caíram na esfera do indivíduo‖
(FISCHLER apud POULAIN, 2004, p. 68); 3) a multiplicidade de discursos e suas
dimensões contraditórias agora segmentados entre discursos dietéticos
morais,
identitários, etc característicos da gastro-anomia (significando a ausência do sistema
normativo social e poder de decisão do indivíduo) que corresponde a uma
desregulação social: ―É na brecha da anomia que proliferam as pressões múltiplas e
contraditórias que se exerce sobre o comedor moderno: publicidade, sugestões e
108
prescrições diversas, e, sobretudo, cada vez mais, advertências médicas‖
(FISCHLER apud POULAIN, 2004, p. 69).
Em segundo lugar Poulain (2004) defende a permanência do peso das
classes sociais na desestruturação da alimentação partindo da teoria francesa da
modernidade alimentar que segundo Grignon, nada mais é do que a aplicação na
alimentação ―de um cenário global da mudança social derivada de teorias do
crescimento que acompanharam a expansão e as políticas econômicas dos anos
1960. Se a produção de massa pôde, no século XIX, suscitar as classes e a luta de
classes, o consumo da massa as abarca e as reúne‖ (AYMAD, GRIGNON e
SABBAN apud POULAIN, 2004, p. 70).
Em terceiro lugar Poulain (2004) partindo de estudos sobre comportamentos
observados ou reconstruídos, confirma a existência de mudança das práticas
alimentares a partir de dois resultados: uma simplificação das formas de refeição e
um aumento da importância da ingestão de alimentos fora das refeições
evidenciando uma contradição entre as normas sociais alimentares e as práticas
empregadas.
Em quarto lugar Poulain (2004) discute a defasagem entre as normas e as
práticas alimentares e sua relação com o nível de urbanização estudada através de
trabalhos antropológicos que em seus resultados apresentaram uma coabitação da
alimentação fortemente institucionaliza com os petiscos.
A crise de legitimação do aparelho normativo sobre a anomia representa a
quinta conseqüência da evolução da maneira de comer apontada por Poulain
(2004). De acordo com ele: ―A gastro-anomia não remete apenas para uma crise do
aparelho normativo, mas também para a inflação de conjunturas contraditórias‖
(POULAIN, 2004, p. 89). O excesso de discursos (higienistas, estéticos, identitários),
as crises, etc. acabam arrastando a situação para uma cacofonia alimentar que ele
observa como: ―Flutações e contradições do discurso dietético; reducionismo
corporal da vulgata médica; incapacidade de controlar as práticas e hábitos da
cadeia agroalimentar, que, de salgadinhos industrializados à vala vaca louca
confunde o lugar do homem na natureza e no âmbito das espécies animais; crise
dos esteticismos culinários, que se exacerba na oposição jornalística entre ‗cozinha
109
internacional‘ e ‗nacionalismo alimentar‘; imperatividade do modelo de estética
corporal, que coloca uma normalidade magérrima e bate de frente com a
reivindicação do prazer alimentar‘ (POULAIN, 2004, p. 89).
Por último, Poulain (2004) destaca em meio à abundância alimentar a
emergência de uma nova pobreza nos países denominados quarto mundo que
justifica a necessidade de programas de inclusão social promovidos pelos governos
e entidades filantrópicas, mas que parecem ir além da falta de alimento uma vez que
nos países desenvolvidos se colocam no domínio das aspirações quanto à aquisição
de alimentos de qualidade.
3.1.1. Os comeres domésticos e públicos
Para Henrique Carneiro (2003) ao mesmo tempo em que a indústria e as
novas tecnologias da alimentação foram um processo histórico de racionalização,
industrialização e funcionalização da alimentação, trouxe também conseqüências
negativas como: contaminação ambiental, o uso de aditivos químicos, padronização
dos gostos alimentares, controle oligopólico dos mercados, relações comerciais
desvantajosas para os países subdesenvolvidos, além das enfermidades causadas
pela abundância de alimento, enumeradas por ele: anorexia, bulimia e obesidade.
Para ele a expansão do fast-food (McDonald‘s) e da indústria de refrigerantes (Cocacola) representam uma alteração dos padrões alimentares:
Estes fenômenos exemplificam o significado das alterações mais
recentes nos padrões alimentares dos países desenvolvidos,
causados pela penetração da grande indústria no espaço das
cozinhas, melhor dizendo, substituindo esse espaço pelos drive-thrus
(onde o McDonald‘s vende 50% de seu faturamento), pela alimentação
rápida, gordurosa, cheia de açúcar (CARNEIRO, op. cit., p. 104).
E elenca as relações do capitalismo no segundo pós-guerra com o prototípico
do McDonald‘s:
(...) cultura do automóvel, ascensão das classes médias, consumo em
massa de produtos descartáveis como símbolo do modo de vida,
expansão do sistema de franquias, predomínio do setor de serviços,
mas submetido a uma administração de características fabris, ou seja,
a industrialização do entretenimento e do lazer, padronização da
alimentação, importância crescente da propaganda (a era do
110
marketing), o nome da marca tornando-se mais significativo do que o
próprio produto. (...) a imagem passou a ser o sustentáculo principal
de um capitalismo pós-moderno com base em uma ‗economia
simbólica‘, em que a fetichização geral da cultura anunciada pelos
filósofos da Escola de Franckfurt tornou-se geral e completa
(CARNEIRO, op. cit., p. 105-106).
Os estudos de Poulain (2004) indicaram que pairava, nessa época, uma idéia
ameaçadora de que a modernização alimentar poderia vir de baixo, ou seja, um
processo de massificação anuladora das particularidades regionais e nacionais, com
o gosto da massa por alimentos instantâneos e junk food sobrepondo-se à cozinha
honesta e artesanal. A segunda ameaça (prolongamento dos trabalhos da Escola de
Frankfurt) viria da indústria da cultura própria do capitalismo, isto é, de cima, e seria
o que Mennell chama de ―manipulação dos gostos e dos desejos‖ do consumidor por
uma ―indústria capitalista à procura de lucro‖ (MENNELL apud POULAIN, 2004, p.
43) utilizando recursos de marketing e da mídia.
Entretanto, ele recusa as duas leituras e apela para os mecanismos
identificados nos trabalhos de Adorno relativos aos efeitos da cultura de massa
sobre a música: fetichismo e a regressão da escuta. Endossando o pensamento de
MENNELL apud POULAIN, 2002, acredita no movimento de fetichização da cozinha
contemporânea que aponta para um número limitado de pratos clássicos que
aparecem agora como ―obras interpretadas‖ reduzidas a algumas dezenas de bestsellers. A regressão do gosto pode ser exemplificada com o fast-food ou a
diminuição do consumo de produtos considerados masculinos como miúdos de
animais e embutidos, e o sucesso de produtos considerados femininos ou infantis
como iogurte e sobremesas lácteas. Finalmente conclui com a observação da
diminuição dos contrastes e o aumento da variedade como duas faces do mesmo
processo de homogeneização (MENNELL apud POULAIN, 2002, p. 43).
A leitura de POULAIN (2002) reforça os postulados de Fischler e Corbeau de
que
a
mundialização
dos
mercados
gera
três
movimentos
antagônicos:
desaparecem alguns particularismos das cozinhas regionais, surgem novas formas
alimentares resultantes do processo de mestiçagem e a difusão de produtos e
práticas alimentares em escala transcultural. Nessa perspectiva;
A mundialização dos mercados, as mestiçagens das populações
(pelas migrações e pelo desenvolvimento do turismo internacional)
favorecem as trocas de produtos e de técnicas culinárias e
111
participam de uma vasta mestiçagem de modelos alimentares,
criadores da diversidade (POULAIN, 2004, p.44).
Ao mesmo tempo em que nivela as diferenças, a mundialização permite a
apropriação de produtos e técnicas transculturais e a criação de um espaço comum.
Carneiro (2003) percebe esta uniformização global da alimentação (baseada
no American way life) promovida pela indústria alimentar como um ―sincretismo
culinário‖ ambivalente que suprime as identidades locais e homogeneíza o gosto
mundial, mas, ao mesmo tempo, divulga e espalha as culinárias regionais pelo
mundo sob a forma de um fast-food que ele chama de étnico, determinando as
refeições fora de casa e suprimindo os rituais de sociabilidade familiares e
comunitários. E conclui dizendo que
―O pastiche culinário impera então nessa
paisagem pós-moderna de restaurantes étnicos padronizados, como os tacos e
burritos do ‗tex-mex‘ ou os fast-foods chinenes, tailandeses ou japoneses‖
(CARNEIRO, 2003, p. 109).
A industrialização da alimentação é o segundo paradigma da gastronomia
contemporânea apontado por POULAIN que é aqui definido como um corte do
vínculo entre o alimento e a natureza. Subdividida em duas vertentes: produção e
transformação propõem produtos que minimizem o tempo de preparo e abreviem a
espera para o consumo. O setor do mercado acaba por assumir grande número de
tarefas que antes pertenciam ao espaço doméstico diminuindo assim, a importância
da atividade produtiva do lar.
Sobre a produção Carneiro (2003) observa o mercado agrícola cada vez mais
controlado pelos principais produtores e formadores de preços, gerando disputas
comerciais cujo foco é a obtenção de superlucros por meio de superproduções,
como ―pano de fundo econômico da situação global atual no que se refere à
alimentação da humanidade‖. (CARNEIRO, 2003, p. 110).
Contextualizando, Marcelo Carvalho (2007) recorda a transição provocada
pelo início da industrialização e da urbanização no Brasil, particularmente em São
Paulo entre as décadas de 1950-1960:
O que caracteriza a sociedade contemporânea é a formação de um
capitalismo que apresenta dois aspectos: o primeiro vou chamar de
universalização do valor de troca – transformação de tudo em
112
mercadoria. Por conseguinte, nesse processo de universalização a
nossa experiência alimentar também vai virar mercadoria, então vai
surgir a contradição entre mercadoria e cultura; e o segundo seria a
constituição de uma identidade urbana (CARVALHO, 2007, p. 93).
Segundo esse autor:
Os moradores de São Paulo, por exemplo, conseguem comprar
produtos agrícolas que não são produzidos na região, advindos de
regiões distantes, e para que isso seja viabilizado há toda uma
estrutura econômica e comercial, hoje já globalizada, que não era o
caso do período inicial da formação cultural em questão. Então,
naquele contexto a questão econômica é fundamental e vai
regionalizar a alimentação. É necessário ter uma alimentação
adequada ao perfil agrícola, à pecuária, ao clima de cada região
CARVALHO, 2007, p. 87-88).
E conclui que:
[...] há uma certa relação antropofágica com as culturas que vão
compondo esse desenho diverso. [...] É esse processo de apropriação
que vai ser encontrado no caso da alimentação em geral e que
provoca uma profunda transformação na identidade cultural. [...] A
alimentação vai se igualar, na qualidade de mercadoria a todo o
restante das mercadorias dentro do supermercado, conseqüentemente
deixando de ser espaço de produção de cultura (CARVALHO, 2007, p.
91-93-95).
Em suas pesquisas, Carvalho (2007) observou a relação cultural entre
produção
agrícola
e
o
abastecimento,
no
caso
paulista,
focalizando
a
descaracterização do regional diante da experiência provocada pelo franco acesso a
uma multiplicidade e diversidade de alimentos com preços também acessíveis.
3.2.
Os caminhos para uma cozinha científica
“Quando não mais houver cozinha no mundo,
não mais haverá conhecimento literário,
Inteligência superior e rápida, relações afáveis,
não mais haverá unidade social.”
Marie-Antoine Carême
De acordo com Manfred Weber-Lambedière (2008), a haute cuisine foi
assassinada em primeiro de outubro de 1973 por um artigo histórico divulgado na
113
Revista Gault Millau, escrito pelos jornalistas parisienses especialistas em culinária,
Henri Gault e Christian Millau: ―Viva a nouvelle cuisine. Os dez (novos)
mandamentos‖ (WEBER-LAMBEDIÈRE, 2008, p. 44) em que delineavam os
contornos de uma nova escola que estava sendo praticada por alguns chefs
famosos.
Para Ariovaldo Franco (2001) esses dez mandamentos24 eram o resultado de
um pensamento surgido em meado dos anos 1960, mas cujas raízes antecediam a
Segunda Guerra Mundial25, que defendia a cozinha como uma extensão da natureza,
com preparações simplificadas e tempos de cocção reduzidos, também tentava
atender exigências características da época como diminuir o impasse entre a
gastronomia e a dietética, e a associação do porte esbelto, símbolo de status e bom
gosto da época, á juventude, saúde, educação, disciplina, etc. Segundo o autor a
relação alimentação-saúde não implicava exatamente em novidade:
A novidade é a fonte de onde provém essa informação e os seus
termos. Até os anos 1960, eram sobretudo os usos sociais que
condicionavam a maneira de comer. Desde então o marketing, a
publicidade e os meios de comunicação de massa têm papel decisivo
nesse terreno. A indústria de alimentação, ao criar e acompanhar
novas tendências alimentares, tem sabido explorar a moda da
esbeltez, lançando produtos com aura de leveza (FRANC0, 2001, p.
255).
Enquanto o termo nouvelle cuisine cunhado no século XVIII por La Chapelle,
Manon e Marin, usado para designar a cozinha de Escoffier no século XIX, retornava
para identificar as tendências individuais observadas do novo estilo de trabalho de
Paul Bocuse, Jean e Pierre Troigros, Michel Guérard, Roger Vergé E Raymond
Olivier.
24
―1. Oposição às complicações desnecessárias; 2. redução dos tempos de cocção e redescoberta
da utilização do vapor, método de cozimento tradicionalmente empregado pelos chineses; 3. prática
do que Bocuse denomina de cuisine du marché , ou seja, utilização dos ingredientes mais frescos
que o Mercado oferece a cada dia; 4. rejeição dos menus extensos nos quais figuram pratos
preparados com antecedência em favor dos menus pequenos, compostos em função dos
ingredientes disponíveis no mercado a cada dia; 5. supressão de marinadas fortes para carne e caça;
6. desaprovação de molhos ―pesados‖, inclusive dos molhos à base roux3; 7. interesse pelas
cozinhas regionais e abandono da haute cuisine parisiense como única fonte de inspiração; 8.
receptividade com relação as novas técnicas e equipamentos avant-garde; 9. preocupação dietética;
10. Inventividade ―(FRANC0, 2001, p. 251-252).
25
O Chef Fernand Point mestre de Paul Bocuse é considerado o precursor desse movimento
(FRANC0, 2001, p. 251).
114
Para o autor:
A nouvelle cuisine, expressão do confronto entre o tradicionalismo e a
inventividade, pôs termo ao dogmatismo que dominou a gastronomia
durante tanto tempo. Com ela a criação culinária se liberou. Esse
talvez seja o seu grande mérito (FRANCO, 2001, p. 257).
De acordo com Weber-Lambedière (2008) vinte anos depois da morte da
nouvelle cuisine, enquanto seus precursores e seguidores tentavam se desligar e
romper com aquele movimento, Ferran Adriá, um jovem chef catalão de 22 anos
afirmou se sentir filiado a ele. Em sua concepção o novo recorreria ao mínimo:
minimizar o tempo de cocção e de conservação dos ingredientes, minimizar a
porção e o percentual calórico e revolucionar com uma apresentação atraente,
aroma e paladar intensificados que prometiam a felicidade. Em suas primeiras
experiências o chef transformou esteticamente uma perdiz em lagosta e o sorvete
pode ser salgado ou quente na perseguição da idéia de surpreender seus clientes
através da multiplicação do sabor. Segundo Adriá (2009), ―Tudo o que queríamos
era inventar novas histórias, e também um novo estilo narrativo, portanto tínhamos
também que redefinir a nossa opinião em relação aos ingredientes‖ (ADRIÁ apud
WEBER-LAMBEDIÈRE, 2008, p. 84). Recorrendo à química dos alimentos adotou a
pesquisa científica exaustiva com sua equipe na cozinha-laboratório buscando
responder a questão: ―Como modificar um ingrediente de modo a obter o melhor do
seu sabor?‖ (WEBER-LAMBEDIÈRE, 2008, p. 86)
O químico francês Hervé This buscou explorar com suas pesquisas científicas
os fenômenos da cozinha dando origem à gastronomia molecular que segundo ele:
É a atividade que observa os fenômenos e busca propor mecanismos,
explicações, sob forma do que denominamos modelos ou teorias. Para
a gastronomia molecular, trata-se de buscar os mecanismos das
transformações culinárias, que são essencialmente de natureza
química, física ou biológica (THIS, 2009, p. 30).
A pesquisa de This (2009) questiona as definições e testa as precisões do
saber tradicional do patrimônio culinário em suas receitas, práticas, crendices,
macetes, máximas e habilidades. Verifica os resultados observando os fenômenos
e apontando os mecanismos com o intuito de renovar essa herança reinventando-a
pela linguagem da ciência. De acordo com o autor:
115
Lavoisier, em seu Tratado elementar de química, estava certo ao
declarar que a ciência só será aperfeiçoada quando a linguagem for
aperfeiçoada; o mesmo acontece com a cozinha, onde o domínio das
transformações dificilmente se fará baseado em idéias falsas, logo, em
palavras falsas (THIS, 2009, p. 72-73).
Segundo This (2009), a arte da música e da pintura, por exemplo, não
reproduzem apenas a natureza, mas resultam da organização de notas musicais ou
da composição e da construção de uma tela. Assim, a refeição deveria perder seu
caráter amadorístico para ser elaborada a partir da construção dos alimentos que a
compõem. Por isso questiona:
Como na literatura, como na escultura, como no cinema... Não existe
nada pior do que fotografias de amadores, pinturas de amadores,
músicas de amadores. Então por que a cozinha de amadores seria
uma exceção? (THIS, 2009, p. 77)
Adepto
do
construtivismo
culinário
em
oposição
ao
princípio
da
desconstrução, This (2009) relembra Carême com suas esculturas que reproduziam
castelos mirabolantes introduzindo a arquitetura numa cozinha monumental, para
enfatizar que escultura não é cozinha e justificar que cozinha é para comer, daí a
construção de pratos para servir-se ao invés de serem executados no prato
individual.
Porém, ADRIÁ26 em recente declaração à imprensa afirmou que a
gastronomia molecular foi um movimento de alguns cientistas fãs da gastronomia
que buscava elucidar o motivo das reações químicas e físicas que ocorriam na
cozinha chegando a publicar alguns trabalhos, mas sem maior repercussão entre os
cozinheiros. Recusa-se a aceitar que sua cozinha seja molecular, o que chega a
considerar uma jogada de marketing, pelo simples fato de suas pesquisas não terem
base científica ou porque os hidrocoloides - base de sua cozinha, jamais ter sido
resultado das pesquisas desses cientistas. Ele não reconhece a cozinha molecular
como um tipo de culinária, embora acredite que a cozinha necessite da pesquisa e
de outros tantos conhecimentos para se apoiar e confessa as dificuldades que
encontrou na Fundación Alicia27 de estabelecer um diálogo entre a ciência e a
26
Leia manifesto de Ferran Adrià sobre a cozinha molecular , Caderno Comida. Folha. com. São
Paulo, 04/08/2011: http://www1.folha.uol.com.br/comida/953397-leia-manifesto-de-ferran-adria-sobrea-cozinha-molecular.shtml Acesso em: 09/08/2011.
27
http://www.elbulli.com/historia/index.php?lang=es&seccion=6&subseccion=3
20/07/2011
Acessado
em:
116
gastronomia o que resultou na publicação do ―Léxico Científico Gastronômico‖ que
considera uma ferramenta com esta finalidade.
Em uma matéria publicada pelo Portal Terra em 2006 sob o título: ―Cozinha
molecular é a nova moda da gastronomia‖28, o discurso era exatamente o contrário.
Falava-se de um conselho composto por 560 cozinheiros e críticos culinários em que
Ferran Adriá puxava a lista, que proclamaram em Londres a cozinha molecular
praticada nos melhores restaurantes do planeta, cozinha que por sinal, investia nos
espaços gastronômicos dos principais meios de comunicação arrebanhando a
população, e que também se traduzia nos altos valores cobrados pelas contas
desses restaurantes.
3.2.1. A cozinha cientifica paulistana como movimento gastronômico
No Brasil, as primeiras celebridades da gastronomia nacional só começaram
a aparecer na última década com a explosão de cursos superiores de gastronomia e
a expansão do mercado de comida. Verdadeiros mitos, esses chefs costumam
cozinhar atentos às novidades da cozinha européia alinhando seus menus e preços,
Em São Paulo está sediado o maior expoente brasileiro da gastronomia
contemporânea, Alex Atala, do Restaurante D.O.M. que se encontra hoje em sétimo
lugar entre os 50 melhores restaurantes do mundo. Alex Atala tem formação de
cozinha na Europa, mas se considera adepto da cozinha técnica com emoção
(tecnoemocional) prezando pela valorização do ingrediente nacional.
Para Alex Atala (2008) como reação da nouvelle cuisine ocorreu, em primeiro
lugar, o movimento de sofisticação da cozinha do terroir (regional); o segundo
aconteceu a partir dos anos 1980 quando os chefs franceses partiram para o Novo
Mundo e Oriente com o objetivo de fecundar a modernidade da cozinha francesa. O
terceiro, a partir da década de 1990 refere-se à aliança da cozinha com as ciências
28
http://noticias.terra.com.br/ciencia/interna/0,,OI963819-EI298,00.html Acessado em: 20/07/2011
117
contemporâneas que marca o fim da hegemonia da culinária francesa. De acordo
com o autor:
Todo mundo que acompanha as discussões modernas sobre
gastronomia sabe que um dos pilares das novas concepções está em
tomar a cozinha como um espaço diferenciado onde se processam
fenômenos físicos e químicos que nos esforçamos para compreender,
tornando o ato de cozinhar algo mais racional para que a criatividade
possa ser ainda mais valorizada pelos gestos conscientes, ligados à
preparação dos alimentos (ATALA, 2008, p.255).
Grande pesquisador e reconhecidamente criativo, o chef se inspira em Adriá
para elaborar seus cardápios sempre recheados de novidades. Para ele:
Quando os chefs modernos enfatizam os processos químicos e físicos
apresentando a cozinha como um laboratório, na verdade inovam
muito pouco. As mães, as avós, já faziam isso sem tanto alarde. A
inovação está, ao contrário, em trazer para a cozinha a compreensão
das reações químicas (em nível molecular), além de novos processos
(isso sim, são ‗novas‘ reações químicas) e novos produtos que não
pertenciam a esse universo. É o caso do alginato sódico, um sal
orgânico extraído de algas e utilizado na indústria de alimentos como
aditivo em geléias e sorvetes por seu poder geleificante, espessante e
estabilizante: a geleificação em presença de sais de cálcio fez que
Ferran Adriá desenvolvesse, em 2003, a técnica de esferificação
(geleificação externa). Eis um exemplo claro de criatividade que nasce
de conhecimentos antes incomuns entre profissionais de cozinha
(ATALA, 2008, p. 256-257).
De acordo com ATALA todo cozinheiro para produzir um prato digno de
silêncio relevante precisa cumprir três etapas: conhecer e obter melhores
ingredientes; dominar técnicas de preparo dos alimentos; e racionalizar no sentido
de sistematizar o seu processo gastronômico. Logo, pode-se compreender que para
ele o que diferencia hoje a cozinha doméstica da cozinha do restaurante é o tipo de
criação. Enquanto a cozinha doméstica busca compreender os processos químicos
e físicos para explicar as reações das criações, a cozinha do restaurante
contemporâneo pressupõe uma criação pautada no conhecimento prévio de
diversos produtos químicos e do domínio de reações químicas (moleculares).
Na tentativa de definir uma cozinha atual o autor explica que apesar de
trilharem diferentes caminhos os chefs contemporâneos buscam filosofias e
posicionamentos diante da natureza, dos processos de transformação e das
sensações provocadas, tendo em comum a percepção cada vez maior de que o
resultado da criação depende da pesquisa. Pesquisa para elaborar novos conceitos
118
aliado ao domínio técnico sobre a matéria-prima do terroir que também resulta da
dedicação à pesquisa. Segundo ele, trata-se, portanto, de uma cadeia de
conhecimentos em que, o conhecimento científico aplicado ao conhecimento
gastronômico resultou em uma nova cultura gastronômica que nada mais é do que
uma postura inovadora de intelectualização da cozinha.
Para Atala (2008):
O planejamento racional do prato e a experimentação dão ao conjunto
um caráter mais intelectualizado ao ato de cozinhar. Anteriormente,
num domínio técnico praticamente estável e inflexível, uma boa
formação clássica bastava ao chef para entregar-se de corpo e alma
apenas aos aspectos sensíveis e harmônicos da criação. Atualmente,
isso já não basta. É preciso, também, que o chef questione as várias
possibilidades técnicas que possam conduzi-lo ao resultado
pretendido. Ele precisa informar-se sobre avanços técnicos e
tecnológicos compatíveis com o esforço de criação: ambos estão
claramente ligados – o que não era perceptível até alguns anos atrás
antes dos históricos seminários de Erice29 (ATALA, 2008, p. 142).
Alex Atala difundiu suas idéias pelo país, sobretudo, quando freqüentou
semanalmente os lares brasileiros, em 2005, através da TV pelo Canal GNT durante
o período em que dividia o programa ―Mesa para dois‖ com a chef carioca Flavia
Quaresma. No programa, ao mesmo tempo em que a Chef Flavia Quaresma visitava
locais e lugares ligados ao universo da alimentação, falando de um ingrediente,
privilegiando a matéria-prima nacional e a cultura brasileira. Na cozinha-estúdio, o
Chef Alex Atala preparava alguns pratos desenvolvidos a partir desse produto
enfatizando a importância da técnica e do aparato tecnológico para o sucesso do
resultado.
3.2.2. A atualização da cozinha regional
Danilo José Zioni Ferreti (2007) parte do princípio de que a cidade de São
Paulo cria seus mitos diariamente e que ―na fugacidade característica de se
reconstruir, alimenta-se de sua própria memória impregnada nos tijolos demolidos
29
Os Seminários de Erice realizados na Sicilia foram idealizados pelo professor Antonio Zichichi e
organizados por Hervé This (físico-químico) e NicholasKurti (físico). (ATALA, 2008)
119
do outrora novo‖ ao mesmo tempo em que ―[...] é última, é tendência, o quase
amanhã― (FERRETI, 2007, p.97).
Segundo o autor, a identidade paulistana é constituída também por seus
espaços de lazer e entretenimento, apesar do estereótipo de que o paulistano vive
apenas para trabalhar e comer. Para comprovar sua premissa Ferreti (2007) recorda
que tanto o armazém, quanto a mercearia e o boteco das primeiras décadas do
século XX, também serviam de lazer. E apóia-se no registro deixado por Alcântara
Machado de 1927:
Aviso às excelentíssimas mães de família: o armazém Progresso, de
São Paulo, de Natalie Peinoto, tem artigos de todas as qualidades. Dáse um conto de réis a quem provar o contrário. E nas entrelinhas
informa que oferece o serviço de jogo de bocha com restaurante nos
fundos (MACHADO apud FERRETI, 2007, p.99).
De acordo com o autor, a partir de 1925 as mercearias como a ―Casa da Sé‖
foram se especializando em alimentos importados, sobretudo, italianos como o
presunto de Milano e a mortadela de Bologna, tipo de negócio continuado até hoje
pela importadora La Pastina e o Empório Chiapetta.
Os botecos – uma instituição paulista - ofereciam bebida alcoólica e alimentos
europeus (como queijo provolone e parmesão, mortadela, salame, copa, azeitonas,
pastas e pães franceses e italianos) se estabelecendo como espaço de convívio e
de lazer da classe operária depois do expediente na fábrica e nos fins de semana.
Nos anos 1970 começaram a perder espaço para os bares (de influência
americana), lanchonetes e boates em decorrência da globalização. Porém, na última
década pode-se observar uma mudança de hábitos com um forte apelo ―retro‖ em
que os botecos foram resgatados em seus espaços, mobílias e alimentos, e
repaginados, o mesmo fenômeno que transformou as mercearias em empórios e
delicatessens. Essa é a era do renascimento dos clássicos, de acordo com o autor:
―As ressignificaçãos continuaram alimentadas por outras oportunidades, outra gente,
outras necessidades‖ (FERRETI, 2007, p. 99).
Para Gomes e Barbosa (2004) os livros de cozinha editados no Brasil a partir
de meados da década de 1980, período em que se observa a passagem da culinária
para a gastronomia, enfatizado a partir da nova relação entre viagem e culinária, e
turismo e culinária, apresentam a culinária como uma forma de se relacionar com o
120
outro e consigo mesmo permitindo a aquisição de capital cultural como um elemento
de distinção em que está implícito o contato e o desfrute de sensações gustativas
únicas, inclusive gerando curiosidade para a descoberta de novas cozinhas.
Segundo as autoras:
O interessante é que, à medida que os livros exploram explicitamente
a relação entre viagens e culinária ou gastronomia e turismo, verificase uma ressignifcação do espaço da cozinha nas casas brasileiras (em
camadas médias), além de um retorno e de um redescobrimento das
cozinhas regionais brasileiras (GOMES E BARBOSA, 2004, p. 33).
Para Carlos Alberto Dória (2009) a cozinha brasileira, hoje, está voltada para
um enfoque moderno onde o ingrediente nacional (nativo ou aclimatado) é
apresentando sob uma nova estética, com enfoque eminentemente lúdico e
divorciado de qualquer vínculo dietético ou identitário, cujo objetivo se restringe a
―reencantar‖ o mundo atual. Esse momento evidencia o abandono do mito
modernista que deu, segundo ele, origem à cozinha brasileira, e, ao mesmo tempo
em que aproxima o cozinheiro dos ingredientes nacionais, também o liberta de
modelos estrangeiros e os instiga à criatividade, à pesquisa e à experimentação
dando origem a novos estilos culinários.
Segundo o autor, as cinco tendências de estilização da culinária brasileira
identificadas por ele não se restringem apenas às formas populares ou históricas de
consumir os alimentos, mas estão pautadas em uma reinterpretação que atualiza e
universaliza essa cozinha. São elas: 1) Estilo Naïf: a seleção do cardápio é feita em
cima da concepção espontânea da alimentação, de acordo com preferências
populares consagradas propiciando uma nova experiência do público a partir da
reinterpretação do chef. Exemplo: Restaurante Mocotó (Vila Medeiros/São Paulo); 2)
Estilo Etnográfico: pretende perseguir a identidade da cozinha brasileira através da
pesquisa etnográfica de receitas, ingredientes e modos de preparo tradicionais que
são reproduzidos a pretexto de um resgate cultural. Exemplo: Restaurante
Tordesilhas (Bela Vista/São Paulo) e Restaurante Surui (Sumaré/São Paulo). 3)
Estilo Alegórico: a reinterpretação se manifesta na materialização de idéias e
pensamentos figurativos em que a realidade brasileira é apresentada de forma
estilizada. Com ênfase na alegoria, esse estilo busca uma equivalência estética da
cozinha com outras manifestações culturais do país. Exemplo: Brasil a Gosto
(Cerqueira César/São Paulo); 4) Estilo Experimental: refere-se a uma nova forma de
121
tratar o ingrediente nacional através de modernas técnicas culinárias, baseada no
movimento iniciado por Ferran Adrià, na Espanha. O autor exemplifica esse estilo de
cozinha com o sorvete criado por Alex Atala de jabuticaba e wasabi, em que a
cozinha paulista possibilita o diálogo da cultura brasileira com a japonesa. Exemplo:
Dom Restaurante (Cerqueira César/São Paulo)
e Restaurante Dois (Vila
Madalena/São Paulo); 5) Estilo Juscelinista: repleto de brasilidade, esse estilo diz
respeito à valorização do cardápio brasileiro enraizado no gosto das elites nacionais
e na culinária urbana dos anos 50-60 que ressalta um certo desprezo pelas
influências européias ou norte-americanas. Segundo o autor: ―Constitui um estilo de
cujo sucesso pode depender o reconhecimento mais amplo do ‗gosto‘ dessa
metrópole que, à mesa, perdeu suas referências nacionais‖ (DÓRIA, 2009, p. 83).
Exemplo: Restaurante Dalva e Dito (Cerqueira César/São Paulo).
3.3.
A cozinha de celebridades na TV
―Adoro esta cidade
São Paulo é conforme ao meu coração
Aqui nenhuma tradição”
Blaise Cendrars
De acordo com Marina de Camargo Heck (2004) foi o movimento desse
grande número de pessoas que come fora que acabou influenciando a explosão em
número e diversidade os restaurantes e serviços relativos à comida que vão desde
os fast-foods aos templos de alta gastronomia motivando assim a competição entre
eles para atração de público. Segundo ela:
Restaurantes competem para atrair consumidores, e a mídia
transforma os "cozinheiros" - chefs - em celebridades glamourosas.
Restaurantes recebem prêmios (estrelas), e surge a comida de griffe,
que compete com a industrializada nas prateleiras dos
supermercados. Comer deixa de ter apenas a sua função biológica
óbvia, de nutrição para sobreviver, e entra para a categoria de lazer e
entretenimento, assim como também passa a ser indicador de status e
classe social, classificando e distinguindo gostos culinários (HECK,
2004, p. 137).
Chris Rojek (2008) acredita que as celebridades contemporâneas são
fabricações culturais resultantes de três grandes processos históricos inter-
122
relacionados: a democratização da sociedade; o declínio da religião organizada e a
transformação do cotidiano em mercadoria. Segundo o autor:
Celebridades são fabricações culturais. O seu impacto sobre o público
pode parecer íntimo e espontâneo. De fato, as celebridades são
cuidadosamente mediadas pelo que se poderia chamar de correntes
de atração. Hoje nenhuma celebridade adquire reconhecimento
público sem a ajuda de intermediários culturais como diretores de cena
da sua presença aos olhos do público. ‗Intermediários culturais‘ é o
termo coletivo para agentes, publicitários, pessoal de marketing,
promoters, fotógrafos, fitness trainers, figurisnistas, especialistas em
cosméticos e assistentes pessoais. A tarefa deles é planejar uma
apresentação em público de personalidades célebres que resultará
num encanto permanente para uma platéia de fãs (ROJEK, 2008,
p.12-13).
De acordo com ele a Revolução Americana foi responsável por derrubar as
instituições do colonialismo e a própria ideologia do poder monárquico que foi
cuidadosamente substituída por uma ideologia alternativa tão imperfeita quanto
fantástica: a ideologia do homem comum, capaz de legitimar o sistema político e
sustentar o comércio e a indústria e de contribuir para a transformação da
celebridade
em
mercadoria.
Celebridades
são
os
novos
símbolos
de
reconhecimento e pertencimento (em substituição à monarquia) e imortalidade, (uma
vez que Deus perdeu espaço). Para o autor:
A organização capitalista requer que os indivíduos sejam ao mesmo
tempo objetos desejantes e de desejo. Pois o crescimento econômico
depende do consumo de mercadorias, e a integração cultural depende
da renovação dos vínculos de atração social. Celebridades
humanizam o processo de consumo de mercadorias. A cultura da
celebridade tem aflorado como um mecanismo central na estruturação
do mercado de sentimentos humanos. Celebridades são mercadorias
no sentido de que os consumidores desejam possuí-las. (ROJEK,
2008, p. 17).
Segundo Rojek (2008), a lógica da acumulação capitalista necessita de
consumidores para alimentar o intercâmbio constante de suas necessidades. A
inquietação e o atrito são atributos da cultura industrial resultantes da exigência de
lançamentos constantes de marcas e mercadorias. Esse desejo alienável do
individuo deve ser substituído constantemente para que as necessidades sejam
substituídas de acordo com a evolução do mercado. Para ele:
As celebridades simultaneamente encarnam tipos sociais e
proporcionam modelos de papéis. O fato de a representação da mídia
ser a base da celebridade é o núcleo central tanto da questão da
123
misteriosa persistência como do poder da celebridade quanto de
peculiar fraqueza da sua presença. Pelo ponto de vista da platéia, ela
faz as celebridades parecerem simultaneamente confrades íntimos e
quase sobre-humanos. A presença encenada através da mídia
inevitavelmente levanta a questão da autenticidade. Esse é um
perpétuo dilema, tanto para a celebridade quanto para a platéia
(ROJEK, 2008, p. 19).
O autor percebe ainda a importância do caráter ubíquo da celebridade no
cotidiano, uma vez que o crescimento dos mercados unificados e a generalização do
sistema de comunicação de massa implica na transformação para uma cultura
mediagênica. Ele aponta os estilos, pontos de vistas, agenda e pauta para
conversas como influências e modelos oferecidos pela mídia para utilização no
intercâmbio social e cultural. Para o autor: ―Daí que a celebridade deve ser
compreendida como um fenômeno moderno, um fenômeno de jornais, televisão,
rádios e filmes de circulação de massa‖ (ROJEK, 2008, p. 19).
A aplicação desse estudo de Rojek (2008) na cozinha coincide com o
resultado de outro estudo pioneiro de Joanne Finkelstein (1989), apontado por
HECK (2004). De acordo com Finkelstein (2004), ―as interações sociais que ocorrem
dentro
de
um
restaurante
produzem
uma
sociabilidade
não
civilizada‖
(FINKELSTEIN apud HECK, 2004, p. 140) porque comer no restaurante, segundo a
autora, pressupõe uma conduta regida por normas, portanto, sujeita a ações
predeterminadas
que
vão
refletir
comportamentos
da
moda,
e
que
conseqüentemente enfraquecem a participação individual na arena social. De
acordo com Heck (2004):
[...] observa, no entanto, que, devido à importância econômica do
eating business em nossa sociedade, ‗comer fora‘ se transformou em
uma mercadoria e que os desejos dos indivíduos gerados por uma
lógica econômica não são espontâneos. Assim, o ato de ‗jantar fora‘,
da mesma maneira que proporciona prazer, tem a capacidade de
transformar emoções em mercadorias e oferecê-las como itens de
consumo (FINKELSTEIN apud HECK, 2004, p. 140).
A edição 1682 da Revista Veja de 10 de janeiro de 2001 traz a seguinte
manchete: ―Tempero e glamour: Não basta cozinhar. Chef de sucesso agora
aparece na TV, dá aulas e provoca suspiros.‖30 A autora da matéria, Aida Veiga,
afirma que:
30
http://veja.abril.com.br/100101/p_066.html acesso em 30/07/2011
124
[...] para atingir o estrelato, os chefs fazem muito mais do que pilotar
um fogão. Alguns comandam escolas próprias de gastronomia ou dão
palestras sobre o metiê. Os mais desinibidos e com sotaque menos
impeditivo participam de programas de televisão, dando dicas e
receitas. Assinar um belo livro de capa dura, do tipo que serve mais
para decorar a mesinha de centro da sala do que para ser consultado
na cozinha, é imprescindível. A parte mais difícil do cotidiano dos
chefs-celebridades acaba sendo o trivial: inventar novas receitas e
manter a qualidade das antigas (VEIGA, 2001, p. ).
Mais adiante a autora da matéria demonstra que já reconhece a importância
da celebridade para o negócio e até arrisca uma previsão do futuro:
Não há quem negue, porém, que a celebridade fermenta os negócios.
‗Somos uma placa de anúncio de nossos restaurantes‘, defende-se
Atala. Dono de restaurante em São Paulo, Alessandro Segato faz
risotos maravilhosos, mas boa parte de sua clientela é formada por
moças que salivam pelo italiano de voz mansa e rabo-de-cavalo.
‗Aprendi a driblar as mais afoitas‘, conta Segato, que se casou com
uma freguesa assídua do restaurante em que era chef. ‗Minha mulher
é uma fera e morre de ciúmes‘, alerta. O fascínio exercido pelos chefs
é mundial, como atesta o enorme sucesso, em TVs a cabo de diversos
países, de Iron Chef, programa gravado no Japão que promove, em
cada episódio, um desafio entre dois cozinheiros, que ganham pontos
pela qualidade da sua comida e pelo entretenimento que
proporcionam. Fazer gracinhas e ser uma gracinha acaba contando
tanto quanto o tempero. O Brasil teria bons candidatos à competição
(VEIGA, 2001)
O número 43 da Revista Go Where Gastronomia de 2011 traz a matéria: ―Luz,
câmara, fogão!‖ exibindo na capa o apelo: ―TV Cozinha: Chefs celebridades
assumem o lugar das antigas culinaristas nos programas que pegam o espectador
pelo estômago‖ e que decreta o fim das culinaristas nos programas de TV,
substituídas por chefs consagrados que agora brilham diante das câmaras. Sua
autora, Cintia Oliveira, inicia a matéria recordando Ofélia Anunciato que com seu
―jeitão de dona de casa prendada‖ conduziu seu programa diariamente por mais de
três décadas. Lembra Palmirinha Onofre, sucessora e herdeira do estilo de Ofélia
que deixou a TV em agosto de 2010. A partir de então, escreveu ela:
[...] chefs famosos entraram em cena. Exímios em técnicas
gastronômicas, os atuais astros da TV Cozinha tiveram de aprender a
se posicionar diante das câmaras e se comunicar com o telespectador
– não mais a dona de casa que queria agradar o marido, mas um
público gourmet e heterogêneo, que também busca conhecimento
sobre o vasto tema da enogastronomia. Um dos exemplos desta nova
125
fase televisiva é o novo canal da Fox no Brasil: o BemSimples, que
estreou no ano passado como parte da programação do canal pago
Fox Life. O conceito do ‗faça você mesmo‘ ganhou canal próprio e os
programas de culinária comandados por chefs como Rogerio Shimura
e Carole Crema ocupam uma boa fatia das 24 horas de programação
do canal (OLIVEIRA, 2011, p.28).
A matéria registra alguns sets de filmagem transformados em cozinhas de
sonhos: laboratórios, domésticas ou rurais com ares de fazenda, entrevistando chefs
nacionais e estrangeiros equiparados na TV pela celebritização.
Detalhes da
atividade, Cintia passa alguns como o timing da TV:
Quando se faz uma receita na TV, existe o fator tempo. Timing é um
ingrediente essencial. É uma arte olhar para as câmeras, conversar
com o público e, ao mesmo tempo, não deixar a receita desandar. Diz
Allan Espejo ‗é como passar batom e dirigir um carro; com o tempo é
possível juntar as duas ações‘. Para isso dar certo ele aprendeu um
truque. ‗Tenho de saber o tempo exato que vou levar para executar
cada passo da receita, caso contrário me atrapalho‘ (OLIVEIRA, 2011,
p. 30).
A linha do tempo preparada pela matéria tem inicio em 1958 com a estréia de
Ofélia na TV Santos; década de 1960, Etty Fraser apresenta na TV Gazeta ―Boca de
forno‖ e ―A moda da casa‖; em 1993 com a estréia do ―Note e Anote‖ com Ana Maria
Braga em que culinaristas ensinavam receitas; 1996 é a vez do chef francês, Olivier
Anquier que apresentava um programa no estilo road movie; 2010 termina o ―TV
Culinária‖ de Palmirinha Onofre e começa o BemSimples com chefs brasileiros
ensinando receitas no canal Fox Life; em 2011 estréia o canal ―Chef TV‖ o primeiro
canal brasileiro dedicado exclusivamente a gastronomia.
126
CONCLUSÃO
A cozinha foi o último setor da sociedade de consumo a ser contaminado pelas
mídias. No entanto, ao longo de suas transformações, observou-se na cidade de
São Paulo, uma mudança do conceito de comida. À medida que a cidade se
urbanizava, a comida colonial foi perdendo suas características rurais para ganhar
contornos urbanos. O primeiro traço de urbanidade da cozinha paulista, resultante
da convergência da necessidade prática do comer com a tecnização, se deu com o
surgimento do fogão a gás.
Com o aparecimento das primeiras fábricas básicas de embutidos e
macarrão, no final do século XIX, de influência italiana, a mentalidade industrial foi
se construindo tornando-se ao longo do processo inicial de urbanização, capaz de
modificar esse modo colonial de ver e de fazer a comida, ao mesmo tempo em que o
modo urbano de viver passa a estar relacionado com esse jogo. Também
influenciado pelos imigrantes, despontaram na cidade algumas confeitarias – os
primeiros restaurantes paulistanos – alavancando na cidade o hábito de sair para
comer fora, ampliando a vida noturna paulistana, o que leva a concluir que a
imigração teve um papel preponderante na conformação de muitos aspectos da
urbanização da cozinha paulista.
Lentamente, a cidade foi ganhando feições de civilidade, em que o fazer
culinário instintivo foi sendo substituído pela racionalização, enquanto se constituía
um padrão industrial de comida, porém, sem perder completamente seus resquícios
de colonialidade. A idéia de civilização da cozinha paulistana passou a ser
representada pela predominância de um olhar simétrico sobre os fazeres culinários,
diretamente relacionados com a adoção de métodos práticos, higiênicos e científicos
exibidos a partir dos programas de culinária da televisão, que tiveram início na
década de 1960, com a culinarista Ofélia Anunciato, como estratégias de
apresentação midiática.
A agudização da oferta de equipamentos e utensílios, ingredientes e produtos
industrializados desse período, graças à expansão da indústria alimentar e,
posteriormente, a explosão da indústria de eletrodomésticos, a abertura de templos
de consumo como supermercados e shopping centers, permitiu uma democratização
do acesso a um número cada vez maior de mercadorias. Acesso esse facilitado
também pela abertura de linhas de crédito adotada pela nova política econômica do
127
país.
Todo
esse
aparato
tecnológico
culinário
acabou
impulsionando
a
transformação das práticas do fazer culinário através do redimensionamento de
receitas, em suas medidas, técnicas e tempo de preparo, além de introduzir novas
possibilidades de produção e estabelecer um novo padrão de comida.
A mediação do olhar sobre a comida, em conseqüência do processo de
massificação e homogeneização da compreensão do mundo foi imprescindível para
a conformação de um novo sentido do modo de ser, de compreender as
sociabilidades, e do que comer. O mercado de alimentação ganhou a construção de
um espaço urbano alimentar alinhado pela massificação do paladar e do gosto, em
que os fast-foods representaram a emergência desse novo momento gastronômico.
As inúmeras possibilidades de sabores que constituem o multiculturalismo
alimentar paulistano evidenciam a vocação da metrópole para o momento
contemporâneo, que exige múltiplas identidades. E, ao mesmo tempo em que se
mistura como um ―caldeirão antropofágico‖ amalgamado pela convergência cultural
– graças ao espaço midiático – a cozinha paulistana é segmentada, com gêneros
distintos, onde figuram as cozinhas (típicas) paulistanas: italiana, japonesa ou
contemporânea, perfiladas com a caipira ou a tropeira, tipificando o ―gosto‖ coletivo
urbano contemporâneo. Muito embora nesse momento o ―gosto‖ globalizado parece
empreender seu caminho de volta. Vivencia-se um processo de valorização dos
modos de comer brasileiros que ressalta, porém, o aspecto lúdico, em detrimento de
seu enraizamento cultural. Esse apelo nacionalista pretende superar o descaso com
a nossa cozinha típica (até então de caráter apenas turístico), e atrair para o país, e
em especial para São Paulo – a cidade que melhor representa esse movimento – a
atenção para uma cozinha brasileira ―reencantada‖, que emerge da racionalização
(investigação, criatividade e estilização) de modos de preparo históricos e
ingredientes nacionais (como uma vantagem competitiva), e evoca, a partir desse
seu novo enfoque, um lugar de destaque na gastronomia universal.
A recente proliferação dos programas e canais de televisão, revistas, livros e
cadernos de jornais, blogs e sites da internet, e de cursos de gastronomia indicam
que o momento favorece o mercado de alimentação. São Paulo, hoje, é palco desse
novo cenário exacerbado de cultura e entretenimento gastronômico, em que um
determinado restaurante da moda ou chef celebridade pode conferir status aos
comensais, uma distinção tão cara quanto àquela que a burguesia francesa buscava
128
no mercado de artes do século XIX. A cozinha de agora não é apenas arte, mas
também espetáculo.
Toda essa revolução da cozinha paulistana que caracteriza a metrópole atual
me remete à instituição do padrão francês do gosto, a partir do século XVII em que o
livro de cozinha mediou a cultura francesa pelos principais países europeus, quando
a ―cuisine‖ se tornou a cozinha francesa. Contrariamente, os paulistanos não estão
promovendo o padrão paulista do gosto através das mídias, apesar de todo o
aparato tecnológico envolvido, mas as mídias promovem o seu próprio.
129
REFERÊNCIAS
ABDALA, Mônica Chaves. Do tabuleiro aos self-services. Revista Caderno Espaço
Feminino, v. 13, n.16, 2005
ABRAMOVITZ, José; AYROSA, Eduardo et al. Eletrodomésticos. Origens, História e
Design no Brasil. Rio de Janeiro: Fraiha, 2006.
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do nordeste e outras artes.
São Paulo: Cortez, 2009.
ALGRANTI, Leila Mezan. O mestre-cuca sem nome. Revista de história da biblioteca
nacional.
Edição
número
5
-
01/11/2005.
Disponível
http://www.revistadehistoria.com.br/secao/artigos/o-mestre-cuca-sem-nome
em:
Acesso
em: 15/08/2011.
ALMEIDA, Júlia Lopes de. Livro das donas e donzelas. Rio de Janeiro,
Francisco Alves, 1906
_________________. Livro das Noivas. Rio de janeiro: Francisco Alves & Cia, 1914.
AMERICANO, Jorge. São Paulo naquele tempo. São Paulo: Narativa Um, 2004.
ANDRADE, Mario de. De São Paulo: cinco crônicas de Mario de Andrade (19201921). LOPEZ, Telê Ancona (org.). São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2004.
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e cultura: O novo modernismo
paulista em meados do século. Tempo Social; Revista de Sociologia da USP, S.
Paulo, 1997, p. 39-52
ATALA, Alex e DORIA, Carlos Alberto; pesquisa Cristiana Couto. Com unhas, dentes
& cuca: prática culinária e papo cabeça ao alcance de todos. Editora Senac, 2008.
BARBUY, Heloisa. A cidade-exposição: Comércio e Cosmopolitismo em São Paulo,
1860-1914. São Paulo: Edusp, 2006.
BELLUZZO, Rosa. São Paulo: memória e sabor. São Paulo: Editora Unesp, 2008.
130
______________. Nem garfo nem faca: a mesa com os cronistas e viajantes. São
Paulo: Editora Senac, 2010.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica. In:
ADORNO et al. Teoria da Cultura de massa. Trad. de Carlos Nelson Coutinho. São
Paulo: Paz e Terra, 2000.
BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva,
2009.
BRUNO, Ernani Silva. História e tradições da cidade de São Paulo. São Paulo v.3
(3): Editora Hucitec, 1984.
CAMARGOS, Marcia; SACCHETTA, Vladimir. À mesa com Monteiro Lobato. Rio de
Janeiro: Senac nacional, 2008.
CANDIDO, Antonio. Os parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Livraria duas cidades,
1975.
CARNEIRO, Henrique. Comida e Sociedade: Uma história da alimentação. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2003.
CARONE, Edgard. A Evolução Industrial de São Paulo (1889-1930). São Paulo:
Editora Senac São Paulo, 2001.
CARVALHO, Marcelo. O alimento: do espaço privado à mercadoria. In: CORNELLI,
Gabriele; MIRANDA, Danilo dos Santos (org). Cultura e alimentação: sabores
alimentares e sabores culturais. São Paulo: Sescsp, 2007. (p. 86 a 96).
CASTELO BRANCO, Florence, MARTENSEN, Rodolfo Lima, REIS, Fernando,
Coord. História da Propaganda no Brasil. São Paulo: T.A. Queiroz, 1990.
CENDRARS, Blaise. Etc...,Etc... (Um Livro 100% Brasileiro). Tradução e Seleção de
textos Teresa Thiériot; Comentários Alexandre Eulálio. São Paulo: Perspectiva/
Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976. Coleção Debates.
DAMATTA, Roberto. Carnavais, Malandros e heróis. Para uma sociologia do dilema
brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
131
DEAECTO, Marisa Midori. Comércio e vida urbana na cidade de São Paulo (18891930). São Paulo: Senac, 2001.
DEJEAN. Joan E. A essência do estilo: como os franceses inventaram a alta
costura, a gastronomia, os cafés chiques, o estilo, a sofisticação e o glamour.
Tradução de Mônica Reis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010.
DEMPSEY, Amy. Estilos, Escolas e Movimentos. Londres: Cosac & Naify, 2003.
DIAFÉRIA, Lourenço. Paulicéia, Brás. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004.
DÓRIA, Carlos Alberto. A formação da culinária Brasileira. São Paulo: Publifolha,
2009.
DUARTE, Geni Rosa. Outras vozes no ar: sons e acordes caipiras na cidade e na
atividade radiofônica paulista. In: CALDEIRA, João Ricardo de Castro e ODALIA,
Nilo (org). História do Estado de São Paulo: a formação da unidade paulista. Vol 2
República. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
DUARTE, Paulo. Mario de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Edart – São Paulo
Livraria Editora Ltda, 1971.
ÉRNICA, Maurício. Uma metrópole multicultural na terra paulista. In: MATOS, Carlos
Eduardo Silveira (org). A formação do Estado de São Paulo, seus habitantes e os
usos da terra. Coleção Terra paulista: história, arte, costumes. São Paulo v.1 (3):
Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004.
FAUSTO, Boris. O crime do restaurante chinês: carnaval, futebol e justiça na São
Paulo dos anos 30. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
FERNANDES, Florestan. Folclore, mudança social na cidade de São Paulo.
Petrópolis: Vozes, 1979.
FERNÁNDEZ-ARMESTO, Felipe. Comida: uma história. Tradução Vera Joscelyn.
Rio de Janeiro: Record. 2004.
FEERETI, Paulo E. Ziloni. Da mercearia ao Boteco: Transformações do espaçop
urbano em São Paulo. In: CORNELLI, Gabriele; MIRANDA, Danilo dos Santos (org).
132
Cultura e alimentação: sabores alimentares e sabores culturais. São Paulo: Sescsp,
2007. (p. 97 a 113).
FRANCISCO, Luis Roberto de. A gente paulista e a vida caipira. In: Terra Paulista:
história, arte, costumes. São Paulo: Imprensa Oficial, 2004. (p. 23 a 49).
FRANCO, Ariovaldo. De caçador a gourmet: uma história da gastronomia. São
Paulo: Senac são Paulo, 2001.
FRANZINE, Fabio. Mais um texto sobre 1922? Um par de comentários sobre o
Modernismo paulista(no). In: CALDEIRA, João Ricardo de Castro e ODALIA, Nilo
(org). História do Estado de São Paulo: a formação da unidade paulista. Vol 2
República. São Paulo: Editora Unesp, 2010.
FREYRE, Gilberto. Açúcar. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
GIARD, Luce. Cozinhar. In: A invenção do cotidiano: Morar, cozinhar. Tradução de
Ephraim F. Alves e Lucia Endlich Orth. Vol. 2., 9. Ed. Petrópolis/RJ: Ed. Vozes,
2009. (p. 211 a 342).
GOMES, Laura Graziela e BARBOSA, Livia. Culinária de Papel. Revista Estudos
Históricos.
Rio
de
Janeiro,
n.
33,
2004.
Disponível
em:
http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2214/1353
GOMES, Roberto. Crítica da Razão Tupiniquim. Curitiba: Criar edições. 2008
HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do "popular". In: Da diáspora identidades e mediações. Belo Horizonte: EdUFMG, 2003.
HECH, Marina de Camargo. Comer como atividade de lazer. Revista Estudos
Históricos, Vol. 1, No 33, 2004.
HOLANDA, Sergio Buarque. Caminhos e Fronteiras. São Paulo, Companhia das
Letras, 2005.
HORTA, Nina. Não é sopa: crônicas e receitas de comida. São Paulo, Companhia
das Letras, 2005.
JAPUR, Jamile. Cozinha tradicional paulista. São Paulo: Folc-Promoções, 1963.
133
KELLNER, Douglas. A Cultura da Mídia. Tradução de Ivone Castilho Benedetti.
Bauru/SP: Edusc, 2001.
________________. ―Cultura da mídia e triunfo do espetáculo‖. In: DE MORAES,
Denis (org.). Sociedade midiatizada. Rio de Janeiro: Mauad, 2006, pp. 119-147.
LOURENÇO, Eduardo. Mitologia da saudade. São Paulo: Companhia das Letras,
1999.
MARCOVITCH, Jacques. Pioneiros e empreendedores: a saga do desenvolvimento
no Brasil. São Paulo: Edusp, 2005.
MARANHÃO, Ricardo (editor). Boletim Histórico. São Paulo: Gráfica da Eletropaulo,
1985.
MARINS, Paulo César Garcez. A vida cotidiana entre os paulistas: moradia,
alimentação, indumentária. In: MATOS, Carlos Eduardo Silveira (org). Modo de vida
dos paulistas: identidades, famílias e espaços domésticos. Coleção Terra paulista:
história, arte, costumes. São Paulo v.2 (3): Imprensa Oficial do Estado de São Paulo,
2004. (p. 131 a 287).
MELLO, José Manuel Cardoso. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In:
SCHWARCZ, Lilia Moritz (org). História da vida privada no Brasil. São Paulo v.4 (4):
Compahia das Letras, 1998
MONTANARI, Massimo (org). O mundo na cozinha: história, identidade, trocas.
Tradução Valéria Pereira da Silva. São Paulo: Estação Liberdade: Senac, 2009.
MOURA, Soraya (org.). Memorial do imigrante: a imigração no Estado de São Paulo.
São Paulo: Imprensa Oficial, 2008.
OLIVEIRA, Cintia. Luz, câmara, fogão! Revista Go Where Gastronomia. Número 43,
2011.
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira. 5ª edição. São Paulo: Brasiliense,
2006.
134
PEREIRA, Mateus H. F. A trajetória da Abril Cultural (1968-1982) Em Questão, Porto
Alegre, v. 11, n. 2, p. 239-258, jul./dez. 2005.
PERNIOLA, Mario. Do sentir. Tradução de Antonio Guerreiro. Lisboa: Editorial
presença, 1993.
PODANOVSKI, João. São Paulo: Capital gastronômica. São Paulo: SHRBS, 1988.
PIRES, Cornélio. Conversa ao pé-do-fogo. Itu/SP: Ottoni Editora, 2002.
POULAIN, Jean-Pierre. Sociologias da alimentação: os comedores e o espaço social
alimentar. Tradução de Rossana Pacheco da Costa Proença, Carmem Sivia Rial, et
al. Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2004.
RIBEIRO, Ana Paula Goulart; SACRAMENTO, Igor e ROXO, Marcos. História da
televisão no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2010.
ROJEK, Chris. Celebridade e Celetóides. In: Celebridade. Rio de Janeiro: Rocco,
2008. (p. 11 a 55).
RUHLMAN, Michael. Elementos da culinária de A a Z: técnicas, ingredientes e
utensílios. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
SAINT-HILAIRE, Auguste de. Viagem à província de São Paulo. Trad. Regina Regis
Junqueira. Belo Horizonte: Editora Itatiaia; São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1976.
SARTORI, Giovanni. Homo videns: Televisão e pós-pensamento. Tradução de
Antonio Angonese. Bauru/SP: Edusc, 2001.
SAVARIN, Brillat. A fisiologia do gosto. Tradução de Paulo Neves. São Paulo:
Companhia das Letras, 1995.
SENNETT, Richard. A cultura do novo capitalismo. Tradução de Clóvis Marques.
Rio de Janeiro: Editora Record Ltda, 2006.
SETUBAL, Maria Alice. Vivências Caipiras: pluralidade cultural e diferentes
temporalidades na terra paulista. São Paulo: Imprensa Oficial, 2005.
135
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu extático na metrópole: São Paulo sociedade e cultura
nos frementes anos 20. São Paulo: Editora Schwarcz Ltda, 2009.
SILVA, João Luiz Máximo da. Cozinha Modelo: O Impacto do Gás e da Eletricidade
na Casa paulistana (1870-1930). São Paulo: Edusp, 2008.
SILVA, Paula Pinto e. Farinha, feijão e carne seca: um tripé culinário no Brasil
colonial. São Paulo: Ed. Senac São Paulo, 2005.
STAM, Robert. Introdução à teoria do cinema. Campinas: Papirus, 2003.
SIMMEL, Georg. Questões fundamentais da Sociologia. Trad. De Pedro Caldas. Rio
de janeiro: Jorge Zahar Ed, 2006.
STRONG, Roy C. Banquete: uma história ilustrada da culinária dos costumes e da
fartura à mesa. Tradução Sergio Goes de Paula e Viviane de Lamare. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2004.
THIS, Hervé; MONCHICOURT, Marie-Odile. Herança Culinária e as bases da
gastronomia molecular. São Paulo: Editora Senac São Paulo, 2009.
TOYNBEE,
Polly.
Quem
tem
medo
da
cultura
global?
In:
GIDDENS,
Anthony e HUTTON, Will (org). Trad. Maria Beatriz de Medina. No limite da
racionalidade: convivendo com o capitalismo global. Rio de Janeiro: Record, 2004.
(p. 269 a 298).
WEBER-LAMBERDIÈRE, Manfred. As revoluções de Ferran Adriá: o chef de
cozinha que transformou a culinária em arte. Trad. Luciane Ferreira. Porto
alegre/RS: L&PM Editores, 2008.
WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Da escravidão à liberdade: dimensões de
uma privacidade possível. In: SEVCENKO, Nicolau (org). História da vida privada no
Brasil. São Paulo v.3 (4): Companhia das Letras, 1998.
Webgrafia:
http://www.portaldoluxo.com.br/noticia_historia_fasano_1.php
Acesso em 30/07/2010.
136
http://www.associacaopaulistaviva.org.br/aavenida_historia.asp
Acesso em 30/07/2010.
VEIGA, Aida. Tempero e glamour: Não basta cozinhar. Chef de sucesso agora
aparece na TV, dá aulas e provoca suspiros. Revista Veja, edição 1682, São Paulo,
2001. http://veja.abril.com.br/100101/p_066.html
Acesso em 15/08/2011
Filmes e documentários
Gaijin
Título no Brasil: Gaijin, Os Caminhos da Liberdade
Título Original: Gaijin, Os Caminhos da Liberdade
País de Origem: Brasil
Gênero: Drama
Tempo de Duração: 112 minutos
Ano de Lançamento: 1980
Direção: Tizuka Yamasaki
São Paulo: Sinfonia da metrópole
Titulo: São Paulo a Symphonia da Metrópole
Gênero: documentário
Tempo de Duração: 90 minutos
Ano de Lançamento (Brasil): 1929
Direção: Rodolfo Lustig e Adalberto Kemeny
Minissérie Um Só Coração
Título; Um só coração
TV Globo
Ano de lançamento 2004
Autor: Maria Adelaide Amaral e
137
Alcides Nogueira
Direção: Carlos Araújo
Um homem de moral
Diretor: Ricardo Dias
Duração: 84 min.
Ano: 2008
País: Brasil
Gênero: Documentário
São Paulo Sociedade Anônima
Duração: 107 min
Ano: 1965
Cidade: São Paulo
Gênero: Ficção
O caldeirão Antropofágico – Série Mesa Brasileira
Direção: Ricardo Miranda
Duração: 55 minutos
Idioma: Português
Gênero: Documentário
Ano de Produção: 2002
Brasil caipira – Série O Povo Brasileiro
Direção: Isa Grinspum Ferraz
Duração: 26 minutos
Idioma: Português
Gênero: Documentário
Ano de produção: 2000
138
ANEXOS
GLOSSÁRIO
A cuisine – refere-se ao padrão francês de cozinha
American way life – modelo de vida americano
Bananes flambées – bananas flambadas
Bavaroises de fruta – a bavarese é uma sobremesa gelada leve, porém,
ligeiramente mais densa que o mousse
Cassoulettes - uma espécie de feijoada francesa feita com feijão branco, carnes
diversas salgadas e embutidos
Cuisine bourgeoise – cozinha burguesa
Cuisine française – cozinha francesa
Filet de sole - filé de linguado
Gueridon – mesa de apoio para o serviço de restaurante
Haute cuisine – alta cozinha
Junk food – comida pouco saudável
Le grand siècle – o século XVII é chamado de grande século devido ao
desenvolvimento e progresso da França durante esse período, inclusive, da cozinha
francesa
Magasin de bouche – boutique de carnes
Maitre – responsável pelo serviço de pratos e bebidas, e chefe da equipe de
garçons
Manuel des amphitryons – Manual dos anfitriões
Molho bechamel - molho branco
Nouvelle cuisine – movimento de chefs franceses que tentou modernizar a cozinha,
durante os anos 1970
Peru à brasilienne - peru à brasileira
Pottages - sopas
Reynière –Grimond de La Reynière - critico gastronômico francês, inventor da
literatura gastronômica, dos guias e dos signos de qualidade.
Sabaione - creme delicado composto por gemas, açúcar e uma bebida alcoólica
Savarin- tum tipo de pão doce mais leve servido como sobremesa com frutas e
chantilly
Savoir faire – conhecimento, a mesma coisa que know how
Traiteurs – delicatessen
Download

Os processos de midiatização da cozinha paulista