Richard Ho Lung, o "Padre reggae" e os seus missionários Foi menino pobre, emigrante e budista: fundou uma ordem católica que hoje assiste pobres em 8 países O padre Richard Ho Lung numa das suas representações musicais... Dão esperança, diz, e fundos para os pobres Actualizado 4 de Junho de 2014 Pablo J. Ginés/ReL Com os seus 74 anos, o padre Richard Ho Lung, jamaicano de origem chinesa, mantém uma saúde e actividade invejável, mas pela sua idade acaba de renunciar à direcção da congregação que ele fundou em 1981. Nesse tempo eram apenas 4 companheiros servindo os pobres de Kingston, Jamaica. Hoje são 550 religiosos consagrados a assistir os mais necessitados em 8 países que são a geografia da pobreza: Jamaica, Haiti, Uganda, Quénia, Índia, Filipinas, Indonésia e Estados Unidos. O padre Richard é uma mistura única de chinês e caribenho, de jesuíta e franciscano, de intelectual e activista, de conservador e renovador, de criança e de ancião. De alguma maneira encarna essa dimensão jesuíta-franciscana que procura os pobres nas periferias e sempre com alegria, tanto do estilo do Papa Francisco… mas desde há 30 anos. Menino pobre em família emigrante O padre Richard Ho Lung, fundador dos Missionários dos Pobres, sempre próximo da música Foi um menino pobre, e o seu pai, um emigrante chinês na Jamaica, nascido em Macau, ensinou-o a respeitar os pobres e pediu-lhe que nunca os esquecesse. Richard recorda uma noite da sua infância em que só tinham para cear uma tacinha de arroz a partilhar entre quatro, que passava de mão em mão. Recorda também os dias sempre ensolarados, quase sem roupa, sempre sem sapatos, de ir descalço ao colégio das irmãs franciscanas. A sua era uma família de emigrantes chineses, pobres e budistas, na caribenha Jamaica. A sua mãe era 23 anos mais jovem que o seu pai e tinham-se casado num matrimónio acordado pelos avôs. Ela deu à luz o seu primeiro filho, a pequena Loretta, sendo só uma rapariguita de 16 anos, e a Richard com 18 anos, em Setembro de 1939. O matrimónio de Seang Ho Lung Quee e Seang Cheng Shue Cheng (Willi e Janet para todos os não-chineses) sobrevivia com um pequeno negócio de verduras. Espiritualidade de gratidão e procura De alguma maneira, houve um passo natural da religiosidade budista à franciscana enquadrada na exuberante natureza jamaicana. Richard sempre louvou a espiritualidade de gratidão, de procura e de amor à Criação que recebeu da sua jovem mãe. Ela levava-os ao rio, fazia-os sentar junto à água, e escutar em silêncio. Fazialhes perguntas para que as crianças meditassem. Fazia-os deitar-se para sentir a terra… E com a terra as sementes, os frutos, as plantas, a vida… “O mistério da água e a terra eram parte da nossa educação, mamã amava a natureza e sempre estávamos dando graças”, explica o padre Richard. A natureza leva a dar graças, e isso leva a perguntar-se: graças, a Quem? “O budismo ensinou-nos a não desejar nada que não tenhamos. Aprendemos a meditar e procurar a iluminação. O budismo converte-te num buscador e assim, de muitas formas, leva-te ao cristianismo de forma maravilhosa”, acrescenta Richard. Monjas amáveis e musicais As crianças começaram a ir à baratíssima escola das irmãs franciscanas em Kingston. “A irmã Elizabeth e a irmã Regina eram monjas muito amáveis. Sabiam manter-nos contentes na escola. A irmã Elizabeth tocava o piano Uma cena habitual no centro próvida dos e cantava connosco. Ensinava-nos jogos e Missionários dos Pobres em Kingston introduzia-nos à devoção por Maria. Obrigavanos a falar em inglês como o resto das crianças, e punha-se muito séria com as matemáticas. Sempre senti o seu amor e protecção. Assim apresentou-nos a Cristo, o compassivo, que amava os pobres e fazia milagres curando as pessoas. Poucos anos depois fomos baptizados, confirmados e recebemos a comunhão em cerimónias preciosas e emotivas, com velas, flores, roupas brancas especiais e lanches e festas bem organizadas”, recorda. Era 1949 quando ele, com 10 anos, a sua irmã de 12 e a sua mãe, com 28, se faziam católicos. O seu pai não daria o passo ao baptismo até 1969, já com 71 anos, cinco anos antes de morrer. Vocação jesuíta... E chamado aos pobres A educação média iniciou-a com os jesuítas… E aos 15 anos sentiu a vocação. Professou os votos jesuítas com 20 anos, e estudou no seminário jesuíta de Boston nos EUA para ser sacerdote. Foi ordenado em 1971, com 32 anos, com títulos em filosofia, teologia e literatura inglesa. O jovem Richard Ho Lung à sua entrada no seminário dos jesuítas De volta à Jamaica, passou 8 anos como vigário na paróquia de Santo Tomás de Aquino, em Papine. E ali sentiu um chamado especial, um despertar diferente. Ele, menino pobre, levava agora muitos anos de estudante, pastor adulto, intelectual… Mas sentia que pregava aos pobres e sobre os pobres mas não lhes servia de nada. “Senti que tudo o que tinha feito até então tinha sido um pouco hipócrita. Tinha estado pregando a Palavra de Deus mas não a tinha estado vivendo de verdade”. Contemplou a pobreza desesperada de tantas pessoas em Kingston e seus arredores e sentiu que Deus o chamava a responder. Em 1980 tomou a difícil decisão de deixar os jesuítas que tanto amava e começou uma comunidade de homens dedicada a viver juntos e servir os mais necessitados. Tinha 3 companheiros e dois projectos iniciais: assistir pessoas enfermas sem lar acolhidas em centros públicos e trabalhar na reabilitação de presos. Quer dizer, por humanidade e amor de Deus onde já tinha algumas estruturas. E assim nasceram os “irmãos dos pobres” que logo se converteriam nos actuais Missionários dos Pobres (www.missionariesofthepoor.org), com uma primeira aprovação diocesana em 1981. Música, serviço, dar família a quem não tem Pela sua própria experiência na sua infância, na sua família e com as suas monjas, o padre Richard sabia que se pode ser pobre e feliz, e que se pode sair da pobreza com educação. O carisma da congregação é o fundacional e está bem estabelecido: sacerdotes e religiosos que vivem juntos e partilham tudo para servir aos mais pobres; e fazêlo juntando os pobres e sem tecto, trazendo-lhes uma família ou espírito de família, e dando-lhes relações com o resto da sociedade. Se se consegue o “espírito de família”, a pobreza vence-se e supera-se. Um elemento chave na sua visão foi sempre a música, tão ligada à alegria e à amabilidade que viveu com as franciscanas. Começou a compor canções e a editar discos, que logo se venderam por todas as Caraíbas e um pouco mais além. Chamaram-lhe “o padre reggae”, e o certo é que podia cantar e compor canções de estilo popular, de rua, em gíria jamaicana, porque tinha voltado aos bairros, às pessoas, à sua linguagem e anseios, e compreendia-os. Alimentar a alma com esperança Mais à frente, ao crescer os Missionários dos Pobres, as suas canções desembocaram em musicais populares, uma forma de evangelizar, de implicar os pobres, de chegar às pessoas… E com o tempo, inclusive, de arrecadar fundos. Hoje os seus musicais evangelizadores, com coros, encenam-se em países ricos e ajudam a financiar as obras com os pobres. Com mais de 20 musicais escritos e representados (“Actos dos Apóstolos”, “Jesus 2000”, “Velas na noite”, “A Pedra”, “O Messias”…) tem um amplo repertório para escolher. Agora, ao retirar-se da direcção, continuará trabalhando na música e na formação dos noviços e religiosos, que chegam já de 13 países diferentes. “A música e as representações são comida para a alma, desperta nas pessoas um espírito de esperança e prazer”, insiste Richard Ho Lung, que olha ao seu redor e vê como frutifica uma obra de 30 anos que nasceu muito antes, nas suas experiências de família pobríssima mas agradecida, no acolhimento carinhoso e musical de umas monjas, no destilar de uma vida para Deus. in