PESQUISA: PAÍSES QUE MAIS POLUEM O AR SÃO OS COM MENOR
PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE O TEMA
Artigo sobre o estudo foi publicado na Nature Reviews Cancer por pesquisadores
da USP
Karina Toledo, de Caxambu, Agência Fapesp, 7 de setembro de 2013
Em um artigo publicado em agosto na revista Nature Reviews Cancer, pesquisadores da
Universidade de São Paulo (USP) apresentam um mapa da poluição atmosférica no
mundo e mostram que os países com piores índices de qualidade do ar são justamente
aqueles com menor produção científica sobre o tema.
Na avaliação de Lais Fajersztajn, autora principal da pesquisa realizada com apoio da
FAPESP, os resultados indicam que a ciência é uma ferramenta importante para mudar
esse cenário e precisa ser fortalecida nos países em desenvolvimento por meio de
colaborações internacionais. “Quanto mais conhecimento houver e melhor ele for
divulgado, mais chances teremos de lidar com o problema”, disse.
Para fazer a comparação, os pesquisadores cruzaram os dados sobre densidade
populacional e poluição atmosférica disponíveis no site do Banco Mundial com a base
de dados Web of Science, índice de citações on-line mantido pela Thomson Reuters.
Enquanto países desenvolvidos como Estados Unidos, Canadá e a maior parte dos
europeus apresentaram os índices mais baixos de poluição (entre 5 e 20 microgramas de
material particulado inalável por metro cúbico de ar, μg/m3), as nações em
desenvolvimento – concentradas principalmente na América do Sul, norte da África e
regiões próximas à Índia e à China – ficaram nas faixas mais altas (entre 71 e 142
μg/m3). A recomendação da Organização Mundial da Saúde para este poluente são
valores abaixo de 20 μ/m3.
O mapa compara a densidade populacional de 2009 com a concentração média anual de
material particulado (PM10) em todo o mundo, com base em dados do Banco Mundial.
Crédito: Fajersztajn, L., et al. Nature Reviews Cancer13 674–678 (2013)
“Vale dizer que os dados ainda são subestimados, pois consideram regiões muito
grandes e diversas. O Brasil, por exemplo, está na mesma faixa dos Estados Unidos, que
é a mais baixa. Mas é uma média de todo o país, que tem lugares muito poluídos e
outros pouco poluídos”, afirmou Fajersztajn.
Já o levantamento na base da Web of Science mostrou que as pesquisas relacionadas ao
impacto da poluição do ar na saúde estão concentradas principalmente na América do
Norte e Europa, seguidas por China, Austrália, Brasil e Japão. É praticamente
inexistente na África, na Índia e nos demais países da América do Sul. Segundo os
autores, os países em desenvolvimento contribuíram com apenas 5% das pesquisas já
realizadas sobre o tema.
“Alguém poderia argumentar que alguns desses países são tão pobres e têm tantos
problemas que não teriam condições de produzir conhecimento científico sobre
qualquer assunto. Então, para comparar, buscamos também as pesquisas publicadas
sobre malária e sobre qualidade da água”, contou Fajersztajn.
Também nesses dois campos de estudo os Estados Unidos e a Europa se destacam, mas
os resultados mostram que 20% das pesquisas sobre qualidade da água e 70% dos
estudos sobre malária foram feitos nos países em desenvolvimento.
Paradoxalmente, ressaltam os pesquisadores no artigo, o número de mortes prematuras
causadas pela poluição atmosférica tende a superar o de mortes por malária e por falta
de saneamento básico nos próximos anos. Segundo estimativa da Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a exposição a poluentes vai se
tornar a principal causa ambiental de morte prematura até 2050.
“Ninguém é contra desenvolver uma vacina ou um novo medicamento contra malária,
mas buscar solução para reduzir a poluição envolve interesses econômicos e mudanças
de comportamento, como leis mais restritivas ao uso de carros. É um desafio muito
grande e, portanto, a ciência precisa ser fortalecida nos países em desenvolvimento”,
disse Fajersztajn.
Os mapas indicam a distribuição de material particulado (a), de artigos publicados sobre
poluição atmosférica (b), artigos publicados sobre qualidade da água (c) e artigos
publicados sobre malária (d). Os dados de produção científica são da base de dados
Web of Science, entre março de 1983 e março de 2013. Crédito: Fajersztajn, L., et al.
Nature Reviews Cancer13 674–678 (2013)
Câncer de pulmão
Há evidências científicas que relacionam exposição à poluição a elevação no risco de
doenças cardiovasculares, problemas respiratórios e vários tipos de câncer. No artigo
divulgado na Nature Reviews Cancer, os pesquisadores da USP reuniram os principais
estudos que mostram como poluentes aumentam o risco de câncer de pulmão.
O trabalho mais recente, publicado este ano no The Lancet Oncology, reúne dados de
mais de 300 mil indivíduos em nove países. Os resultados indicam que, no grupo
exposto à poluição, o risco de câncer se eleva em 50% a cada 10µg/m3 de material
particulado fino inalado, quando o adenocarcinoma de pulmão é considerado
isoladamente.
“O câncer de pulmão é um dos mais letais e a prevenção tem se mostrado a melhor
abordagem para a doença. No artigo, ressaltamos que a poluição do ar é um fator de
risco para o câncer de pulmão passível de ser prevenido, assim como o tabaco”, disse
Fajersztajn.
Embora o risco causado pela poluição não seja tão alto quando comparado ao tabaco
(que chega a elevar em 30 vezes a probabilidade de desenvolver a doença), ainda assim
é um problema de saúde pública importante, ressaltou a pesquisadora, pois toda a
população está em certa medida exposta.
De acordo com Paulo Saldiva, pesquisador do Laboratório de Poluição Atmosférica
Experimental da Faculdade de Medicina da USP e orientador de Fajersztajn, o mapa da
poluição mostra que as regiões com pior qualidade do ar são também as mais
densamente povoadas. “Isso significa que há muita gente exposta a níveis altíssimos de
poluição, o que está totalmente relacionado ao aumento do risco de câncer”, disse.
Para Saldiva, o mapa mostra também que os benefícios da urbanização estão
distribuídos de forma altamente desigual no mundo. Esse fenômeno, que ele chama de
“racismo ambiental”, tem grandes impactos sobre a saúde da população de países em
desenvolvimento.
“Medidas de política pública são a única forma de proteger a população. É a vacina
moderna. Não tem nada que os indivíduos possam fazer de forma isolada”, disse.
Aos cientistas, acrescentou Saldiva, cabe não apenas a missão de produzir o
conhecimento sobre os riscos dos poluentes como também o de traduzir essas
informações para o público leigo e ajudar na conscientização.
“Um exemplo é o caso do bisfenol A (tóxico presente em alguns tipos de plástico
suspeito de causar problemas como câncer, diabetes e infertilidade). Bastou avisar as
mães sobre os riscos dessa substância que o próprio mercado tratou de banir as
mamadeiras com bisfenol. Não foi preciso esperar uma lei”, afirmou.
Saldiva – que coordena o Instituto Nacional de Análise Integrada do Risco Ambiental,
um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCT) financiados pela FAPESP
e pelo CNPq no Estado de São Paulo – apresentou os resultados da pesquisa durante a
28ª Reunião Anual da Federação de Sociedades de Biologia experimental (Fesbe),
realizada entre os dias 21 e 24 de agosto em Caxambu, Minas Gerais. A pesquisa contou
também com a colaboração das pesquisadoras Mariana Veras, da FMUSP, e Ligia
Vizeu Barrozo, da Geografia da USP.
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