O ECO – UM JORNAL QUE AINDA CONVERSA COM O LEITOR
Jefferson José Ribeiro de Moura
Mestre em Lingüística Aplicada – UNITAU
[email protected]
João Rangel Marcelo
Mestrando PROLAM/USP- UNITAU
[email protected]
PALAVRAS-CHAVE
Jornalismo – linguagem – projeto editorial - público
O sistema modular de diagramação é considerado o mais eficiente para os grandes
jornais diários. Os jornais menores e até mesmo os semanais copiam o modelo mesmo
sem entender o processo. Nosso interesse é analisar a longevidade editorial de um jornal
pequeno, por meio de suas características, não alinhadas com o sistema modular.
Fizemos, então, uma análise do jornal semanal “O ECO”, sob o ponto de vista de seu
relacionamento com o público leitor (assinantes) e seu projeto editorial. O jornal circula,
em Guaratinguetá, há mais de 70 anos, com poucas mudanças gráficas e editoriais.
Nossa análise foi qualitativa, por meio da observação de sete exemplares consecutivos,
buscando identificar como o jornal conversa com seu leitor, propondo uma visão mais
crítica sobre a manutenção da identidade, sem copiar o padrão dos jornais de circulação
nacional.
JEFFERSON JOSÉ RIBEIRO DE MOURA*
JOÃO RANGEL MARCELO**
“O ECO”: UM JORNAL
QUE AINDA CONVERSA COM O LEITOR
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Taubaté
2004
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar o jornal semanal “O ECO”, fundado em 1927
na cidade de Guaratinguetá, sob o ponto de vista de seu relacionamento com o público
leitor, principalmente os assinantes.
A escolha do jornal se deve ao fato dele circular há mais de 70 anos ininterruptamente,
com poucas mudanças gráficas e editoriais.
Não é nossa intenção classificá-lo como bom ou ruim, ou mesmo compará-lo com outros
jornais regionais. Nosso interesse é analisar a longevidade editorial desse veículo, por meio
de características específicas encontradas em suas páginas.
Nossa análise pretende ser qualitativa através da observação de sete exemplares
consecutivos, de 02 de setembro a 27 de outubro de 2000, buscando identificar a forma
com que o jornal conversa com seu leitor.
Esse trabalho não pretende esgotar o assunto em questão, mas sim propor uma visão
mais crítica sobre como os veículos locais podem manter sua identidade sem seguir o
padrão dos jornais de circulação nacional.
...conforme escreve P. Bange, (1983), um ato de linguagem não é apenas um ato de
dizer e de querer dizer, mas, sobretudo, essencialmente um ato social pelo qual os
membros de uma comunidade “inter-agem” (Koch, 1998, p. 66).
O PROCESSO DE PADRONIZAÇÃO ESTÉTICA
A partir da década de 60, com a implantação da pré-paginação no Jornal do Brasil, do
Rio de Janeiro, o planejamento e a padronização da estética do jornal passaram a ser uma
ferramenta importante no cumprimento dos prazos de fechamento e agilização do processo
de edição e diagramação. Com a confirmação técnica da praticidade deste processo, os
grandes jornais passaram a adotar o mesmo procedimento.
No final da década de 80, com a criação do sistema modular implantado pela Folha de
São Paulo, o processo de padronização estética tornou-se uma necessidade em todas as
redações, por causa da agilização do fechamento e praticidade da diagramação.
Esse sistema se mostra muito eficiente para jornais de grande circulação e periodicidade
diária. No entanto, mesmo os jornais menores e até os semanais passaram a copiar o
modelo, muitas vezes sem aderir ao processo de forma ampla, ou seja, apresentavam uma
primeira página com a cara dos grandes jornais, mas editorada no antigo processo de ordem
de chegada de matérias. Isso cria uma contradição entre o processo de edição modular e a
preocupação com a apresentação gráfica. No processo modular, o ponto de partida é o
planejamento das matérias, que vão determinar como será feita a distribuição nos módulos.
Nos jornais pequenos, muitas vezes, o que se constata é que não existe um planejamento
prévio das matérias, mas sim a simples preocupação em preencher os espaços das páginas.
Os pequenos jornais buscam alcançar a credibilidade e o respeito dos grandes jornais,
copiando a forma, como meio de se equipararem aos mesmos e conseguirem do leitor a
mesma identificação.
Até aqui, qualquer leitor de jornal, mesmo que não se tenha detido nessas minúcias de
organização, de estratégico arranjo de fatos, há de concordar que é exatamente dessa
forma que quer o jornal e que escolheu um dos vários existentes em função do tratamento
merecido pelos assuntos. (Brait, 1991).
Fundado em 1927, o jornal “O ECO” mantém até hoje algumas características que o
diferenciam de outros veículos da região e da cidade. Em suas páginas encontramos colunas
e seções que resistem ao longo dos anos e que, em outros veículos, caíram em desuso em
função dessa modernização estética.
Entre as particularidades que podemos destacar no jornal estão: o projeto gráfico, que
permanece praticamente inalterado, a coluna de aniversários, o editorial em primeira
página, poesias enviadas pelos leitores e comunicados de instituições civis, religiosas e
militares da cidade. Essas particularidades, que em primeira análise sugerem uma “falta de
padronização”, na verdade refletem uma “falta de preocupação” do jornal em seguir um
padrão ditado pelos veículos que hoje circulam no mercado.
Em uma análise ingênua, “O ECO” seria um jornal anacrônico, mal feito e amador,
portanto, fadado a um fracasso editorial. Mas, será que uma longevidade de 73 anos, de
ininterruptas edições semanais, com público de 30% de assinantes, dentro de uma tiragem
de 1.000 exemplares, corresponde a um fracasso? Ou será que esses números significariam
um mero acaso editorial?
O jornalista e o leitor (...) fazem parte de um mesmo bolo social; são em última análise
a mesma coisa. É por esta razão que não se pode dizer que a imprensa de determinado
país ou região é ruim ou boa. Ela é u m reflexo e um segmento da própria sociedade a que
serve. (Dines, 1974).
A DITADURA DA FORMA
Seguindo o modelo estabelecido pelos grandes jornais convencionou-se que o jornal
para ser “jornal” tem que seguir uma estética padrão e tudo que está fora disso é antigo e
ultrapassado. Porém, esse padrão não reflete exatamente o único modo certo de fazer, mas
sim um dos modos mais utilizados e conhecidos de como fazer. Padrão não pressupõe, ou
pelo menos não deveria pressupor, uma verdade absoluta e sim a possibilidade de optar por
um modelo mais adequado à necessidade de cada veículo.
Ou seja, um jornal para ser entendido como tal não precisa copiar os modelos da “Folha
de São Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo”, “Correio Braziliense”, etc. Ele pode
optar por manter uma estética própria desde que haja uma reciprocidade com o leitor. O
jornal não está obrigado a parecer com seus concorrentes ou semelhantes e nem se impor
pela extremada preocupação com a informação imparcial e impessoal. O jornal não é feito
para somente jornalistas lerem (Dines, 1977). O jornal é um ato social de interação (Bange,
1983 apud Koch 1998) com o público leitor, e, portanto, uma via de duas mãos, onde a
construção do sentido é múltipla e imprevisível.
CONVERSANDO COM O LEITOR
O jornal “O ECO”, apesar de seu pressuposto anacronismo, mantém seções que
explicitam uma relação mais íntima com o seu leitor, mesmo “contrariando o padrão” de
informações isentas e imparciais, destituídas de um caráter pessoal, e comentários
alicerçados por nomes e personalidades de repercussão nacional, portanto distantes do
grande público.
Desde sua fundação, “O ECO” apresenta o editorial, ás vezes escrito por colaboradores,
em primeira página, propondo, já na abertura, uma conversa com o leitor:
“Está chegando o grande momento, decisivo, importante da nossa história política, da
história política brasileira, paulista e guaratinguetaense (sic)”.(23 de setembro de 2000).
“(...) recebendo apoio dos munícipes que retribuíram o trabalho do prefeito ao longo
dos 4 anos de mandato, fazendo crescer a cidade (...) Tanto é que foi reeleito.” (07 de
outubro de 2000).
“Também muito se deve aos membros da Irmandade de Frei Galvão e aos devotos que
acreditam e procuram divulgar a causa do bem-aventurado Frei Galvão para todo o
Brasil.” (Colaboração de Vicente da Silva Santos, presidente da Irmandade de Frei
Galvão em 21 de outubro de 2000)
A tradicional coluna de aniversários representa uma ligação estreita com público do
jornal, já que as maiorias dos nomes que aparecem nas edições são de assinantes e seus
familiares. Este tipo de relacionamento não é costumeiro em jornais distantes e impessoais.
No entanto, “O ECO”, segundo Eliana Perrenoud, secretária do jornal, não abre mão da
publicação dessa coluna.
Outro ponto de relacionamento explícito com o leitor é a publicação periódica de
poemas e poesias enviados por leitores. O mais próximo disso que se vê nos jornais de
circulação nacional é a “coluna dos leitores” (uma tentativa de interação com os leitores),
onde se publicam cartas enviadas à redação, mas que têm um espaço reduzido em relação
ao espaço total do jornal.
A primeira vista, pode parecer que “O ECO” tem como material editorial uma grande
carga de “releases” e matérias pagas enviadas por assessorias de instituições. No entanto,
uma leitura mais atenta revela que o que se publica, na verdade, são comunicados de
instituições civis, religiosas e militares de relevância para a sociedade. O jornal deixa claro
o caráter de comunicado, diferenciando esses assuntos das notícias e material de
publicidade.
Por último, em nossa análise, destacamos a coluna “Eco nos Esportes”, onde
encontramos ‘Ponto de Vista’ e ‘Bola na Rede’. As duas seções, escritas pelo jornalista
Carlos Marcondes , apresentam texto informal, analisando a situação dos esportes n a
cidade, principalmente do futebol, deixando transparecer suas opiniões e posicionamento
em relação ao assunto abordado:
“Jorge Augusto Macedo de Azevedo, continua na sua trilha de grandes conquistas e
nadando como um raio”. (21 de outubro de 2000).
“Temos que dar um apoio ao Ronaldo Moraes em que pese ver o seu time de juniores
cair rapidamente na segunda fase dos juniores”. (23 de Setembro de 2000).
ENCERRANDO A CONVERSA...
A conclusão a que chegamos ao analisarmos o processo de editoração do jornal “O
ECO”, é que ele ao invés de ser anacrônico apresenta uma alternativa de leitura para um
público que também procura informações que não estão nos grandes jornais, mas que fazem
parte do cotidiano das pessoas da cidade.
Em um universo globalizado, de rapidez de informações vindas de todas as partes do
mundo, parece importante para esse leitor manter uma conversa mais próxima, menos
impessoal.
Ao apresentar claramente, sem o subterfúgio da informação isenta, opiniões suas e de
seus colaboradores, “O ECO” permite uma construção de sentido mais ampla, já que
despido da ‘aura’ de imparcialidade e objetividade, deixa espaço para discussão entre suas
idéias e a do leitor. É um jornal que parece conversar com seu público e não simplesmente
oferecer informações sem abrir espaço para polêmicas.
Nosso objetivo não é qualificar ou desqualificar quaisquer veículo impresso, desejamos
apenas propor uma análise crítica no que diz respeito à ditadura da padronização editorial
presente na imprensa brasileira. Nesse sentido, a qualificação de “O ECO”, deve ser feita
por seus leitores, em última instância, responsáveis pela continuidade ou não do modelo
adotado pelo jornal.
Numa época em que se discute os efeitos da ‘agenda setting’, “O ECO” representaria
uma válvula de escape, com sua coluna de aniversários, poesias, opinião dos leitores,
expressa em artigos, e uma primeira página que em nada lembra a vitrine noticiosa dos
grandes jornais de circulação nacional.
Na verdade, a conversa nunca se encerra...
Mas a história também é capaz de produzir a imprevisibilidade. Assim, é ainda do
contexto histórico-social que deriva a pluralidade possível (...) das leituras. (Orlandi,
1988, p. 43).
BIBLIOGRAFIA
BRAIT, Beth. Texto jornalístico: modo de leitura. In Anais do XXXIX Seminário do
GEL. Franca, 1991.
DINES, Alberto. O papel do jornal. Rio de janeiro, Artenova, 1977.
KOCH, Ingedore Villaça. A inter-ação pela linguagem. São Paulo, Contexto, 1998.
MARTINS, E. Manual de redação e estilo. São Paulo: Maltese, 1992.
MELO, J.M. História do pensamento comunicacional. São Paulo: Paulus, 2003.
ORLANDI, E. P. Discurso e leitura. São Paulo, Cortês, 1988.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho científico. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo:
Cortez, 2002.
SILVA, R. S. Diagramação – o planejamento visual gráfico na comunicação impressa. 5ª
ed. São Paulo: Summus Editorial, 1985.
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