VERA LÚCIA GUIMARAES REZENDE
INDEPENDÊNCIA 1290 AM,
“A RÁDIO ECLÉTICA DA CIDADE”
Estudo sobre a existência da Rádio Independência de São José
do Rio Preto, sua importância e influência midiática no período
de 1962 a 1995
Dissertação apresentada ao curso de Pós
Graduação em Comunicação e Cultura da
Universidade de Marília – São Paulo, como
requisito para obtenção do grau de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Romildo Sant’Anna.
UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - SP
2005
2
À memória do meu pai, Arnaldo, que gostava
tanto de ouvir rádio e que certamente teria
gostado de conhecer a história da
Independência AM.
Ao Paulo, meu marido muito querido, meu
companheiro, pelo apoio,
paciência e incentivo.
Aos meus filhos, Maria Paula e Gabriel, por
compreenderem a minha
dedicação a este trabalho.
Amo vocês.
3
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho dependeu da ajuda de muitas pessoas. Agradeço a todos que
de alguma forma contribuíram para que ele se concretizasse, mas em especial:
• Ao professor doutor Romildo Sant’Anna, pela orientação segura, pela atenção e
gentileza e por acreditar na viabilidade desta pesquisa.
• Ao professor doutor Antonio Manoel dos Santos Silva, que nos brindou com
maravilhosas aulas não só de conteúdo acadêmico, mas também de inteligência e
sabedoria.
• Ao meu marido Paulo, por estar sempre disposto a me ajudar com seu
conhecimento.
• À escritora Dinorath do Vale, por me receber em sua casa e dividir comigo sua
vivência na Rádio Independência.
• Ao Sr. Alexandre Macedo, por abrir suas memórias tão generosamente.
•
Ao comentarista Mário Luís, pela precisão de suas informações e pela disposição
em ajudar na checagem de dados.
• Ao comunicador Roberto Toledo, por ceder tão gentilmente sua voz para a
recriação de A Crônica do Dia.
• Às funcionárias da Hemeroteca “Dario de Jesus” da Casa de Cultura Dinorath do
Valle, sempre dispostas a buscar as edições de jornais de que eu precisava.
• À minha mãe Irene, pelo seu apoio.
• À minha secretária, Gilmara Vieira da Silva, pelo cuidado e atenção aos meus
filhos, e por compreender minhas necessidades durante a realização deste
trabalho.
4
RESUMO
Vários fatores explicam as transformações que o mercado de rádio vem sofrendo:
diversidade de meios de comunicação; redução do faturamento das emissoras;
inadequação administrativa para enfrentar a concorrência; a conseqüente queda na
qualidade da programação por falta de investimento. O enfraquecimento do rádio, como
negócio empresarial, foi detectado por um segmento da sociedade que buscava a
expansão: as instituições religiosas. Diante da burocracia para obter concessões públicas,
algumas igrejas compraram emissoras tradicionalmente estabelecidas, caso da Rádio
Independência, de São José do Rio Preto, na região Noroeste do Estado de São Paulo.
Este trabalho conta a trajetória histórica da emissora, por meio de relatos daqueles que
nela atuaram. Na fase em que dominava o espaço midiático local, a Independência
acumulava audiência e prestígio. Era considerada patrimônio da cidade, tal a empatia dos
ouvintes com sua programação jornalística, desportiva, cultural e artística. As
dificuldades financeiras coincidiram com o avanço da televisão e das novas tecnologias
resultando na transferência da emissora para um grupo religioso. Mais do que criticar ou
lamentar, pretende-se garantir que a história da emissora não caia no esquecimento.
Palavras-Chave: Rádio; História; Igrejas; Mídia local; Sociedade.
ABSTRACT
Several factors explain the transformations that the radio market has been through:
diversity of the Medias; reduction of the profit of stations, management inadequacy to
face the competition; the consequent fall in the quality of programming due to the lack of
investments. The weakening of the radio, as an enterprise business, was detected by a
segment of the society that sought for expansion: the religious institutions. In face of
bureaucracy to obtain public concessions, some churches had bought traditionally
established stations, as the Radio Independência, of São José do Rio Preto, in the
Northwest region of the State of São Paulo. This study tells the history of that station, by
means of narratives from those who had worked there. During the period in which
Radio Independência dominated the local media space, it accumulated audience and
prestige. It was considered a patrimony of the city, such was the sympathy from the
listeners towards its journalistic, sporting, cultural and artistic programming. The
financial difficulties coincided with the advance of the television and the new
technologies resulting in the transference of the station to a religious group. Beyond
criticisms or mourning, this study intends to guarantee that the history of the station does
not fall in oblivion.
Key words: Radio; History; Churches; Local Media; Society
5
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Nº
ASSUNTO
Página
01
Festa de Natal da PRB-8 Rádio Rio Preto............................................................ 32
02
Adib Muanis no álbum Astros e Estrelas de nosso Rádio.................................... 33
03
Capa do álbum Astros e Estrelas de nosso Rádio................................................ 33
04
Arnaldo Colturato no álbum Astros e Estrelas de nosso Rádio............................ 33
05
Maria Lucia no álbum Astros e Estrelas de nosso Rádio...................................... 34
06
Maria Luzia no álbum Astros e Estrelas de nosso Rádio...................................... 34
07
César Muanis no álbum Astros e Estrelas de nosso Rádio................................... 34
08
Programa Clube da Cirandinha, da PRB-8 Rádio Rio Preto................................. 34
09
O seresteiro Osvaldo Marques. Álbum de Família................................................ 35
10
Zacharias F. do Valle no álbum Astros e Estrelas do nosso Rádio....................... 36
11
Assassinato de Zacharias F. do Valle. Reprodução do jornal A Notícia............... 37
12
Foto de Zacharias Fernandes do Valle. Reprodução jornal A Notícia.................. 37
13
Programa Momento Feminino, da PRB-8 Rádio Rio Preto................................... 39
14
Reprodução coluna Rádio e Discos, publicada p/ jornal A Notícia....................... 40
15
Inauguração do Auditório Raul Silva da PRB-8 Rádio Rio Preto.......................... 41
16
Cantora Adelaide Chiozzo c/ dirigentes da Casa de Móveis Puppin..................... 41
17
Miguel Leuzzi e o repórter Adib Muanis.............................................................. 42
18
Egydio Lofrano e Lisbino Pinto da Costa da Rádio Difusora................................ 43
19
Atrizes da Rádio Difusora. Reprodução foto do Diário da Região....................... 44
20
Deputado Federal Maurício Goulart. Reprodução jornal A Notícia....................... 50
21
Transmissores da Rádio Independência. Reprodução jornal A Notícia.................. 51
6
Nº
ASSUNTO
Página
22
Notícia visita do Presidente João Goulart. Reprodução jornal A Notícia............. 52
23
Pres João Goulart e publicitário Júlio Cosi. Reprodução de A Notícia................ 53
24
Anúncio de show da Rádio Independência. Reprodução de A Notícia................. 54
25
Amaury Jr. entrevista Miss Brasil. Reprodução de Diário da Região.................. 55
26
Roberto Souza no álbum Astros e Estrelas do nosso Rádio................................. 58
27
Roberto Toledo no estúdio da Independência. Arquivo pessoal........................... 61
28
Roberto Toledo autografando livros. Arquivo pessoal......................................... 62
29
Anúncio de cobertura desportiva. Rep. Correio da Araraquarense..................... 64
30
Os proprietários da Rádio Independência. Rep. revista fato.com..........................66
31
Notícia venda da Rádio Independência. Rep. jornal A Notícia.............................68
32
Notícia da venda da Rádio Independência. Rep Diário da Região...................... 69
33
Funcionários da Rádio Independência. Arquivo de Wilson Guilherme............... 81
34
Reprodução do suplemento impresso do programa Roda Viva........................... 82
35
Notícia da venda da rádio para igreja. Rep. jornal Diário da Região................... 87
36
Anúncio de cobertura desportiva da Independência. Rep. A Notícia................... 97
37
Anúncio de sorteio de ouvintes. Rep. Correio da Araraquarense....................... 98
38
Equipe de esportes da Rádio Independência. Arquivo de Mário Luís.................. 102
39
Anúncio cobertura desportiva. Reprodução do Diário da Região........................ 105
40
A Crônica do Dia. Reprodução do jornal A Notícia............................................. 116
41
Dinorath do Valle. Rep.de foto publicada pelo Diário da Região........................ 120
42
A Crônica do Dia. Reprodução do jornal Correio da Araraquarense.................. 122
Obs. As reproduções das fotos publicadas em jornais e revistas foram captadas pela autora com
câmera fotográfica digital. As fotografias cedidas pelos entrevistados foram reproduzidas
através de scanner.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.............................................................................................................
09
I - RÁDIO: HISTÓRIA DE LAÇOS DE AFETIVIDADE...........................................
19
II – AS PÍONEIRAS DA RADIODIFUSÃO RIO-PRETENSE...................................
30
II. 1 – PRB-8: O pioneirismo da Rádio Rio Preto...........................................
31
II. 2 – O trágico desaparecimento do Chico Belarmino...................................
36
II. 3 – Vozes Femininas...................................................................................
39
II. 4 – O Auditório Raul Silva.........................................................................
41
II. 5 – Na Difusora a atração eram as radionovelas.........................................
43
II. 6 – Rádio Cultura: Mais uma da Rede Piratininga......................................
46
III – INDEPENDÊNCIA 1290 AM: UM NOVO CONCEITO NO AR.......................
48
III. 1 – Coluna social, shows e boate: o marketing da Independência.............
53
III. 2 – A emissora eclética da cidade..............................................................
56
III. 2. 1 – O dono da noite......................................................................
58
III. 2.2 – Roberto Toledo entre amigos..................................................
59
III. 3 – Informação é com a Independência.....................................................
62
III. 4 – A seleção do rádio em campo..............................................................
63
III. 5 – De dono em dono, a Independência virou evangélica.........................
64
IV - VIVENDO A CIDADE ATRAVÉS DO JORNALISMO....................................
71
IV. 1 – O repórter Adib Muanis no comando do jornalismo..........................
73
IV. 2 – Renovando o noticiário radiofônico.................................. .................
75
IV. 3 – Anos 80: rádio se destaca na cobertura política e econômica..............
80
IV. 4 – Anos 90: tempos de terceirização................................ .......................
85
V – HORA FANTÁSTICA: SENSACIONALISMO E ENGAJAMENTO.....................
88
V.1 – Programa se renova com a redemocratização do país.............................
91
V.2 – A hora do olhar feminino.................................... ....................................
94
8
VI – SE O FUTEBOL TEM RESIDÊNCIA, ELE MORA NA INDEPENDÊNCIA....
96
VI. 1 – Rádio e Futebol: parceiros em evolução...............................................
98
VI. 2 – Independência presente em todos os campos.......................................
101
VII – A CRONICA DO DIA: DINORATH DO VALLE NAS ONDAS DO RÁDIO....
109
VII. 1 – Crônica: do jornal ao rádio....................... ..........................................
111
VII. 2 – A Crônica do Dia na Rádio Independência..........................................
115
VII. 3 – Quem foi Dinorath do Valle.................................................................
117
VII. 4 – Temáticas rio-pretenses........................................................................
121
CONSIDERAÇÕES FINAIS.........................................................................................
126
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................
132
ANEXOS.......................................................................................................................
137
9
INTRODUÇÃO
Num mundo globalizado em que a cultura da imagem predomina pelas vias
digitais do 3º Milênio, pode parecer estranho empreender uma investigação sobre o
rádio, um meio que não transmite imagens, inventado no início do século XX 1. De certa
forma estamos mesmo na contramão das pesquisas atuais sobre os meios de
comunicação, mais afetas aos efeitos da alta tecnologia sobre a mídia em geral, seu
conteúdo e sua recepção pelas pessoas no mundo afora. Mesmo assim o estudo de um
veículo essencialmente local como o rádio, é pertinente até porque a mídia regional é
vista como um importante contraponto ao processo deflagrado nas últimas décadas do
século XX.
Manuel Castells investigou em escala mundial as transformações que vem
ocorrendo e descobriu que neste período surgiu uma economia em escala global na qual
as atividades produtivas, o consumo e a circulação de bens estão organizados mediante
uma rede de conexões entre agentes econômicos. Além de globalizada trata-se de uma
economia informacional porque os agentes deste processo dependem da sua capacidade
de gerar, processar e aplicar a informação baseada em conhecimento. E o acesso a tudo
isso se dá justamente graças a revolução da tecnologia da informação, pois ela é a base
material indispensável para a chamada globalização.
De fato, hoje a internet, tornou-se suporte da maior parte do conhecimento
humano acumulado ao longo de centenas de anos. As novas tecnologias nos tornaram
cidadãos do mundo, na medida em que os acontecimentos em qualquer parte do globo
podem ser acompanhados via televisão ou computador em tempo real. Mas ao mesmo
1
Oficialmente a invenção do rádio é atribuída ao italiano Guglielmo Marconi em 1896. Mas o desenvolvimento da
tecnologia da radiodifusão teve início bem antes, por volta de 1830, através de pesquisas sobre as ondas
eletromagnéticas, o telégrafo e o telefone, realizadas por Samuel Morse, Graham Bell, James Maxwell, Henrich
Hertz, Fessenden e Alexanderson, entre outros. O rádio como meio de comunicação de massa, tal como o
conhecemos hoje, surgiu em 1916 quando o engenheiro russo radicado nos Estados Unidos, David Sarnoff, sugeriu
a criação da caixa de música radiotelefônica. Ele trabalhava na Marconi Company e argumentou que com o
aparelho seria possível levar música aos lares por meio da transmissão sem fios. (FERRARETO, Luis A. Rádio. O
veículo, a história e a técnica. P. 79 -88).
10
tempo, Castells chama atenção para o seguinte paradoxo: “Aumenta a capacidade
humana de organização e integração, mas o sentimento de solidão é cada vez maior” 2. A
questão é como combinar conceitos gerados pela era digital, como as novas tecnologias,
a ciência universal e a globalização, com sentimentos tradicionais como memória
coletiva, culturas comunitárias e identidade.
O cidadão do mundo atual tem à sua disposição, na internet, mais informação do
que jamais houve. Mas sente falta daquilo que lhe confere o caráter individual. Para se
localizar como pessoa no espaço social globalizado, ele se volta para o lugar onde vive,
sua cidade, seu bairro, sua rua, os lugares que estão ao alcance dos seus passos e dos
seus sentidos. É por isso que as mídias regionais e locais ganham força, pois elas dão
vazão ao fluxo de informações locais. O veiculo eletrônico pioneiro, se insere a perfeição
nesse contexto e merece ser estudado historicamente. Conforme afirma Juarez Bahia, é
através do rádio que a população fica a par de tudo o que acontece na sua vizinhança.
O caráter local que o radiojornalismo redescobre ao perder para a
televisão o seu papel centralizador cria uma espécie de redivisão
territorial do éter: a TV forma as grandes cadeias e comanda a cobertura
dos grandes acontecimentos; o radio delimita a sua influência na cidade
ou na região onde opera, dirigindo-se antes a comunidade que a nação. 3
A comunidade está situada dentro de um mesmo espaço local onde prevalecem
elos de continuidade, de identidade de interesses, de proximidade física e de
familiaridade histórica. Diante de um mundo transformado em aldeia global, no qual
diferentes povos se interligam através de vias digitais de informações, resta ao homem
buscar na sua própria aldeia, o espaço para tentar se localizar no universo. E esse espaço
é o da comunidade, que pressupõe laços fortes para poder existir conforme o conceito de
Raquel Paiva.
Na perspectiva psicológica, a comunidade comporta relações sociais que
vão desde amizade a intimidade pessoal, comunicação ou comunhão de
idéias. Já numa consideração filosófica e política trata-se de uma relação
social radicalmente distinta, onde existe a possibilidade de participação
nas decisões que o grupo deve tomar vigindo o direito de ser consultado,
de formular propostas, a tônica da cooperação. 4
2
CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede. P. 225
BAHIA, Juarez. Jornal – História e Técnica (volume um). P 183
4
PAIVA, Raquel. O Espírito Comum: Comunicade, Mídia e Globalismo. P .71
3
11
Assim, em plena era digital, o rádio tem seu papel de porta-voz local reafirmado
pelo mesmo processo que levou a humanidade a inserir-se na sociedade em rede. Isto
justifica plenamente o trabalho de resgatar e estudar uma emissora local como foi a
Independência AM, de São José do Rio Preto. Mas há outras razões. Durante 33 anos a
rádio fez parte do dia-a-dia dos moradores, informando e divertindo, ajudando a criar
uma identidade. Sua importância nos chamou atenção durante pesquisa realizada para o
curso de pós-graduação lato-sensu em 2003, quando estudamos o mercado de rádio riopretense através da trajetória das suas emissoras. Na ocasião, constatamos o vigor do
meio radiofônico no passado e a sua vulnerabilidade a partir da década de 70,
demonstrada pelo sucessivo fechamento de emissoras tradicionais ou a transferência para
grupos religiosos como foi o caso da Rádio Independência. Ela liderava a audiência em
São José do Rio Preto, quando, de uma hora para outra, saiu do ar em 1995, depois de
vendida para Igreja Adventista do Sétimo Dia.
Quais os fatores que levaram a emissora tornar-se uma instituição dentro da
comunidade? Que acontecimentos e situações determinaram sua ascensão? Como era a
relação dos funcionários com a empresa e porque eles mantêm até hoje laços afetivos
com ela? Quais os fatores que propiciaram a transferência da Rádio Independência AM,
para um grupo religioso, colocando um ponto final na trajetória de porta-voz de toda
uma cidade? Estas questões ajudaram a determinar o nosso objeto de estudo para esse
trabalho que se encontra organizado em sete capítulos, mais as considerações finais.
O primeiro capítulo trata dos laços afetivos que gerações do passado
estabeleceram com o rádio, quando não existiam tantas opções midiáticas como a
sociedade tem a disposição hoje. No capítulo seguinte foi abordado o surgimento e o
desenvolvimento do rádio em São José do Rio Preto, através da história de suas
primeiras emissoras: PRB-8 Rádio Rio Preto; Rádio Difusora e Rádio Cultura. Na
seqüência, o capítulo terceiro tratou das condições que determinaram a inauguração da
Radio Independência em dezembro de 1962, sua programação e profissionais que
ajudaram a construir o prestígio da emissora. Em seguida, no capítulo quarto, uma
abordagem sobre o jornalismo, seu papel dentro da programação, sua evolução a ponto
de transformar a Independência em porta-voz da cidade. No capítulo quinto, destacamos
o programa jornalístico policial Hora Fantástica, que ficou no ar durante 25 anos. A
12
seguir, a cobertura esportiva mereceu um capítulo à parte até porque o gênero era
responsável pela liderança da emissora na audiência local. Cultura foi o tema do capítulo
sétimo no qual foi analisado o programa A Crônica do Dia, um dos maiores sucessos da
emissora, devido principalmente à genialidade da escritora Dinorath do Valle, a principal
cronista do programa. Nas considerações finais mostramos como é a emissora que
ocupou o lugar da Independência 1290 AM no dial rio-pretense, a Radio Novo Tempo.
Procura-se também estabelecer alguns fatores que permitam compreender esta
transformação.
Para que tal estudo tivesse perenidade e servisse de base sólida para futuras
pesquisas, foi indispensável lançar mão de matriz teórica capaz de sustentar o
desenvolvimento da investigação. No nosso caso optamos por situar o objeto de estudo
no contexto social, econômico e político da comunidade o que nos levou a buscar o
paradigma funcionalista como ferramenta de pesquisa, até porque, como ensina
Anamaria Fadul, os meios de comunicação de massa funcionam dentro de sistemas
urbanos economicamente ativos. Segundo ela quanto mais urbanizada uma região, mais
desenvolvida é a sua a mídia: “Onde não tem população não tem mídia, pois ela fala para
regiões onde existam audiência e mercado anunciante para viabilizar-se financeiramente.
A mídia é filha das cidades”. 5
De acordo com dados divulgados pela Prefeitura Municipal de São José do Rio
Preto no documento Conjuntura Econômica 2004, a cidade é sede da Oitava Região
Administrativa do estado de São Paulo, que envolve noventa e seis municípios, e possui
indicadores econômicos e de qualidade de vida acima da média nacional. A renda per
capita da população, pouco mais de 382 mil habitantes, é de doze mil reais/ano. O
município fica no entroncamento de rodovias importantes, como a BR-153, também
conhecida como Transbrasiliana, que liga as regiões Sul e Norte do Brasil e a
Washington Luís, SP-310, que dá acesso à capital paulista funcionando como corredor
de acesso aos estados da região oeste. Além de indústrias, a cidade é pólo no setor de
5
Afirmação feita durante exposição no VIII Colóquio Internacional de Comunicação para o Desenvolvimento
Regional, realizado em Marília (SP) em outubro de 2003. Profa. Dra. Anamaria Fadal atua no Núcleo de Pesquisa
de Comunicação Internacional Comparada, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da
Universidade Metodista de São Paulo. Coordenou pesquisa para levantamento dos grupos midiáticos das cinco
regiões brasileiras.
13
prestação de serviços sendo referência nas áreas educacional (possui sete instituições de
ensino superior) e médica com ênfase no tratamento de moléstias cardiovasculares.
Tanta atividade econômica gera demanda por informações que é atendida por seis
emissoras de televisão, três jornais diários, quatro emissoras de rádio AM e cinco FM,
além de portais locais de Internet e revistas segmentadas semanais. 6
Teoria funcionalista
De acordo com Maria Immacolata Vassalo de Lopes, o paradigma funcionalista
tem sido a principal vertente teórica dos estudos sobre Comunicação de Massa
desenvolvidos no Brasil. Tais estudos iniciaram-se na década de 50 e, a despeito das
tendências gramsciana e frankfurtiana estarem se impondo atualmente, o paradigma
teórico-metodológico dominante ainda é o funcionalismo. Para Vassalo Lopes as
temáticas sobre cultura e comunicação de massa no Brasil são as maiores beneficiadas
com isso, pois elas transferem para o campo da Comunicação a problemática dualista do
setor arcaico e do setor moderno. E ela acrescenta: “Aliás, esta problemática é segundo
Verón, a versão do funcionalismo para a América Latina e sobre a qual se forma e
consolidam as Ciências Sociais da região” 7.
Nos estudos desenvolvidos com base na teoria sociológica estrutural
funcionalista, a mídia é vista como parte intimamente integrada à sociedade, até porque
os meios de comunicação de massa interferem e também sofrem interferência dela.
Como veremos adiante, seu papel vai além do entretenimento e do caráter informativo,
contribuindo para a estabilidade e o equilíbrio sociais. Para se ter uma idéia dessa
intimidade, De Fleur e Rokeach descrevem com precisão as instancias institucionais da
sociedade capitalista nas quais os meios de comunicação penetraram profundamente.
• Econômica: através do destaque aos serviços e produtos do sistema comercial e
industrial.
6
Revista Conjuntura Econômica 2004, publicada pela Prefeitura Municipal de São José do Rio Preto. Também
disponível em www.riopreto.sp.gov.br
7
LOPES, M. I.V. Pesquisa em Comunicação. P 57
14
• Política: através do destaque das ações dos poderes executivo, legislativo e
judiciário, bem como da crescente participação nos processos democráticos
eleitorais.
• Familiar: quando destacam o lazer e a cultura popular que é consumida como
divertimento nos lares.
• Educação: porque são cada vez mais participantes do processo de educação.
Para entender as atividades comunicativas e os meios dentro do enfoque
funcionalista, são necessárias a observação atenta do ambiente urbano, da transmissão da
cultura, dos modos de entretenimento e a interpretação dos acontecimentos. Isto porque a
teoria funcionalista define a problemática dos meios de comunicação do ponto de vista
da sociedade e do seu equilíbrio. Isso quer dizer, segundo De Fleur e Rokeach, que os
meios sobrevivem porque cumprem funções, provocam mudanças, promovem integração
e asseguram estabilidade. Enquanto atendem as necessidades que a sociedade considera
importante, o sistema permanecerá no seu lugar8.
Mauro Wolf aprofunda ainda mais a questão afirmando que não é a dinâmica
interna dos processos comunicativos que prevalece neste paradigma, mas sim a dinâmica
do sistema social e dos meios de comunicação atingindo não só o indivíduo em si, mas a
sociedade como um todo. Isso quer dizer que a mídia contribui para estabelecer a ordem
do sistema organizativo através da difusão de informações no âmbito social e pessoal.
Mauro Wolf considera que em relação ao individuo, as funções dos meios são de
confirmar as normas sociais da seguinte forma:
• Atribuição de posição social e de prestígio as pessoas e aos grupos que são
alvo da atenção da mídia, legitimando-os.
• Reforço do prestígio daqueles que se identificam com a necessidade e o
valor socialmente difundido de serem cidadãos bem informados.
• Reforço das normas sociais, uma função de caráter ético, que contribui para
o controle das tensões nas sociedades urbanas. 9
8
9
DE FLEUR e ROKEACH. M. e S. Teorias da Comunicação de Massa. P. 87
WOLF, M. Teorias da Comunicação de Massa – Leitura e Crítica. P. 73
15
Já em relação à sociedade, ainda segundo Wolf, a difusão de informações pelos
meios de comunicação tem como funções alertar os cidadãos de ameaças e perigos
imprevistos além de fornecer instrumentos para atuar dentro do cotidiano da sociedade.
Todas estas funções estão associadas à presença dos meios no sistema social até
porque se trata de um organismo cujas diferentes partes, não apenas a mídia,
desempenha funções de integração e de manutenção da estrutura. Observa-se, portanto
que a Análise Funcional ou Teoria Funcionalista, como também é conhecida, aplicada a
Comunicação de Massa, toma como base não o individuo ou como ele recebe as
mensagens da mídia. A ênfase é dada ao sistema de mídia e o seu relacionamento com a
sociedade onde atua. A estabilidade e o equilíbrio vêm das relações funcionais entre os
indivíduos e os subsistemas do ambiente social.
Acreditamos que esse arcabouço teórico foi de grande valia para o
desenvolvimento da pesquisa que nos propusemos realizar diante da curiosidade sobre as
razões que determinaram o encerramento das atividades da Rádio Independência de São
José do Rio Preto. O senso comum atribui as dificuldades do mercado radiofônico a uma
série de fatores que vão desde a obsolescência do veículo na era digital até a simples
concorrência com a televisão. Mas, neste caso, isso não basta. Como veremos ao longo
do trabalho, a emissora tinha prestígio e audiência. Mesmo assim foi transferida para um
grupo religioso que mudou não só o nome, mas principalmente sua programação e
público-alvo. Um problema para o qual fomos buscar, através da investigação, uma
explicação capaz de explicar esse paradoxo.
Rubem Alves diz que todo pensamento começa com um problema e que para
fazer ciência é preciso perceber e formular problemas. Ele recomenda a busca de um
modelo de ordem, ou seja, uma teoria ou lei através da qual seja possível prever o
comportamento da natureza no futuro: “O espanto perante a ordem é a primeira
inspiração da ciência. Quando um cientista enuncia uma lei ou uma teoria ele está
contando como se processa a ordem. É isto que significa testar uma teoria: ver se, no
futuro, ela se comporta da forma como o modelo previu”.
10
No nosso caso, a teoria
funcionalista mostrou-se o suporte teórico adequado para investigar a história da Rádio
10
ALVES, R. Filosofia da Ciência – Introdução ao jogo e a suas Regras. P. 94
16
Independência, a função da sua programação no desenvolvimento local, sua relação com
o público ouvinte e por fim tentar entender os motivos que determinaram seu fim.
A Instância Técnica
Chegamos ao espaço da prática investigativa, onde trataremos dos métodos
utilizados para a observação dos fatos e a coleta de dados e informações que permitiram
entender o nosso objeto de estudo. Novamente citaremos Rubem Alves para dimensionar
a importância desta fase na pesquisa. Para ele os fatos são a voz da natureza e basta ao
cientista apenas organizá-los, de modo que formem frases coerentes. Para se constatar
fatos, no entanto é preciso uma metodologia que dê conta das respostas procuradas. 11
O principal obstáculo para a realização deste trabalho foi lidar com um objeto de
estudo virtual, que existe na lembrança das pessoas e em referências em periódicos
antigos. A Independência está fora do ar desde 1995 e durante o processo de sua
transferência à Igreja Adventista, os arquivos de gravações, assim como a discoteca de
milhares de vinis se perderam já que aos novos donos não interessava manter a
programação de antes. Para uma eficiente coleta de informações, Vassalo Lopes ensina
que as operações visando à construção dos dados podem ter caráter indutivo ou dedutivo.
Segundo ela há um movimento dialético entre indução e dedução nas técnicas de
construção dos dados.
Algumas, talvez as principais, tem caráter indutivo e são operações que
transformam os fatos em dados, isto é, em conceitos ou objetos
científicos; outras têm caráter dedutivo e percorrem o caminho inverso,
de transformar os conceitos em fatos, que passam a ser diretamente
observáveis. 12
Diante da falta inclusive de arquivos de documentos escritos da empresa, partimos
para técnicas de coleta de dados baseadas no método indutivo, pois este constrói o objeto
de estudo a partir da observação de fatos. O principal instrumento foi a história oral
seguida da pesquisa histórica em jornais e publicações jornalísticas de época. Foram
gravadas e transcritas cerca de trinta horas de entrevistas com 26 ex-funcionários, ex11
12
Idem, P. 144
LOPES, M. I. V. Pesquisa em Comunicação P. 128.
17
proprietários da Rádio Independência, antigos radialistas de outras emissoras, além de
cantores. A pesquisa das coleções dos jornais rio-pretenses A Noticia, Correio da
Araraquarense, Folha de Rio Preto e Diário da Região abrangeu desde o ano que
antecedeu à fundação da emissora em dezembro de 1962 até sua transferência para Igreja
Adventista em fevereiro de 1995.13 Para este trabalho foi feito a seleção e o cruzamento
das informações a respeito de acontecimentos significativos, as fases importantes e os
momentos polêmicos citados pelos entrevistados e que foram alvo de notícias nos jornais
de época. A ordenação deste vasto universo de dados foi feita cronologicamente através
do método historiográfico.
Resgatando Memória pela História Oral
Em virtude da inexistência de documentos empresariais, jornalísticos e sonoros, o
recurso da história oral foi imprescindível para superação da fase de coleta de dados.
Graças ao método foi possível resgatar acontecimentos e situações que se situavam no
campo etéreo das lembranças individuais daqueles que trabalharam e fizeram a
programação
da
Rádio
Independência.
Memórias
que
estavam
sujeitas
ao
desaparecimento se não fossem registradas nos depoimentos gravados para este trabalho.
Este universo de informações associadas às notícias publicadas por jornais do dia
constrói um cenário rico em detalhes que escapam à história oficial. Conforme Fernando
Novais, esta é a principal qualidade do que ele chama de “nova” história: a renovação
temática e o conseqüente enriquecimento do discurso historiográfico.
14
O que parece
fragilidade, na verdade, confere credibilidade à pesquisa.
Atualmente, a história oral tem se firmado como fonte eficiente de informações no
resgate da memória de acontecimentos sobre os quais não foram preservados
documentos escritos. Nas palavras de Sônia Maria Freitas, temos uma definição mais
completa: “Historia Oral é um método de pesquisa que utiliza a técnica da entrevista e
outros procedimentos articulados entre si, no registro de narrativas da experiência
13
Coleções da Hemeroteca Dario Ferreira de Jesus da Casa de Cultura Dinorath do Valle, da Secretaria Municipal
de Cultura de São José do Rio Preto.
14
SOUZA, L. M. organização. História da Vida Privada no Brasil – Cotidiano e vida privada na América
Portuguesa. P. 8.
18
humana”
15
. Ela considera que esta técnica legitima a história do presente e fornece
documentação para reconstruir o passado recente, pois o contemporâneo também é
história. Por isso a historiadora recomenda a reavaliação dos critérios pelos quais se
determina a utilização e análise de fontes históricas, já que subjetividade e seletividade
fazem parte da produção do conhecimento: “Assim a História Oral tem adquirido um
novo status, devido aos novos significados atribuídos aos depoimentos, às historias de
vida, às biografias, etc.” Ainda segundo Freitas pode se dividir a história oral em três
gêneros distintos: 16
• Tradição oral: Testemunhos transmitidos verbalmente de uma geração para
outra como um meio de preservar a sabedoria dos ancestrais.
• História de vida: Reconstituição do passado, efetuado pelo próprio
individuo, sobre
ele próprio. Pode abranger ou não a totalidade da
existência do informante.
• História temática: Realizada com um grupo de pessoas, sobre um assunto
especifico. Depoimentos podem ser mais numerosos, resultando em maiores
quantidades de informações, o que permite uma comparação entre eles,
apontando divergências, convergências e evidências de memória coletiva.
O advento da moderna História Oral como método de pesquisa histórica está
diretamente ligado ao desenvolvimento da tecnologia eletrônica de registro da voz
através de gravador em fita magnética.
17
Por outro lado, segundo Paul Thompson, não
se pode considerá-la uma técnica nova, pelo contrário. “O termo história oral é novo,
assim como o gravador de fita, e tem implicações radicais para o futuro. Mas isto não
significa que ela não tenha um passado. De fato, a história oral é tão antiga como a
própria história. Ela foi a primeira modalidade de história.” 18
15
16
17
FREITAS, Sonia Maria. História Oral – Possibilidades e Procedimentos. P. 18
Idem. P. 19 - 22
As primeiras experiências de História Oral datam de 1948 na Columbia University, em Nova Iorque
EUA. Hoje, o Oral History Research Office possui uma coleção de mais de seis mil fitas gravadas e mais
de seiscentas mil paginas de transcrição que são consultados anualmente por 2500 pesquisadores.
18
Apud FREITAS, Sonia Maria. História Oral – Possibilidades e Procedimentos. P. 27
19
I - RÁDIO: HISTÓRIA DE LAÇOS DE AFETIVIDADE
Já houve um tempo em que ouvir rádio no Brasil podia dar cadeia. Foi na época
das primeiras transmissões da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, no ano de 1923. O
governo brasileiro ainda não havia definido que tipo de regulamentação iria adotar para o
setor, mas já tinha noção da importância estratégica da radiodifusão. Tanto que para
possuir um aparelho receptor em casa era necessário tirar uma Licença para
Funccionamento de Apparelho Radiotelephonico Receptor na Repartição Geral dos
Telegraphos. Sem isso o ouvinte podia ser preso. Quem conta essa história é uma bisneta
do pioneiro do rádio no Brasil, Edgar Roquette-Pinto. Vera Regina Roquette-Pinto relata
que não foram poucas as vezes que o professor e o grupo de sócios que cuidavam da
PRA-2acudiram na delegacia os “prezados ouvintes” que montavam por conta própria
um receptor de rádio. Sem uma legislação para controlar a transmissão e recepção de
rádio, as autoridades ficavam receosas em relação ao novo meio de comunicação: “O
rádio era considerado quase que ‘uma arma secreta’, de propriedade do governo, e a
polícia prendia os afoitos que ousavam construir seu próprio rádio de galena para ouvir
as transmissões da Praia Vermelha” escreveu Vera Regina. 19
O surgimento da PRA-2 Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em setembro de
1923, se deve muito ao empenho de um homem fascinado por tudo que pudesse levar
conhecimento ao maior número possível de pessoas. O slogan que Edgard RoquettePinto criou para a emissora falava justamente disso: “Trabalhar pela cultura dos que
vivem em nossa terra pelo progresso do Brasil” 20. Médico por formação, ele se envolveu
com pesquisa científica, participou de expedições pelos sertões do Brasil com o
Marechal Cândido Rondon, e agregou ao currículo outras facetas: antropólogo, poeta,
compositor, cientista e educador.
19
ROQUETTE-PINTO, Vera Regina. Roquette-Pinto, o Rádio e o Cinema Educativos. P.13. A Praia Vermelha era
o local onde estava montada a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.
20
Apud TAVARES, Reynaldo. Histórias que o rádio não contou: do Galena ao Digital desvendando a
Radiodifusão no Brasil e no Mundo. P.8
20
As novidades tecnológicas anunciadas nas primeiras décadas do século XX
também despertaram interesse do cientista que esteve na Exposição do Centenário da
Independência, realizada em 22 de novembro de 1922, no Rio de Janeiro. Tratava-se de
um evento que iria colocar o Brasil no mapa das nações inseridas na ordem econômica
mundial do pós-guerra baseada na Industrialização. O país estava perdendo o perfil agroexportador, o comércio interno cresceu, havia mais mão-de-obra assalariada, hábitos de
consumo começaram a surgir. Mais urbano e moderno, o Brasil não poderia ficar fora da
comunidade radiofônica que se formava pelo mundo. Uma das principais atrações da
Exposição do Centenário foi justamente a demonstração de uma transmissão de rádio
pela Westinghouse International Company e a Western Eletric Company, empresas
americanas, que trouxeram transmissores e aparelhos receptores para que a população
pudesse acompanhar a exibição. O discurso de inauguração da feira, pelo presidente da
República Epitácio Pessoa, foi ouvido no próprio local e ainda em São Paulo, Petrópolis
e Niterói. Além disso, houve a transmissão de um concerto da ópera O Guarani, de
Carlos Gomes, direto do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Um assombro para os
ouvidos da época, mas não para os de Edgard Roquette-Pinto que, ao ouvir a transmissão
experimental, identificou logo o potencial do veículo de comunicação.
A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro procurava levar cultura e educação, com
uma programação feita pelos próprios ouvintes os quais emprestavam discos de música
erudita e livros clássicos para serem lidos no ar, além de contribuir financeiramente para
a emissora. As primeiras rádios funcionavam como clubes, até porque pouquíssima
gente dispunha de recursos para comprar um aparelho receptor. E mesmo quem se
aventurasse a improvisar o mais simples de todos, o receptor de galena, tinha que
comprar um par de auriculares ou fones de ouvido, isso sem contar o risco de infringir a
lei. Como informa Sonia Virgínia Moreira, o rádio era para bem poucos em seus
primeiros tempos.
As condições sob as quais operava a Rádio Sociedade eram, na verdade,
comuns às emissoras de então, que num primeiro momento, funcionaram
mais como associações ou clubes seletos, onde ao ouvinte cabia também
a função de programador musical. Explica-se: como toda novidade
tecnológica, o rádio – no seu início - era acessível apenas às pessoas com
alto poder aquisitivo. A elite da época possuía em casa discos de ópera.
21
Esses discos eram cedidos temporariamente às rádios para que cada uma
pudesse programar as suas atrações. 21
A radiodifusão se espalhou pelo Brasil e, ao longo da década de 20, pelo menos
vinte e nove emissoras entraram no ar em estados como São Paulo, Minas Gerais, além
do próprio Rio de Janeiro. Ganhou caráter comercial em 1932, através de um decreto-lei
baixado pelo presidente Getúlio Vargas, que autorizou a veiculação de anúncios de
publicidade e permitiu a profissionalização do setor. Ao liberar a publicidade, o governo
brasileiro optou também pelo modelo norte-americano de radiodifusão, com distribuição
de concessões de canais a particulares para incrementar a exploração comercial do
veículo. A função educativa e cultural do rádio idealizada por Edgar Roquette-Pinto foi
assumida pelo poder público.
Sem depender das contribuições dos sócios, da boa vontade dos ouvintes e graças
à receita financeira gerada pela publicidade, as emissoras passaram a investir mais na
programação e na contratação de artistas. O rádio-espetáculo dava seus primeiros passos,
conforme Doris Haussen: “Nesses primeiros anos da década de 30, a programação
radiofônica começava a experimentar a diversificação dos gêneros. (...) O rádio
começava a organizar-se em direção à linha de programação que seria constante até o
final dos anos 50”.
22
Esta linha seguia o padrão norte-americano, com programas de
auditório, radionovelas, shows de calouros.
Estavam dadas as condições para que o Rádio virasse uma paixão nacional. Com
a programação radiofônica popular e os aparelhos receptores mais baratos, o rádio logo
passou a fazer parte do dia-a-dia, primeiro dos brasileiros moradores nas capitais dos
estados e depois nas cidades pelo interior do país. Os aparelhos revestidos de madeira
movidos a energia elétrica logo ocuparam lugar de destaque nas salas-de-estar, onde as
famílias se reuniam à noite para escutar a programação das emissoras do Rio de Janeiro e
São Paulo captadas na faixa de ondas curtas.
A curiosidade em relação a radiodifusão era grande também entre a população da
zona rural, onde a novidade demorou um pouco mais para chegar porque não havia
21
22
MOREIRA. Sonia V. O Rádio No Brasil. P. 16
HAUSSEN, Doris. Rádio e Política – Tempos de Vargas e Perón. P. 14
22
energia elétrica. Para atender à demanda que vinha do campo, a indústria eletrônica
desenvolveu rádios movidos a bateria e quem conseguisse comprar um aparelho,
tornava-se referência para toda a comunidade do bairro rural. Foi através do vizinho que
muita gente travou seu primeiro contato com o rádio no interior do Brasil.
O cantador e violeiro Zeca, que forma com um irmão a dupla caipira Zico e Zeca,
foi um “radio-vizinho” juntamente com a outra dupla formada pelos irmãos mais novos,
Liu e Léu. Eles nasceram na localidade de Córrego da Pomba, município de Itajobi no
Noroeste Paulista, e viviam no sítio com os pais. Zeca, cuja graça é Domingos Paulino
da Costa (Itajobi/SP, 1932 -) lembra bem a primeira vez que ouviu rádio.
Eu já era grandinho, tinha sete ou oito anos quando eu vi pela primeira
vez o rádio na casa de um vizinho, um espanhol chamado João Ordoño.
Era uma novidade fantástica. Eu trago muitas lembranças de ouvir o
povo falar ‘Olha o rádio fala. O povo tá falando, cê ouve lá em São
Paulo’. Eu ficava pensando: ‘Como é que pode, né?’ E quando ligou e
começou falar, o som estava muito bom. A gente ouvia perfeitamente.
Achei aquela coisa encantada. E pensava como criança: ‘Não é possível,
não tá falando de São Paulo nada. É alguma coisa aí dentro’. Achei que
tava pertinho demais, não era possível falar lá e a gente ouvir aqui.
Depois me acostumei e logo eu entendi que falava realmente de São
Paulo.23
O cantor lembra que era uma correria quando ele e os irmãos chegavam da roça,
com pressa para tomar banho e ir para a casa do vizinho “assistir” o rádio.
Principalmente os programas caipiras em que se apresentavam duplas como Torres e
Florêncio, Serrinha e Caboclinho, Tonico e Tinoco, Palmeira e Luizinho, Zé Carreiro e
Carreirinho. Foi assim até que a família conseguiu comprar seu próprio aparelho. “Era
um rádio da marca Semp, com uma pilha enorme. Aquilo era uma alegria total porque
tinha os programas certinhos pra ouvir. Mas não podia ficar ligado o tempo todo pra não
gastar a pilha. A gente ficava sabendo que tal horário tinha tal programa e aí ligava só
naquela hora”, lembra Zeca.
Aos quinze anos de idade, ele e o irmão Zico, de nome Antonio Bernardes da
Costa (Itajobi/SP, 1931 -) deixaram de ser apenas ouvintes para ser também artistas do
rádio. Em 1947 fizeram o primeiro show na Rádio Novo Horizonte, de Itajobi. Em 1953
23
Em depoimento gravado pela autora em junho de 2002.
23
foram se apresentar no programa Serra da Mantiqueira, de Silvio Motta, na Rádio
Bandeirantes, em São Paulo. Fizeram tanto sucesso que ganharam um programa
exclusivo na emissora, Palhinha no Sertão, onde tocavam músicas próprias e recebiam
outras duplas caipiras24.
Não é a toa que os programas radiofônicos de música caipira fizessem grande
sucesso junto ao público ouvinte naquela época. Durante as décadas de 40 e 50, a maior
parte da população brasileira, 68,8%, vivia fora das cidades, na zona rural. A dupla
Vieira e Vieirinha, ambos primos de Zico & Zeca, também comandou programas no
rádio como o Alvorada Cabocla, que ficou 15 anos no ar, em diferentes períodos pela
Rádio Nacional de São Paulo. O estudioso da Cultura Caipira, Romildo Sant’Anna,
explica que as duplas mais famosas eram insistentemente requisitadas pelas emissoras da
capital para se apresentarem em programas de grande audiência. Os cantores sertanejos
eram referências e símbolos do mundo rural para o público urbano.
Passaram à locução de programas, anunciando modas suas e de outras
duplas, que antes participavam ao vivo; ou lendo cartas de ouvintes,
geralmente a remeter notícias da cidade aos que ficaram no sertão; ou
emprestando a credibilidade a que estão associados, pela imagem de
“autênticos” e “honestos”, para anunciar reclames publicitários de várias
mercadorias e marcas, ente as quais as cadeias de lojas populares,
produtos agrícolas e os remédios. 25
As irmãs Mary Zuil (Ourinhos/SP, 1940 -) e Marilene (Palmital/SP, 1942 -)
Galvão tiveram seu primeiro contato com o rádio, ainda meninas, na casa dos pais na
localidade de Sapesal, no interior do estado de São Paulo. Filhas de um alfaiate e de uma
costureira que gostavam de cantar e organizar serestas, as Irmãs Galvão, como ficaram
conhecidas, tinham apenas 7 e 5 anos quando começaram a cantar na Rádio Clube de
Paraguaçu Paulista. A mais nova, Marilene lembra que ouvir rádio fazia parte do
aprendizado para a futura carreira artística.
Era um aparelho grande, com uma pilha enorme, e sintonizava bem as
rádios do Rio de Janeiro que nós ouvíamos. A gente ouvia o programa
de César de Alencar, Marlene, Emilinha Borba, Dalva de Oliveira. Nós
éramos meninas, na época lá em Sapesal e eu estava na escola. Nós já
24
25
Site www.radiobandeirantes.com.br acessado em 10 de março de 2004
SANT’ANNA, R. A Moda é Viola: Ensaio do Cantar Caipira. P. 370
24
cantávamos e por isso que papai fazia questão de ligar naqueles
programas do Rio de Janeiro, para nos colocar a par dos programas e dos
cantores de sucesso. 26
As duas meninas-cantoras começaram interpretando boleros e tangos, mas
ganharam a simpatia do público quando aderiram ao repertório caipira. Logo estavam
soltando a voz nos microfones das grandes emissoras da época, como a Nacional do Rio
de Janeiro e a Bandeirantes de São Paulo. Dizem que foram acolhidas com carinho pelos
ídolos que conheciam de ouvir o rádio. “Nós, muito meninas, fazíamos um programa da
Rádio Nacional, chamado Ronda dos Bairros e nos apresentávamos ao lado de Bob
Nelson, do Trio de Ouro, de Emilinha Borba, do Cauby Peixoto, da Marlene. Todos
eram muito gentis com a gente”, lembra Mary Zuil Galvão.
Os programas de auditório foram grandes estimuladores de novos talentos no
rádio brasileiro e o pioneirismo é atribuído a Celso Guimarães que em 1933, na PRB 6
Rádio Cruzeiro do Sul de São Paulo lançou Os Calouros do Rádio. Na Rádio Cruzeiro
do Sul do Rio de Janeiro, o programa A Hora do Pato apresentado por Heber de Bôscoli,
também agradava ao público não só pelos calouros, mas pelo inusitado prêmio que o
vencedor levava para casa: um pato vivo que permanecia no palco enquanto os calouros
soltavam a voz. E havia ainda o Papel Carbono, programa criado por Renato Murce
onde os candidatos tinham que imitar um artista já consagrado. Era considerado um
verdadeiro celeiro de novos cantores, humoristas e músicos.27 O rádio em seus
primórdios encantava não apenas aqueles com pendores musicais. Ao ouvir o novo meio
de comunicação pela primeira vez, houve quem identificasse nele uma outra vocação
profissional.
Vamos agora conhecer a trajetória de dois veteranos que ajudaram a construir a
história do rádio do interior do Brasil, mais precisamente na cidade de São José do Rio
Preto, no Noroeste Paulista: Alexandre Macedo e Pedro Lopes.
O radialista Alexandre Ismael (Nova Granada/SP, 1924 -), decidiu que queria ser
locutor, ainda garoto, quando ouviu o som de um rádio pela primeira vez na casa de um
vizinho.
26
27
Depoimento gravado pela autora em junho de 2003.
SAROLDI, L.C. O Rádio e a Música. P.48 - 61
25
A gente morava na fazenda e quando ia para Onda Verde, passava
defronte a casa do meu tio que tinha fazenda depois da nossa. Uma vez
eu ouvi o som do rádio bem alto: a PRB-8 Rádio Rio Preto. Era a voz de
um locutor que depois eu conheci, o Homero Honório Ferreira, uma das
grandes vozes do rádio de Rio Preto. Naquele momento eu já tive
interesse em trabalhar em radio. A partir daí nasceu a obsessão em ser
locutor. 28
Mais tarde, já adolescente, Alexandre foi para São Paulo estudar num colégio
interno e se preparar para entrar no curso de medicina. Mas mesmo por lá não deixou de
lado a paixão pelo rádio. Não perdia os programas de auditório das emissoras da capital
e ainda fazia testes para locutor. No colégio um colega improvisou um aparelho receptor
onde todos ouviam a programação da capital.
Ele inventou um rádio de galena, pequenininho. Então a gente ia ouvir
no quarto dele. Botava aquele foninho no ouvido e ouvia um som muito
precário. Eu gostava de ouvir a Tupi, Difusora, Cruzeiro do Sul.
Próximo ao internato ficava a Rádio Cruzeiro do Sul, então no fim de
semana, sábado e domingo, eu ia assistir a programação no auditório.
Por fim desistiu de fazer o curso de medicina. Voltou para São José do Rio Preto e
finalmente realizou o sonho de infância: foi contratado pela PRB-8 Rádio Rio Preto com
o nome artístico Alexandre Macedo. Obstinado e sempre disposto a aprender mais sobre
tudo o que se relacionasse com o rádio, construiu uma sólida carreira no rádio riopretense, chegando a ser dono da poderosa Rádio Independência.
O também radialista rio-pretense Pedro Gomes Lopes (S.J. Rio Preto/ SP, 1938 -)
ouviu rádio pela primeira vez em sua própria casa, em um aparelho de segunda mão
comprado pelo pai comerciante de origem espanhola. Na década de 40, a família morava
em uma chácara nos arredores de São José do Rio Preto. Pedro levava uma infância
típica de garoto do interior: nadava no rio, brincava na rua de terra batida. Quando o
rádio chegou, a casa virou referência para toda a vizinhança, pois não havia outro
aparelho no bairro. Pedro Lopes lembra da marca do rádio, Zenith, uma caixa de madeira
de cerca de 40 centímetros de altura que ficava na sala onde a família e os “radio–
vizinhos” se reuniam todas as noites para ouvir principalmente as radionovelas. “Eu me
lembro de gostar de ouvir Jerônimo, Herói do Sertão. Era um radioteatro bem rural,
28
Em depoimento gravado pela autora em dezembro de 2003.
26
apresentado no horário do jantar, por volta de seis e meia. Eu ficava imaginando aquele
ambiente de fazenda, o Jerônimo montado no cavalo...”. 29
Essa novela foi apenas um dos grandes sucessos da Rádio Nacional, já que nas
décadas de 40 e 50 a emissora produzia, ao mesmo tempo, várias radionovelas diárias,
todas ao vivo. Ela possuía uma grande infra-estrutura: seis grandes estúdios: um especial
para radioteatro, um para radiojornalismo, um palco-estúdio, um para pequenos
conjuntos, um para grandes orquestras e um auditório com 496 lugares. O quadro de
pessoal contava com 10 maestros, 124 músicos, 33 locutores, 55 radiatores, 39
radioatrizes, 52 cantores, 44 cantoras, 18 produtores, 24 redatores. 30
A programação da Nacional podia ser ouvida em todo o país devido aos potentes
transmissores em ondas curtas adquiridos depois que o governo federal estatizou a
emissora. Getúlio Vargas dava ao rádio grande importância estratégica. O Brasil inteiro
podia acompanhar, por exemplo, as notícias da Segunda Guerra Mundial através do
Repórter Esso, o principal programa jornalístico da Rádio carioca. Em São José do Rio
Preto, Pedro Lopes e sua família não perdiam as edições do noticiário. Para ele não eram
só as notícias que despertavam interesse.
Ali começou a minha paixão pelo rádio. Eu ficava embevecido ouvindo
as vozes dos locutores da Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Eu queria
ser um grande locutor como o César de Alencar. Eu pegava uma latinha
de massa de tomate e a transformava em microfone, pegava o jornal e lia
as notícias em voz alta, aos sete anos. 31
Naquela época, os moradores de São José do Rio Preto também sintonizavam a
emissora local, a PRB-8 Rádio Rio Preto, no ar desde 1935, e conhecida como “Taquara
Rachada”. O apelido se deve à qualidade do som. Na década de 40, a programação da
“B-8” era essencialmente musical. Pedro Lopes conta como era o programa Às Suas
Ordens, que tocava música a pedido dos ouvintes. “A gente ia à rádio, no estúdio, pedia
a música e oferecia para alguém com muito amor. Este programa a gente ouvia
praticamente o dia inteiro. Mas tinha que ir lá para fazer o oferecimento, não era por
telefone, não”, lembra. A programação da emissora naquela época era voltada para o
29
Em depoimento gravado pela autora em setembro de 2003.
FERRARETO, Luis Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. P. 114.
31
Em depoimento gravado pela autora em outubro de 2003.
30
27
entretenimento, não havendo jornalismo nem prestação de serviço. Mesmo assim, a
Rádio Rio Preto era uma referência importante para a cidade porque por meio dela os
comerciantes da região podiam anunciar seus produtos e serviços.
Os relatos colocados até aqui dão uma idéia do papel do rádio junto aos
moradores das cidades interioranas. Mesmo depois do advento da televisão, em 1950, ele
continuou sendo uma presença forte até porque a TV demorou a chegar às cidades fora
do eixo Rio-São Paulo. Em São José do Rio Preto as primeiras transmissões
experimentais aconteceram em 1962. Enquanto isso o rádio monopolizava a audiência
regional com programas diferentes, além de novas emissoras, como a Independência
AM, inaugurada em dezembro de 1962. Alguns ficaram na memória dos ouvintes, entre
eles A Crônica do Dia, campeão de audiência no horário do almoço. Na casa onde
nasceu o estudioso da cultura popular, Romildo Sant’Anna, o programa era ouvido na
cozinha, a mãe terminando de preparar a comida no fogão a lenha. No livro em que
relata a trajetória da moda caipira, ele reverencia o rádio da época da infância.
O que me fez aproximar da pintura ingênua, do etnotexto e primitivismo
da Moda Caipira e seus afluentes, da arte e literatura oral-popular com
seu linguajar crioulizado português brasileiro, primeiro foi a vivência
bem de perto, a freqüentar meu ânimo desde criança. Isto levou-me a
empreender o esforço deste livro. Meu pai, cuja graça é Benedicto Ricci
Sant’Anna, pedreiro de talho campônio, ex-palhaço de Santo Reis que
arranhava violarias, me levava aos auditórios caboclos em todas as
manhãs de domingo; nos dias de semana me acordava de madrugada
com as modas e o falar molengo, afeiçoado e gostoso dos apresentadores
de rádio. O prefixo infalível era todas e valsas dolentes e amarguradas:
Tristezas do Jeca, Saudades de Matão... 32
Hoje, Romildo Sant’Anna atribui à convivência com o rádio durante a infância,
uma importância determinante para o desenvolvimento de suas pesquisas. O rádio
acordava a família junto com o cheiro do café da manhã. Estava ligado durante o almoço
na hora de A Crônica do Dia, e era ouvido também no início da noite no horário das
radionovelas. “O rádio ficou impregnado na formação da gente. Antes da Voz do Brasil
tinha uma radionovela As Aventuras do Anjo, que eu hoje uso em muitos dos meus
32
SANT’ANNA, R. A Moda é Viola: Ensaio do Cantar Caipira. P. 20.
28
contos. Quase todos têm a figura do anjo. Se eu me lembro bem era uma coisa mais
urbana, meio de comic book, meio história em quadrinhos radiofônica” 33, revela.
Impressionante como as referências radiofônicas podem nos transportar através do
tempo e do espaço, de volta ao passado de cada um. Cores, cheiros, e objetos parecem
restaurar-se ao nosso redor em uma tela imaginária ao toque dos acordes de uma antiga
música ou de uma vinheta radiofônica como a que está reproduzida a seguir. São os
versos da música de abertura de um programa radiojornalístico que ficou 16 anos no ar
na Rádio Bandeirantes de São Paulo, a partir do ano de 1963.
Seu Leporace agora com o trabuco,
Vai comentar as notícias dos jornais.
Seu Leporace agora com o trabuco,
Vai dar um tiro nos assuntos nacionais34
Foi através desta vinheta que o rádio também passou a fazer parte da minha
história de vida. O som estridente da banda e do coro de vozes que compunham a música
tornou-se uma das lembranças mais vivas da infância. Em nossa casa, éramos acordados
todos os dias pelo tema de abertura do programa O Trabuco captado pelo rádio de meu
pai, o bancário Arnaldo Ferreira Rodrigues, enquanto ele fazia a barba no banheiro. A
voz grave e anasalada do apresentador, Vicente Leporace, se espalhava pela casa
juntamente com o perfume da loção pós-barba Aqua Velva. Meu pai era um homem
vaidoso que gostava de massagear o rosto com o creme anti-rugas Rugol e de ouvir o
noticiário nacional logo cedo, antes de ir para o trabalho.
Terminada a toalete diária, tomava café na cozinha ainda sintonizado no rádio
para ouvir o horóscopo de Omar Cardoso patrocinado pelas pílulas De Lussen. As
vinhetas, programas e anúncios das emissoras paulistas funcionam, portanto, como uma
moldura para minhas lembranças da infância e do homem que antes de seguir para o
trabalho, não se descuidava do rosto, nem de saber dos fatos do dia. Apesar da origem
humilde, papai chegou ao posto de gerente de banco de uma cidadezinha no Norte do
33
34
Em depoimento gravado pela autora em 2003.
Arquivo sonoro do site www.vozesbrasileiras.com.br . Acessado 28 de fevereiro de 2004
29
Paraná, posição que exigia, além de boa aparência, que ele estivesse bem informado. E
naquela época as notícias chegavam primeiro pelo rádio.
Atualmente o rádio continua desempenhando uma função importante na sociedade
ao lado da TV, da internet, do cinema, do jornal, da revista, do vídeo, e tudo o mais que a
tecnologia está por inventar. Durante a década de 1970, com a TV se consolidando, o
rádio teve que buscar novos caminhos para não perecer. Saiu de cena o rádio-espetáculo,
ganhou força o tripé Jornalismo - Prestação de Serviços - Esporte. Além disso, o advento
da Freqüência Modulada trouxe qualidade sonora para o rádio musical. Nos anos 80 a
tecnologia dos satélites permitiu a formação das redes de emissoras que cobriam o país
inteiro com custos menores e um som mais estável que as Ondas Curtas. Surgiram as
emissoras segmentadas, com destaque para as rádios all-news, que só tocam notícia.
Hoje, no início do século XXI, o rádio surpreende com sua capacidade de resistência
diante do cenário midiático tornando-se instrumento de cidadania através das emissoras
comunitárias. No segmento comercial, a expectativa é quanto ao Rádio Digital que
promete colocar as emissoras que operam em Ondas Médias no mesmo patamar sonoro
das FMs.
Enfocar os laços afetivos existentes entre as pessoas e o rádio não é mero
saudosismo, nostalgia de um tempo que já passou. O objetivo foi falar do rádio e seu
poder de comunicação, sua capacidade de despertar a imaginação, sua ligação com as
pessoas em uma época em que a televisão engatinhava e o computador era coisa de
seriado americano de ficção científica. Não deixar cair no esquecimento o tempo em que
o rádio era o principal meio eletrônico de comunicação ajuda a valorizar ainda mais o
acesso a tudo o que temos hoje nesta área.
30
II – AS PIONEIRAS DA RADIODIFUSÃO RIO-PRETENSE
A ocupação da última fronteira de sertão no estado de São Paulo teve início na
primeira metade do século XIX, quando colonos de Minas Gerais se estabeleceram no
Noroeste paulista comprando terras, plantando lavouras, formando os primeiros rebanhos
de gado. O vilarejo deu origem à cidade de São José do Rio Preto, que, 42 anos depois,
em 1894, conquistou a emancipação política tornando-se município.
Os imigrantes árabes, espanhóis, portugueses e italianos aceleraram o
desenvolvimento urbano. Vieram escolas, cartório, fórum, cadeia pública, serviço de
limpeza urbana. Em 1912, com a chegada da Estrada de Ferro Araraquarense surgiu o
entreposto comercial que, mais tarde, transformaria Rio Preto em pólo econômico. Logo,
a cidade que nasceu da saga dos aventureiros e da luta dos pioneiros, passou a ser
referência de desenvolvimento para todo país. Começaram a aparecer os jornais que
davam conta do dia-a-dia do lugar e região. Em 1903 saiu o primeiro deles, O Porvir, um
semanário que circulou até 1919. Em 1924, o jornal A Notícia começou a circular
diariamente. 35
Em 1927, Rio Preto recebe do governo federal a autorização para implantar uma
emissora de rádio. A concessão saiu para a cidade apenas quatro anos depois da
instalação da pioneira Sociedade Rádio Rio de Janeiro, em setembro de 1923. Mas entre
a autorização e a implantação de fato da emissora transcorreram alguns anos. Somente
em 1935 é que a PRB-8 Rádio Rio Preto entrou no ar graças a mobilização de várias
pessoas em especial do dentista Raul Silva (Sorocaba/SP,1887- S.J.Rio Preto/SP,1955).
Encantado com a novidade, ele já havia montado uma emissora artesanal com um altofalante pendurado num bambu gigante no largo da matriz. Logo a população apelidou
aquele embrião de emissora de Rádio Bambu Rachado36. Do próprio consultório, entre
35
GOMES, Leonardo. Gente que ajudou a fazer uma grande cidade, Rio Preto. P. 410
Segundo matéria publicada pela historiadora Dinorath do Valle, no jornal Diário da Região, no dia 28 de
setembro de 1997, a emissora de Raul Silva só tinha alcance na Praça da Matriz: “O cliente do Raul ficava de boca
aberta enquanto ele trocava o disco. Ele tinha um cachorro, chamado Tau, que latia quando o disco parava”,
escreveu a pesquisadora.
36
31
uma intervenção dentária e outra, Raul Silva tocava músicas numa vitrola e falava ao
microfone dando informações e transmitindo recados.
Quando passou a ocupar o cargo de primeiro-secretário da Associação Comercial,
o dentista convenceu a diretoria da entidade da importância de a cidade ter uma emissora
de verdade, alegando que através do rádio comerciantes, produtores rurais e profissionais
liberais, como o próprio Raul Silva, ficariam mais bem informados sobre economia e
política. Além disso, Rio Preto entraria para o seleto rol de cidades possuidoras de
emissoras de rádio, sinal de modernidade e prestígio no início do século XX.
A empreitada, no entanto, não seria barata: pelo menos 2:500$000, dois contos e
quinhentos mil réis. Para levantar a quantia foram sorteadas 45 debêntures entre os
associados dispostos a emprestar o dinheiro37. Quando finalmente a PRB-8 entrou no ar,
em 1935, São José do Rio Preto já era servida por uma linha aérea da Vasp, ligando a
cidade a Ribeirão Preto, Uberaba e São Paulo. Havia dois cinemas e dois jornais diários
em circulação, A Notícia e o Diário de Rio Preto. A instalação da primeira emissora de
rádio foi, portanto, mais uma etapa do desenvolvimento de São José do Rio Preto.
II. 1 - PRB-8: O Pioneirismo da Rádio Rio Preto
A precariedade e o improviso eram marcas das primeiras emissoras de rádio
brasileiras e, em Rio Preto, não foi diferente. Passado o impacto das transmissões iniciais
da PRB-8, os ouvintes não pouparam críticas à qualidade do som. O alcance das
transmissões era limitado e a população não perdoou apelidando a emissora de “Taquara
Rachada”. O transmissor de apenas 20 Watts de capacidade foi montado pela Louzada
Bueno & Cia. Rádio Técnico e Investidores de Alta Freqüência, de Ribeirão Preto. No
ano seguinte, no entanto os proprietários da Rádio Rio Preto trataram de instalar um
equipamento de maior potência e, em 1º de dezembro de 1936, foi inaugurado um
transmissor de 1000 Watts.
37
38
O grupo responsável pela direção da emissora na época
ARANTES, Lelé – Dicionário Rio-Pretense, a história de São José do Rio Preto, de A a Z. P 254
Informações publicadas no dia dezenove de julho de 1964, em reportagem especial sobre os 29 anos de
funcionamento da PRB – 8 Rádio Rio Preto, na página 4 do Suplemento Dominical do jornal A Notícia. O repórter
Pedro Filho aproveitou o aniversário da emissora para resgatar a sua história.
38
32
era formado por João Vicente Ayello, na presidência; Jose Cláudio Louzada no cargo de
superintendente; José da Silva Bueno, como suplente e Raul Silva como Secretário.
A Rádio Rio Preto entrou no ar em 1935 transmitindo para uma região com
intensa atividade econômica. Os programas de maior sucesso eram Recordas, Teatro no
Ar, Programa Cordial e o campeão de audiência o Às suas Ordens. O radialista
Alexandre Macedo foi um dos apresentadores deste último programa e lembra que os
ouvintes pagavam para oferecer músicas. Ele conta que o ouvinte tinha que ir
pessoalmente à emissora para pagar três réis pelo oferecimento, ou o dobro se fosse com
hora marcada: “A fonte de renda da rádio não era só essa. Como a única da cidade, ela
faturava bem com propaganda. Eram textos comerciais de 15, 30, 45 e até 60 segundos.
Era tanto anúncio que um intervalo comercial podia durar até 15 minutos”, lembra
Macedo.
Durante a década de 40, a Rádio Rio Preto manteve-se no ar sem maiores
investimentos, até que na década de 50 a emissora foi comprada pela Rede Piratininga,
dos irmãos José Ângelo e Miguel Leuzzi. Adquiriu novos equipamentos e diversificou a
programação. Realizava campanhas, principalmente nos natais, mobilizando a população
para doar alimentos, roupas e brinquedos que eram distribuídos a famílias pobres em
frente ao prédio da rádio no bairro da Boa Vista.
1 - Festa de Natal na PRB-8
A cobertura desportiva passou a ser uma das principais atrações da rádio. Fazia
transmissão ao vivo de jogos de futebol em cidades da região. Os clubes locais, América
33
Futebol Clube e Rio Preto Esporte Clube, eram notícia em A Marcha do Esporte,
programa comandado por Rubens Muanis (Onda Verde/SP, 1931 -) e Alexandre
Macedo, às seis da tarde. O repórter esportivo do programa era J. Hawilla (S. J. do Rio
Preto/SP 1943)
39
que anos mais tarde, passou a atuar como empresário de televisão e
marketing desportivo. Ele tornou-se radialista com apenas 15 anos de idade na PRB-8 e
lembra do clima de improviso da emissora.
Na verdade o programa era um pastelão, um improviso só. Na abertura
do programa, o Rubens e o Alexandre anunciavam ‘Está no ar a Marcha
do Esporte, um programa... ’, e aí falava o nome do patrocinador, do
apresentador e do operador. Depois entrava uma música de fundo,
daquelas de banda, e dava as manchetes do programa que eram escritas à
mão pelo Rubens que nem sempre caprichava na caligrafia. Então era
uma complicação. 40
As estrelas do cast da Rádio Rio Preto cantavam no programa A Tenda do Adib,
apresentado por Adib Muanis (ilustração 2), irmão mais velho de Rubens Muanis. De
acordo com o álbum Astros e Estrelas do Nosso Rádio em 1957 (ilustração 3), faziam
sucesso na época cantores como Arnaldo Colturato (ilustração 4), que estreou no rádio
aos 12 anos diante do microfone da PRB-8.
2 - Adib Muanis
39
3 - Astros e Estrelas do Nosso Radio
4 - Arnaldo Colturato
J. Hawilla é dono da Traffic, empresa de marketing esportivo. Em 2003 adquiriu o controle de três emissoras da
TV Globo, no interior de São Paulo (Bauru, Sorocaba e S. J. do Rio Preto) com as quais criou a TV TEM. Hoje a
rede regional tem área de cobertura quase 50 por cento do território do estado.
40
Em depoimento prestado ao Projeto Memória do Rádio do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio
Histórico, Artístico, Cultural e Turístico de S. J. Rio Preto, no ano de 1990.
34
A paraibana Maria Lúcia (ilustração 5), cantora com passagem pelas rádios de
Bauru, Marília, Votuporanga e até na Rádio Nacional do Rio de Janeiro, também se
apresentou na “B-8”. E ainda Maria Luzia (ilustração 6), descoberta no programa de
calouros, Degraus do Sucesso, era presença freqüente em A Tenda do Adib. Um terceiro
irmão Muanis (ilustração 7), o caçula César, que também atuava na rádio aparece no
álbum Astros e Estrelas de Nosso Rádio fazendo pose de galã.
5 - Maria Lúcia
6 - Maria Luzia
7 - Cesar Muanis
O público infantil tinha espaço na programação da Rádio Rio Preto com O Clube
da Cirandinha (ilustração 8). O programa era apresentado por Adib Muanis e promovia
concursos de talentos mirins além de eleger as princesas e a Rainha do Clube. No final, a
vencedora vestida de rainha sentava-se no trono. As demais finalistas ganhavam uma
boneca e o privilégio de ficar ao lado do trono da rainha do Clube da Cirandinha.
8 – O Clube da Cirandinha e seu apresentador Adib Muanis
35
Na apresentação do álbum Astros e Estrelas do Nosso Rádio, escrita pela
radialista Wilson Guimarães, o público radiouvinte foi convocado a valorizar os artistas
da terra e incentiva-los.
Aqui estão em dados sintéticos as biografias de todos aqueles que, de
algum modo ou de outro, com menor ou maior destaque, emprestam sua
colaboração à radiofonia riopretense. São eles, prezado leitor, os astros e
estrelas do nosso rádio, um rádio modesto, mas que é nosso, e como tal
deve sempre ser encarado por você. Que precisa continuar a estimulá-lo
e a querê-lo como se deve querer tudo aquilo que nos pertence.
É necessário mencionar que por ser entroncamento para o estado de Goiás, Sul de
Minas Gerais, Norte do Mato Grosso e Paraná e regiões Noroeste e Oeste do Estado de
São Paulo, nos decênios de 40, 50 e meados de 1960 todas as duplas caipiras faziam
pouso na cidade antes de se dirigir a essas regiões. Utilizavam-se do rádio para
divulgação de seus discos e anúncios de apresentações nos circos, fazendas, praças
públicas ou onde quer que fossem convidadas. Eram entrevistadas em programas de
estúdio como de Silveira Coelho41 e Preto Velho, um dos mais famosos da PRB-8 Rádio
Rio Preto, e passagem obrigatória para os artistas em turnê pelo interior do Brasil. Os
dois formavam uma dupla de características semelhantes a outras famosas nas emissoras
da capital como Alvarenga e Ranchinho e Jararaca e
Ratinho.
Tal
programa,
recheado
de
humorismo,
comportava também apresentações de verdadeiras
“pratas da casa” rio-pretenses como o Seresteiro
Osvaldo Marques (ilustração 8), cantor de muito sucesso
nessa época, tendo também feito parte do elenco das
radionovelas da Rádio Difusora.
9 - Osvaldo Marques e seu violão
41
Antonio José da Silveira Coelho (Piracicaba, 1930 – Rio Preto, 2000) atuou como radialista e apresentador de
programas caipiras, de 1945 a 1974, em dupla com Preto Velho, na PRB-8 Rádio Rio Preto. Atuou também nas
Rádios Cultura, Difusora de Mirassol, Rádio Piratininga, Difusora, Brasil Novo e Onda Nova FM de São José do
Rio Preto. Foi apresentador de “A Porteira do 8”, juntamente com Véio Tatau, Cuiabano, Gentil Rossi e Jaborã, no
canal 8, retransmissor regional da TV Record. Esse programa, que persiste até o momento em que esta pesquisa se
realiza, é pioneiro no Brasil no enfoque exclusivo de duplas caipiras, tendo iniciado nele duplas da chamada
“Jovem Música Sertaneja”, como Chitãozinho e Xororó, César e Paulinho e muitas outras.
36
II. 2 - O trágico desaparecimento do Chico Belarmino
O radialista Zacharias Fernandes do Valle foi um dos astros do rádio rio-pretense,
encarnando um caipira no programa A fazendinha do Chico Belarmino. A iniciativa de
publicar uma revista em homenagem aos artistas da PRB-8, o álbum Astros e Estrelas do
nosso Rádio, partiu dele. Zacharias conseguiu patrocínio de 16 lojas e firmas locais para
publicação, entre elas O Paraíso do Long-Play, Escola de Corte e Costura Brasil, Clínica
Nossa Senhora Aparecida e Casa Armênia. Graças ao álbum os ouvintes puderam ver os
rostos de 32 radialistas, dos quais conheciam apenas as vozes. A fotografia do próprio
locutor (ilustração 9) revelou que ele era “boa pinta”, como se dizia na época o que
reforçou sua fama de conquistador.
Representando
o
personagem
Chico
Belarmino, Zacharias entrava no ar diariamente às
seis horas da manhã, tocando música caipira,
respondendo cartas, acordando os ouvintes para a
lida na roça. Além de bonitão, tinha uma enorme
facilidade em imitar sons dos animais e de inventar
vozes de personagens caipiras, daí o seu sucesso. A
secretária da rádio, Albertina Batista (Bálsamo/SP,
1928 -), o ajudava na produção do programa,
organizando as cartas enviadas pelo público. Ela
garante que o locutor era um bom colega de trabalho
e muito respeitoso com as funcionárias de emissora.
10 - Zacharias Fernandes do Valle
O Zaca era mesmo muito bonito, mas era namorador só fora da rádio.
Recebia muitas cartas, umas cinqüenta por semana. Durante a
Fazendinha do Chico Berlarmino ele contava piadas e imitava os sons
dos animais da fazenda para ambientar o programa: mugido de vaca,
cacarejo de galinha, ronco de porco. Fazia também todo tipo de
personagem caipira. Os ouvintes pediam músicas e mandavam poesias
que ele declamava muito bem. 42
42
Em depoimento gravado pela autora em março de 2004.
37
Divulgar os filmes em cartaz em Rio Preto era outra tarefa de Zacharias
Fernandes do Valle, uma prestação de serviço importante numa cidade em que, além do
rádio, o cinema era a maior diversão. Ele informava os horários das sessões nos Cines
Ipiranga, São Paulo e Rio Preto no centro e nos Cines Boa Vista, Esplanada e Tropical
nos bairros. A seguir dois exemplos de sinopses lidas por Zacharias, que a escritora
Dinorath do Valle usou como epígrafe dos capítulos de seu livro Pau Brasil .43
No Cine Ipiranga, às 19h40 e 21h30, Blythe Danner e Edward Hermann
protagonizam Um Caso de Amor, a verdadeira história de Lou Gehring,
um dos maiores astros da história do beisebol e seu amor por Eleonor.
Mostra os momentos de glória do casal até que se descobre que Lou
sofre de uma doença incurável.
No Cine São Paulo, em sessão única às 20 horas, Richard Greena é
Robin Hood, o Invencível. Um homem ferido foge para a floresta de
Sherwood, domínio de Robin Hood e seus arqueiros. Antes de morrer,
revela uma conspiração para matar o Arcebispo de Canterbury. Robin
Hood e seus amigos enfrentam o terrível Conde de Newark.
No auge da carreira de radialista e com apenas 32 anos de idade, Zacharias
Fernandes do Valle morreu vítima de assassinato no dia 14 de agosto de 1963. O crime
abalou a cidade e aconteceu quando Zacharias saía de casa para apresentar o programa
Fazendinha do Chico Belarmino. O jornal A Notícia destacou o crime na primeira página
(ilustrações 10 e 11).
11 - A reportagem sobre o crime
43
12 - Pouco antes de morrer
VALLE, Dinorath. Pau Brasil. Premio Casa das Américas, Havana. São Paulo: Hucitec/Secretaria de Estado da
Cultura, 1984.
38
A enorme família de radialistas e jornalistas de nossa terra amanheceu o
dia de ontem coberta de luto com o desaparecimento prematuro de um
de seus mais destacados elementos. Zacharias Fernandes do Valle, brutal
e covardemente abatido a tiros de revólver, quando deixava às seis horas
da manhã a sua casa para iniciar a luta diária que se estendia até altas
horas da noite.
(Jornal A Notícia - 15/08/1963 – Pg. 1)
Ao comentar o trágico acontecimento, o hoje empresário J. Hawilla lembra que
foi Zacharias que o levou para a PRB-8. “Eu morava perto da rádio e jogava futebol
numa rua próxima. O Zacharias freqüentava aquela rodinha nossa. Eu vivia transmitindo
jogo ficticiamente, simulando microfone com uma caixa de fósforos. Um dia ele me
chamou para fazer teste para locutor”, disse J. Hawilla em depoimento prestado em maio
de 2004.
O autor dos disparos que mataram o radialista foi apresentado poucos dias depois:
era o professor universitário Paulo Nogueira de Camargo, pai de Dalila Regina que
estava grávida. De acordo com os jornais, Zacharias Fernandes do Valle teria seduzido a
garota e mesmo pressionado pelo pai dela, recusou-se a casar. A defesa alegou que o réu
atirou no radialista em legítima defesa da honra e conseguiu absolvição por seis votos a
um.
Até hoje aqueles que conheceram Zacharias lamentam sua morte prematura. O
radialista Alexandre Macedo chegou a fazer uma crônica radiofônica questionando o
julgamento que aconteceu dois meses depois do crime: “Eu questionei a rapidez, por que
os processos em geral demoravam um ano ou mais e aquele foi rápido. Insinuei que
como o acusado era um professor da faculdade de filosofia deram um jeito de absolver o
homem”. Para o empresário J. Hawilla o advogado de defesa contratado na capital fez a
diferença.
O advogado fez um júri brilhante e conseguiu convencer os jurados que
o assassinato foi um ato de extrema emoção porque a filha estava
grávida solteira. Naquela época o pai se sentia no direito de matar quem
deflorava a filha. O crime causou uma comoção na cidade porque o
Zacharias era muito querido pelo povo por causa do Chico Belarmino.
39
II. 3 - Vozes femininas
Pelo microfone da PRB-8 predominavam as vozes masculinas, mas havia um
horário em que eles não tinham vez: o Momento Feminino, programa apresentado por
Laura Nice e transmitido às dez da manhã.
Era uma revista de meia hora, com
informações úteis para as donas-de-casa: conselhos sobre postura, boas maneiras,
receitas culinárias ou trajes para serem usados em bailes e festas. Uma outra voz
feminina passou a fazer parte do programa, quando Albertina Batista foi admitida como
secretária da emissora em 1951 (ilustração 12). Ela auxiliava na produção e também
falava ao microfone, o que deu um clima mais descontraído ao horário.
13- Momento Feminino com Laura Nice (de óculos) e Albertina Batista
Apresentar sozinho era ruim devido à parte comercial. Como era um
bate papo, em duas era melhor. Cada dia tinha um tipo de conselho. Era
parecido com os programas femininos da TV de hoje. A gente escolhia
em livros especializados o conselho do dia e as ouvintes escreviam
pedindo dicas de beleza. Tinha prefixo musical e abertura: ‘No ar
44
Momento Feminino apresentação de Laura Nice e Albertina Batista’.
Em 1954, Albertina Batista passou a ser apresentadora titular do Momento
Feminino, porque Laura Nice deixou a rádio para se casar. Sua auxiliar era Águeda Sales
que também era funcionária administrativa da emissora. O programa era notícia
freqüente na coluna Rádio & Discos, do jornal A Notícia (Ilustração 13).
44
Em depoimento gravado pela autora em março de 2004
40
Lançado há vários anos pela Rádio Rio Preto, o programa “Momento
Feminino” continua mantendo um elevado nível de audiência. Albertina
Batista que redige e apresenta a audição cuida com muito carinho de
Momento Feminino quer selecionando o seu material que são sempre
conselhos úteis à mulher e seu lar, quer pela orientação do programa
sempre procurando auxiliar as donas de casa nos seus complicados
problemas cotidianos.
(Coluna Rádio e Discos 03 de março de 1962 – A Notícia/ Pg. 6)
Momento Feminino – Um programa tradicional da Rádio Rio Preto, que
tem sua sintonia absoluta do horário, quando as locutoras Agueda Sales
e Albertina Batista, fazem uma excelente apresentação, dirigindo suas
palavras às ouvintes. Recomendamos as nossas leitoras que ouçam
diariamente, porque de fato trata-se de um ótimo programa feminino.
(Coluna Rádio e Discos 20 de junho de 1962 – A Notícia/ Pg. 6.)
14 – Reprodução da coluna Radio e Discos
Naqueles tempos, profissional de rádio tinha que ser tão eficiente quanto
polivalente. Além de secretária administrativa e apresentadora de programa feminino,
Albertina Batista também se desdobrava na produção dos radioteatros transmitidos pela
PRB-8. Datilografava os scripts, distribuía-os para os atores e ainda atuava como contraregra, fazendo o som ambiente das cenas ao vivo. Ela não se esquece das encenações dos
textos escritos por Lisbino Pinto da Costa, um ex-detento do Instituto Penal Agrícola de
São José do Rio Preto e colaborador da rádio.
O Lisbino como foi presidiário gostava de estórias de bar, de bebidas, de
briga. Nas cenas de bar tinha que dar idéia de gente bebendo, então eu
levava garrafa com água e copos para despejar perto do microfone. Se
houvesse uma briga eu jogava cadeira no chão, quebrava a garrafa e os
41
copos. Depois enquanto os atores estavam lá interpretando no microfone
eu ia devagarzinho catando os cacos de vidro.
Albertina Batista teve participação importante também em outra peça de Lisbino
Pinto da Costa que tinha como cenário o ambiente de uma penitenciária. Em uma das
cenas foi preciso reproduzir no estúdio o ruído dos passos do soldado que fazia a
vigilância nos muros da prisão. O personagem interpretado por Rubens Muanis era um
detento que fazia um monólogo de mais de dez minutos. Albertina ficou marcando passo
pelo estúdio ao longo de todo este tempo. Terminou a cena exausta.
O sujeito reclamava da vida, da prisão e enquanto isso a sentinela ficava
andando para lá e para cá. O estúdio não era de tábua e sim ladrilho. Eu
usei um sapato com salto de madeira bem alto e durante o monólogo
todo eu tive que caminhar de forma cadenciada pelo estúdio para dar a
idéia dos passos da sentinela. Quando acabou eu caí na cadeira, não
agüentava mais andar.
II. 4 - Auditório Raul Silva
Em 19 de julho de 1960, a rádio inaugurou o moderno Auditório Raul Silva com
500 poltronas estofadas para acomodar o público durante os programas ao vivo da
emissora. Na época houve um show com cantores famosos Cely Campello, Agnaldo
Rayol e Adelaide Chiozzo.
No álbum comemorativo as fotografias mostram um auditório completamente
lotado (Ilustração 14). A cantora Adelaide Chiozzo com seu acordeão, foi fotografada
ao lado dos patrocinadores, os dirigentes da Casa de Móveis Puppin. (Ilustração 15).
15- Público lota auditório da PRB-8
16 - Adelaide e os dirigentes da Casa Puppin
42
A solenidade, seguida de um banquete no tradicional Automóvel Clube de Rio
Preto, foi acompanhada de perto pelo principal locutor da Rádio Rio Preto, Adib Muanis,
que aparece na maioria das fotos com seu equipamento de reportagem ao vivo. A seguir,
microfone em punho, ele acompanha o discurso do dono da Rede Piratininga de Rádio,
Miguel Leuzzi (ilustração 16). Vale registrar que à sua direita, ao fundo, vemos o gerente
da Radio Rio Preto Fuad Mimessi. Assentado de óculos, o prefeito de Rio Preto,
Philadelpho Gouvêa Neto.
17 - Muanis e o dono da PRB – 8 (álbum de família)
A coluna Rádio e Discos, publicada diariamente pelo jornal A Notícia, fazia
questão de destacar as qualidades da rádio pioneira de Rio Preto. No dia 19 de julho de
1964, elogiou a qualidade das instalações da PRB-8.
Atualmente a emissora possui instalações moderníssimas contando com
uma das mais bem montadas aparelhagens técnica do interior.
Atualmente trabalham na B-8 perto de 40 funcionários. Os programas de
maior audiência são Tribunal da Música, Onda Esportiva, Programa
Roberto Souza e Telefone pedindo bis. Às doze horas vai ao ar um
completo noticiário da cidade, da região, do país e do mundo.
A Rádio Rio Preto reinava absoluta junto ao público do Noroeste Paulista que
através das suas ondas, recebia também a influência econômica e cultural irradiada pela
cidade de São José do Rio Preto. Ela só começou a ter concorrência em 1957 com a
inauguração da Rádio Difusora. A PRB-8 foi uma escola para toda uma geração de
43
profissionais de rádio locais tornando-se referência para as emissoras que vieram depois.
Ela ficou no ar até 1974 e nunca mais voltou a funcionar.
II. 5 – Na Difusora a atração eram as novelas
A Rádio Difusora Rio-pretense foi a segunda emissora instalada em Rio Preto, em
1957. Como também pertencia a Rede Piratininga, ou seja, era uma emissora co-irmã,
ela não chegou abrir concorrência acirrada pela audiência com a PRB-8. O forte da sua
programação eram as radionovelas produzidas pela própria emissora e com atores locais.
Nas datas religiosas importantes da Igreja Católica, como a Semana Santa a Difusora
transmitia encenações especiais, como O Sinal da Santa Cruz, no ano de 1962. A coluna
Rádio e Discos noticiou a produção.
Está sendo anunciado um extraordinário lançamento para a Semana
Santa, nas emissoras locais. Trata-se de uma produção de Lisbino Pinto
da Costa intitulada “O Sinal da Santa Cruz”. Conforme tive
conhecimento, esta peça religiosa focalizando a vida de Jesus, será
apresentada em duas etapas, das 10 às 12 horas e das 14 às 16 horas.
Patrocínio Bel Café, o café gostoso de tomar.
(Coluna Rádio & Discos 06 de abril de 1962 - A Notícia / pg. 6)
Dramaturgia radiofônica genuinamente rio-pretense com textos e roteiros escritos
por Lisbino Pinto da Costa, que quando saiu da prisão, assumiu a direção artística da
emissora, a convite do diretor da emissora Egydio Lofrano.45 Os dois aparecem juntos na
ilustração 17, Lisbino é o de óculos.
18 - Egydio e Lisbino discutem texto de radionovela
45
Lisbino Pinto da Costa era oficial da Força Aérea Brasileira e cumpriu pena no Instituto Penal Agrícola em São
José do Rio Preto por ter matado a esposa. Foi descoberto por Egydio Lofrano, radialista que ao assumir o comando
da radio Difusora convidou o ex-detento para trabalhar na emissora.
44
As radionovelas de Lisbino Pinto da Costa faziam sucesso junto ao público e
contavam com patrocinadores importantes. Os ouvintes além de acompanhar os capítulos
pelo rádio também gostavam de assistir as encenações ao vivo no estúdio da emissora
localizado no edifício Santa Maria, centro da cidade. Os atores e atrizes eram ídolos
locais. Na ilustração 18, vemos em cena (da esquerda para direita) Maria Aparecida,
Sonia Regina, o diretor da rádio, Egydio Lofrano, que também atuava, e Maria Helena.
19 - Atores da Difusora em cena (reprodução)
No início da década de 60, a Difusora tinha várias radionovelas no ar durante a
semana conforme registros do jornal A Notícia.
O elenco de radioteatro da Rádio Difusora se prepara para encenar uma
novela religiosa sobre a vida de Santa Rita de Cássia, com texto de
Lisbino Pinto da Costa. A radionovela irá ao ar 2ª, 4ª e 6ª feira às 20:30,
e marca a estréia de uma nova atriz no elenco da Difusora.
(Coluna Rádio e Discos 18 de janeiro de 1962 – A Notícia/ pg.5)
BORRASCA é o grande sucesso do Teatro do Café Cimo 2ª 4ª e 6ª
feiras pela Difusora, às 19:00. Parabéns a Lisbino Pinto da Costa por
esta magnífica novela, que nos traz uma história violenta e diferente
tendo por cena o cais do Porto de Santos.
(Coluna Rádio e Discos 16 de fevereiro de 1962 - A Notícia/ pg. 6)
45
BEN-HUR. Uma história dos tempos de Cristo, está no momento mais
interessante da novela sob patrocínio do Pastifício Rio Preto S/A, pois
atingindo ao capítulo 51, mostra os sofrimentos de Jesus Cristo, em
direção a cruz e a terrível ansiedade de Ben-Hur, muito bem vivido por
César Muanis, coadjuvado por todo o elenco da Difusora. Mais uma
produção e direção de Lisbino Pinto da Costa.
(Coluna Rádio e Discos 17 de fevereiro de 1962 - A Notícia/ pg.6)
OS BRUTOS SÃO COVARDES. No setor radiatral da Rádio Difusora
Rio-pretense Ltda, temos um novo lançamento. Trata-se da novela
original de Lisbino Pinto da Costa “Os brutos são covardes”, que
focaliza a história de um homem mal que tenta destruir a todos, inclusive
sua própria família. Uma história violenta que por certa deixará os
ouvintes de novelas em suspense. Horário das 19:00, às 2ª, 4ª e 6ª feiras
sob o prestígio do Café Cimo – o melhor.
(Coluna Rádio e Discos 23 de maio de 1963 - A Notícia/ pg. 6)
Em agosto de 1962 diante do sucesso da novela Em cada coração... uma
esperança, a Difusora decidiu encenar o último capítulo na casa de uma ouvinte. De
acordo com o jornal A Notícia, uma multidão tomou conta de uma rua no bairro Vila
Ercília, na zona norte da cidade, para a apresentação no jardim da casa da ouvinte Ida
Barros. A filha dela, Bárbara, mandou uma carta acertando o final da novela e foi
premiada com a apresentação em sua própria casa. A coluna Rádio e Discos, do dia 23
de agosto de 1962, informou que o público aproveitou para conhecer de perto os artistas.
A residência da Sra. Ida Barros estava toda iluminada e notou-se uma
aglomeração extraordinária. Centenas de ouvintes da novela lotavam
completamente a residência e a rua, ficando pessoas espalhadas pelo
meio da rua, curiosas por conhecer os intérpretes da novela que alcançou
invulgar sucesso. Pela primeira vez no “hinterland paulista” viu-se o
público feminino solicitar autógrafos de artistas de radio-novelas e foi
então que o galã Hitler Fett, a ingênua Daura Scarambone; a sentimental
Neusa Silva; o português Osvaldo Marques; e os demais componentes da
novela, sentiram bem de perto o carinho dos ouvintes que sintonizam
diariamente os diversos horários de novelas da Difusora.
(Coluna Rádio e Discos 22 de agosto de 1962 – A Notícia/ pg. 5)
Estava presente, ainda, o autor Lisbino Pinto da Costa que também viveu um dos
personagens da novela, Dr. Renato Luiz, “um médico que odiava o filho porque o
mesmo nascera aleijado”. Segundo o jornal, a apresentação externa do capítulo final da
novela só foi possível graças ao empenho do seu patrocinador: “Segunda Feira passada,
46
o Café Cimo, firma proprietária de Celso A. Ribeiro conduziu todo o elenco radiatral das
emissoras da Rede Piratininga à Rua Armando Sales, 107 – Vila Ercília – a fim de
irradiar o último capítulo da novela Em cada coração... Uma esperança”.
Ao investir no segmento de radionovelas, a Difusora conquistou anunciantes e
ouvintes, sem, no entanto, bater de frente com a PRB-8 que concentrava sua
programação em musicais e na cobertura jornalística da cidade e futebol. A convivência
era harmônica a ponto de radialistas de uma atuar na outra sem maiores problemas. O
público até achava natural o vai e vem de vozes de uma emissora para outra. A Rádio
Difusora fechou as portas em 1975.
II. 6 – Rádio Cultura: Mais uma da Rede Piratininga
A implantação da terceira emissora de São José do Rio Preto, a Rádio Cultura
ZYR 242, pela Rede Piratininga, em 1960, fazia parte da estratégia dos irmãos Leuzzi de
concentrar ao máximo a radiodifusão na maior cidade do Noroeste Paulista. A Rádio
Cultura funcionava anexa a PRB-8 Rádio Rio Preto. O segmento de programação foi o
musical, mas em alguns períodos procurou se diversificar. Em agosto de 1962, por
exemplo, foi lançado o Grande Teatro da Rádio Cultura, sob patrocínio da loja
Eletrolar, com textos da escritora Cacilda Rezende, mas sem o mesmo sucesso das
radionovelas da Difusora.
Em 1964, foi lançada uma nova grade de programação, chamada Esquema 64,
com uma linha de programas que priorizava a participação dos ouvintes. No Teatrinho
da Alegria, criado pelo radialista Pedro Lopes e voltado para o público infantil, as
crianças recebiam uma carteirinha com fotografia atestando que elas eram sócias do
programa. Outra atração era o Clube dos Ouvintes, cujos participantes também recebiam
uma carteirinha e tinham direito de pedir música e participar de todos os sorteios do
programa.
As três emissoras da Rede Piratininga monopolizavam a radiofonia em Rio Preto,
mas não eram sinônimo de qualidade técnica, pelo menos é o que fica claro na coluna
Rádio e Discos em uma nota publicada no dia 11 de abril de 1962.
47
Me contaram coisas de arrepiar a respeito da parte técnica das três
emissoras locais. Aparelhagem velha, mesa de sons funcionando só com
um prato e assim mesmo quando funciona; pick-up defeituosa, agulha
defeituosa, microfones enguiçados, transmissores que não mantém
rendimento necessário enfim uma verdadeira decadência. E o pior é que
os coitados dos operadores é que pagam o pato. Vejam bem: para dar
vazão aos jingles, eles têm que rodar o prato com o dedo. Como não
poderia deixar de ser a rotação não sai certa e ouvem-se vozes em 33, 45
e 78 rotações num mesmo jingle. Que isso pessoal... Essa é a melhora
que os senhores prometeram aos ouvintes? Três emissoras, cada uma
pior do que a outra? Será que o superintendente sabe disso? É preciso
melhorar mesmo, não só na conversa e sim na ação!
(Coluna Rádio e Discos 11 de abril de 1962 - A Notícia/ pg. 6)
Provavelmente a falta de concorrência entre as emissoras explica esta situação que
só começou a mudar em dezembro de 1962, com a chegada da Independência AM
trazendo um novo conceito de rádio para a cidade e região e transformando
definitivamente o mercado radiofônico.
48
III - INDEPENDÊNCIA 1290 AM: NOVO CONCEITO NO AR
A hegemonia das emissoras da Rede Piratininga em São José do Rio Preto
começou a ser afetada com a chegada da Rádio Independência AM que introduziu uma
programação diferente de tudo o que se fazia na cidade. A proposta do proprietário da
concessão, o empresário Maurício Goulart (Petrópolis/RJ, 1908 – S. J. do Rio Preto/SP,
1983), era trazer para o Noroeste Paulista o padrão radiofônico semelhante ao das
emissoras das grandes capitais. E como veremos, na maior parte dos seus 33 anos de
existência, a Independência desempenhou de fato um papel de vanguarda na história riopretense.
Essa história de sucesso, no entanto, começou longe de São José do Rio Preto e
bem antes de inauguração da rádio, no dia 9 de dezembro de 1962. No município
mineiro de Fronteira, às margens do Rio Grande, na divisa de Minas Gerais e São Paulo,
onde Maurício Goulart possuía uma usina de açúcar em torno da qual cresceu a cidade
fundada por ele próprio. Ex-revolucionário do Movimento Constitucionalista de 1932,
jornalista e historiador, Goulart escreveu em 1949 o livro Escravidão Africana no Brasil
– Das origens à extinção do Tráfico, publicado pela Livraria Martins Editora. 46 Afora a
atividade intelectual, Maurício Goulart cultivava relações com o Governo Federal desde
os tempos de Getúlio Vargas. Suas ligações políticas lhe renderam, além do
financiamento federal para instalação da usina em Fronteira, mais duas concessões de
rádio, uma em Fronteira e a outra em São José do Rio Preto, cidade da qual tentou ser
prefeito nas eleições de 1959, e foi derrotado por Alberto Andaló.
46
Em crítica publicada na Folha da Manhã em 2 de agosto de 1950, Sérgio Buarque de Holanda considerou o livro
de Maurício Goulart uma contribuição exemplar e de consulta obrigatória pelos estudiosos do assunto. A seguir um
trecho de seu comentário “Depois dos estudos sucessivos de um Calogeras, de um Simonsen, de um Taunay, entre
poucos mais, sobre os números de trafico africano para o Brasil, parecíamos ter alcançado o extremo limite de
precisão possível em domínio tão naturalmente vago. O milagre do sr. Mauricio Goulart, em seu livro recente sobre
a Escravidão Africana no Brasil - Das Origens à Extinção do Trafico (São Paulo, Livraria Martins Editora, S. A.,
s.d.), está em ter conseguido introduzir neste assunto algumas precisões importantes e mal suspeitadas. E também
em ter podido construir um livro dos mais ricos e estimulantes que se podiam desejar, a propósito de controvérsia
tão
árida
e,
à
primeira
vista,
tão
fútil”.
A
íntegra
da
crítica
encontra-se
em
www.folha.uol.com.br/folha/almanaque/sergiobuarque_africanos.htm
49
O destino colocou no caminho de Maurício Goulart o radialista Alexandre
Macedo, locutor da Rádio Rio Preto que se transferiu para Fronteira depois de se casar
com a professora primária Ioli. A família dela, de origem italiana, só permitiu a união
depois que o noivo desistiu da carreira na PRB-8. Em Fronteira, Macedo abriu uma
farmácia e conheceu Goulart de quem ficou amigo. Ele lembra que o nome da nova
emissora foi decidido numa conversa dos dois: “Um dia Maurício me falou que estava
em dúvida entre dois nomes: Liberdade e Independência. Sabendo que eu era de rádio
pediu-me opinião. Eu disse que Independência era melhor, ele concordou, e ficou
Independência”.
De volta a São José do Rio Preto, Alexandre Macedo, ainda passou uma
temporada na PRB-8. “A Rádio Rio Preto fez uma proposta boa para eu voltar.
Ofereceram salário dobrado, algumas vantagens e aí compensou fechar a farmácia em
Fronteira e vir embora”, disse ele lembrando que saiu novamente em 1962 quando
Maurício Goulart o convidou para ser diretor artístico na Independência AM. A rádio
estava em fase de montagem, e os rumores sobre a nova emissora chegaram rapidamente
às páginas da imprensa local. As notas publicadas pelo jornal A Notícia dão uma idéia da
expectativa gerada no mercado com a inauguração da Independência AM.
Ouvi dizer que na próxima semana será iniciada a montagem da Rádio
Independência em Rio Preto. A emissora, que pertence ao Dr. Maurício
Goulart e Júlio Cozzi, deverá entrar em funcionamento ainda este ano.
Tem muito radialista que anda sonhando com a nova estação
transmissora. Segundo consta a B-8 e a Difusora vão perder seus cobras.
(Coluna Rádio e Discos, 24 de fevereiro de 1962 – A Notícia/ pág. 6)
Causou sensação a nota que divulguei ontem sobre a instalação de uma
nova emissora na cidade. A secretária cansou de atender telefonemas de
gente curiosa sobre a Rádio Independência. Todos queriam saber onde
vai funcionar, quem são os astros e estrelas do novo prefixo e outras
perguntas curiosas. Por enquanto não sabemos nada sobre o novo quadro
de funcionários da Independência. Mas é quase certo que muitos valores
da terra serão aproveitados e virão outros de fora.
(Coluna Rádio e Discos, 25 de fevereiro de 1962, A Notícia/ página 9)
Os estúdios da Independência AM estavam sendo montados em um prédio na
esquina mais movimentada de São José do Rio Preto: Rua Bernardino de Campos com
Rua Marechal Deodoro da Fonseca. As instalações ocuparam toda a sobre loja do
50
novíssimo Edifício João Bassit, um dos mais altos, com seus seis andares.
47
A
contratação de funcionários e a chegada de equipamentos foram acompanhadas pela
coluna Rádio e Discos.
Deverão chegar amanhã à nossa cidade os técnicos encarregados da
instalação da torre da rádio Independência. Com essa providência a nova
emissora rio-pretense deverá estar no ar em junho, pelo menos é essa a
intenção dos seus proprietários. Consta ainda que toda aparelhagem já
foi adquirida e é tudo o que existe de mais moderno em matéria de
transmissores, mesa de sons, microfones, etc.
(Coluna Rádio e Discos, 27 de fevereiro de 1962 – A Notícia/ pg. 6).
Mas o processo de instalação da Independência se prolongou e o jornal passou a
alertar as outras emissoras sobre a necessidade de melhorar, já que a concorrente
prometia qualidade técnica e programação inovadora. Esta outra nota chama atenção
sobre o nível das transmissões feitas na época.
Enquanto a Rádio Independência não vem, os homens da Rede
Piratininga deixam o barco correr. Mas quando a nova emissora começar
a funcionar, os ouvintes verão a correria para melhorar as três estações
daquela organização. Se é para melhorar porque não começar já? As
transmissões externas continuam sendo feitas pelo sistema pré-diluviano.
Tudo caminha como dantes, isto é, no tempo do Bambu Rachado.
(Coluna Rádio e Discos, 27 de fevereiro de 1962 – A Notícia/ pg. 6)
Enquanto a Independência não entrava no ar,
Maurício Goulart se envolvia em campanha política, de
olho em uma vaga na Câmara Federal. Candidatou-se
pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN) que integrava a
Frente Janista de Rio Preto e no dia nove de outubro de
1962 elegeu-se deputado federal pela região de São José
do Rio Preto. Seu slogan de campanha segundo anúncio
publicado na primeira página de A Notícia era: “Vote
em candidato de nossa região. Ninguém conhece os
20 – Deputado Maurício Goulart
47
A fachada em semi-circulo e forrada de pastilhas azuis são característica do estilo modernista. A região ainda é
hoje o centro nervoso da cidade, pois concentra comércio, bancos e serviços, mas o prédio onde a Independência
AM funcionou, abriga apenas um punhado de escritórios.
51
problemas da região que não conhece”.
Maurício Goulart reelegeu-se em 1966, mas as duas vitórias na Câmara Federal,
não diminuíram a frustração de não ter sido prefeito de Rio Preto, conforme informou o
colunista social rio-pretense Nenê Homsi (S. J. Rio Preto, 1939 -), amigo das rodas de
boêmia: “Ele queria ser prefeito de qualquer jeito. Acho até que mais do que deputado
federal. Uma vez eu o ouvi dizer que a derrota era uma cicatriz que jamais iria se
apagar”. 48 Como deputado federal Maurício Goulart não chegou a se destacar, talvez até
por circunstâncias históricas, pois em 1964 veio o golpe militar que limitou as ações do
Congresso Nacional.
Com a vaga de deputado federal assegurada Maurício Goulart, não economizou
na instalação da Rádio Independência. Quem estava à frente da parte operacional era seu
sócio Júlio Cosi, publicitário fundador, em 1937, da Associação Paulista de Propaganda
que tinha também larga experiência radiofônica, pois fora diretor das Rádios América e
Panamericana de São Paulo. Além de dinheiro, os dois sócios tinham também muito
prestígio político junto ao governo federal e a maior prova disso foi dada no dia em que a
emissora foi finalmente inaugurada, em nove de dezembro de 1962.
21 – Antenas e transmissores da Independência
48
Em depoimento gravado pela autora em janeiro de 2005.
52
O Presidente da República João Goulart, foi a Rio Preto para a solenidade de
inauguração da Independência AM. Naquele dia, o avião da Força Aérea Brasileira
pousou no aeroporto da cidade trazendo a comitiva presidencial, mais o governador de
São Paulo, Carvalho Pinto. Todos seguiram de carro para o centro da cidade onde
ficavam os estúdios da emissora. A cobertura montada para o evento previa repórteres
posicionados ao longo do percurso e um locutor no estúdio fazendo a passagem entre as
entradas ao vivo. Este locutor era um novato, Pedro Lopes, que se viu surpreendido com
a missão de ser o primeiro a entrevistar o presidente da república. Ele conta que houve
congestionamento no caminho e a equipe de repórteres ficou presa: “Acontece que a
caravana foi muito extensa. Havia muitos carros vindo do aeroporto até o centro da
cidade. Não deu tempo de os repórteres chegarem ao estúdio da rádio. Sobrou para mim
receber o presidente”. 49
22 – Manchete de A Notícia sobre a visita de Jango
A inauguração da Rádio Independência transformou-se em manifesto de apoio ao
presidente que procurava se sustentar no cargo desde a crise política gerada pela
49
Em depoimento prestado ao Projeto Memória do Rádio do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio
Histórico, Artístico, Cultural e Turístico de S. J. Rio Preto, no ano de 1990.
53
renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961. Apesar do sobrenome igual,
Maurício Goulart e Jango não tinham parentesco. Mais do que aliados políticos eles
eram amigos.
23 - O presidente João Goulart sendo cumprimentado pelo publicitário Júlio Cosi
III. 1 - Coluna social, shows, boate: o marketing da Independência.
Além da solenidade oficial, a festa de início das transmissões da Rádio
Independência contou também com um show em praça pública. O jornal A Notícia
noticiou na semana da inauguração, quais artistas se apresentariam na cidade.
O acontecimento será marcado por um magnífico show, sábado às 20
horas, na Praça D José Marcondes com a participação de renomados
cartazes do rádio brasileiro. Aqui estarão Rosana Toledo, estrela de
primeira grandeza do cenário artístico nacional e uma das cantoras mais
lindas do rádio e da televisão. Francisco Egidio, colored cantor,
considerado pela crítica como o mais perfeito da radiofonia brasileira;
Nívia Marques, artista do rádio, do cinema e da TV, e ainda Renato
Peres e sua Orquestra.
(Jornal A Notícia, 06/12/1962, página 5)
Os espetáculos com artistas de São Paulo se repetiram nos meses seguintes. Um
exemplo foi o show que aconteceu no dia 25 de maio de 1963. A Independência
publicou anúncio de meia página no jornal A Notícia, reproduzido na ilustração 23. Estas
ações faziam parte do marketing de lançamento e consolidação da nova emissora que
tinha um objetivo ambicioso: falar para todas as faixas de público e ser porta-voz da
54
cidade. A direção da emissora queria atrair inclusive a fatia da audiência mais exigente
que não era atendida pelas rádios locais até então: a sociedade e a elite intelectual riopretense.
24 - Show promovido pela Independência AM
Além de estúdios, central técnica e escritórios, Júlio Cosi mandou construir um
pequeno auditório dentro da emissora, o Auditório Coutinho Cavalcanti, que logo
ganhou apelido de Boate da Independência. Tinha barman servindo bebidas e música ao
vivo. E, eventualmente, acontecimentos como a apresentação de algum cantor mais
famoso, eram transmitidos ao vivo pela rádio. O colunista social do jornal A Notícia,
Cassius, era um dos freqüentadores mais assíduos da boate.
CURTINHAS – Todo mundo elogiando o auditório todo bossa nova da
Independência, que nos fins de semana será ponto de reunião.
(Coluna Reportagem Social, por Cassius - 18 de julho de 1963 – A Notícia/ pág.4)
BUATE – Pegou em estilo altíssimo dentro da jovem guarda a bem
lançada boate da Independência. Um punhado de gente de sociedade tem
acontecido sob a música de Robertinho Farah e drinques do elegante
barman Zezinho.
(Coluna Reportagem Social, por Cassius – 26 de julho de 1963 – A Notícia/ pág.4)
SHOWZINHO – Já se tornou praxe (e a coisa anima mesmo) improvisar
sempre um showzinho na boate da Independência. Na outra quarta feira
entre o bom scotch e mais pedidas, a apresentação número 1 foi de
Olavinho Amorim, que bem desembaraçado e com sua voz grave, cantou
músicas da discoteca popular. Bolas branquíssimas...
(Coluna Reportagem Social,– por Cassius 09 de agosto de 1963 – A Notícia/ pág. 4)
55
O programa A Crônica do Dia era outra novidade da programação da
Independência. Visava a atingir o público mais intelectualizado e era transmitido na hora
do almoço, ao meio dia. Os textos escritos especialmente para o programa por autores
rio-pretenses eram ouvidos pelas famílias reunidas ao lado do aparelho de rádio. O
programa fazia tanto sucesso que as crônicas irradiadas passaram a ser publicadas no dia
seguinte pelo jornal A Notícia. 50
Dentro da proposta de contemplar o chamado Público Classe A, a programação da
Independência abriu espaço também para coluna social ao transmitir um programa
apresentado por Amaury Jr. (Catanduva/SP, 1947 -). O hoje precursor do colunismo
social na televisão brasileira era bem conhecido do público rio-pretense da época, pois já
havia passado por vários jornais locais até chegar ao rádio. “Fui convidado para fazer um
programa na PRB-8. Chamava-se Desfile Social que ia ao ar às cinco da tarde e durava
meia hora. De lá fui para a rádio Independência onde continuei durante vários anos com
o mesmo programa diário” disse ele em depoimento prestado em 1989 ao Projeto
Memória do Rádio do Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,
Cultural e Turístico (COMDEPHACT) de São José do Rio Preto.
Amaury
Jr.
circulava
com
desenvoltura pelas festas da elite riopretense e em eventos sociais onde
fazia contato com personalidades que
visitavam a cidade. Em 1964, por
exemplo, ele esteve com a Miss Brasil
daquele ano, a paranaense Ângela
Vasconcelos. A entrevista foi transmi25 - Amaury Jr. entrevista Miss Brasil
50
No capítulo VII desta dissertação A Crônica do Dia mereceu um estudo aprofundado enfocando sua importância
e o trabalho da principal colaboradora, a jornalista e historiadora Dinorath do Valle, morta em maio de 2004.
56
tida pela rádio Independência e depois publicada na coluna de Amaury Jr. no jornal
Diário da Região (ilustração 24).
Com simplicidade impressionante, a mais culta das misses dispensou
uma hora de atenção a este repórter, durante a qual nos tornamos amigos
sinceros de Ângela Vasconcelos. O local foi a residência do Sr. José
Odilon Jacinto de Melo e a Sra. Dona Noêmia, os anfitriões da Miss
Brasil na nossa terra. Vamos às perguntas retiradas da gravação
apresentada ontem pelos microfones da Rádio Independência.
-Tudo bem, Ângela? Eu gostaria de iniciar este nosso bate-papo
informal perguntando o que você achou de São José do Rio Preto no seu
setor social?
- Eu confesso que me impressionou bastante. Achei que sendo uma
cidade do interior de São Paulo, pensei que seria uma cidadezinha. E
encontrei aqui uma cidade bastante grande; um centro bastante
progressista. Maior ainda foi minha surpresa quando estive em contato
com a sociedade daqui.
(Jornal Diário da Região, 20 de julho de 1964, pág. 7)
Na década de 60, a cidade de São José do Rio Preto já figurava como pólo
do Noroeste Paulista e tinha uma população ansiosa pelo reconhecimento não apenas de
sua pujança econômica. Destacando o progresso rio-pretense, sua elite intelectual e seus
acontecimentos sociais, a Rádio Independência ajudava a construir uma imagem da
modernidade do interior do país, além de diluir algum eventual complexo de cidade
provinciana que acometesse a auto-estima dos moradores.
III. 2 – A emissora eclética da cidade
A televisão chegou ao Brasil em 1950, mas demorou anos para que ela fosse
captada em todo o país. Em São José do Rio Preto as primeiras transmissões só
aconteceram a partir de 1962. Na edição do dia 19 de janeiro daquele ano, o jornal A
Notícia destacou na primeira página:
“Televisão já é realidade em São José do Rio Preto”
A firma Goraieb conseguiu captar a imagem e fez o povo vibrar na rua
com o maravilhoso evento. Hoje provavelmente haverá a exibição da
luta entre Eder Jofre e Caldwell em video-tape. Na noite de ontem o riopretense conseguiu pela primeira vez a projeção da imagem de televisão
na cidade, através de um aparelho instalado no prédio da tradicional
firma Goraieb & Cia situada nas ruas Jorge Tibiriçá e Voluntários de
57
São Paulo. Grande número de populares acompanhou com entusiasmo e
euforia os programas apresentados pelo Canal 4.
(A Notícia, 18 de janeiro de 1962, pág.1)
A chegada, em definitivo, do sinal da TV Tupi de São Paulo só aconteceu em
julho de 1963 com a inauguração da antena do Sistema de Retransmissão das Emissoras
Associadas. Mesmo assim o sinal era instável e freqüentemente deixava os espectadores
sem televisão. Em 1971 foi inaugurada a primeira emissora da cidade, a TV Record.
Até que a televisão se firmasse, o rádio predominou em Rio Preto como principal
veículo de comunicação, em especial a Independência. Programas musicais e de
variedades ocupavam horários de manhã, à tarde e à noite entremeados com jornalismo e
esporte. O ecletismo era a principal marca de emissoras como a Independência que
surgiram na década de 60 e que colocaram um fim no chamado rádio-espetáculo feito de
radionovelas, humorísticos e programas de auditório. A partir de então, como atesta
Ferrareto, para atrair ouvintes a programação radiofônica tinha que mesclar
entretenimento, música, informação e cobertura desportiva.
Com o espetáculo transferido para a televisão, o lazer radiofônico
começa a se restringir à transmissão de músicas e à difusão de fatos e de
entrevistas envolvendo os astros e as estrelas do star system audiovisual.
Já na década de 50, um novo caminho começa a se estruturar, baseado
no jornalismo, no esporte e no serviço à população, consolidando-se nos
anos de 60 e 70. 51
Entre os programas de sucesso da Independência havia um apresentado na hora do
almoço chamado Pára ou Continua a Música? Era uma gincana musical na qual as
canções eram submetidas ao julgamento dos ouvintes. Eles votavam pelo telefone pela
continuidade ou não da música que estava tocando e ainda tinham que explicar por que.
Estava em jogo o gosto musical dos ouvintes que abriam uma disputa acirrada no ar. Um
nível de interatividade que só o rádio permitia durante a década de 60. A atração foi
destaque no jornal A Notícia.
Pára ou Continua – Todos os dias a Rádio Independência leva ao ar por
voltas de 12:15 horas, o já conhecidíssimo programa “Pára ou continua
a Música? Estamos gostando, bem como nossos leitores deverão estar,
51
FERRARETO, Luis Artur. Rádio: o veículo, a história e a técnica. P. 140
58
da seleção musical que vem sendo apresentada nestes últimos dias pela
Leni Leite, discotecária da emissora.
(Coluna Rádio e Discos, 29 de dezembro de 1963 – A Notícia/ pagina 5)
Vários comunicadores fizeram sucesso na Independência AM, e aqui citaremos
dois deles, ambos chamados Roberto. O primeiro, Roberto Souza, o lendário dono da
noite rio-pretense, discotecário e apresentador do mais antigo programa musical da
cidade. O outro, Roberto Toledo, manteve uma ligação tão duradoura com a rádio, a
ponto de sua voz personificar a própria emissora.
III. 2. 1 - O Dono da Noite
Comecemos por Arnulfo de Souza Freire
(Januária/MG, 1933 – Rio Preto/SP, 2002), de nome
artístico Roberto Souza. Ele entrou para o rádio
através dos irmãos Muanis que o levaram para a
PRB-8 para ser discotecário. A função era das mais
importantes nas rádios que eram obrigadas a manter
acervos de centenas de discos em acetato e vinil
para atender aos pedidos dos ouvintes. Cuidar deles
e selecionar as músicas que seriam tocadas ao longo
da programação da Rádio Rio Preto eram tarefas de
Roberto Souza que também cantava. Ele foi um dos
destaques do álbum Astros e Estrelas do nosso
Rádio, ao qual nos referimos no capítulo II. Na
ilustração 25, Souza aparece com um cigarro no
26 - O Dono da Noite
canto da boca, em pose típica de uma época em que fumar era charmoso e elegante.
Foi na “B-8”, ainda na década de 60 que ele criou o programa Roberto Souza – O
dono da noite, com o qual ficou conhecido pelos ouvintes, qualquer que fosse a emissora
em que estivesse trabalhando. Passou pela Difusora Rio-Pretense e pela Independência
onde ficou no ar até o fechamento da emissora. O programa de Roberto Souza era
essencialmente romântico e nostálgico, como atesta o rio-pretense e ouvinte assíduo do
programa, Romildo Sant’Anna em crônica homenagem ao dono da noite.
59
Em seu programa de rádio, falava com a gravidade de quem pronunciava
o hino sobre os amores da vida. Nesse acorde se passaram 40 anos, ele, a
noite, um microfone e um romantismo sem fim. O repertório de músicas
que dedicava aos “queridos radiouvintes”, ou que estes se ofertavam
entre si, evocava a plenitude das virtudes, a paixão pelos encantos de
existir, a aspiração e realização dos amores, sublimes encontros e
reconciliações. 52
Para deleite do seu público, Roberto Souza programava músicas interpretadas
pelas vozes de Orlando Silva (seu favorito), Nelson Gonçalves, Silvio Caldas e
Francisco Alves. O programa acabou em 1995, quando a Independência AM foi vendida
para igreja. Na nova programação não havia lugar para o Dono da Noite e assim Roberto
Souza nunca mais voltou às ondas do rádio. Em depoimento ao jornal Diário da Região,
ele lamentou o ocorrido: “Não critico quem comprou, nem quem vendeu, mas faltou
sensibilidade. Um programa que fica trinta e oito anos no ar merece respeito. Nenhuma
conversa, nenhuma justificativa. Fui dispensado e pronto”. 53
IV. 2.2 – Roberto Toledo entre amigos
A ligação de José Roberto Toledo (S.J. Rio Preto/SP, 1945 -) com a
Independência durou 27 anos e também terminou com o fechamento da emissora.
Durante esse período fez de tudo um pouco: de plantão esportivo, reportagem, locução
de radio-jornais a programas de variedades, passando também pela direção artística. O
início da carreira na emissora, no ano de 1966, foi no Plantão de Esportes aos domingos,
porque durante a semana Toledo trabalhava como balconista no comércio. Logo
começou a fazer também um programa de músicas antes da Jornada Esportiva e mais
tarde passou apresentar o Gosto não se Discute toda dia de oito às dez da noite.
Era um programa de variedades, de muita audiência, para o qual as
pessoas telefonavam e escreviam. Naquela época o povo participava
muito de rádio. Quase não tinha televisão, era um canal só, a Tupi, e em
preto e branco. O povo pedia as músicas e como gosto não se discute, eu
tocava o que o cara gostava, podia ser uma porcaria que eu tocava. E em
meio a tudo isso eu conversava com o ouvinte. Eu faço rádio interativo
desde aquela época. 54
52
SANT’ANNA, Romildo. Liberdade é Azul – Crônicas da Vida, da Morte e da Arte. Pag. 17-19.
A declaração foi feita durante entrevista à jornalista Cecília Demian, que publicou o perfil de Roberto Souza no
dia 24 de dezembro de 1995, no jornal Diário da Região.
54
Em depoimento à autora em dezembro de 2004.
53
60
Adotando o nome radiofônico de Roberto Toledo, ele continuava a se desdobrar
em outras atividades para reforçar o orçamento. Saiu do comércio, foi trabalhar num
banco onde dava expediente à tarde. Assim, pôde passar a trabalhar na rádio de manhã
também. Ele não tinha vínculo empregatício com a Independência e trabalhava em troca
de cachê. Apresentava o programa Peça o que Quiser com patrocínio da Kolinos. Além
de músicas pedidas pelos ouvintes tinha como atração o horóscopo de Omar Cardoso,
astrólogo famoso na época. Depois sua voz começou a ser ouvida também nos
radiojornais e não demorou muito se dedicou exclusivamente à rádio. Segundo Toledo,
a Independência não era uma emissora de rádio qualquer.
A Independência não era só uma rádio, era também um ponto de
referência da cidade. Ela ficava num dos lugares mais chiques de Rio
Preto na época. A Galeria Bassit era o máximo e a sobreloja inteirinha
era da rádio. Tinha um piano-bar onde aconteciam happy-hours,
encontros da sociedade entre eles o do pessoal do Rotary Club que
sempre estava ali. A galeria era chique. Tudo acontecia ali.
Vieram outros programas como Alegria, Alegria; Um é Pouco, Dois é Bom, Três
é Demais e o mais duradouro deles Roberto Toledo Entre Amigos, que ficou no ar cerca
de 15 anos, de duas as quatro da tarde. Toledo destaca que as aberturas eram o ponto alto
de seus programas. Poderiam durar até vinte minutos sem intervalo comercial: “Faço
aberturas diferenciadas porque acho que isto segura o ouvinte. Aberturas dinâmicas,
cheias de cortes, com chamadas dos assuntos, com músicas que completam o sentido do
que falo. Vou emendando até tocar a primeira música”. Outra marca registrada do
comunicador Roberto Toledo é o otimismo: “Eu falo de amor, de fraternidade, leio
mensagens de auto-estima, de lição de vida. Eu sempre fui meio psicólogo no rádio.
Gosto de ajudar as pessoas a serem felizes”. 55
55
Em 2005, Roberto Toledo mantinha um programa diário de 8 às 10 da manhã, na rádio Independência FM,
chamado O Show do Roberto. Atuava também como professor universitário, colunista social do jornal Folha de Rio
Preto e ainda como mestre de cerimônias em eventos locais.
61
27 - Roberto Toledo no estúdio da Independência AM
Em 1980 com a criação de Roberto Toledo entre amigos, o radialista consolidou a
carreira de comunicador ao assinar um programa com o próprio nome. Além da
tradicional abertura, havia também uma personagem criada por ele, a Secretária
Eletrônica, uma mulher misteriosa que participava do programa e cuja identidade nunca
foi revelada. Ela entrava no ar pelo telefone e até hoje Toledo se recusa a contar quem
era a dona daquela voz.
A gente ficava batendo papo, falava de novelas, dos artistas, tinha muita
brincadeira. O ouvinte entrava no ar para conversar com ela, fazer
perguntas, querendo saber quem era. Ela dava receitas interessantes,
falava de economia doméstica, era uma pessoa muito avançada para
época. O povo ficava muito curioso e nem adiantava ir à rádio porque
ela não fazia o programa do estúdio. Foi o grande sucesso do meu
programa durante muitos anos. Talvez num certo momento esta fosse a
grande expectativa, mais do que eu. Todo mundo queria saber o que a
Secretária Eletrônica iria dizer naquele dia.
A preocupação em renovar o programa era constante e Roberto Toledo decidiu
introduzir um quadro que falasse sobre medicamentos naturais, raízes e plantas
medicinais, rezas de benzedeiras. O Simpatia do Dia tornou-se um grande sucesso. Eram
tantos pedidos para repetir esta ou aquela receita que o locutor resolveu publicar um
62
livro sobre o assunto com direito a tarde de autógrafos, transmitida ao vivo, nos estúdios
da rádio (ilustração 27).
28 - Tarde de autógrafos de As Simpatias do Roberto Toledo
“Houve uma receptividade muito grande. Virou uma loucura. Aí eu lancei o livro
que chamava Simpatias do Roberto Toledo. Tinha uma foto minha na capa e só no
lançamento vendi 600 exemplares”, lembra Toledo, acrescentando que no total foram
vendidos dez mil livros em todo o Brasil. Apaixonado pelo rádio e em especial pela
Independência AM, Roberto Toledo ainda guarda muitas lembranças da emissora.
Não existia nada que acontecesse na cidade que a Independência não
divulgasse. Uma ambulância que passasse na rua, o jornalismo ia
descobrir o que tinha acontecido. O cara sintonizava a rádio e sabia que
ali ia ter todo o tipo de informação. Em época de eleições promovíamos
debates entre os candidatos, mas não havia posicionamento em favor
deste ou daquele, até porque não era função da rádio. Ela cumpria o seu
papel de informadora da cidade. A rádio Independência viveu Rio Preto
e as pessoas viviam através da Independência.
III. 3 – Informação é com a Independência
Já na inauguração da Independência ficou claro que o jornalismo seria uma das
marcas da nova emissora. A cobertura da visita do Presidente João Goulart,
acompanhado do governador paulista, Carvalho Pinto, e de várias outras autoridades,
apesar de alguns contratempos, mobilizou vários repórteres. Ao longo da década de 60 o
investimento em equipamentos técnicos da emissora também fazia a diferença em
63
relação às outras rádios locais, e isso logo foi detectado pelo jornal A Notícia, como
comprova a nota reproduzida a seguir.
A Rádio Independência vem contando para suas reportagens com uma
nova perua, equipada com a devida aparelhagem para fornecer a todos os
ouvintes uma cobertura mais exata dos acontecimentos. Uma ótima
iniciativa da direção da Independência.
(Coluna Radio e Discos 26 de julho de 1964 Suplemento Dominical, A Notícia, pg. 8)
O jornalismo ganhou ainda mais força na rádio durante a sua trajetória,
acompanhando de perto a evolução histórica e econômica brasileira, de São Paulo e do
próprio Noroeste Paulista. Na década de 70, a Independência mobilizava os ouvintes
com debates sobre como trazer mais recursos públicos para a região melhorar estradas,
construir usinas e atrair mais indústrias.
Em meados de 1980, com a redemocratização do país, a emissora foi responsável
por informar os ouvintes rio-pretenses a respeito do processo de abertura política e dos
planos econômicos. Na década de 90, a rádio abriu discussões sobre Direitos Humanos,
Defesa da Cidadania, e qualidade dos serviços públicos prestados à população.
III. 4 – A Seleção do rádio em campo
O esporte, em especial o futebol, também teve forte investimento quando da
instalação da Rádio Independência. Aproveitando a boa fase dos times locais, o América
Futebol Clube e Rio Preto Esporte Clube, a emissora formou uma equipe de cobertura
desportiva com profissionais trazidos de outras cidades do interior paulista e da
concorrente local, a Rádio Rio Preto.
O hoje empresário de televisão e de marketing esportivo, J. Hawilla, foi um dos
que trocaram a pioneira PRB-8 pela moderna Independência. Ele era um dos repórteres
de campo da primeira equipe de esportes da emissora. Segundo Hawilla, a emissora
introduziu o profissionalismo no rádio esportivo rio-pretense.
Por ser uma emissora mais rica, a Independência trouxe de Ribeirão
Preto um dos melhores narradores do interior paulista na época, o
Nelson Antonio. Ele era dinâmico, enérgico e rápido, fez um movimento
violento na cidade. Tinha também o Alexandre Macedo, diretor da rádio,
64
como comentarista. Havia plantonista no estúdio além de dois repórteres
em campo, um atrás de cada gol. A rádio inovou ao fazer uma cobertura
mais organizadinha em relação às outras emissoras da cidade. 56
29 - A equipe da Independência em anúncio publicado pelo
jornal Correio da Araraquarense em março de 1964
III. 5 – De dono em dono, a Independência virou evangélica
Ao longo de seus 33 anos de funcionamento, a Independência AM mudou de
donos três vezes. No início da década de 70, com faturamento em baixa, os fundadores
Júlio Cosi e Maurício Goulart decidiram vendê-la, mas queriam que ela fosse comprada
por alguém do ramo. Por isso deram preferência a um funcionário da emissora, o diretor
artístico Alexandre Macedo que estava demissionário. Ele iria sair porque aceitara
convite da Diocese de São José do Rio Preto para montar uma nova rádio, a Anchieta
AM. Macedo lembra emocionado o dia que recebeu a oferta para ficar com a
Independência.
Eu cheguei a montar a emissora da igreja, já tinha criado a programação
e contratado locutores, mas continuava na Independência. Um dia, nesta
sala aqui em casa, eu comuniquei ao seu Júlio a minha saída porque o
56
Em depoimento prestado ao COMDEPHACT. A ilustração mostra um anúncio publicado na página 6 do jornal
Correio da Araraquarense, sobre o confronto entre os dois times locais. Destaque para os retratos do narrador
Nelson Antonio; do comentarista Alexandre Macedo e dos repórteres de campo J. Hawilla e Rubens Campos.
65
bispo estava me esperando para colocar a rádio ar. Aí ele disse: ‘Não
senhor! A Rádio Independência é sua. Você vai ficar com ela! Arruma
mais sócios que a gente faz negócio. Eu quero que a rádio fique com
você’. E realmente o preço e as facilidades que eles concederam para
gente foram de pai para filho.
Os companheiros de empreitada foram dois amigos de longa data, Rubens Muanis
e Alberto Cecconi (S.J. Rio Preto/SP, 1929 – Campinas/SP, 2004). Muanis foi da equipe
de esportes da Rádio Rio Preto e era, na ocasião, o gerente comercial da “B-8”, função
que continuaria exercendo na Independência. O outro sócio era ligado à Secretaria
Municipal de Esportes, e ocupou o cargo de Secretário em várias administrações.
Cecconi tinha trânsito fácil no meio desportivo e entre os políticos locais.
Alexandre Macedo não se recorda do preço pago pela Rádio Independência, mas
não se esquece das facilidades dadas por Cosi e Goulart para viabilizar o negócio: o
pagamento foi parcelado em 100 vezes. O trio dividiu o gerenciamento da emissora e
começou a tocar o negócio, preocupado com o faturamento, porque precisavam dele para
quitar a dívida com os antigos donos. Mas havia muitos problemas de ordem
administrativa e de programação, pois a Independência não era nem sombra do que havia
sido. “A situação era caótica!” diz enfático, Rubens Muanis, que ficou encarregado da
área comercial da rádio. Ele diz que, quando assumiram a Independência, em setembro
de 1970, não havia dinheiro para pagar os salários dos funcionários. Durante uma
reunião para decidir como enfrentar o desafio de reerguer a emissora, os novos donos,
experientes homens de rádio, descobriram a solução do problema como relata a seguir
Rubens Muanis.
Na época a programação não ia de encontro às necessidades da emissora.
Ela começava às sete horas da manhã, atendendo música por telefone e
ia assim o dia inteiro. O jornalismo estava capenga, não tinha notícia.
Até o esporte tinha praticamente acabado. A programação era pura e
simplesmente por telefone atendendo pedido de música. Este público
não nos interessava porque sei lá quem é que telefona para emissora. È
gente que vai dar retorno pro comércio? É gente que tem um pouco de
estudo? Uma emissora que não volta as vistas para o anunciante, para o
patrocinador, está fadada a falir. Se não entra dinheiro não tem como
contratar, não tem como pagar. Então nós tivemos que mudar tudo! 57
57
Em depoimento prestado à autora em maio de 2004
66
A fase de reestruturação incluiu atualização da programação, reforço do
jornalismo e do departamento de esportes, um esforço concentrado para atrair os
anunciantes de volta. A estratégia deu certo e nos quinze anos seguintes a emissora
recuperou a “saúde financeira” e a audiência, tornando-se o principal meio de
comunicação local.
A foto a seguir, de 1982 (ilustração 30), registra a chegada dos três sócios à
emissora. Os negócios iam bem e eles já eram donos também da primeira rádio de
freqüência modulada da cidade, a Independência FM (inaugurada em 1974), de um
serviço de radio-chamada (BIP) e de um jornal, Folha de Rio Preto.
30 - Alexandre Macedo (de óculos escuros), Rubens Muanis (ao lado dele) e Alberto Cecconi (também de óculos),
na escada em forma de caracol que dava acesso à sobreloja do Edifício João Bassit, onde funcionava a Rádio
Independência AM, no centro de São José do Rio Preto 58
Em 1985 os sócios resolvem vender o controle do Grupo Independência de
Comunicação. Não havia nenhum problema com as empresas, o faturamento era bom,
não faltavam recursos para investimentos. Alexandre Macedo contou em depoimento à
autora que a pressão para vender veio de Rubens Muanis.
Não havia motivos para vender porque a rádio ia bem. Mas o Rubens
ficava falando que queria ir embora, que estava cansado, que não queria
morrer de enfarto. Isso foi desanimando a gente. Eu e o Cecconi não
queríamos, mas acabamos vendendo. Foi aquela coisa de amigo: nós
entramos juntos na compra da rádio, tínhamos que sair juntos.
58
Reprodução de fotografia de Edson Baffi, publicada pela revista fatos.com, edição de maio de 2004, na coluna
Click Saudade, pág. 37.
67
Rubens Muanis confirma que foi ele quem mais pressionou para vender a
Independência AM. O desinteresse pelo negócio começou em 1980, com a compra do
jornal, que, no seu ponto de vista, dava muita despesa e pouco retorno. Uma alternativa
que chegou a ser cogitada foi colocar os filhos dos sócios para cuidar das empresas. O
problema é que ninguém queria saber de rádio conforme revelou Muanis.
Eu por exemplo não tinha ninguém que poderia assumir. Tive três filhas
que partiram para outras profissões. O filho do Alexandre era médico e
as duas filhas também não quiseram saber. Os do Cecconi, um era
engenheiro e o outro professor. Nós não tínhamos para quem deixar o
negócio, mas não queríamos continuar. Meu esgotamento se devia às
dificuldades do meu setor que era o comercial.
As negociações para venda aconteceram sob sigilo. O acerto aconteceu na noite
de 17 de maio de 1985, uma sexta-feira, e surpreendeu a cidade. O comprador da rádio
Independência AM e das outras empresas do grupo (menos o jornal), era uma pessoa que
não tinha nenhum envolvimento com meios de comunicação. O empresário da
construção civil, engenheiro José Luís Spotti (S. J. Rio Preto/SP, 1948 -), pagou dois
bilhões e cem milhões de cruzeiros pelo Grupo Independência de Comunicação.
O jornal A Notícia foi o único órgão de imprensa a divulgar transação com
manchete na primeira página: “Spotti compra a Rádio Independência”. O jornal abriu
uma foto da fachada da emissora na esquina de ruas Bernardino de Campos e Marechal
Deodoro. A legenda fazia uma referência ao relógio que marcava 23 horas e 45 minutos:
“No tradicional relógio da Rádio Independência, faltam alguns minutos para o sábado,
de uma nova administração”. O texto dizia ainda que a notícia da venda havia estourado
como uma bomba nos meios jornalísticos rio-pretenses. (ilustração 31).
68
31 - Venda da radio foi manchete de jornal
O Diário da Região entrou no assunto na edição de domingo, dia 19 de maio de
1985, com manchete de primeira página e uma reportagem dando detalhes do negócio e
sobre o engenheiro que havia comprado a rádio. A matéria contou que o êxito financeiro
de José Luís Spotti, de 37 anos de idade, se devia à construção de casas em todo estado
de São Paulo e a dezenas de imóveis dos quais ele era proprietário no centro de Rio
Preto. O jornal também fez especulações sobre os motivos que teriam levado o
empresário a entrar no ramo de radiodifusão.
Os conhecidos insistem em que a obstinação pela compra de uma
emissora de rádio se insere nas pretensões de Spotti de disputar a
prefeitura em 1988, possivelmente pela legenda do Partido da Frente
Liberal. (...) Outras eleições o aguardam, porém, antes de 88. Ex-diretor
de futebol do América Futebol Clube, Spotti passou a liderar uma facção
de oposição ao presidente do Clube, Benedito Teixeira e deverá apoiar
um candidato nas eleições marcadas para janeiro do ano que vem. Spotti
só não concorrerá porque está, pelos estatutos do clube, impedido por
não possuir ainda cinco anos como associado.
(Jornal Diário da Região, 19/05/1985, pág. 1)
69
32 - Diário da Região publicou um perfil do novo proprietário da Rádio Independência
Até os funcionários do Grupo Independência de Comunicação foram
surpreendidos com a mudança. O pessoal do departamento de jornalismo ficou sabendo
pelo jornal, segundo contou Marcos Ferreira, 59 na época repórter desportivo. “Eu lembro
que estávamos na redação e ficamos todos olhando um para cara do outro. Todo mundo
conhecia o Rubens, o Alexandre e o Cecconi. Mas não sabia o que o Spotti iria fazer
com a rádio. Foi um baque daqueles”. Passado o impacto da venda, a Independência
manteve-se na liderança absoluta da audiência em São José do Rio Preto, com a
programação baseada no jornalismo, esportes e variedades. Era a emissora eclética da
cidade.
Sem nenhuma experiência radiofônica, José Luís Spotti tinha noção da
importância do veículo de comunicação que havia adquirido, até porque, como dirigente
do América Futebol Clube, sentiu a repercussão das entrevistas que concedeu para a
rádio. Spotti sabia que o maior patrimônio daquela empresa não eram os equipamentos
59
Marcos Ferreira prestou depoimento à autora em outubro de 2004. Ocupava o cargo de editor chefe do jornalismo
da Rádio Metrópole AM, em São José do Rio Preto. Apresentava também um programa diário, pela manhã, o
Metrópole Agora..
70
ou o faturamento, e sim a credibilidade e a sua função como porta-voz dos anseios da
cidade.
A Rádio Independência tinha um peso impactante na cidade, mais do
que o jornal que chegava ao público de uma forma restritiva, para
assinantes e através de venda em banca. E mais do que a televisão que
não tinha transmissão local. Os acontecimentos tinham que ser
noticiados pela radio e por isso nós tínhamos uma equipe de jornalismo
muito grande. A viabilização econômica não era fácil, recebíamos
verbas de divulgação dos governos estadual, municipal, federal, mas não
estávamos acoplados a nenhum deles. 60
Spotti contratou um executivo da empresa estatal de telefonia de São Paulo, a
Telesp, para tomar conta de sua nova empresa. O também engenheiro Poty Peloso Jorge
deixou o cargo de diretor regional de empresa pública para ser o diretor administrativo
do Grupo Independência de Comunicações, agora transformado em Sistema
Independência de Rádio.
Em 1991, ele adotou na rádio um modelo novo de gerenciamento muito em moda
na época, a terceirização de serviços. Começou pelo departamento de jornalismo,
assumido pelos jornalistas Wilson Guilherme e Rubens Celso, ex-funcionários da rádio.
Depois o esporte através da empresa Operação Esporte. Em 1995, José Luís Spotti
decide se desfazer definitivamente da rádio vendendo-a para a Igreja Adventista do
Sétimo Dia, que pagou na época o equivalente a duzentos e cinqüenta mil reais. A
emissora passou a se chamar Novo Tempo AM e a apresentar uma programação voltada
para o público evangélico.
60
José Luís Spotti prestou depoimento à autora em novembro de 2004, no escritório de sua construtora em São José
do Rio Preto. Depois da Rádio Independência, ele nunca mais voltou a se envolver com empresas de comunicação.
71
IV – VIVENDO A CIDADE ATRAVÉS DO JORNALISMO
Durante os 33 anos de funcionamento da Rádio Independência, o jornalismo
sempre esteve entre as prioridades da emissora. Noticiários, jornais falados, debates,
reportagens ao vivo, todos os fundamentos do radiojornalismo fizeram parte da
programação. Mesmo estando no interior do estado, havia grande preocupação em
noticiar os acontecimentos da cidade e da região, afinal o objetivo era ser porta-voz da
comunidade. O jornalismo ajudava a reforçar a identidade local, além de ser
comercialmente estratégico, atraindo anunciantes e patrocinadores. Mas antes de
tratarmos dessa linha de programas da Independência, vamos falar das experiências que
marcaram a história do radiojornalismo no Brasil, até para compreendermos melhor o
trabalho desenvolvido pela rádio de Rio Preto, já que ela se espelhava nas emissoras da
capital.
O primeiro jornal radiofônico que se tem notícia era apresentado pelo professor
Edgar Roquette-Pinto na Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, em meados da década de
20. Não havia repórteres nem redatores e as notícias eram lidas direto dos jornais diários,
como relatou a filha dele Maria Beatriz Roquette-Pinto Bojunga em depoimento a série
O rádio no Brasil produzida pela BBC de Londres.
Ele pegava todos os jornais, e com lápis grande - sempre andava com
lápis vermelho na mão - riscava todas as notícias que achava interessante
para o rádio. Ele tinha um telefone direto para a Rádio Sociedade, então
mandava o João Lado Júnior que era o técnico: ‘Você pode pôr a estação
no ar!’ E ele mesmo falava sobre cada assunto. 61
Roquette-Pinto não se limitava a simplesmente ler as matérias; buscava fazer um
jornalismo interpretativo, esmiuçando e situando os fatos para o ouvinte. Pode se
concluir que, mesmo sem nunca ter exercido antes a atividade radiofônica, RoquettePinto sabia que no rádio não bastava simplesmente ler o que estava escrito no jornal. O
receptor precisava de argumentos de retórica estética e referencial para tornar mais
61
Apud Ferrareto, Luis Artur. Rádio – O Veículo, a História e a Técnica . P.101
72
atraente as notícias tiradas dos jornais impressos.
62
Instintivamente Roquette-Pinto
descobriu que no rádio, mais do que na mídia impressa, o receptor dedica uma atenção
dispersa fazendo com que a mensagem precise de uma carga maior de argumentos
redundantes e persuasivos, além do tom de voz e do ritmo da leitura.
Durante a Revolução de 1932 as rádios de São Paulo acompanharam os
acontecimentos do movimento constitucionalista através do jornalismo. A Rádio Record
tinha César Ladeira, “O Locutor da Revolução”, que se dirigia ao ouvinte de uma forma
direta, carregada de emoção e apelo patriótico. A cobertura radiojornalística adquiriu
caráter editorial político, e revelou a faceta do rádio como instrumento de mobilização
popular capaz de persuadir os ouvintes a apoiar um movimento político revolucionário.
O radiojornalismo no Brasil tornou-se mais informativo com o surgimento do
Repórter Esso no ano de 1941 pela Rádio Nacional do Rio de Janeiro. Eram quatro
edições diárias de cinco minutos cada, além de freqüentes edições extras, sempre com o
prefixo estridente de clarins e fanfarra, seguido do locutor anunciando o Repórter Esso,
testemunha ocular da história. Através dele os brasileiros ficaram sabendo dos
acontecimentos da Segunda Guerra Mundial; foram informados do suicídio do
Presidente Getúlio Vargas e da morte da cantora Carmem Miranda. O programa ficou no
ar ao longo de 27 anos e tornou-se um marco do radio brasileiro.
Outras emissoras também buscavam se diferenciar no mercado através do
jornalismo e a Rádio Tupi de São Paulo foi a primeira a transmitir um radiojornal, o
Grande Jornal Falado da Tupi em 1942. Durava uma hora, ia ao ar às 22 horas e tinha
uma estrutura semelhante à da imprensa escrita como assinala Ferrareto: “No início, a
identificação do noticiário como o cabeçalho de um periódico impresso. Depois, com a
marcação da sonoplastia, as manchetes a reproduzir a capa de um jornal. Seguiam-se as
notícias agrupadas em blocos tal qual faziam os diários com suas editorias”.
63
Durante
os anos 50, o modelo de jornalismo radiofônico ágil e vibrante introduzido pelo Repórter
62
Neste aspecto, independente da função predominante, vale explicar que segundo Humberto Eco (2000) as
funções da linguagem resultam em uma mensagem persuasiva, visando obrigar o receptor a prestar atenção a
premissas e argumentos: “Para tal concorrem as translações e as figuras retóricas, embelezamentos mediantes os
quais o discurso surge, de repente inusitado e novo, ostentando uma imprevista cota de informação”. ECO, H
umberto. A Estrutura Ausente. P. 75
63
FERRARETO, Luis Artur Rádio – O Veículo, a História e a Técnica. P. 130 – 131.
73
Esso e o Grande Jornal Falado Tupi proliferou e as outras emissoras passaram a investir
na criação de departamentos de jornalismo.
O surgimento de novos equipamentos melhorou a qualidade das transmissões e
produção radiofônica, entre elas o transistor que deu mobilidade ao aparelho receptor e o
gravador magnético que permitiu um maior aproveitamento das coberturas jornalísticas.
Procurando se refazer do impacto da chegada da TV,
64
as emissoras na capital
privilegiaram o modelo de programação baseado no tripé entretenimento, noticia e
desportes. Este perfil foi adotado pela Rádio Independência no ano de 1970, quando a
ela foi vendida pela primeira vez.
IV. 1 – O repórter Adib Muanis no comando do jornalismo
Reforçar o jornalismo foi uma das principais ações durante esse processo de
mudanças, começando pela implantação de um departamento específico que não existia
até então. O comando do setor ficou com radialista Adib Muanis (Abre Campo/MG,
1925-), que, além de ser irmão de Rubens, era conhecidíssimo na cidade porque atuava
no rádio rio-pretense desde 1948.
O mais velho dos irmãos Muanis levou para a Rádio Independência sua tarimba
de repórter forjado no dia a dia, convicto de que o jornalismo é um direito do cidadão e
um serviço que o rádio tem obrigação de prestar. Como profissional de imprensa ele
cobriu a inauguração de Brasília em 1960, pela PRB-8 Rádio Rio Preto. Viajou para
Capital Federal levando um técnico, mesa de som, gravador que pesava 40 quilos e mais
dezenas de metros de fios. Em Brasília, mais do que transmitir de lá, Adib Muanis
precisava, de alguma forma, provar que estava lá: “O pessoal de Rio Preto não
acreditava que eu estava tão longe. Brasília naquela época era como daqui a Índia, hoje.
Eu tinha que arranjar um jeito de gravar a voz do presidente Juscelino Kubitchek falando
direto para cidade”. Na impossibilidade de deslocar o tal gravador na reportagem,
Muanis conseguiu pegar energia elétrica emprestada do gerador do caminhão da TV
Itacolomi de Belo Horizonte, Minas Gerais. Emendou metros e metros de fio de
64
A televisão chegou ao Brasil em 18 de setembro de 1950 com inauguração da TV Tupi de São Paulo por Assis
Chateaubriand, proprietário dos Diários Associados.
74
microfone até o local aonde iria se posicionar, mandou o técnico gravar todas as suas
entradas e começou a transmitir.
Eu sabia que o Juscelino ia descer de helicóptero lá em cima no Eixo
Monumental, que ele passaria pela escada e sairia por debaixo, no porão.
Então eu fiquei cercando ali. Na hora que ele chegou eu avancei nele.
Quando a segurança me segurou eu apelei. ‘Senhor Presidente eu andei
mil quilômetros só para ouvir a sua mensagem ao povo de Rio Preto!’.
Ele continuou andando e dizendo, ‘Eu quero transmitir ao povo de São
José do Rio Preto e tal e tal... ’. Quando ele acabou de falar, corri para
ver se pegou alguma coisa. Voltamos a fita e estava lá a voz do
Juscelino. Pensei comigo ‘Estou feito!’ 65
Outra reportagem que Adib Muanis considera importante na sua carreira
foi a do acidente no dia 24 de agosto de 1960 com um ônibus lotado de estudantes riopretenses que caiu no Rio Turvo, matando afogados 59 jovens com idades entre 15 a 25
anos. Foi uma comoção em São José do Rio Preto, sobretudo por causa da falta de
informações do local do desastre. A PRB-8 mobilizou então o seu principal repórter,
Adib Muanis para transmitir as informações. 66
Você imagina que quando morreram estes meninos no rio Turvo, Rio
Preto estava toda na calçada, a cidade acesa, esperando notícias e não
tinha. Então eu fui lá porque o povo estava doido por notícia. Fomos a
Olímpia, porque nós queríamos saber quantas crianças estavam mortas.
Tivemos que ir por exclusão. Quem estava vivo foi levado para hospital
de Olímpia. Eram apenas quatro crianças. Levantamos os nomes dos que
estavam lá e transmitimos por telefone pela rádio Rio Preto que tinha
morrido 59 estudantes e que salvos eram fulano, fulano, fulano e fulano.
Esta foi uma reportagem marcante da minha vida.
Com o respaldo de tantos anos de reportagem, em 1970, Adib Muanis assumiu o
cargo de chefe do recém-criado departamento de jornalismo da Rádio Independência,
com a missão de transformar a emissora em porta-voz da coletividade: “Rádio não pode
ser só música. Eu não concebo programação sem jornalismo. A Independência tinha boa
aparelhagem de estúdio e uma perua montada com a qual a gente podia transmitir de
65
Em depoimento à autora em maio de 2004.
De acordo com Leonardo Gomes em seu livro Gente que ajudou a fazer uma grande Cidade Rio Preto o acidente
aconteceu por volta de 18h30min quando o ônibus bateu na ponte e mergulhou no rio. O veículo levava 64
estudantes, todos componentes da Fanfarra da Faculdade de Comércio Dom Pedro II que ia tocar em Barretos em
homenagem a Duque de Caxias, a 80 quilometros de Rio Preto. O desastre ficou conhecido na região como a
Tragédia do Rio Turvo
66
75
qualquer lugar sem telefone. Mas não tinha, por exemplo, um jornal na hora do almoço”,
conta ele.
As novidades surgiram então pelo horário de meio-dia com a entrada do jornal
falado Cobras da Independência no lugar de A Crônica do Dia que saiu do ar. Era o
principal noticiário da emissora e tinha duração de 25 minutos com notícias locais,
nacionais e internacionais. Mais tarde passou a se chamar A Hora da Verdade. A
apresentação era feita por Alexandre Macedo e o próprio Adib Muanis.
IV. 2 – Renovando o noticiário radiofônico
O principal redator do programa era o jornalista Antônio Higa (Uberaba/MG,
1940 -), também correspondente de O Estado de S. Paulo para região de Rio Preto.
Mesmo sem nunca ter trabalhado em rádio antes, ele ajudou a transformar o jornalismo
radiofônico local. Higa levou para a Rádio Independência a vivência profissional em um
grande jornal da capital e isso resultou na renovação na linguagem dos noticiários.
Segundo ele a emissora adotou um estilo diferente do jeito rebuscado que se usava até
então.
Naquela época o apresentador dizia: ‘A cidade está engalanada porque
vai receber fulano de tal. Um sinal do prestígio de nossa cidade’. Era
muito sem objetividade e pouca informação. Na Independência a gente
fazia assim: ‘O Governador fulano de tal chega hoje à Rio Preto. Ele vai
receber uma série de reivindicações de melhorias para a cidade’. Nós
entramos com um noticioso direto, informativo, claro e objetivo. 67
Se nos dias atuais estamos habituados a acompanhar ao vivo pela televisão e a
Internet as mais diversas coberturas jornalísticas de qualquer parte do planeta, na década
de 70 esta realidade só era possível em ficção científica. Cabia ao rádio o papel de
informar com rapidez acontecimentos importantes, fora do país, que se estendiam por
mais tempo. Isso aconteceu em 1970, por exemplo, quando a agência espacial americana
NASA lançou a missão Apollo XIII com três tripulantes a bordo. Dois dias depois do
lançamento, uma falha técnica obrigou os astronautas a abortar o pouso na Lua e a voltar
para a Terra. O mundo ficou em compasso de espera pelo desfecho da missão, inclusive
67
Em depoimento prestado à autora em junho de 2004.
76
a população de São José do Rio Preto. Na falta de uma cobertura mais ágil pela TV da
época, a Rádio Independência era quem matava a curiosidade dos rio-pretenses. Todos
os radialistas foram mobilizados na cobertura inclusive o pessoal do departamento de
esportes, entre eles o comentarista de futebol Mário Luís, que lembrou do fato.
Não se falava em outra coisa, todo mundo queria saber como estavam os
astronautas. Eu cansei de ficar na rádio para informar a agonia dos
tripulantes da Apollo XIII. Acompanhamos tudo daqui. Tinha um
redator e um locutor direto, noite e dia, na emissora e a cada informação
nova que chegava via telex, entrávamos no ar. A gente, mesmo sendo do
esporte, gostava de participar deste tipo de cobertura e fazia com muito
carinho. 68
Além de inovar na linguagem e cobrir os acontecimentos com agilidade, a Rádio
Independência procurava estabelecer também uma parceria com o ouvinte envolvendo-o
em discussões sobre problemas da cidade nos seus programas. Ficaram famosas as
mesas-redondas no estúdio da emissora com lideranças políticas, técnicos e
representantes de associações e sindicatos para discutir algum tema. O chefe do
jornalismo da emissora, Adib Muanis, relata: “A gente chamava para debater no
programa do meio dia. Fazia uma reportagem em que o cidadão emitia a sua opinião.
Quando a gente criticava alguém, a pessoa tinha todo o direito de ocupar o mesmo
espaço na programação”. Ele lembra que o público participava também através do
telefone.
Um dos debates mais polêmicos promovidos pela Independência foi sobre a
construção da nova rodoviária de São José do Rio Preto em 1970. O jornalista Antônio
Higa lembra que a emissora engajou-se no movimento na primeira hora porque a cidade
estava carente de um terminal mais moderno
Não havia uma rodoviária, o que tinha era uma espécie de galpão. O
embarque e o desembarque de algumas empresas funcionavam em frente
aos escritórios. Surgiu o movimento pela rodoviária nova e a
Independência promoveu debates com técnicos para discutir o local mais
adequado para construir a rodoviária; qual a capacidade de passageiros;
quantos ônibus, quantas empresas.
68
Em depoimento prestado à autora em novembro de 2004.
77
O debate “esquentou” quando o prefeito Adail Vetorazzo anunciou a
desapropriação de um terreno de 12 mil metros quadrados, exatamente no centro da
cidade, em frente à Estação Ferroviária, sob a justificativa de que o novo terminal de
ônibus deveria ficar num local que facilitasse o acesso dos viajantes às lojas e serviços
concentrados naquela região. Acreditando que isto reforçaria ainda mais o comércio, a
Associação Comercial e Industrial aplaudiu a decisão.
A Rádio Independência posicionou-se radicalmente contra, alegando que a nova
rodoviária não deveria ficar no centro da cidade. O jornalista Antônio Higa, responsável
pela produção dos debates, afirma que os argumentos da emissora se baseavam em dados
técnicos apurados junto a engenheiros e urbanistas entrevistados durante os noticiários.
Ele lembra que avaliação era de que o centro poderia até ser adequado naquela época,
mas dali a vinte anos a cidade teria o dobro da população, o comércio seria ainda maior e
o trânsito também, o que poderia encurtar a vida útil do terminal. “Por isso a rodoviária
precisaria estar numa área não central. A rádio se posicionou desta forma, mas a
prefeitura insistiu que fosse no centro”, conforma-se Higa.
De fato, o próprio arquiteto responsável pela obra considerou o local e o terreno
inadequados. José Carlos Lima Bueno, na época recém-formado pela Universidade de
Brasília, foi contratado para fazer o projeto da rodoviária e diz que não escondeu sua
discordância. “O terreno não tinha dimensões para comportar uma rodoviária, era muito
estreito, comprido. O acesso pelas avenidas ficaria saturado em pouco tempo. Fiz um
relatório mostrando que ela agüentaria no máximo 20 anos, mas como o terreno já estava
desapropriado tive que me adequar”, lembra Lima Bueno, que, em 2005 era o titular da
Secretaria Municipal de Meio-Ambiente.
Em 1973, o Terminal Rodoviário Governador Laudo Natel foi finalmente
inaugurado, prédio em estilo modernista paulista, que, apesar da polêmica, trinta e dois
anos depois, ainda suportava o movimento de ônibus regionais e interestaduais da
principal cidade do Noroeste Paulista. A equipe da Rádio Independência perdeu a queda
de braço com a prefeitura de São José do Rio Preto, mas o seu antigo diretor Alexandre
Macedo ainda lamenta: “Isso aqui virou um elefante branco. Atravancou o trânsito; um
78
monte de ônibus na hora do rush; não tem estacionamento; não tem onde deixar um
passageiro. É um problema sério”, desabafa.
Durante a década de 70 houve outra movimentação em favor de obras que
possibilitassem o aproveitamento do potencial hidrelétrico dos rios que cortam a região
de São José do Rio Preto, entre eles o Tietê, o Grande e o Paraná. A Rádio
Independência fez reportagens, debates e pesquisas sobre o assunto.
69
Quem estava por
trás das pautas era o jornalista Antônio Higa.
Eu cobria quase 90 municípios então tinha uma idéia das necessidades
da região na época. A primeira grande hidrelétrica construída foi a de
Ilha Solteira e a Independência fez a cobertura. A rádio dizia que o
potencial hídrico da região deveria ser aproveitado para construção de
outras hidrelétricas, com isso haveria geração de energia suficiente para
receber novas indústrias, mais comércio e serviços. A formação dos
lagos artificiais das hidrelétricas propiciaria outros tipos de atividades
como turismo, psicultura e navegação fluvial. A gente procurava mostrar
como a nossa região era potencialmente privilegiada e alertava os
administradores públicos para que eles pensassem nisso na hora de
planejar suas cidades.
Ao mobilizar os ouvintes e as lideranças locais nas discussões sobre os problemas
da cidade e região, a Rádio Independência aumentava sua audiência e, assim, podia se
posicionar e interferir nos acontecimentos. Na prática, os debates e programas
jornalísticos funcionavam como manifestações de apoio às iniciativas que poderiam
resultar em melhorias, conforme lembra Alexandre Macedo: “A gente fez campanha pela
instalação da Faculdade de Medicina, pela criação do Teatro Municipal de Rio Preto,
pela construção da ponte rodo-ferroviária sobre o rio Paraná ligando São Paulo ao Mato
Grosso do Sul. O intuito da rádio com estas ações era trazer coisas boas para cidade e
região” 70.
Outro fator importante foi a renovação da linguagem dos radiojornais promovida
por Antônio Higa. Isto deu maior objetividade aos noticiários da emissora. “Era um
jornalismo principalmente informativo. Eu até acredito que por causa disso a Rádio
Independência contribuiu para o desenvolvimento econômico, cultural, profissional,
69
Ao todo foram construídas na região cinco usinas hidrelétricas: Ilha Solteira, Água Vermelha, Marimbondo,
Avanhandava e Três Irmãos. Hoje o Noroeste Paulista é conhecido também como a Região dos Grandes Lagos.
70
Em depoimento prestado à autora em dezembro de 2003.
79
industrial e comercial da cidade”, afirma sem modéstia este descendente de japoneses,
que, no ano de 2005 ainda atuava como jornalista free-lance em São José do Rio Preto. É
impossível, no entanto, não levar em conta que, por detrás desta preocupação com
benefícios e melhorias para a cidade, havia também uma boa dose de pragmatismo como
revela esta afirmação do chefe do departamento de jornalismo, Adib Muanis.
Nós nunca pensamos em levar para o microfone, um problema que
não fosse do interesse da coletividade. Nós éramos absolutamente
imparciais na Independência. Não podíamos fechar com um ou
outro segmento político ou econômico da cidade até porque a
situação da emissora era difícil economicamente. Tínhamos que ser
a favor de todo mundo.
Procurando não se indispor com ninguém e trabalhando pelo desenvolvimento
econômico da região, o jornalismo angariava prestígio e construía uma sólida imagem de
credibilidade. A aura de neutralidade se mantinha também em época de eleições, pois
desde a década de 60, já havia na Independência a tradição de abrir os microfones para
os candidatos aos cargos políticos municipais. Foi no ano de 1963, quando das eleições
para prefeito e vereadores, que a emissora lançou o programa Galeria de Candidatos. A
coluna Política em Tópicos do jornal A Notícia destacou a iniciativa.
A Rádio Independência com o programa Galeria dos Candidatos passou
a dar oportunidades, gratuitamente, a todos os candidatos ao legislativo e
executivo municipal, durante um período de dez minutos. Todos os
interessados devem se dirigir ao Sr. Júlio Cosi, diretor da Independência,
para a devida inscrição.
(Coluna Política em Tópicos. Jornal A Notícia, 02/06/1963, pág. 1)
No programa Galeria de Candidatos levado ao ar pela Rádio
Independência falará amanhã o Dr. Heitor Bottura, candidato à sucessão
municipal pelo Partido Rural Trabalhista.
(Coluna Política em Tópicos. Jornal A Notícia, 09/06/1963, pág.1)
Mesmo durante a década de 70, apesar da Ditadura Militar e da censura que
limitou o debate político eleitoral no Brasil, a emissora procurava abrir espaço a todos,
pelo menos é o que garante o jornalista Antônio Higa. Ele afirma que não havia
interferência ou restrições por parte da diretoria.
80
Em época de eleição havia liberdade para os candidatos se manifestarem
e apresentarem seu programa. Pelo menos nos noticiários não havia
nenhuma restrição. Entrevistava-se um candidato da Arena, depois fazia
o mesmo com outro do MDB. A rádio dava espaço a todos que tivessem
o que falar de interesse local ou regional. Havia liberdade de
manifestação e expressão, uma orientação que existia antes e que teve
continuidade.
IV. 3 – Anos 80: rádio se destaca na cobertura política e econômica
A troca de proprietários da Rádio Independência na década de 80 marcou o início
de uma nova fase do jornalismo da emissora. Empresário de sucesso, o engenheiro José
Luís Spotti achava que tinha um papel a cumprir na cidade onde nascera segundo
afirmou à autora.
A Independência tinha um peso fantástico, mas seus antigos donos
estavam cansados. Como minhas atividades comerciais estavam
equilibradas, eu senti que tinha o dever de retribuir alguma coisa para a
comunidade, já que me foi dado tanto. Obviamente, a rádio não era um
hobby e nós a administrávamos como um negócio para ganhar dinheiro.
Mas nós nunca nos envolvemos em situações que pudessem macular o
que ela tinha de mais importante. A sua credibilidade ficou intacta. 71
Spotti havia entrado em contato com o poder da mídia quando ocupou o cargo de
diretor de futebol do América Futebol Clube, e concedeu inúmeras entrevistas à
Independência AM. No ano de 1985 a sociedade brasileira estava mobilizada em torno
da redemocratização e para o engenheiro a imprensa tinha uma função importante: “O
processo democrático se faz pelo estabelecimento de uma imprensa livre. Naquele
momento, esta liberdade estava mais possível e transparente”.
Este ponto de vista ficou evidente na estratégia de relançamento da Rádio
Independência que agora era a empresa líder do Sistema Independência de Rádio.
72
Novos programas jornalísticos entraram na programação e o departamento passou a ser
comandado pelo jornalista e sociólogo Wilson Guilherme (José Bonifácio/ SP, 1954 -),
71
Em depoimento prestado à autora em novembro de 2004.
Sob o comando dos antigos donos (Alexandre Macedo, Adib Muanis e Alberto Cecconi), o Grupo Independência
de Comunicação era formada pelas Rádios Independência AM; Independência FM; Stereo Show FM e Rádio Clube
de Fronteira AM; Serviço Independência de Rádio Chamada e Folha de Rio Preto. No negócio feito com José Luís
Spotti apenas o jornal ficou de fora.
72
81
que em 1984 havia implantado a assessoria de imprensa da Câmara dos Vereadores de
São José do Rio Preto.
Em depoimento à autora Guilherme, lembra do entusiasmo do novo proprietário
que fez questão de tirar uma fotografia com todos os funcionários na escada em forma de
caracol, que dava acesso aos estúdios da rádio na sobreloja do Edifício João Bassit, no
centro de Rio Preto.
33 - A equipe da Rádio Independência em 1985
Para Wilson Guilherme foi um momento histórico.
O Spotti é uma pessoa muito ousada. Eu acho que ele queria passar
alguma coisa para cidade ao comprar a Independência AM. Ele queria
fazer da rádio um espaço de formação da opinião pública da cidade. Ao
juntar esta equipe que a gente vê na foto houve uma re-oxigenação, uma
injeção de ânimo muito grande no mercado, porque aqui está
seguramente, o que havia de melhor em Rio Preto na época. Foi um dos
últimos suspiros do rádio AM nesta região do estado de São Paulo. 73
A criação de um programa fixo de debates estava entre as atrações dessa nova
fase da Independência AM. Em tempos de Nova República e liberdades democráticas
73
Em depoimento gravado pela autora em dezembro de 2004.
82
esta foi mais uma forma da emissora entrar nas discussões sobre os problemas da cidade.
Se isso já acontecia normalmente durante os noticiários, com o Roda Viva (este era o
nome do programa) a rádio abria um espaço em que os vários setores envolvidos num
assunto teriam voz, assim como os próprios ouvintes. Até para que tivesse um caráter de
acontecimento histórico, o programa não era feito nos estúdios da emissora e sim num
auditório da cidade, aberto à participação do público em geral. No palco ficavam de um
lado os convidados que iriam debater o tema, e, de outro, jornalistas da rádio e demais
veículos locais de comunicação. Na primeira parte os convidados expunham o seu ponto
de vista sobre o tema, depois eram argüidos pelos repórteres. O público podia
acompanhar de casa através da rádio, que transmitia tudo ao vivo. Fazia também
perguntas pelo telefone. No dia seguinte, havia ainda a repercussão do debate durante os
noticiários e os programas de variedades. Para completar, as melhores partes do
programa eram publicadas como suplemento especial do jornal Folha de Rio Preto.
O primeiro debate aconteceu no dia 19 de setembro de 1985 e teve como tema a
“Lei de Zoneamento de São José do Rio Preto”, aprovada pela Câmara Municipal. Foi
apresentado como um show democrático de jornalismo, segundo o suplemento impresso
cuja capa esta reproduzida a seguir.
34 - O suplemento especial sobre o programa de debates Roda Viva
83
O editorial de lançamento de Roda Viva transmitido no dia seguinte e reproduzido
no jornal destacou o caráter multidisciplinar do programa, que reuniu secretários
municipais, vereadores, entidades representativas de arquitetos, engenheiros e corretores
imobiliários, além dos moradores de Rio Preto.
Discussão em alto nível das questões importantíssimas, relativas ao
ordenamento urbano de Rio Preto, às normas de expansão física da
cidade, à codificação das construções, à segurança dos moradores e
logicamente, ao projeto implícito de como será Rio Preto no ano 2000.
(...) Roda Viva surge, assim como o grande momento mensal de debate
sobre temática que interessa a todos os rio-pretenses, assumindo,
portanto, o próprio sentido de uma nova República que todos queremos.
A Independência dinamiza a reflexão sobre as questões que têm a ver
com cada um de nós. O êxito de Roda Viva é da cidade. O jornalismo da
Independência dá o ritmo. 74
(Suplemento Roda Viva debate a Lei de Zoneamento. Editorial Independência dinamiza, pág.2)
Os debates prosseguiram sempre mensalmente e a responsabilidade de organizar a
produção era da jornalista Cecília Demian que arrumava as salas onde aconteceriam os
debates, convidava os debatedores, definia temas e participantes conforme relatou:
“Eram temas gerais, poluição, meio ambiente e até futebol. Fizemos um sobre o América
Futebol Clube que lotou. Outro que repercutiu foi sobre violência contra mulher para o
qual trouxemos a socióloga Eva Blay, então presidente do Conselho Estadual da
Condição Feminina”. 75
A cobertura do Plano Cruzado, lançado em janeiro de 1986, foi outro grande
momento segundo os profissionais do jornalismo da Independência. Naquela época o
Brasil convivia com uma inflação galopante e aumentos diários de preços. Para colocar
fim à espiral inflacionária, o presidente José Sarney lançou o Plano Cruzado em janeiro
de 1986: o choque econômico acabou com o cruzeiro e criou uma nova moeda, o
cruzado; veio o congelamento de preços e o fim da correção monetária. As pessoas
ficaram confusas com tantas mudanças de uma só vez e buscavam esclarecimento na
74
Trechos do editorial “Independência dinamiza”, levado ao ar no dia seguinte ao lançamento do programa Roda
Viva, e republicado pelo suplemento especial “Roda Viva debate a Lei de Zoneamento” que circulou encartado no
jornal Folha de Rio Preto em setembro de 1985.
75
Cecília Demian prestou depoimento à autora em janeiro de 2005. Eva Blay era suplente do senador Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), e em 1992 ocupou a sua vaga quando ele assumiu o ministério da economia do governo
Itamar Franco. Em 2004 coordenava o Núcleo de Estudos da Mulher e das Relações Sociais de Gênero da
Universidade de São Paulo.
84
mídia. Em São José do Rio Preto, a programação normal da rádio cedeu lugar para o
noticiário sobre o plano o tempo todo. Wilson Guilherme, no comando do departamento
de jornalismo da Independência, programava entrevistas com representantes do governo
federal pelo telefone direto de Brasília além de debates com economistas e parlamentares
para explicar o plano e tirar as dúvidas dos ouvintes.
Editado o Plano Cruzado, veio a conversão, a tablita e o congelamento.
A população ficou muito apreensiva e a rádio, por ter um jornalismo
atuante e com muito espaço para falar, passou a ser o ponto de referência
das pessoas para entender esse plano econômico. Fixamos a tablita de
conversão do cruzeiro para cruzado, na portaria da rádio para atender as
muitas pessoas que queriam saber o fator de conversão que era diário.
Até o programa policial Hora Fantástica entrou na cobertura do Plano Cruzado,
pois era o noticiário com maior audiência da emissora. Seu apresentador, o jornalista
Rubens Celso, diz que leu a íntegra da minuta do plano econômico no Diário Oficial da
União para entender as medidas em profundidade. Afirma que acompanhava o noticiário
econômico nos jornais impressos além de conversar com economistas, tudo isso para
poder explicar aos ouvintes que ligavam com dúvidas. A seguir ele conta como lidava
com o assunto.
A prioridade era tratar do Plano Cruzado. Eu colocava os economistas e
técnicos no ar para explicar e depois traduzia para o ouvinte falando
assim: “Olha gente o que ele quer dizer com isso é que...” No rádio você
tem que explicar porque o sujeito que está ouvindo, muitas vezes não
consegue chegar a conclusões. Ele recebe as informações, mas não junta,
não cruza uma coisa com a outra. Eu traduzia o economês para os
ouvintes da Hora Fantástica. 76
Durante o Plano Cruzado, a Independência desempenhou mesmo papel de
vigilância dos preços, conta a jornalista Cecília Demian. Acrescenta que os repórteres
foram orientados a receber todo tipo de denúncia e, se o ouvinte quisesse, deveriam
colocá-lo no ar fazendo a reclamação pessoalmente. “Por causa do congelamento de
preços a carne sumiu ou então era vendida com ágio. Bastava a gente colocar a denúncia
no ar para os lojistas ligarem dizendo que o problema já estava resolvido. Foi uma época
movimentadíssima na rádio!” contou ela.
76
Em depoimento prestado à autora em dezembro de 2004.
85
IV. 4 – Anos 90: tempos de terceirização
O jornalismo da Rádio Independência passou por outra fase de mudanças, quando
a administração da rádio decidiu terceirizar o departamento. Para colocar o novo sistema
de gestão em prática, foram convidados os jornalistas Wilson Guilherme e Rubens Celso
que haviam deixado a emissora alguns anos antes. O jornal Diário da Região publicou o
seguinte comentário sobre a nova programação.
Wilson Guilherme e Rubens Celso estrearam ontem, a quatro mãos, um
programa radiofônico de cunho jornalístico com entrevistas ao vivo,
entrevistas de rua com unidade externa, etc. Profissionais competentes,
Wilson e Rubens abriram o programa ontem com chave de ouro:
entrevistaram, em exclusividade, o governador Fleury que falou sobre a
sucessão municipal de Rio Preto.
(Coluna No Ar – jornal Diário da Região, 03 de setembro de 1991)
Wilson Guilherme conta que a proposta de terceirização foi feita pelo proprietário
da rádio José Luís Spotti, que queria reativar a rádio da qual gostava tanto. Segundo ele,
a gerência administrativa sugeriu o esquema, como alternativa de produção evitando as
inúmeras
preocupações
decorrentes
como
encargos
sociais,
manutenção
de
equipamentos, etc. Eles montaram a WR Comunicações e por meio dela contratavam os
profissionais, comercializavam os anúncios e mantinham os equipamentos. Em
dezembro de 1992, o jornalismo da Independência continuava terceirizado e o jornal A
Notícia se referiu a ele de maneira positiva como vemos a seguir:
O departamento de jornalismo da Rádio Independência sofreu um
processo que vem se tornando comum, a terceirização. Os jornalistas
Wilson Guilherme e Rubens Celso assumiram a tarefa de manter os
ouvintes da rádio informados. Munidos de uma boa equipe e uma
unidade móvel, os jornais da Rádio Independência tem servido de fonte
para diversas matérias veiculadas por outros órgãos de comunicação.
Com agilidade que a mídia lhe permite, a equipe foi responsável entre
outros feitos, por tornar público ao país as predileções do ator Roberto
Bataglin por sexo e drogas ao levar ao ar a história picante de sua
companheira de noitada quando visitou Rio Preto.
(Jornal A Notícia, Projeção in “As fantásticas horas de Clenira Sarkis”, pág. A-24. - 20/ 12/1992)
Este era mesmo o objetivo de Wilson Guilherme, à frente do jornalismo da
Independência: pautar os outros meios de comunicação e colocar a rádio no cenário
86
nacional. Segundo ele, a emissora passou a ser referência para as rádios Jovem Pan e
Bandeirantes de São Paulo quando acontecimentos em Rio Preto tinham caráter
nacional. “Nós não olhávamos a concorrência, éramos muito egocêntricos. Se um órgão
de imprensa de fora precisava de informação em Rio Preto ligava para nós. A gente
passava boletins nacionais com assinatura da Independência”, vangloriou-se. Ao longo
do tempo, no entanto, o esquema terceirizado complicou, surgiram dificuldades em
manter o jornalismo daquela forma. Wilson Guilherme queixou-se da quantidade de
encargos.
Começamos a ter divergências com a gerência administrativa da rádio.
Era muita coisa em cima da gente. Era o carro de reportagem que
quebrava ou ficava sem combustível, a motorola que não funcionava.
Além disso, anúncio publicitário é finito. A gente fazia dez contratos por
três meses, ao fim deste tempo, seis não renovavam e aí tínhamos que
correr atrás de mais. Ficou difícil e aí decidimos sair. 77
Além do jornalismo, o esporte também estava terceirizado para a empresa
Operação Esporte. Na virada do ano de 1995, o engenheiro José Luís Spotti decidiu abrir
mão de vez da Rádio Independência, ao repassar a sua concessão para um grupo
religioso. Em 15 de fevereiro a notícia da venda da emissora saiu no jornal Diário da
Região.
A Rádio Independência AM foi vendida por R$ 250mil reais para a
Fundação Cultural Radio Difusora Artur de Souza Vale, ligada à Igreja
Adventista do Sétimo Dia. A entrega será feita no prazo de 60 dias. (...)
A Independência AM é líder em audiência com sua programação
esportiva e chega a registrar picos de 97% com o jornalismo policial
com Hora Fantástica e 64% com os noticiários.
(Jornal Diário da Região - Independência AM é vendida para grupo da Igreja Adventista, pág. 8)
Logo após o anúncio da venda, o Sindicato dos Radialistas de Rio Preto começou
a mobilizar os funcionários da Rádio Independência contra a transferência da emissora
para a igreja. Alegando ilegalidade do negócio o presidente Jair Viana avisou que
entraria com medida cautelar na justiça pedindo a suspensão temporária da venda.
Temerosos pelo desemprego, os radialistas protestaram durante a programação ao vivo e
77
Motorola é uma das marcas de rádio de comunicação que as emissoras instalam no carro de reportagem, através
do qual o repórter fala com a redação do local dos fatos ou entra no ar durante a programação com boletins
jornalísticos. Hoje mesmo com advento da telefonia celular o sistema ainda é usado.
87
convocaram os ouvintes a entrarem no movimento. Houve manifestações em frente ao
prédio da emissora, como registraram os jornais da época.
35 - Radialistas contra a venda para a igreja
Tantas reações se explicam pelo fato de depois de 33 anos de funcionamento, a
Rádio Independência havia se tornado mais do que uma empresa de comunicação. Para a
comunidade ela era um patrimônio de São José do Rio Preto. Daí os próprios ouvintes
ligarem para rádio protestando. Mas nada disso foi suficiente para mudar a situação.
Apesar de tudo, a emissora mudou para Independência Novo Tempo AM, numa
referência à transição que já estava em curso logo após a assinatura do contrato, no dia
10 de fevereiro de 1995. No dia 1º de abril daquele ano o processo de mudança terminou
e a emissora passou a se chamar apenas Novo Tempo AM, a rádio que toca o seu
coração.
88
V – HORA FANTÁSTICA: SENSACIONALISMO E
ENGAJAMENTO
O dia-a-dia das delegacias de polícia era a atração da Hora Fantástica, criação de
Adib Muanis, logo que assumiu o jornalismo da Rádio Independência na década de 70.
A inspiração veio de um programa que fazia sucesso em Ribeirão Preto (SP), pela PRA7: “Eu fiquei lá três dias ouvindo o programa que se chamava Balanga Beiço, feito por
um palhaço de circo que dava as notícias policiais com a voz caracterizada. Aqui em Rio
Preto, eu lancei a Hora Fantástica, para ser apresentado por um locutor da Rádio Rio
Preto, muito caricato, que imitava um caboclo, o Véio Tatau”, lembra Muanis. Antonio
Carlos Bottas (Salvador/BA, 1943 – Rio Preto/SP, 1991) foi o herdeiro do espaço
radiofônico que pertenceu a Zacharias Fernandes do Valle, morto em 1963, criador do
Chico Belarmino, um caipira dono de uma fazendinha, conforme já relatado no capítulo
III desta dissertação. 78
Aproveitando o talento de Antonio Carlos Bottas, Adib Muanis, queria que o
programa dramatizasse os crimes que ocorressem na cidade. A Hora Fantástica deu
certo e ficou no ar de segunda à sexta feira, sempre às quatro da tarde, até a transferência
da emissora para a Igreja Adventista. Mereceu por isso um capítulo só para ele, tal a
importância que teve para o público e tantas as histórias que há para contar. Ao longo do
tempo houve troca de apresentadores e mudanças na linha editorial do programa, como
explica Adib Muanis.
78
O Véio Tatau era uma imitação do personagem inventado por Zacharias Fernandes do Vale. Bottas copiou
inclusive o formato do programa também ambientado na roça, A Fazendinha do Véio Tatau, durante o qual se ouvia
música caipira, o cantar dos pássaros e o barulho de bichos como vacas, galinhas, porcos e cachorros. O estudioso
de cultura caipira Romildo Sant’Anna foi ouvinte do Véio Tatau e escreveu sobre aquele velhote ranzinza, que
tossia e pigarreava por causa do cigarro de palha: “Inventando palavras num dialeto de sertão, anunciava a hora
certa (“pra mor de desorientá o povo”) badalando colher num fundo de panela. Como no palco de costumes
caipiras, atava-se a outros personagens pelos laços de família, da amizade e compadrio. Eram, no humor ingênuo,
“Isidoro Nortista, cumpade de batizamento dos meus fios bãozinho – o Chiquinho Capeta e a Cidinha Satanais –, a
cumade Marculina, minha esposa-muié, o véio Amanço, meu avô de crismação, o cumpade Zeca Gome,
corcunhado do meu irmão, o cumpade Dudu, e a cumade Gerulina que tamém é corcunhada da cumade Totonha...”.
A crônica Véio Tatau, de Romildo Sant’Anna foi publicada pelo jornal Diário da Região em 01/08/2004 e pelo site
www.triplov.com em 08/08/2004.
89
O programa ficou muito sério e passou a ser porta-voz de Rio Preto. O
sujeito perdia o relógio corria lá. A mulher apanhava do marido corria lá.
Tinha até um caráter assistencialista, muitas vezes nós chamamos
doadores de sangue no ar e como a população gostava do programa,
respondia prontamente ao nosso apelo. Mas eu segurava um pouco para
não degenerar um negócio incontrolável com inúmeros pedidos de
cadeira de rodas, muletas, reclamações etc. A gente deve fazer alguma
coisa pelo povo, mas isso desvirtuava o objetivo do programa que era
informar sobre os casos policiais. 79
Um dos responsáveis pela mudança no perfil do programa foi Garcia Neto
(Cardoso/SP, 1959 -), o radialista que assumiu o programa no ano de 1982. Segundo ele
o ritmo da Hora Fantástica estava lento, com poucas notícias, até porque o número de
ocorrências policiais em São José do Rio Preto não era suficiente para abastecer o
programa de uma hora de duração. Garcia Neto resolveu ocupar o espaço ocioso com o
que ele chama de “filantropia e utilidade pública”. Consistia em anunciar os pedidos de
pessoas que estavam em dificuldade em conseguir, por exemplo, uma cadeira de rodas,
um par de muletas ou dinheiro para aviar uma receita de óculos. O ouvinte que pudesse
ajudar ligava para a emissora fazendo a doação que era divulgada por Garcia Neto como
mais uma vitória da Hora Fantástica.
A audiência do programa era muito grande inclusive no comércio da
cidade. A fama era tamanha que bastava a gente dar a notícia no ar e
logo os lojistas ligavam se oferecendo para ajudar doando o que a pessoa
precisava. Era uma coisa absurda. Isso me obrigou a adotar critérios
rígidos de seleção dos casos que a gente anunciava para evitar
picaretagem, aproveitadores que queriam usar o programa para se dar
bem. 80
A Hora Fantástica, sob comando de Garcia Neto, promoveu também uma
campanha que mobilizou a população rio-pretense em favor dos flagelados da seca do
Nordeste do Brasil em 1983. Em parceria com o Rotary Club, foram arrecadadas 26
toneladas de alimentos e uma quantia em dinheiro suficiente para perfuração de um poço
artesiano e a construção de casas. Garcia Neto conta que a doação foi encaminhada para
a cidade de Quixadá, no estado do Ceará, onde foi construído o Conjunto Habitacional
São José do Rio Preto.
79
80
Em depoimento à autora em maio de 2004.
Garcia Neto deu seu depoimento à autora pelo telefone em janeiro de 2005.
90
Eu fazia o chamado pelo programa e quem coordenava o recebimento
das doações era o Rotary. Havia postos na rádio e em vários outros
locais além de uma conta bancária para quem quisesse doar dinheiro. Eu
fui pessoalmente para lá acompanhando o caminhão com as doações.
Fiquei 15 dias no Ceará, contratei a mão de obra para perfurar o poço e
comprei o material de construção de oito casas geminadas onde foram
acomodadas cerca de setenta pessoas.
Apesar do perfil assumidamente assistencialista, a Hora Fantástica continuou
sendo um noticiário policial. Além de Garcia Neto, havia repórteres que entravam no ar
direto das delegacias e gravavam depoimentos dos acusados pelos crimes, policiais e
testemunhas. Estas gravações eram alvo de edição caprichada pelo apresentador, que
escrevia os textos descrevendo os crimes, além de selecionar fundo musical e os
melhores trechos das entrevistas. “Eu passava de 15 a 20 minutos falando de um caso,
intercalando com as vozes do acusado, das testemunhas, do delegado. A trilha sonora
ajudava aumentar a carga de suspense. O objetivo era conduzir o ouvinte para dentro da
cena do crime”, informou Garcia Neto em depoimento à autora deste trabalho. Ele
admitiu também que diante de determinados crimes não resistia e pregava a pena capital
para os criminosos capturados pela polícia.
Sempre fui muito duro com eles. Por várias vezes senti repugnância
diante da brutalidade e da frieza dos bandidos. Dizia no ar que em casos
como latrocínio e estupro de crianças, o acusado não merecia apenas a
condenação prevista na lei. Crimes bárbaros como estes, o sujeito
merecia morrer mesmo. Eu costumava dizer que bandido bom é bandido
morto.
Garcia Neto ficou à frente da Hora Fantástica durante quatro anos e afirma que
nunca recebeu pressões para mudar seu estilo. Durante esse período sofreu 48 processos
judiciais a maioria por injúria, calúnia e difamação. A Independência, além de lhe dar
ampla liberdade de atuação, ainda mantinha um advogado de plantão só para defendê-lo
dessas acusações, pelas quais nunca foi condenado.
Na primeira metade dos anos 80, a Hora Fantástica manteve-se como um
programa policial, assumindo um caráter assistencial e sensacionalista. Isso, além de
garantir altos índices de audiência, projetou Garcia Neto que, em 1986, transferiu-se para
outra emissora onde lançou um outro programa na mesma linha. Sua saída permitiu que
91
os proprietários da rádio modificassem o programa novamente, até porque os tempos já
eram outros.
V. 1 – Programa se renova com a redemocratização do país
Antes de seguir adiante com a história da Hora Fantástica, convêm situar o
momento político da época para entender melhor as mudanças do programa. O Brasil do
início da década de 80 tinha como Presidente da República o General João Batista
Figueiredo, que havia assumido o cargo em 15 de março de 1979, anunciando o
restabelecimento da democracia no país como prioridade de seu governo. No primeiro
semestre do ano de 1984, o país aderiu à campanha das “Diretas Já” e assistiu ao
nascimento da Nova República, o acordo político-partidário que colocou fim ao ciclo
autoritário. Tancredo Neves (PMDB) foi eleito presidente da república pelo Colégio
Eleitoral em 15 de janeiro de 1985 com a posse prevista para dali a dois meses o que não
aconteceu. O político, de 75 anos de idade, teve que ser operado às pressas na véspera,
por causa de uma diverticulite81. Tancredo passou por mais sete cirurgias até morrer no
dia 22 de abril de 1985. Nessa altura o vice-presidente eleito, José Sarney (PDS), já
havia tomado posse como presidente, para, em janeiro de 1986, iniciar com o Plano
Cruzado uma série de planos econômicos para combate da inflação. Em 1988 entrou em
vigor a Nova Constituição Federal e aconteceram as primeiras eleições após a ditadura
militar. A década terminou com a eleição do primeiro presidente civil, Fernando Collor
de Melo (PRN).
Portanto, os anos 80 foram marcados por transformações políticas e econômicas
bastante significativas. Livres da censura, os meios de comunicação se tornaram fórum
de discussões sobre assuntos que, para a sociedade da época, eram novidade: direitos
humanos, do consumidor e do cidadão. A nova democracia brasileira estava dando seus
primeiros passos e, em São José do Rio Preto, o clima não era diferente. A Rádio
Independência acompanhava todos esses acontecimentos de perto procurando dar uma
cor local à sua cobertura. Atento aos efeitos da volta da democracia, o diretor e um dos
81
Trata-se de uma doença que pode acometer a pessoa principalmente a partir dos 50 anos de idade e consiste na
inflamação do intestino grosso. No caso de Tancredo o quadro complicou-se resultando em sua morte O atestado de
óbito apontou como causa mortis, septicemia, infecção generalizada.
92
proprietários da emissora, Alberto Cecconi, aproveitou para promover mudanças na
Hora Fantástica. Para isso convocou o jornalista Rubens Celso que vinha fazendo
sucesso com um programa de rádio voltado para o público jovem82. Repórter político do
jornal A Notícia, ele havia criado um noticiário no qual além de informar, comentava e
explicava os acontecimentos que eram manchetes dos jornais do dia. Ex-ator de teatro e
militante de partidos de esquerda, Rubens Celso (Américo de Campos/SP, 1957 -) falava
de assuntos sérios com o estilo despojado característico das emissoras FM. O jornalista
acredita que este estilo chamou atenção do dirigente da Independência.
O Cecconi me achava muito “porra louca” e acreditava que a rádio
precisava de alguém irresponsavelmente corajoso. Apesar de ter apoiado
a ditadura, de ter crescido à sombra dela, ele tinha tino comercial. Nós
estávamos abortando uma ditadura, e ele sentiu que era hora de mudar.
Cecconi era um animal político e farejava o rumo das coisas. Os donos
da radio eram conservadores e mudar para eles seria inserir um elemento
novo, no caso eu, naquele caldo cultural velho. 83
A novidade introduzida foi que a Hora Fantástica, mais do que mostrar os fatos
policiais, passou a investigar casos como abuso de poder pela polícia; superlotação das
cadeias públicas; falta de médicos nos postos de saúde; morte de cidadãos nas filas para
atendimento nos hospitais da rede pública. Rubens Celso diz que o caráter policialesco
foi atenuado em favor da defesa da cidadania e dos direitos humanos. “Nós começamos a
cobrar transformações nas polícias civil e militar, mais transparência nas ações, fim das
torturas de presos e da impunidade. Acompanhávamos o trabalho dos vereadores.
Questionávamos a qualidade dos serviços prestados à população pobre que dependia da
rede pública de saúde”, declarou o jornalista. Uma das principais características do
apresentador da Hora Fantástica era a vibração com que apresentava o programa, pois
além de se entusiasmar com as reportagens, emitir opinião sobre os assuntos, ainda fazia
brincadeiras com os repórteres. Um exemplo disso foi a jornalista Cecília Motta que
virou a repórter caça-fantasmas quando descobriu a existência de irregularidades na
contratação de funcionários pela Câmara dos Vereadores de Rio Preto. Ela contou em
depoimento à autora como aconteceu.
82
O programa chamava-se Na Onda Certa. Era transmitido pela radio Stereo Show FM, pertencente ao Grupo
Abril e que depois passou a ser controlada pelo Sistema Independência de Comunicação. Havia duas edições de
quinze minutos, ao meio dia e às dezoito horas.
83
Em depoimento prestado em dezembro de 2004.
93
Eu levantei o problema e todo dia entrava no programa ao vivo
noticiando os desdobramentos do escândalo. Um dia o Rubens inventou
de me chamar assim: “E agora diretamente da Câmara Municipal,
Cecília Mota, a repórter caça-fantasmas”. Ele fazia muito bem a Hora
Fantástica, juntou política com polícia e deu uma mistura muito boa. 84
Cecília, que hoje assina com o sobrenome Demian, informou que apesar da
mudança editorial, o programa manteve as campanh as assistenciais o que não seria um
demérito, pois, em sua opinião, a imprensa tem um papel social e o rádio mais ainda,
devido à sua capacidade de mobilização. Ela lembra de uma vez em que recebeu de
Rubens Celso a incumbência de pedir um donativo para a diretoria da União
Democrática Ruralista 85: “Era uma campanha em favor do Asilo São Vicente de Paulo e
sobrou para mim ir na UDR pedir um boi. Eles estavam reunidos, eu fiz o pedido e de lá
mesmo liguei dando a notícia: Ganhamos um boi! O Rubens Celso festejou no ar”.
Os assuntos policiais também continuaram a ser noticiados, mas houve mudança
em relação ao tratamento aos criminosos. Para eles, a Hora Fantástica passou a
reivindicar nada além do que o cumprimento da lei. Segundo o apresentador Rubens
Celso, a questão da pena de morte ganhou um outro enfoque.
Este foi um aspecto que nós mudamos totalmente. Naquela época não
existia tanta crueldade, não havia este banditismo violento ligado ao
trafico de drogas como hoje. A violência era conseqüência dos
problemas econômicos gerados pela Ditadura Militar. Havia de certa
forma uma tolerância maior, até porque o bandido não agregava tanta
violência à suas ações. Então a gente podia dizer que a pena de morte era
desnecessária, que era uma coisa esdrúxula. Nós tínhamos respaldo
popular porque as pessoas não sentiam tanto medo como hoje. 86
Para Wilson Guilherme que chefiou o jornalismo da Independência, a partir de
1985, o que fez o jornalismo policial da emissora ganhar qualidade foi justamente a
forma como foi conduzido: “O nosso noticiário policial era bem feito, porque repercutia,
ouvia as várias partes envolvidas, o suposto bandido, a vítima, a polícia. É a condução na
84
Em depoimento prestado à autora em janeiro de 2005. Atualmente Cecília Demian é editora do jornal Diário da
Região de São José do Rio Preto.
85
A UDR foi fundada em 1985 para defender os interesses dos produtores rurais preocupados com a possibilidade
de uma reforma agrária no país com o advento da Nova República. O site da entidade, www.udr.org.br , informa
que o seu princípio fundamental é a preservação do direito à propriedade, a manutenção da ordem e o respeito à lei.
86
Em depoimento prestado à autora em dezembro de 2004. Na época Rubens Celso exercia o cargo de EditorChefe do jornal DHoje, de São José do Rio Preto.
94
dose certa que faz a diferença. O lado da baixaria, do escárnio, da humilhação das
pessoas, da audiência a qualquer custo a ponto de inventar notícia, isso nunca foi
permitido”.
V. 2 – A hora do olhar feminino
No início da década de 90, pela primeira vez em sua história, a Hora Fantástica
passou a ser apresentado por uma mulher, a radialista Clenira Sarkis (Álvares de
Florence/SP, 1957 -). Ela procurou imprimir ao programa o que chama de “caráter
social” abrindo espaço para matérias sobre direitos do consumidor e do cidadão: “Não
era assistencialismo. A gente ajudava as pessoas naquela pior hora e tornava público
para ensinar as pessoas que elas tinham direitos e deveriam reivindicá-los”, afirmou em
depoimento gravado em junho de 2004. Clenira lembra que o Código de Defesa do
Consumidor87 era novidade recente no Brasil e as pessoas ainda não sabiam como usá-lo.
Por isso era comum ela ser acionada em questões de consumo.
Era um programa de muita credibilidade. O sujeito que comprava, por
exemplo, um eletrodoméstico que vinha com defeito e não conseguia
trocar na loja, ligava para nós e a gente ia com ele na loja. Às vezes o
gerente mandava procurar a polícia e a gente aconselhava o ouvinte a
fazer isso. Mas só que a reportagem acompanhava até na delegacia, para
a polícia não enrolar o sujeito. Com a gente, tudo se resolvia.
Os casos policiais também tinham espaço na Hora Fantástica de Clenira Sarkis
sob um aspecto diferente, como explicou à autora: “No ar eu usava toda a minha carga
emocional de mulher, de mãe de dois filhos. Eu contava o caso com todo aquele cuidado
que se fala como mãe. Nem todo mundo gostava. Às vezes me ligavam mandando levar
o bandido para casa”. Graças a este “olhar feminino”, a jornalista conseguiu estabelecer
um elo de ligação com os detentos das cadeias públicas e penitenciárias da região, que
lhe escreviam cartas contando a situação dentro das celas. Eram tantas denúncias que
Clenira decidiu verificar pessoalmente a Cadeia Pública de Rio Preto, mais conhecida
como Cadeião. Ela conta que transmitiu uma edição da Hora Fantástica ao vivo direto
do presídio.
87
A lei federal 8078 que criou o Código de Defesa do Consumidor é de 11 de setembro de 1990.
95
Eu fiz isso porque recebia montes de cartas por mês dos presos e dos
parentes reclamando e que eu deveria ir lá ver com os próprios olhos a
situação deles. O melhor de tudo é que o juíz na época autorizou a nossa
entrada no Cadeião. Os presos pediram para abrir as celas para eu entrar
e mostrar a superlotação e os problemas todos. Teve uma audiência que
você não imagina. 88
É no mínimo curioso verificar que o mesmo programa que anos antes pregava
pena de morte, agora abria espaço para que os detentos reivindicassem direitos humanos
e melhores condições de vida na cadeia. Enquanto Garcia Neto considerava a pena
capital a melhor solução para os crimes hediondos, Clenira Sarkis preferia analisar a
questão de uma forma mais conjuntural.
Não se trata da pessoa nascer bandido, é mais uma coisa de pobreza.
Quando eu comecei a trabalhar em rádio, fiz muita matéria em favelas
onde conheci gente que depois virou bandido e encontrei na cadeia.
Então eu argumentava não em defesa do sujeito que afinal cometeu um
crime. Eu mostrava que o problema não era só do bandido, que aquilo
era um problema de toda a sociedade. 89
Hora Fantástica foi um dos programas mais duradouros do rádio rio-pretense.
Permaneceu no ar durante 25 anos. Seu conteúdo passou por transformações, um sinal de
que o programa evoluiu junto com a comunidade no qual estava inserido, mas nunca
perdeu seu caráter polêmico e questionador, até nos últimos dias em que esteve no ar.
Quando foi anunciada a transferência da rádio Independência para Igreja Adventista, sua
apresentadora não pensou duas vezes e usou o microfone da Hora Fantástica para
protestar contra a transação. Inconformada com a venda da emissora, Clenira Sarkis foi
mais longe e abriu espaço para os ouvintes também se manifestarem contra o negócio.
Quando eu fiquei sabendo perdi toda a compostura. Porque era uma
rádio da cidade e eu tinha consciência do seu poder. O povo ligava e
falava durante o programa. Teve um ouvinte que chegou sugerir: “Se
cada rio-pretense der um real, a gente compra a rádio e ela continua aí
como está”. Os ouvintes discordavam da venda porque sabiam que
mudaria a programação e que a Independência iria sair do ar.
88
O Cadeião de Rio Preto foi desativado em 2004 depois de inúmeras fugas e rebeliões que amedrontavam os
moradores da Zona Norte. O prédio foi demolido e o terreno doado para o governo do estado que se comprometeu a
construir uma faculdade de tecnologia, a Fatec.
89
Clenira Sarkis prestou depoimento à autora em junho de 2004. Na ocasião trabalhava na assessoria de imprensa
da Prefeitura de São José do Rio Preto.
96
VI – SE O FUTEBOL TEM RESIDÊNCIA, ELE MORA NA
INDEPENDENCIA!
O título deste capítulo reproduz um dos primeiros slogans de propaganda criados
para divulgar a cobertura desportiva da Rádio Independência. Além da rima, a frase
chama atenção porque dá uma idéia da importância que o futebol teve na programação
da emissora desde a sua implantação.
90
Através de equipamentos modernos de
transmissão e uma equipe montada com profissionais de outras cidades do interior
paulista, a Inde pendência fez do gênero o carro-chefe de suas transmissões. Até porque
em Rio Preto havia dois times de futebol profissionais que participavam de campeonatos
regional e estadual, América Futebol Clube e Rio Preto Esporte Clube. De fato, clubes
desportivos são instituições que ajudam a construir a identidade local das comunidades e
a função da mídia neste processo, é valorizá-los além de estimular a adesão dos
cidadãos, através da divulgação e acompanhamento das suas atividades.
O América foi criado em 1946, a partir de um movimento liderado pelo
engenheiro Antonio Tavares Pereira Lima, funcionário da Estrada de Ferro
Araraquarense. O objetivo era fazer um clube profissional capaz de ganhar títulos e
enfrentar os times da capital em pé de igualdade. Os principais títulos conquistados
foram de campeão de 1957 da Segunda Divisão do Campeonato Paulista, campeão da
Primeira Divisão em 1963 e campeão paulista da série A-2 em 1999. Possui hoje um
estádio de futebol, o Teixeirão, com capacidade para 55 mil torcedores. O Rio Preto
Futebol Clube é o mais antigo da cidade, fundado em 1921. Possui um estádio, o Rio
Pretão, com capacidade para 15 mil pessoas. O maior título conquistado pelo clube foi o
de campeão da série A-2, da segunda divisão, do ano de 1963.
Ao longo dos trinta e três anos de funcionamento da Independência, a cobertura
desportiva teve presença garantida na programação da emissora. A vontade de inovar
não se restringia aos equipamentos de transmissão. Profissionais de emissoras de outras
90
A frase saiu em um anúncio publicado no jornal Correio da Araraquarense (pg. 6), no dia 12 de junho de 1963.
Era sobre o jogo América X Prudentina, realizado na noite desta mesma data no estádio Mario Alves de Mendonça
em São José do Rio Preto.
97
cidades foram contratados, até para que a cobertura fosse feita com vozes diferentes das
que os ouvintes rio-pretenses estavam acostumados. O departamento de esporte foi
implantado por Nelson Antonio de Castro trazido de Ribeirão Preto e considerado um
dos grandes narradores do rádio desportivo do interior paulista na época.
Além disso, a rádio adotou estratégias
ainda não usadas pelas concorrentes locais, para
divulgar a sua cobertura de futebol. Uma delas
era publicar anúncios publicitários das jornadas
desportivas nos jornais locais. Na reprodução do
jornal A Notícia do dia 13 de janeiro de 1963,
destaque para a foto da estrela da equipe da
Independência, o narrador Nelson Antonio, que
acompanharia a partida entre América Futebol
Clube
e
Clube
Atlético
Juventus,
pelo
campeonato paulista (ilustração 35). Na ocasião
a Independência liderava a Rede Popular dos
Esportes, mas o anúncio não chega a detalhar os
36 – Equipe esportiva era atração
outros integrantes desta rede. Apenas informa
que, além da partida principal em Rio Preto, o ouvinte teria informações direto de
Votuporanga, onde aconteceria o jogo Votuporanguense e Rio Preto Esportel Clube. No
alto o slogan dizia “Com a Independência, a bola corre mais”.
Para mobilizar a torcida local, a rádio estabelecia também parcerias com empresas
da cidade em promoções que rendiam prêmios e até viagens com os times. No ano de
1964, após o time do América ter-se sagrado campeão da Primeira Divisão a
Independência juntamente com seus patrocinadores, transportava torcedores para os
jogos realizados fora de casa. Uma “dobradinha” que além de interessante em termos
audiência, ainda garantia torcida a favor nos estádios dos adversários. Bastava que o
ouvinte escrevesse uma carta para entrar no sorteio que se realizava ao vivo nos estúdios
da emissora, conforme mostra a seguir um anúncio publicado no jornal A Notícia, no dia
20 de fevereiro de 1964 (ilustração 37). Para ganhar a viagem, a pessoa deveria dizer na
98
carta que queria ir a Santos com Cidin-Chevrolet (concessionária de automóveis) e
Independência AM torcer pelo América.
37 - Independência patrocinava viagem de torcedores do América
A caravana iria à cidade no litoral paulista, no dia 23 de fevereiro de 1964, assistir
à partida América x Portuguesa Santista válida pelo Campeonato Estadual. Na ocasião,
os torcedores sorteados levaram sorte ao time dirigido pelo técnico Rubens Minelli. O
América venceu o jogo na casa do adversário por três a dois.
VI. 1 - Rádio e Futebol: parceiros em evolução
Mais do que com outras modalidades desportivas, o rádio mantém com o futebol
uma estreita ligação que começou a ser construída ainda na década de 30, quando clubes
e emissoras surgiam no Brasil. Edileuza Soares acredita que o rádio desportivo foi
essencial para a transformação do futebol em esporte de massa e um importante
complemento na definição do rádio como meio de comunicação de massa. Segundo ela o
ponto de partida dessa relação foi a primeira narração detalhada de um jogo de futebol.
A transmissão coube ao locutor Nicolau Tuma, da Rádio Sociedade
Educadora Paulista (primeira emissora de São Paulo, fundada em 1923)
durante o VIII Campeonato Brasileiro de Futebol, em 1931. Jogaram as
seleções de São Paulo e do Paraná, no campo da Chácara da Floresta, no
bairro da Ponte Grande, em São Paulo. Nesse dia, foi criada uma técnica
99
para a transmissão direta de futebol. E teve início a simbiose, que dura
até hoje, entre radiojornalismo esportivo e esse esporte. 91
Até então o que as emissoras faziam era dar as notícias no dia seguinte aos jogos
de futebol, a partir dos jornais. Não se cogitava usar o rádio para transmitir ao vivo.
Quando se viu diante do desafio, Nicolau Tuma, instintivamente optou por uma
descrição fotográfica do que estava à sua frente, que possibilitasse ao ouvinte imaginar o
campo: “Eu estou aqui no reservado da imprensa do campo, contemplando as
arquibancadas. Estou ao lado das gerais e vou tentar transmitir para vocês que me ouvem
um relato fiel do que irá acontecer no campo”. 92 Tuma usou então um recurso inusitado
para estimular a imaginação dos ouvintes: sugeriu que eles abrissem uma caixa de
fósforos e visualizassem os dois lados do campo de jogo no primeiro tempo: do lado
direito da caixa estava o time dos paulistas e do lado esquerdo os paranaenses. Nicolau
Tuma ficou conhecido também como speaker-metralhadora tal a velocidade com que
narrava os jogos de futebol. Ele tinha que falar rápido para que não houvesse momentos
de silêncio na transmissão. Como não havia comentaristas ou repórteres de campo, os
narradores do passado eram obrigados a dar conta de tudo. Cientes de que o ouvinte
mudaria de estação caso o rádio ficasse mudo, eles tinham que falar o tempo todo.
Quando a bola não estava rolando, o assunto era o clima do estádio, o público nas
arquibancadas ou a situação de cada time.
A precariedade de recursos técnicos também obrigava os profissionais a se
desdobrarem para realizar uma transmissão. As linhas telefônicas não ofereciam
condições de transmitir som limpo, livre de chiados. Em outras ocasiões, a jornada
desportiva era feita sem retorno de áudio, o locutor narrava, mas não tinha certeza de que
estava mesmo no ar, como conta Orlando Duarte: “Hoje, com os satélites, tudo é mais
fácil, porém há alguns anos, sem eles, era um drama transmitir mesmo em território
brasileiro. Muitas transmissões eram verdadeiros vôos cegos: ‘Vai, conta até dez e é com
você... ’ Depois do jogo é que se sabia como fora a transmissão”.
93
Mas a constante
evolução da eletrônica fez com que melhorasse a qualidade técnica das jornadas
91
SOARES, Edileuza. A Bola no Ar. Pág. Pág. 17
Apud SOARES, Edileuza. A Bola no Ar. Pág. 30
93
DUARTE, Orlando. Radio esportivo: sempre transmitindo emoções! Revista USP 80 anos de rádio, n 56 2002/
2003
92
100
esportivas, cada vez mais sofisticadas. A necessidade de uma cobertura completa dos
fatos futebolísticos obrigou as emissoras a implantar departamentos específicos para o
jornalismo esportivo, com equipes de locutores, comentaristas e repórteres. Foi-se o
tempo em que o narrador tinha que contar sozinho como foram os 90 minutos de jogo.
Na simbiose rádio-futebol, um segmento alavancava o outro, garantindo a sobrevivência
de ambos.
Em 1947, a Rádio Panamericana de São Paulo montou o primeiro departamento
esportivo do rádio brasileiro, que serviu de modelo para as outras emissoras do país. A
equipe estava sob o comando do narrador Pedro Luís. Para ele isso foi conseqüência da
evolução do futebol e do rádio esportivo.
Nós fomos sentindo que havia necessidade de se constituírem equipes de
outros setores e de organizar um conjunto que facilitasse a vida do
locutor e pudesse valorizar o seu trabalho. Começamos com a colocação
de um repórter em campo e um comentarista. Depois aumentamos a
equipe de um campo só: tínhamos um homem para abrir as transmissões,
um outro para a narração principal, dois repórteres em campo e um
plantão esportivo. Completada a equipe de um campo, passamos a
freqüentar outros estádios e completávamos o serviço jornalístico e
informativo com locutores em outros postos. 94
A realização da Copa do Mundo de Futebol no Brasil, em 1950, deu outro
impulso ao rádio desportivo. Foram transmitidos 22 jogos das seis cidades-sedes da
competição: Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba e Recife.
O rádio se preparou como nunca para a cobertura do mais importante torneio
internacional de futebol. Ninguém contava, no entanto, com a surpreendente derrota do
Brasil para o Uruguai, que desconcertou narradores experientes como Pedro Luís da
Rádio Panamericana: “São coisas do futebol. Os uruguaios mereceram a vitória na tarde
de hoje. Sejamos justos para com eles. Só que isso traz a maior dor para os corações
brasileiros. Estávamos preparados para a festa e ficamos com as lágrimas”. 95
De lá para cá o esporte evoluiu, os clubes viraram empresas e os jogadores se
profissionalizaram. Em 2002 o Brasil sagrou-se pentacampeão mundial de futebol. A
televisão assumiu a cobertura das competições tirando do rádio o monopólio da
94
95
Apud SOARES, Edileuza. A Bola no Ar.. pg. 30
Em gravação disponível em Memória do Rádio em www.jp.com.br .
101
transmissão ao vivo. Mas nem por isso houve acomodação: hoje se ouvem jogos de
futebol com som de qualidade stéreo; várias rádios disponibilizam a programação ao
vivo na Internet; as transmissões estão cada vez mais movimentadas com a incorporação
de efeitos sonoros e edições mais criativas; as jornadas com mais de um jogo ao mesmo
tempo. E, em se tratando de emoção, o rádio continua sendo mais envolvente do que
todos os outros meios de comunicação. Basta lembrar que muitos torcedores mesmo
diante da televisão, não dispensam o rádio no ouvindo durante os jogos.
VI. 2 – Independência presente em todos os campos
Dezenas de profissionais de rádio passaram pela equipe de esportes da
Independência e todos ajudaram a construir a liderança da emissora na transmissão
esportiva em São José do Rio Preto. Para esta pesquisa optou-se por mostrar o
departamento de esportes a partir da trajetória de dois dos seus mais importantes
radialistas, o narrador Hitler Fett e o comentarista Mário Luís. Eles formaram a dupla de
transmissão esportiva mais duradoura da rádio: trabalharam juntos, quase que
ininterruptamente, durante mais de dezessete anos.
Hitler Fett (S. J. Rio Preto/SP, 1937 -) tem este nome porque o pai, de origem
alemã, era mesmo fã de Adolf Hitler. O narrador esportivo garante que nunca sofreu
pressões para adotar um nome radiofônico menos incomum.
Mário Luís, “o comentarista que sabe o que diz” (este era o seu bordão), é o nome
radiofônico de Vislei Bossan (Teçaindá/SP, 1945 -). Trata-se de uma homenagem à
dupla famosa do rádio desportivo brasileiro, o comentarista Mário Morais e o narrador
Pedro Luís, feita pelo gerente da Rádio Difusora de Rio Preto, Egydio Lofrano, que não
gostou do nome de Vislei Bossan quando o contratou em 1965. O próprio Vislei ficou
satisfeito com a sonoridade de Mário Luís e o adotou sem problemas. Em depoimento à
autora, ele contou como surgiu o bordão que o acompanhou em toda a carreira esportiva.
Havia um locutor chamado Nelson Luís que anunciava o meu
comentário ao vivo assim: ‘São doze horas em Rio Preto. Agora a rádio
Difusora AM apresenta o comentário esportivo de Mário Luís’. Só que
um dia ele se distraiu e não deu o ponto final na frase. Ele deixou a frase
102
no ar e ficou buscando o resto para terminar a apresentação. Aí veio na
cabeça dele ‘o comentarista que sabe o que diz!’ E pegou na hora! 96
38 – Da esquerda para direita: Mário Luís (comentarista), Hitler
Fett (narrador), Alberto Cecconi (diretor da rádio) e Nelson
Brandão (repórter de campo). Álbum de Família
Mário Luís diz que nunca se conformou com o segundo lugar, por isso não ficou
por muito tempo na Rádio Difusora. Em 1966, transferiu-se para a Independência, a
líder absoluta de audiência no esporte. Naquele ano a emissora surpreendeu a cidade ao
enviar o narrador José de Alencar para Inglaterra durante a Copa do Mundo de Futebol.
A Seleção Brasileira vinha de dois títulos mundiais, em 1958 na Suécia e em 1962 no
Chile, e havia expectativa de um tri-campeonato. Graças à venda de uma cota de
patrocínio para as Lojas It, (especializadas em roupas feitas), a Independência pôde
mandar alguém para trazer o ponto de vista local de um acontecimento internacional.
José de Alencar não transmitiu nenhum jogo porque a emissora entrou em cadeia com a
Rádio Bandeirantes de São Paulo. “Ele ficou um mês na Inglaterra, mas não fez nenhum
boletim porque a ligação internacional era muito cara. Era para ter alguém lá assistindo a
competição para depois contar o que viu”, afirma Mário Luís que também cobriu uma
Copa do Mundo, a de 1986 no México, o mesmo país onde dezesseis anos antes, em
1970, o Brasil havia conquistado o título inédito de tri-campeão de futebol do mundo.
96
Em depoimento à autora gravado em novembro de 2004 na agencia de publicidade Interativa de sua propriedade
em São José do Rio Preto/SP. Mário Luís afastou-se do rádio esportivo desde que deixou a Independência em 1987.
103
A Independência transmitiu os jogos em cadeia com a Rádio Bandeirantes, mas
teve como diferencial o comentarista Mário Luís, incumbido de fazer o outro lado da
cobertura de uma copa do mundo.
Seria o olhar local numa competição como a do México. Era entrevistar
rio-pretenses que estivessem assistindo aos jogos; fazer reportagens
sobre curiosidades e pontos turísticos; falar ao vivo de lá. Mas eu não
deixava de ir à concentração do Brasil e fazer matérias com os
jogadores. Gravava dois boletins diários e entrava ao vivo antes e depois
de cada jogo. Fazia matérias que as emissoras de São Paulo, não
mandariam de jeito nenhum. Foi a primeira vez que uma emissora local
teve alguém falando diretamente de um local de copa do mundo.
Mário Luís firmou-se no rádio rio-pretense com um estilo diferente dos outros
locutores desportivos locais. Falava com a voz grave e pausada, de um jeito contido, sem
bairrismo nem paixão. A avaliação é de J. Hawilla, que como repórter de campo atuou
com Mário Luís na Independência: “Ele era muito bom porque implantou um estilo
equilibrado, sem ser apaixonado como os locutores e comentaristas de Rio Preto. Os
outros torciam descaradamente para o time da casa, mas ele era mais comedido”.
Esse estilo sóbrio custou a Mário Luís muitos problemas com torcedores e
dirigentes do América Futebol Clube porque o comentarista não poupava críticas quando
o time não se saía bem nos jogos do campeonato. Da mesma maneira que condenava o
juiz que prejudicou o time em algum lance mal assinalado, Mário Luís também dizia
quando havia favorecimentos para o time de Rio Preto. “Eu não tinha ‘rabo preso’ com
ninguém. Eu queria que o pessoal acreditasse em mim. Daí a minha isenção nos
comentários”, disse à autora. Por causa disso houve época em que a equipe da Rádio
Independência foi proibida de entrar no campo do América durante os treinos. Em 1987,
a crise chegou ao ápice. O time corria risco de ser rebaixado para a segunda divisão e o
presidente do clube, Adirso Alves Ferreira, não se conformava com as críticas como
relatou a seguir Mário Luís.
Qualquer comentário que a gente fizesse já era tomado como contra. Um
dia o Adirson foi a uma rádio e falou que um dia eu iria aparecer com a
boca cheia de formiga. Eu lembro que outra vez recebi um telefonema
em casa às duas horas da manhã. Uma voz rouca, disfarçada, falou que
sabia onde meus filhos estudavam, o horário que iam para escola e disse:
‘Você pára de atacar o América, porque pode acontecer alguma coisa
104
com teus filhos’. Fiz boletim de ocorrência nas duas vezes. O problema é
que não aceitavam crítica. Pessoalmente eu nunca ataquei ninguém,
tanto é que ninguém nunca me processou. Eu sempre falava da
administração, das más atuações, das contratações erradas. Não eram
críticas para derrubar, até porque não me interessava o América na
segunda divisão. Eu como profissional de imprensa queria o time da
minha cidade lá em cima, campeão paulista.
A situação preocupava também o dono da rádio Independência, o ex-diretor de
futebol do clube José Luís Spotti. Pensando na proeminência que isto lhe daria, ele
comprou a emissora em 1985 com objetivo de se eleger presidente do clube, comentouse na época. Mário Luís afirmou que nunca houve pedido para “endurecer” os
comentários para desestabilizar a diretoria. Durante a crise, Spotti teria lhe perguntado
uma vez, o que fazer para evitar o rebaixamento. O comentarista respondeu que não iria
desmoralizar o elenco. “Eu disse para ele: ‘Vou tentar incentivar este time, apesar de ser
ruim, porque se a gente começar a pegar feio o time vai cair mesmo. É com este pessoal
que está aí que o América vai ter que se safar’. Tanto é que se safou”.
No final da competição, o clube se livrou do rebaixamento para segunda divisão
do Campeonato Paulista, mas tanta pressão desanimou o comentarista que decidiu deixar
o rádio desportivo no final do ano de 1987. “Chamaram-me para montar o jornalismo de
uma outra emissora, um convite que apareceu em boa hora. Juntou a fome com a vontade
de comer. Aquelas ameaças contra mim e meus filhos, tudo isso calou fundo”, contou em
depoimento para este trabalho.
Durante os dezessete anos que trabalhou na Independência, Mário Luís atuou na
maioria das transmissões ao lado do narrador Hitler Fett, que entrou para a equipe da
rádio em 1970. Com passagem por outras duas emissoras locais, a PRB-8 e a Difusora,
ambas da Rede Piratininga, Fett começou a carreira no serviço de alto-falante da praça
de Engenheiro. Schmidt, distrito de Rio Preto, onde nasceu. Anunciava filmes em cartaz,
aniversários da semana, jogos de futebol, enquanto as pessoas passeavam pela praça
fazendo o footing nas tardes de domingo. Logo foi contratado para ser locutor de rádio e
um dia na falta de um ator, Hitler Fett começou a atuar também em radionovelas.
A passagem para o esporte foi outro acaso em sua carreira de radialista. Era um
dia de jogo amistoso entre América e Barretos, em 1964, e o repórter Adilson Matos não
105
apareceu para trabalhar. O narrador Rubens Muanis convocou o locutor Hitler Fett para
carregar o equipamento de transmissão da PRB-8 para o campo. Ele ficou
acompanhando a partida na cabine, fazendo algum comentário vez ou outra. No
intervalo, Rubens Muanis pediu para que ficasse ao microfone enquanto ia tomar água.
Ele fez tudo de caso pensado. Pediu para eu falar um pouco, pois voltava
já. Mas só apareceu quando os times voltavam dos vestiários. Eu tive
que falar durante vinte minutos de um jogo que eu não tinha anotado
nada. Naquele tempo ficava direto no ar do estádio e os anúncios eram
ao vivo, com o próprio narrador. Eu fiz os anúncios, falei da expectativa
do segundo tempo, fui inventando assunto porque tinha que falar.
Finalmente quando o Rubens apareceu a minha camisa estava molhada
de suor, de tanto nervoso. Fui aprovado no teste e passei para o esporte!
Seis anos depois Hitler Fett já fazia parte da equipe desportiva da principal
emissora de rádio da cidade. Viajou pelo país inteiro acompanhando os jogos do
América Futebol Clube e da Seleção Brasileira de Futebol. Como já vimos a
Independência tinha esta peculiaridade de querer dar uma cor local às coberturas
jornalísticas que fazia. “A rádio fazia transmissão de rádio grande, era profissional até o
último pedaço. Ela vivenciava aquilo que fazia. Os profissionais eram contratados para
fazer só rádio mesmo. E foi a isto que eu me dediquei”, declarou em depoimento à
autora.
39 - Cobertura de Campeonato Amador
106
O anúncio reproduzido na ilustração 39, publicado no jornal Diário da Região,
em 7 de julho de 1985, mostra a programação de uma jornada desportiva com três jogos
do campeonato de futebol amador. A Independência fazia uma cobertura ampla do que
acontecia em termos de futebol na cidade e na região. “As outras emissoras
eventualmente deixavam de fazer este ou aquele jogo menos importante. Mas a
Independência cobria tudo e isso fez com que todo mundo corresse atrás da gente”, conta
Hitler Fett.
A dedicação tinha ser total até porque a diversidade era a marca da programação
esportiva da rádio. Além do futebol, transmitiam-se outros tipos de esporte
principalmente em época de competições como Jogos Regionais e Jogos Abertos do
Interior: basquete, vôlei, atletismo, futebol de salão, bocha e o que mais aparecesse. Para
dar conta de narrar diferentes esportes, Hitler Fett procurava se preparar, estudando as
regras de cada esporte: “Para cobrir esporte tem que conhecer as regras, se não fala
besteira toda hora. Antigamente tinha que explicar mais, hoje nem tanto porque o
público conhece outros esportes além do futebol. E quando a TV também está
mostrando, aí tem que saber mesmo para não cair no ridículo”.
A linguagem usada durante a narração dos jogos é outro aspecto que contribui
para o sucesso de uma jornada desportiva. O estilo do principal narrador da
Independência era o de tentar acompanhar as jogadas em cima do lance sem inventar
bordões ou usar termos diferenciados. Pode se dizer que Hitler Fett faz parte da escola
denotativa, na classificação criada por Edileuza Soares para irradiação esportiva.
Significa que ele se preocupa em dar ao ouvinte a imagem da partida pela utilização de
signos denotativos, limitando o vocabulário ao primeiro significado das palavras. Nessa
escola não se usam termos como gorduchinha, balão, pelota ou redonda para designar a
bola. Estes são usados pelos narradores da escola conotativa, em que o locutor
desportivo utiliza palavras com significados segundos, para um mesmo signo.
Além das jornadas aos sábados e domingos, e nas noites de quarta feira, o
departamento de esportes da Independência era responsável pela produção de dois
noticiários diários. O primeiro às onze horas chamava-se Matinal Esportiva, durava uma
hora; e o Jornal dos Esportes, que ia ao ar às seis e meia da tarde. Os repórteres faziam
107
ainda entradas ao vivo dos clubes, durante a programação, com informações sobre os
treinamentos.
Outro programa produzido pelo departamento de esportes era um humorístico que
entrava logo depois da Matinal Esportiva. O narrador José Guerreiro interpretava um
engraxate e o comentarista José de Alencar fazia o papel do cliente em A Engraxataria
do Diabolino.97 Durante os cinco minutos do programa, o engraxate Diabolino,
americano “roxo”, conversava sobre futebol com o freguês que era sempre um torcedor
do maior adversário do América Futebol Clube, o Rio Preto Esporte Clube. Na
sonoplastia ruído de lata de graxa, de pano lustrando sapato e de escova batendo na caixa
de engraxate. O tom da conversa era de muita gozação, com um debochando do outro
por causa da última atuação do seu time. Mário Luís, que apresentava o Matinal
Esportiva, conta que os dois escreviam o programa juntos, mas havia muito improviso
no ar: “O papel do Alencar era azucrinar o engraxate Diabolino feito pelo Zé Guerreiro.
A repercussão era grande principalmente quando o América perdia no fim de semana, aí
a coisa fervia. Sempre terminava com um batendo no outro, uma barulhada danada. Era
muito engraçado!” . Ao estimular a rivalidade entre as torcidas dos times da cidade, A
Engraxataria do Diabolino era mais um programa radiofônico que reforçava o
sentimento de identidade local dos ouvintes rio-pretenses.
O narrador esportivo Hitler Fett também lembra que a isenção e a dureza da
crítica eram características do jornalismo esportivo da Rádio Independência e que o
único compromisso da equipe era com o ouvinte: “Tanto é que por causa disso, os
comentaristas Mário Luís e José de Alencar andaram tomando muito carreirão de
torcedor. Eles falavam o que tinham que falar e as pessoas pegavam no pé mesmo”.
As hostilidades da torcida não chegavam afetar Hitler Fett. Durante os jogos ele
tinha uma posição francamente a favor dos times da cidade. Acreditava que o entusiasmo
do narrador prende atenção do ouvinte-torcedor, faz parte do show do futebol.
Demonstrar paixão garante audiência. De acordo com Mário Luís o lado torcedor ficava
bem claro: “O Hitler sofria com o time e ficava bravo com o juiz. Quando o clube da
97
O nome Diabolino era uma referência ao símbolo do América Futebol Clube, um diabo vermelho.
108
cidade fazia gol ele vibrava muito! Mas quando o adversário marcava, o grito de gol saía
sem aquele entusiasmo, murchinho, transparecendo tristeza”.
Em 1991, a cobertura desportiva da Rádio Independência foi terceirizada para a
empresa Operação Esporte, mas mesmo assim a emissora manteve-se líder de audiência
na cidade. Com esta modalidade de gestão, o proprietário da emissora se desobrigou de
encargos como folha de pagamento, venda de anúncios, produção dos programas e das
jornadas esportivas. Quatro anos depois, o empresário José Luís Spotti, se desfez
totalmente do negócio. Para Hitler Fett, que continuava trabalhando na emissora, perdeuse o principal referencial do rádio rio-pretense. “O dinheiro falou mais alto. A igreja
chegou e açambarcou o mercado. A Independência virou emissora religiosa e as outras
rádios não se preocuparam mais em evoluir”, constatou o narrador.
Mário Luís lamentou o fim da emissora onde construiu sua carreira de 22 anos
como comentarista desportivo. Ele acha que, ao receberem uma concessão de rádio, os
empresários deveriam ter o compromisso de na hora de se desfazer do negócio, não
desvirtuar a função do veículo.
Você entrega uma emissora na mão de um empresário, que começa a ter
dificuldade financeira talvez por incompetência gerencial, e para ganhar
dinheiro vende ou aluga a concessão para quem der mais, não está certo.
Isso não acrescenta absolutamente nada ao rádio que é um veículo
importantíssimo atualmente, quando se necessita tanto de informação. É
nocivo para o mercado porque a concessão não foi dada para isso, havia
um objetivo que não era o proselitismo religioso. Eu acho uma traição ao
ouvinte, ao profissional, à função do rádio de informar, divertir e educar.
109
VII – A CRÔNICA DO DIA: DINORATH DO VALLE NAS
ONDAS DO RÁDIO
Você passava na rua e todos os rádios nas casas estavam
ligados na Crônica do Dia. Era uma audiência fenomenal.
A cidade parava na hora do almoço.
(Dinorath do Valle, Julho de 2003)
A música orquestrada começava a tocar às doze horas, quando as famílias
estavam sentadas à mesa, ligadas no som do rádio. Em seguida o locutor de voz firme
anunciava:
E agora passamos a apresentar A Crônica do Dia. Hoje escrita pela
professora Dinorath do Valle Kuyumjian, na voz e interpretação de
Petrônio de Ávila.
A leitura não era demorada, pouco mais de cinco minutos. Mas no correr desse
tempo as pessoas paravam de conversar, se limitavam a mastigar a refeição em silêncio,
para ouvir atentamente o texto escrito por aquela professora de sobrenome difícil. Podia
ser uma história saborosa e engraçada tirada do cotidiano dos próprios ouvintes, ou então
uma reflexão sobre alguma notícia divulgada no jornal. Ao final da leitura, o volume da
música orquestrada aumentava e o locutor fazia o encerramento:
Acabamos de apresentar A Crônica do Dia.
Esta crônica será publicada amanhã pelo jornal A Notícia.
Quando a rádio Independência foi inaugurada em dezembro de 1962, seus
idealizadores queriam que ela tivesse um diferencial em relação às outras emissoras: ser
ouvida por todos os segmentos de público da região de São José do Rio Preto. Queriam
que a emissora falasse inclusive para a elite intelectual e a alta sociedade rio-pretense. A
Crônica do Dia era uma das atrações da emissora, criada para atrair o público de gosto
mais exigente. O programa, no entanto, fazia sucesso em todos os segmentos da
audiência. A gente simples dos bairros mais pobres também se identificou com ele.
110
Apesar de a crônica radiofônica não estar mais tão presente na programação das
emissoras de rádio de hoje em dia, ela continua tendo espaço na imprensa escrita, até por
causa do seu estilo leve, coloquial, próximo do cotidiano das pessoas que buscam nela
uma pausa em meio ao noticiário do mundo real, conforme dizia Clarice Lispector: “Na
crônica, acho que coloco uma espécie de mundo através de uma espécie de mim. O leitor
quer, no jornal, encontrar um pouso, uma conversa”
98
. No rádio, a crônica ocupou
espaço nobre na programação a partir da década de 30, permanecendo no ar até final dos
anos 60 quando as emissoras passaram a investir mais no rádio jornalístico e prestador
de serviços. A crônica radiofônica surgiu nas emissoras do Rio de Janeiro e São Paulo e
logo o formato foi copiado pelas emissoras do resto do país, inclusive nas cidades do
interior.
Em São José do Rio Preto não foi diferente e um dos seus precursores foi o
radialista Alexandre Macedo, que introduziu o gênero na PRB-8 Rádio Rio Preto num
programa copiado da Rádio Excelsior de São Paulo.
O primeiro programa que eu lancei na PRB-8, eu já ouvia lá em São
Paulo, na rádio Excelsior. O Manoel da Nóbrega tinha um programa,
Boa Tarde Para Você, de grande audiência. Então aqui eu lancei o Bom
Dia Para Você. Cada dia eu fazia uma crônica para determinada pessoa.
E pegou. O programa tinha uma audiência tremenda, tremenda. Abria a
rádio com esta crônica. Depois lia poemas. A gente escolhia o poema e
as músicas tudo de acordo.99
No dia primeiro de março de 1948 a crônica escrita e apresentada por Alexandre
Macedo foi dedicada às telefonistas, profissão extinta nos dias atuais devido à tecnologia
digital que nos obriga a conversar com vozes estéreis de computador quando precisamos
de auxílio à lista telefônica. Independente da qualidade literária vale o registro da
homenagem singela à profissional indispensável naquela época em que as
telecomunicações apenas engatinhavam e as mulheres começavam a trabalhar fora de
casa.
Bom dia para você... .Telefonista de São José do Rio Preto. (...).
98
Apud Crônica – História Teoria e Prática. Pag. 45
Alexandre Macedo prestou depoimento em dezembro de 2003 em duas sessões, totalizando mais de três horas de
gravação.
99
111
A mulher premida pelas circunstâncias atuais deixou de ser somente a
figura decorativa, a flor sublime que ornamentava o lar com sua graça.
Hoje ela está em todos os setores da atividade humana, prestando a sua
valiosíssima cooperação na resolução dos problemas que afligem a
humanidade. Por isso, que você telefonista, aí está com esse aparelho
sobre a cabeça e cobrindo-lhe o ouvido. Você aí está com os cabelos em
desalinho, sem vaidade, sem preocupação de estar bonita concentrada
apenas na complexidade dos fios elétricos, aguardando chamados.
Anos depois, Alexandre Macedo, já ocupando o cargo de diretor artístico da
Rádio Independência AM, incluiu o programa A Crônica do Dia na grade da emissora,
sempre na hora do almoço: “Eu escolhi este horário, meio dia, porque eu ouvia
antigamente na Rádio Nacional, A Crônica do Dia escrita pelo Genolino Amado e lida
por César Ladeira. Era exatamente ao meio dia. Achei que era apropriado para Rio Preto
também”.
VII. I – Crônica: do jornal para o rádio
Para compreender o sucesso do programa da Independência AM, vale destacar um
pouco da história deste gênero que se caracteriza como uma espécie de comentário do
momento presente ou passado e que parte em geral de um fato que virou notícia na
imprensa. Relaciona-se, pois com o tempo que está inclusive na raiz etimológica da
palavra crônica, do grego chronos.
Entre as suas diversas heranças historiográficas, vale lembrar os relatos medievais
da época dos descobrimentos pelos países europeus. Uma referência importante é a carta
de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal, Dom Manoel, dando conta da chegada da
expedição de Pedro Alvarez Cabral à Ilha de Vera Cruz em 22 de abril de 1500. Trata-se
do primeiro registro sobre uma terra nova, onde o tom é de reportagem e o conteúdo são
os acontecimentos pós-descobrimento do Brasil.
Sexta feira, 1º de maio
Entre todos estes que hoje vieram, não veio mais que uma mulher moça,
a que esteve sempre à missa e aquém deram um pano com que se
cobrisse. Puseram-lho ao redor de si. Porém, ao assentar, não fazia
grande memória de o estender bem, para se cobrir. Assim, Senhor, a
112
inocência desta gente é tal, que a de Adão não seria maior quanto a
vergonha.
Os registros de textos comentando na imprensa os fatos, hábitos e costumes da
sociedade datam do século XVIII, na Inglaterra. Os jornais britânicos publicavam
ensaios familiares que propunham uma reflexão em família sobre a moral da época. Mais
tarde, periódicos franceses republicavam esses ensaios com o nome de folhetim, que
fizeram sucesso, pois os leitores se identificavam com os temas tratados. Rapidamente,
jornais de outros países, inclusive o Brasil, também aderiram e aquele espaço na metade
inferior das páginas dos jornais passou atrair o leitor em busca de uma pausa em meio às
manchetes e notícias, dado o seu conteúdo e estilo coloquial. Logo surgiram textos de
ficção no rodapé dos jornais, o folhetim-romance, que eram histórias contadas em
capítulos, que de certa forma democratizaram a literatura. O Guarani de José de Alencar
foi publicado assim originalmente, assim como O triste fim de Policarpo Quaresma de
Lima Barreto. Havia também o folhetim-variedade este sim o precursor da crônica como
a conhecemos hoje, ensina Ilka Laurito: “Nos rodapés dos jornais, ao mesmo tempo em
que cabiam romances em capítulos, também cabia aquela matéria variada dos fatos que
registravam e comentavam a vida cotidiana da província, do país e até no mundo”. José
de Alencar se destacou como folhetinista de variedades no jornal Correio Mercantil, em
1854, fazendo comentários sobre tudo, do horário de funcionamento do comércio a
bailes de carnaval.
Na medida em que os jornais evoluíam, o espaço editorial modificou-se com
ampliação da cobertura jornalística e redução do material literário. O folhetim teve que
ser encurtado, o caráter trivial e efêmero ganhou força. O folhetim passou a chamar-se
“crônica” ao concentrar-se na história nossa de cada dia, aos acontecimentos do nosso
tempo. O humor e o tom coloquial conquistaram a simpatia dos leitores. Sobre os
cronistas vale lembrar as palavras de Antonio Cândido: “O seu intuito não é dos
escritores que pensam em ficar, isto é, permanecer na lembrança e na admiração da
posteridade; e sua perspectiva não é a dos que escrevem do alto da montanha, m
as do simples rés do chão”. 100
100
Apud Crônica – História, Teoria e Prática. Pág. 47
113
Se a crônica fazia tanto sucesso no jornal impresso, por que não haveria lugar para
ela no novo meio de comunicação que surgia, o rádio? A sua passagem de um veículo
para o outro aconteceu naturalmente e na década de 30 já existiam vários programas de
crônicas no ar em emissoras de rádio cariocas e paulistas. É que no rádio, quanto mais
simples e direto o texto falado, maior a compreensão pelo ouvinte. O veículo sonoro não
se presta à discussão de temas complicados e, além disso, ao contrário do jornal, não
exige que a pessoa seja alfabetizada para compreendê-lo, basta que ela seja capaz de
ouvir. Diferente do jornal que comunica através da leitura, de ilustrações e de
fotografias, o rádio utiliza apenas o som. Por tudo isso, o estilo da crônica parecia cair à
perfeição ao novo veículo que exigia uma nova linguagem, mais solta e coloquial, como
quem conta um caso a outra pessoa. Não é à toa que os programas de crônicas ganharam
espaço na grade de programação das emissoras pioneiras.
Na Rádio Mayrink Veiga do Rio de Janeiro surgiu o mais famoso deles, Crônicas
da Cidade Maravilhosa escritas por Genolino Amado, a partir de 1933. Jornalista,
professor, ensaísta, teatrólogo escreveu para vários jornais, mas foi no rádio que se
destacou como cronista. Em 2002, ano do centenário de nascimento de Genolino Amado,
Antonio Olinto escreveu sobre o cronista.
Passou a escrever textos que seriam ouvidos e não lidos, teve que criar
um estilo, que fizesse o ouvinte fixar-se no que ouvia, dando às palavras
do locutor a maior atenção. No caso o locutor era, na maioria das vezes,
César Ladeira que descoberto em São Paulo, onde entusiasmou os
combatentes da revolta constitucionalista de 1932, havia depois da
revolução, vindo para o Rio de Janeiro onde pontificou na rádio Mayrink
Veiga. Em tudo de acordo com o meio de veiculação de suas crônicas,
escrevia Genolino Amado, num estilo direto substantivo, ao mesmo
tempo em que se colocava como o intérprete de toda a cidade. 101
Crônicas da Cidade Maravilhosa ficou no ar na Rádio Mayrink Veiga durante 15
anos. Posteriormente, Genolino Amado e César Ladeira foram para a Rádio Nacional
onde produziram A Crônica do Dia com igual sucesso. Cumplicidade e carinho
envolviam a relação de Genolino Amado e seu público, e isso ficou demonstrado na
correspondência enviada por seus leitores-ouvintes e analisada por Jeová Santana em
101
www.academia.org.br/2000/artigo118.htm e www.academia.org.br/cads/32/genolino.htm. Páginas acessadas em
22/01/2004
114
dissertação apresentada à Unicamp. O trabalho de Santana mostra como se dava essa
relação através de cartas como a da ouvinte de nome Laura que escreveu em 12 de
dezembro de 1952. “Minhas amigas não compreendem porque exijo que às 13 horas
(sic) esteja livre e em casa. Se lhes dissesse que era apenas para ouvir um programa de
cinco minutos rir-se-iam de mim, mas que não compreenderiam quão interessante são
estes cinco minutos” 102 . A intimidade dos ouvintes com Genolino Amado era tanta que
alguns escreviam para sugerir temas de crônicas como o funcionário da Marinha que em
nome dos colegas propôs em 27 de janeiro de 1953:
Quem lhe escreve é um simples servidor do Q.G. (Ministério da Guerra)
em nome dos demais servidores civis. Não deixamos de apreciar as
coisas belas, por isso tomei iniciativa, junto aos meus colegas para que
nos atenda no seguinte pedido: fazer uma Crônica da Cidade para uma
funcionária desse Q.G. Bonita, elegante e atraente e de uma
personalidade única. Entra às 11:30 com seus passinhos apressados, com
seu cordial cumprimento a todos, não olha para ninguém porque sabe
que é de fechar o Q.G. sem ser dia feriado.
As crônicas de Genolino Amado fazem parte de um tempo em que o rádio
predominou como meio de comunicação no Brasil. Demonstram também o valor desse
gênero literário tão próximo das pessoas porque registra a conversa fiada, os pequenos
sentimentos, as miudezas que fazem do cotidiano a vida real de todos nós.
O escritor e poeta mineiro Carlos Drumond de Andrade também se aventurou
pelas ondas do rádio, fazendo da crônica radiofônica mais uma forma de expressar a sua
genialidade. Na década de 60, ele foi um dos colaboradores do programa Quadrante da
Rádio MEC, ao lado de autores como Cecília Meireles, Dinah Silveira de Queiroz,
Fernando Sabino, Manuel Bandeira, Paulo Mendes Campos e Rubem Braga. No rádio,
Drummond manteve a linguagem bem cuidada e o estilo poético da prosa escrita. Para
ele o Rio de Janeiro era o maior e o melhor assunto. Arpoador foi uma das suas crônicas
irradiadas pela rádio MEC, com interpretação do ator Paulo Autran.
Vi a tarde cair no Arpoador; não era bem isso, mas Arpoador e tarde se
transfundindo, errando em extensão ilimitada. Rudes forças, poderosos
silêncios coados no rumor salinos murmúrios se iam juntando,
compondo severa música, desfalecendo. Não irromperam cores
102
“Genolino Amado e seus Leitores-Ouvintes”, Jeová Santanna.
www.unicamp.br/iel/memoria/ensaios/jeova/jeova.htm . Pagina acessada em 22 de janeiro de 2004
115
espetaculares para turismo. O sol recolhia-se com dignidade. Laivos de
prata-pérola amorteciam o verde da água. Neutra, a mancha das casas.
Montanhas ganhavam leveza de pássaro, sumiam. Senti o balanço, a
respiração, o concentrar-se da hora diferente de todas, porque se livrara
do tempo, e a mim também me livrava. Assim é o Arpoador. 103
Na década de 60, o prestígio da crônica no rádio chegou ao auge, colocando ao
alcance do grande público, em geral com pouco acesso a jornais e livros, textos de
escritores e intelectuais importantes como os que acabamos de relatar. Enquanto isso, em
São José do Rio Preto, no Noroeste Paulista, os criadores da Rádio Independência AM
lançavam o programa A Crônica do Dia na tentativa de demonstrar que mesmo longe
das capitais, era possível fazer uma emissora moderna e sofisticada. Com esta iniciativa,
a rádio abriu espaço para que os escritores locais mostrassem a sua produção literária.
VII. 2 - A Crônica do Dia da Rádio Independência
Mesclar qualidade, sofisticação, profissionalismo e apelo popular na programação
de uma emissora de rádio instalada fora do eixo Rio e São Paulo, na última fronteira
econômica do principal estado do país, o Noroeste Paulista. Este era o objetivo dos
fundadores da Rádio Independência, o deputado federal eleito pelo PTN, Maurício
Goulart e seu sócio o publicitário Júlio Cosi, quando convocaram Alexandre Macedo,
para ser o diretor artístico da rádio, e encarregado de realizar o desejo dos donos do
negócio: fazer rádio sem ranço popularesco.
Porque o rádio aqui era geralmente meio marginalizado, mais povão e
não sociedade. Então a idéia do Maurício foi criar programas com
expoentes da sociedade, para colocar a rádio em destaque na classe A.
Foi do seu Júlio a idéia de criar um programa de crônicas para atrair uma
audiência mais qualificada. Ele próprio escolheu quem seriam os nossos
cronistas. O Gabriel Cesário Cury era poeta, um bom advogado, tinha
livros publicados e escrevia no Diário da Região, crônicas bonitas. E o
Nivaldo Carrazone também, jornalista, escrevia bem. E a Dinorath já era
um nome consagrado. 104
103
Programa Quadrante, Rádio MEC. www.radiomec.com.br . Pagina acessada em 30 de janeiro de 2004. Em
1962, a Editora do Autor reuniu as crônicas radiofônicas do programa em dois livros, Quadrante 1 e Quadrante 2.
104
Em depoimento gravado em dezembro de 2003.
116
Para fazer a locução de A Crônica do Dia foi contratado um locutor de fora.
Afinal, a Independência queria ser novidade em tudo, até nas vozes. Petrônio de Ávila
veio da cidade de Patrocínio Paulista e tinha um vozeirão. Mesmo assim procurava
melhorar sua locução ouvindo atento as orientações da professora Dinorath do Valle
Kuyumjian que ia pessoalmente entregar seu texto: “Eu esperava chegar o Petrônio de
Ávila que era o que lia. Ele tinha uma voz e uma interpretação maravilhosas. Contida
sem exageros, sabe? Nem parecia rádio!”105.
Outros locutores da casa se revezaram no programa entre eles o próprio
Alexandre Macedo. “Era no horário de almoço e geralmente a turma estava em casa.
Como não tinha televisão naquela época, as pessoas almoçavam ao som do rádio e não
perdiam o programa”, lembra o radialista. Cada um dos três escritores contratados,
Dinorath do Valle, Gabriel Cesário Cury e Nivaldo Carrazone, participava com pelo
menos uma crônica por semana, mas havia outros colaboradores eventuais. Logo as
crônicas da Rádio Independência AM passaram a ser reproduzidas nos jornais A Notícia,
Correio da Araraquarense e depois Diário da Região em esquema de parceria
(ilustração 31). Graças a isso, as crônicas foram preservadas nas páginas dos jornais.
40 – A Crônica do Dia no jornal A Notícia
105
Em depoimento gravado em julho de 2003.
117
A Crônica do Dia levou para o rádio, intelectuais que eram referência local,
estavam sempre nas páginas dos jornais, publicavam livros, faziam palestras, mas aos
quais a maioria do público de rádio tinha pouco acesso. Os ouvintes se identificaram nas
crônicas cujos temas eram a cidade e sua gente. A Crônica do Dia figurou entre as
maiores audiências da Rádio Independência, durante a década de 60.
Alexandre Macedo afirma que os cronistas trabalhavam com inteira liberdade, não
havendo restrição quanto aos temas: “Eles sabiam que o que escreviam teria repercussão.
O Gabriel, por exemplo, quando eu lia uma crônica dele, contava ‘Recebi mais de 20
telefonemas por causa da crônica’. A repercussão era grande. Se somasse a audiência de
todas as outras emissoras não dava a metade da audiência nossa. Era impressionante”,
lembra.
Para este trabalho foram pesquisadas as edições de A Notícia e Correio da
Araraquarense, a partir do ano de 1963, quando do início da publicação das crônicas
pelos jornais, no dia seguinte à transmissão pela rádio. Do universo de centenas de textos
de vários autores transmitidos e publicados neste período, nos concentramos apenas na
produção da professora, escritora e jornalista Dinorath do Valle. O objetivo de contar a
história do programa A Crônica do Dia e demonstrar sua importância em Rio Preto, nos
levou a optar por fazê-lo através do talento da escritora mais popular da cidade. O
radialista Alexandre Macedo diz que as crônicas dela tinham maior repercussão e
passaram a ser apresentadas praticamente todos os dias da semana: “Ah, o povo ligava
comentando. Ela escrevia várias vezes, os outros um dia por semana, alguns
eventualmente. A Dinorath tinha uma faculdade criadora fora de série. Ela era muito
inteligente”.
VII. 3 - Quem foi Dinorath do Valle
Quando foi convidada para escrever em A Crônica do Dia na Independência,
Dinorath do Vale Kuyumjian era colaboradora assídua dos jornais da cidade: A Notícia,
Correio da Araraquarense e Diário da Região. Estava casada com o jornalista Eduardo
Kuyumjian, de quem se divorciou em 1971 abolindo o sobrenome armênio. Era
professora de Educação Artística em escolas da rede pública estadual em São José do
118
Rio Preto e já tinha um livro didático publicado, Arte Infantil na Escola Primária – para
professores e normalistas106. O prestígio conquistado até então se deve ao talento para
escrever e ao grande esforço pessoal em superar as dificuldades da infância pobre. Suas
crônicas agora alcançavam um veículo mais popular, o rádio, ficando próxima da gente
do povo como ela própria.
Dinorath fazia questão de destacar sua origem simples e gostava de revelar sem
rodeios que não nasceu em São José do Rio Preto, apesar de conhecer como ninguém a
história da cidade. Mas foi por pouco. “Eu nasci em Itápolis e cheguei aqui com dois
meses de idade nos braços da minha mãe e nunca sai daqui. Só fiz até o curso normal.
Meu pai não tinha meios, era balconista das Casas Pernambucanas. Minha mãe era
doméstica e a gente era em seis filhos”, disse ela em depoimento gravado em julho de
2003.
Na época, com 76 anos de idade, Dinorath do Valle morava sozinha, os filhos e os
netos estavam em São Paulo. Uma empregada cuidava da casa e preparava as refeições.
Vivia das aposentadorias como professora da rede pública estadual e como funcionária
municipal. Recebia salário do jornal Diário da Região, onde publicava semanalmente
matérias de página inteira com histórias que resgatavam a memória da Rio Preto antiga,
suas ruas, seus moradores e prédios que não existem mais. Histórias garimpadas entre as
centenas de pastas coloridas organizadas em prateleiras na sala que serve de escritório.
Nelas estão guardados documentos, fotografias, cartas, papéis, recortes de jornais
reunidos ao longo da vida.
Eu pesquiso através de um método, que eu não sei se é método ou
organização. Faço pastas, faço arquivos, faço fichas, tenho arquivos
iconográficos. Eu faço um colosso de pastas. Quando eu morrer,
coitados dos meus filhos, estarão empastelados. (...) Vocês acham que
algum filho meu vai querer levar tanta tranqueira? Se soubessem o que
eu tenho de tranqueira! Só que para mim hoje não é tranqueira, é
material de estudo, de consulta, papéis que só interessam ao estudioso. O
pesquisador, o historiador não é feito de um minuto para outro, não se
faz em dois meses. 107
106
KUYUMJIAN, D.V.Arte Infantil na Escola Primária. São Paulo.Editora Clássico-Científica. 1961.
“Dinorath do Valle, uma vida dedicada à memória e à história rio-pretense”. Cadernos de História Oral/ julho
de 1997. Memorial de São José /Sesc Rio Preto
107
119
Autodidata, ainda menina, Dinorath não permitiu que a falta de recursos
atrapalhasse sua busca pelo conhecimento. Graças ao talento para a escrita, tornou-se
também jornalista, escritora, roteirista de cinema e historiadora, ocupando lugar de
destaque na cena literária brasileira. Foi citada pelo Dicionário Crítico de Escritoras
Brasileiras, de Nelly Novaes Coelho, lançado em 2002 pela Escritura Editora. Apesar de
tudo, ela gostava de dizer que nunca deixou de ser uma mulher do povo, até por herança
materna: “Minha mãe era uma mulher do povo. Eu conservei esta característica. Ascendi
socialmente e culturalmente e atingi certos pontos altos da vida literária, da vida
jornalística. O jornalismo surgiu na minha vida pela paixão de escrever. Eu sempre fui
voltada para literatura”.
Como aluna do tradicional Colégio Santo André, conviveu com as filhas das
famílias abastadas da cidade. Ela e três irmãs estudaram de graça na instituição sendo
que a mais velha, Nilce, tornou-se freira da congregação.
A minha casa era do tempo do rádio, mas não tinha dinheiro para
comprar um rádio. Eu nunca vi um jornal em casa quando eu era criança.
E eu falo antes dos doze anos, porque aos doze eu comecei a trabalhar
dando aula particular. Dava aula de tudo para as minhas colegas de
classe que não conseguiam aprender. Então eu cobrava cinco merréis por
mês. Mas eu ia na casa das pessoas porque na minha não tinha cadeira
suficiente para fazer um conjunto de cinco por vez.108
Não havia também livros em casa, e por isso Dinorath vivia na Biblioteca
Municipal. Diz que leu todo o acervo da época. A fama de que escrevia bem correu pelo
colégio e começou a ser convocada a fazer os discursos comemorativos nas datas
cívicas. Quando concluiu o antigo Curso Normal, que formava professoras do Primário
(que seria hoje o Ensino Fundamental), o talento para escrever estava consolidado.
Antes dos vinte anos de idade já era colaboradora do jornal A Notícia que
publicava suas crônicas, inicialmente enviadas anonimamente, até que um dia criou
coragem e se apresentou ao diretor Leonardo Gomes. “Ele disse ‘Ah, é a senhora, senta
aí. A senhora pode mandar as colaborações que a gente publica’. Porque os jornais são
loucos pra pegar gente que escreve de graça. O que eles chamam de colaborador é gente
108
Em depoimento gravado em julho de 2003
120
que assina matéria, tem todos os ônus dos conceitos e que não recebe nada”, lembra a
escritora com franqueza.
A carreira de cronista e escritora desenvolveu-se ao mesmo tempo em que
trabalhava como professora de Educação Artística, aprovada em concurso nas cidades de
Mirassol e Tanabi. Com um total de 44 aulas semanais, ela era obrigada a viajar
bastante.
Eu dava aula terça, quinta e sábado em Tanabi. Ia cinco da manhã e
chegava oito da noite. Não tinha asfalto nem até Mirassol. Demorava
três horas pra ir e três pra voltar. E dia de chuva, a gente não chegava. E
três dias por semana eu ia pra Mirassol. Fiquei dez anos deste jeito.
Todo o tempo que eu trabalhei eu escrevi (...) Era uma necessidade
intrínseca minha, eu precisava escrever. Eu acho que havia vaidade
também nisso evidentemente, mas era vaidade de uma coisa que eu fazia
bem. É uma coisa maluca. Eu escrevia diariamente. 109
Apesar de atribulada, a vida de professora oferecia uma infinidade de situações
que os olhos atentos da cronista não deixavam escapar (ilustração 32). Não faltavam
temas sobre os quais ela discorria ao chegar em casa à noite, ainda com disposição para
escrever a crônica que seria lida na Rádio Independência.
41 – Dinorath do Vale ensinava Desenho Artístico
Naquela época, acabou desenvolvendo um método para não perder nenhum
acontecimento que poderia render um futuro texto: anotava tudo em papeizinhos que
109
Idem.
121
guardava em uma caixa de sapatos colocada na estante da sala. As impressões ao longo
das viagens de ônibus, os acontecimentos na rua, as notícias do jornal, as conversas de
crianças ouvidas nas salas de aulas, tudo era anotado em frases soltas, lapsos, como ela
diz. Na hora de escrever a crônica era só tirar um papelzinho da caixa, não precisava
pensar muito no tema nem esperar a inspiração chegar.
Eu via uma coisa e na hora não podia escrever, eu anotava num
papelzinho e jogava na caixa de sapato. Eu tinha ido num enterro e eu
cheguei quentinha do enterro ainda com aquelas coisas do enterro na
cabeça, eu fazia e punha na caixa. Aí quando precisava de um enterro, eu
puxava da caixa e o enterro tava pronto, quentinho, vindo até com terra
do cemitério no pé! Quando viajava pra Tanabi, eu ficava lá três horas
dentro do ônibus, era só papelzinho que saía. Então eu tinha temática até
não poder mais, fora uma memória de formiga que eu tinha. Não tem
inspiração. Não acredito nisso! Eu nunca esperei baixar santo algum. 110
VII. 4 - Temáticas rio-pretenses
Para exemplificar o estilo de Dinorath do Valle em A Crônica do Dia da Rádio
Independência, selecionamos quatro textos. São as impressões da autora sobre a moda
feminina, a televisão que chegara há pouco à Rio Preto, o analfabetismo no Brasil e uma
homenagem ao dia das mães. Além de reproduzir as crônicas, procuramos analisá-las do
ponto de vista do estilo e do conteúdo.
Dinorath do Valle afirmou que a crônica do dia das mães era a de maior
repercussão entre os ouvintes. Todo o mês de maio, ela aproveitava para escrever sobre a
mãe, morta aos 56 anos devido a complicações cardíacas. “Era uma carta que eu escrevia
todos os anos e que continuei mesmo depois que ela morreu. Um dia, o locutor era o
Alexandre Macedo, que já tinha lido a crônica para mim mil vezes. Mas no meio da
leitura, no ar, ele começou a chorar de tanta emoção!”, lembrou.
A crônica em questão foi publicada no Correio da Araraquarense, (ilustração 33)
do dia nove de maio de 1965, e veiculada na rádio na véspera, com o título À minha mãe.
Agora és chão. O chão de todos, onde te plantou o destino das criaturas,
fonte do destino meu. E terra, e sono, e mansidão, permaneces sob o sol
a viver continuação. Tens cabelos são raízes, teus ossos pedras, teu
sorriso mananciais, tuas mãos caminhos. Separa-nos o chão que é teu lar
110
Em depoimento gravado em julho de 2003
122
– onde nada te falta, finalmente! -, parte de ti mesma, destino meu
encontro marcado. Marcho sobre ti e te sinto vibrar, existir, integrar a
vida, além do vale da morte.
Logo nas primeiras frases há a constatação de que se trata de uma mensagem
dirigida a uma terceira pessoa, não havendo a relação confessional comum entre cronista
e o público ouvinte. Mas, ao mesmo tempo, a linguagem subjetiva e oblíqua envolve o
ouvinte para que este assuma também o papel de locutor deste diálogo fantasioso com
um ser que se faz presente na recordação.
42 – Em homenagem ao dia das mães
Dá-me águas cristalinas sem o sal dos olhos, deixa-me ser também terra
antes da morte. Pousa a tua mão, a que já foi árvore antes mesmo de
pousar sobre o peito à espera do beijo dos que pedem a última bênção.
Pousa tua mão em mim de muitas formas. Na chuva que desejo entre os
cabelos, no pó que me dá piedoso o vento, na folha seca que vai ao teu
encontro, na flor que tem a haste entre teus cabelos.
Acaricia o lugar que piso, meus pés nos seixos, conta a eles a ternura
perdida. Desvencilha nos cravos meu coração pregado, os cravos do
amor que me crucificaram no calvário do adeus. Fá-lo sentir a libertação
da origem.
Afora as crônicas em homenagens, marcadas pelo lirismo, os textos de Dinorath
do Valle para a Rádio Independência se caracterizavam por narrativas bem humoradas
123
acerca de assuntos diversos como veremos a seguir. No texto Dinorath se queixa para os
ouvintes da ditadura da moda feminina, diante de um novo modelo de vestido. Foi
transmitida em A Crônica do Dia, pela Rádio Independência, no dia quatro de outubro
de 1963 e não tinha título.
Tubinho. A gente deste tamanho, desta largura, ter que usar modelo de
vestido com esse nome. Tubinho, vejam só! Não bastou o barril, o saco,
o balão, agora aí está o tubinho. No jardim, na rua, no cinema, no baile,
é mulher entubada para todo o lado. (...). É nessa hora que deploro ser
mulher. Não tenho mais roupas nem vou à costureira. Ando com o tal
uniforme: saia de tergal e blusa de bouclé. Cadê coragem para escolher
um modelo de vestido? Me falta sangue, cara e valentia para enfrentar a
modista e passar os olhos no figurino onde desfilam os tubinhos com
esta e aquela variação. Fora dos ditos, só coisas antiquadas e o medo de
parecer peça de museu, é tão grande quanto o de aderir às novíssimas e
ficar com jeito, não é de tubinho apenas, mas de manilha e tudo o mais.
Debochando de si própria e com forte carga de subjetividade, Dinorath expõe a
aflição da mulher que não se encaixa nos padrões estéticos ditados pela indústria da
moda. Partindo desta base discursiva, aponta os estilistas como autores dessa maldade.
Amargos tempos estes para quem não nasce com a bossa para a moda.
Porque não basta criar coragem e cobrir o esqueleto com os sádicos
modelos que meia dúzia de travestidos inventam para as mulheres, por
pura, pérfida e mórbida vingança. Para andar com os ditos temos que
mudar o ritmo dos passos, aprender o mover o todo como se acima da
cintura fossemos porta bandeiras e abaixo, rebocadores de navios. (...).
Atacam com cores e formas, Tubinho, vejam só. É modelo de vestido.
Quem inventaria tamanha maldade a não ser o inimigo? Se não fosse
feio eu falava aquilo que eles são. Não falo por respeito. Mas penso.
Os temas políticos também eram tratados em crônicas opinativas como a que
veremos a seguir. Dinorath foi candidata a vereadora em 1947, o primeiro ano em que as
mulheres puderam se candidatar. Não se elegeu. “Eu não tenho vocação para política,
mas nunca rejeitei o assunto como ideologia. Que eu sempre tive uma ideologia de
esquerda. Hoje até me confesso abertamente comunista. Mas eu nunca confessei de
medo, porque sempre tive medo de levar choque no ‘cu’! Mas estava implícito no que eu
escrevia que eu estava sempre a favor do povo”, afirmou. 111 A questão do analfabetismo
é o tema desta crônica político-opinativa motivada pela divulgação de um relatório da
111
Ibidem
124
UNESCO sobre o problema na América Latina. O texto foi lido no programa A Crônica
do Dia, em 13 de setembro de 1963.
A UNESCO divulga (em letras miúdas para não ofender) a vergonha do
ano: Brasil 50,6% de analfabetos. Em situação inferior ao Equador,
Venezuela, México, Colômbia, Paraguai, Panamá, Cuba, Costa Rica,
Argentina, Uruguai e Chile, falando só na América Latina. Não sabemos
sequer ler, escrever e contar! Não somos seres pensantes. Não
compartilhamos das idéias universais, não fizemos parte da civilização!
Há nações que se preparam para varejar o espaço e nós não sabemos
nem ao menos ler! (...) Claro tivemos Santos Dumont que fez
experiências em Paris e não foi reconhecido totalmente como primeiro
homem voador. E César Lattes que acabou num semi-anonimato bem
aceito por todos. Mas os brasileiros mesmo, na maloca, amargam
sambinhas de breque e esperam dias melhores. Que virão, mas custam a
chegar porque não há guias, nem estradas que levem os cegos à grande
clareira dos milagres fáceis e baratos.(...) Alfabetiza-se um analfabeto
em trinta horas. Mas não se consegue organizar equipes de alfabetização
em massa, rápida e eficiente para derrubar o opróbrio que nos aniquila
perante as nações. Cada vez que a UNESCO realiza a sua relação, lá está
o Brasil com um número feio, a provar sua velha posição.
A experiência vivida por Dinorath do Valle durante a primeira entrevista
concedida para a televisão foi o tema desta outra crônica radiofônica, transmitida pela
Independência no dia 6 de março de 1964 e também publicada em A Notícia no dia
seguinte. Ela aproveita a grande curiosidade existente em relação ao novo meio de
comunicação para contar como era a televisão por dentro. A base da progressão
discursiva é a narrativa detalhada sobre o ambiente televisivo, seus personagens, os
equipamentos. Como quem conversa com um amigo, Dinorath revela o que viu e ouviu
naquele estranho mundo.
Eu fui lá e vi essa coisa nova e sensacional que é a TV por dentro. O
estúdio cheio de cantinhos para isso e para aquilo. Aquela reunião
heterogênea de tipos humanos esperando a vez de fazer alguma coisa no
programa. No Canal 4, três cegos, um casal de aparência modesta, um
doutor em parapsicologia, eu e meus dois acompanhantes. (...). A gente
vai respondendo como pode, sem saber bem pra onde olhar. As
máquinas são duas e o microfone é apenas grande anzol pescando as
palavras do alto, movimentando pelas mãos hábeis do técnico. A gente
se sente pequena, a gente responde o que pode, a gente fala, olha, sorri,
explica e atende os gestos nervosos explicativos, enérgicos do Goulart
que dirige a cena da principiante.(...). Desta vez estamos sentados e o
Mário Moraes nos faz concessões elogiosas, referindo-se a Rio Preto
com simpatia boa, que alegra esta futura cidadã. E as máquinas se
125
movem, como caçadoras matreiras e as luzes ofuscam e a gente fala de
Arte Infantil, de métodos de ensino, de evolução pedagógica, enquanto a
bailarina treina seus passos no seu canto, a cantora descansa a voz, os
músicos esperam e o Cleber afaga seu “cocó” de luxo. É um mundo
novo para nós, estranho mundo!
Quarenta anos depois, quando vivemos uma sociedade onde a cultura da imagem
predomina, as situações relatadas pela autora podem até parecer ingênuas e deslocadas.
Eram impressões de alguém que não fazia parte daquele mundo, o da televisão, cujo
sinal chegara a Rio Preto apenas um ano antes. Na verdade, hoje, esta crônica dá uma
idéia de como foram os primeiros tempos da TV no Brasil.
É importante ressaltar que nosso objetivo não foi opinar a respeito da qualidade
literária das crônicas radiofônicas de Dinorath do Valle. Ela teve seu talento mais que
reconhecido nos diversos prêmios que ganhou em concursos nacionais e internacionais,
entre eles o Concurso Nacional de Contos do Paraná e o Prêmio de Literatura da Casa
das Américas – Cuba. Dos livros que publicou vale destacar o de contos O Vestido
Amarelo, a novela Enigmaleão e o romance Pau Brasil.
Nos depoimentos que gentilmente prestou, a professora Dinorath do Valle
impressionou por sua personalidade forte e a conversa franca, “sem papas na língua”
como se diz. Mesmo fragilizada pelos problemas de obesidade e hipertensão, ela estava
ligada em tudo o que acontecia em sua cidade e prosseguia no trabalho como
historiadora. Continuava sendo uma referência para os rio-pretenses, sobretudo aqueles
que, durante a década de 60, ficavam ao pé do rádio na hora do almoço, para ouvir suas
crônicas.
Através de A Crônica do Dia e da trajetória da escritora Dinorath do Valle
resgatou-se uma importante fase de uma emissora de rádio no interior paulista, a
Independência. O programa fez história ao longo dos anos em que permaneceu no ar,
falando das coisas de Rio Preto, sua gente, os assuntos e acontecimentos locais. Saiu do
ar no início da década de 70, para dar lugar a um programa jornalístico. Mesmo assim o
programa ficou na memória da cidade em especial as crônicas da professora Dinorath do
Valle.
126
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Faz dez anos que a antiga Independência 1290 AM passou a se chamar Novo
Tempo AM. Já sabemos que não foi uma simples mudança de nome: em 1995, a
emissora passou a integrar a Rede Novo Tempo de Radio, ligada à Igreja Adventista do
Sétimo Dia, que conta atualmente com 15 emissoras em todo o Brasil. Todas têm
liberdade de produzir programas locais, desde que tenham faturamento para isso. Do
contrário podem usar a programação gerada a partir da emissora cabeça-de-rede no Rio
de Janeiro.
Em Rio Preto, a Rádio Novo Tempo tinha, em janeiro de 2005, um faturamento
comercial de cerca de quatro mil reais, mas sua despesa de custeio era de 12 mil reais. A
diferença era coberta por outras duas fontes de renda: doações dos membros da igreja e
verba repassada pela própria organização. O diretor da emissora, pastor Laércio
Mazzaro, informou que, com esta receita, só é possível fazer produção local em uma
parte do dia. Ele próprio abre a programação diária às sete horas da manhã, com o
programa Mensagem de Paz. A programação segue com Informe Novo Tempo, noticiário
de dois minutos gerado pela Rede Novo Tempo. Às nove horas entra no ar o radialista e
também adventista, José Antonio Ferrari com um programa local de variedades e
músicas religiosas, o Bom Dia Novo Tempo. A partir do meio dia a rádio passa a
transmitir a programação da Rede Novo Tempo, gerada do Rio de Janeiro.
Uma equipe de seis funcionários é responsável pelo funcionamento de toda a
rádio. Eles se desdobram entre a produção dos programas, a venda de anúncios e a
operação técnica. Apesar da estrutura tão enxuta, José Antonio Ferrari, que responde
pela gerência executiva da emissora, diz que a proposta da Rede Novo tempo é fazer um
rádio informativo que cumpra o papel de prestação de serviços.
Nossa programação é diversificada. Temos programas religiosos, mas
temos também programas musicais evangélicos; programas de saúde, de
orientação de família que não são necessariamente mensagens bíblicas,
mas que ajudam a estruturar o caráter da pessoa e da família. A gente
entende que é muito mais proveitoso e útil ensinar uma família
127
administrar bem o seu orçamento e o seu salário, do que dar uma notícia
sensacionalista e ficar detalhando a exaustão. 112
Se a programação dá ou não audiência, esta é uma questão que não chega a
preocupar apesar de a emissora ter os mesmos custos de rádios comerciais. Para José
Antonio Ferrari, a maior diferencial da rádio Novo Tempo AM é justamente o seu
conteúdo: “A gente vende a rádio como ela é: direcionada a um público que está em
franca expansão, o evangélico. Não vamos mudar a nossa linha editorial em função do
faturamento”.
O diretor, pastor Laércio Mazzaro, calcula que a comunidade adventista em São
José do Rio Preto seja de cerca de 1200 fiéis distribuídos por 12 congregações. Isso
significa que o contingente de membros da igreja, equivale a 0,3 por cento da população
rio-pretense, já que a cidade é habitada por mais de 382 mil pessoas. 113 Mesmo com um
público tão restrito, Mazzaro acha que o investimento compensa.
Porque se trata de um veículo de comunicação a disposição da igreja,
para divulgar a nossa doutrina. Por isso a gente chama à
responsabilidade, todos os membros e da própria igreja para manter este
veículo. Assim como nós temos hospitais, editora, fábrica de produtos
alimentícios e escolas mantidas pela igreja estando ou não deficitárias. A
igreja dá prioridade a tudo isso. 114
Desde a venda da Independência, nenhuma outra emissora de São José do Rio
Preto assumiu o papel que ela desempenhava. No ano de 2005 o mercado de
comunicação da cidade estava mais diversificado e contava com emissoras de televisão,
jornais diários, revistas semanais e portais de notícias na Internet. No setor de rádio são
nove emissoras entre ondas médias e freqüência modulada, e a maioria sofre com a falta
de anunciantes e audiência limitada. As emissoras que transmitem em FM:
• Rádio 91,7: emissora evangélica ligada à Igreja Universal do Reino de Deus.
• Rádio Independência FM: emissora musical popular
• Rádio Band FM: emissora musical popular.
112
Em depoimento prestado em janeiro de 2005.
Forte: Conjuntura Econômica 2004, da Secretaria Municipal de Planejamento da Prefeitura de São José do Rio
Preto Disponível em www.riopreto.sp.gov.br .
114
Em depoimento prestado em janeiro de 2005.
113
128
• Rádio Líder FM: emissora musical jovem.
• Rádio Onda Nova: emissora musical popular.
(Todas transmitem o mínimo de jornalismo exigido pela legislação em vigor).
Em Ondas Médias o quadro de emissoras é o seguinte:
• Rádio Canção Nova 800AM: emissora católica ligada ao Movimento de
Renovação Carismática.
• Rádio Jovem Pan 900AM: emissora comercial da Rede Jovem Pan Sat, não
tem programação local.
• Rádio Novo Tempo 1290 AM: emissora da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
• Rádio Metrópole 1400 AM: única emissora comercial com programação
voltada para o jornalismo, esporte e prestação de serviços, mas não possui
equipe de repórteres.
O fato é que o mercado de rádio em São José do Rio Preto tornou-se bastante
limitado o que desanima as agências de publicidade na hora de programar as verbas de
seus clientes. Segundo o presidente do núcleo regional da Associação de Profissionais de
Propaganda de São Paulo, José Roberto De Lalibera, o anunciante quer o máximo de
rentabilidade do seu investimento, preferindo não arriscar.
Não dá para anunciar na base da amizade. O investimento em televisão e
jornal é mais seguro porque eles oferecem audiência e tiragem
comprovadas em pesquisa. É preciso que as emissoras de rádio se
organizem melhor e apresentem alternativas que garantam o retorno da
verba do anunciante. 115
Passados dez anos da venda da Independência para uma igreja fica difícil não
associar o enfraquecimento do mercado radiofônico rio-pretense ao fim da emissora que
era considerada, pelos ouvintes, um patrimônio da cidade. Os ex-funcionários lamentam
a transformação em radio evangélica. O comentarista desportivo Mario Lus reclama do
desvirtuamento da finalidade da concessão de rádio: “Quando uma emissora eclética vira
religiosa ocorre redução no mercado de trabalho, a comunidade fica sem um veículo
115
Em depoimento prestado em novembro de 2003.
129
informativo. Eu ainda acho que o melhor lugar para se fazer proselitismo religioso é
dentro do templo”.
Mas é preciso fazer outras considerações para que não fique a impressão de que a
Independência AM foi apenas vítima da voracidade das igrejas pelos meios de
comunicação. A jornalista Cecília Demian revelou que deixou a emissora em 1987, por
não se sentir valorizada financeiramente, apesar de gostar do trabalho: “O salário ficou
defasado e a direção alegava que não podia dar aumento por causa do faturamento.
Assim como eu, muita gente deixou a radio para ganhar mais em outro veículo”.
O jornalista Wilson Guilherme, que aceitou terceirizar o jornalismo da rádio,
acredita que os problemas financeiros se deveram também a deficiência administrativa:
“As pessoas não se prepararam para as mudanças no mercado. O próprio conceito do
veículo mudou, não é mais só uma questão empresarial. Rádio hoje é para democratizar
a informação não para ganhar dinheiro”.
Ao realizar essa pesquisa, procurei colocar em discussão um dos principais
veículos de comunicação da região Noroeste do Estado de São Paulo, no significativo
período entre os anos de 1962 e 1995. Coincide com avanço da mídia televisiva sobre a
radiofônica. Nele se verifica, numa fase, o esplendor do rádio como principal veículo e,
consequentemente, com um faturamento que possibilite a manutenção de equipamentos,
equipe técnica e elenco radiofônico diversificado e de alto nível. Noutra fase, com a
“decadência do mercado”, a emissora de rádio sofre as conseqüências, tendo que
restringir o pessoal, tentar novas modalidades de produção da programação com a
terceirização do serviço e, finalmente buscar opções extremas como a própria venda da
emissora para organização não-comercial, mas religiosa.
O que aconteceu com a Rádio Independência é semelhante com o que se deu (e
vem dando) com inúmeras outras emissoras, em todas as regiões do país: a passagem do
rádio tradicional aos “altares eletrônicos”, em competição com outras emissoras de rádio
de cunho religioso. Essa mesma tendência se verificou em órgãos de mídia televisiva,
com a implantação da Rede Vida (com sede em São José do Rio Preto), professando o
catolicismo, e a transposição da tradicional TV Record para a Igreja Universal do Reino
de Deus. A ascensão das crenças cristãs evangélicas se verifica em outras ordens da vida
130
social com o fechamento de inúmeras salas de cinemas em cidades de todo o país para
reutilização dos edifícios como templos evangélicos.
Nossa pesquisa mostrou que a Rádio Independência, apesar de sua história, da
capacidade criativa de seus funcionários e da empatia existente com o seu público, não
resistiu às pressões de um mercado de comunicação que, no final do século XX, evoluiu
de forma acelerada, diversificada e brutalmente competitiva. Se ela era líder de audiência
e tão afinada com os interesses da audiência, busquei saber por que a emissora não
sobreviveu. Ao longo do trabalho compreendi que o espaço para idealismos está cada
vez mais restrito nos tempos atuais. A tradição e o romantismo podem até sobreviver
dentro das corporações, mas não sem uma boa dose de pragmatismo. A qualidade tem
que estar associada à eficiência. O investimento só vale a pena se for feito de maneira
profissional, para garantir autofinanciamento e lucro. Os grupos religiosos, católicos ou
evangélicos, por sua vez se modernizaram e verificaram nos meios de comunicação um
canal direto com a sociedade, hoje menos afeita a freqüentar os templos físicos.
Administram suas emissoras de rádio e de televisão com rigor financeiro, estruturas
enxutas e programação segmentada.
Acredito, no entanto, que não podemos permitir que o aprendizado desenvolvido
no passado vá para o esquecimento. O resgate histórico garante a preservação da
memória para futuras gerações entenderem que o mundo nem sempre foi assim. No
nosso caso tivemos que recorrer à reconstituição de época através de depoimentos, dada
a falta arquivos de gravações da programação da Rádio Independência. Um
procedimento eficaz, tirado da chamada Nova História, por meio do qual juntamos as
peças de um quebra-cabeça, ouvindo pessoas proeminentes e cruzando suas lembranças
para reconstituir os fatos. Recorremos também à pesquisa em jornais da época, que
trazem a história no momento em que ela se desenrola, para uma checagem mais
definitiva dos fatos relatados.
Apesar disso há que se admitir que de nossa parte, corremos risco de adotar como
verdadeira, uma meia verdade ou uma interpretação subjetiva por parte dos sujeitos
entrevistados. A fragilidade do ser humano faz com que, ao recordar o passado, ele sinta
o que Antonio Candido classificou como “nostalgia transfiguradora”. Trata-se da
131
capacidade instintiva de tornar as lembranças mais intensas do que de fato o foram. Na
verdade ao exercitarmos a memória, sonhamos também um pouco: podemos inclusive
apagar uma lembrança ruim ou realizar um desejo só possível em devaneios. De maneira
que é possível que este trabalho contenha falhas de informação e isso se deve à própria
metodologia que tivemos que usar para levantar os dados, pois só contamos com as
lembranças dos entrevistados. Por outro lado, prefiro encarar eventuais problemas dessa
natureza não como demérito, mas sim como ponto de partida. Eles podem servir de base
para novos estudos a respeito do tema, afinal a curiosidade é o que impulsiona o trabalho
do pesquisador.
Em 1995, a Rádio Independência era líder de audiência em São José do Rio Preto,
apesar dos problemas financeiros. O ex-proprietário, José Luís Spotti, admitiu que para
recuperá-la seria necessário reciclar todo o processo administrativo, o que implicaria
cortes, demissões e investimentos financeiros. Como não estava disposto a colocar mais
dinheiro no negócio, optou por vender para o primeiro comprador que aparecesse, por
acaso a Igreja Adventista do Sétimo Dia. “Eu tinha outras atividades que estavam me
tomando tempo e atenção. Por mais desgastante que tenha sido, tive que tomar uma
atitude de caráter estratégico e empresarial”, avaliou o engenheiro Spotti.
A decisão tomada com a frieza própria do mundo dos negócios resultou no fim da
linha para uma das mais importantes emissoras do interior paulista, agora transformada
em púlpito eletrônico. A cidade de São José do Rio Preto ficou sem sua emissora de
rádio que falava para todas as classes sociais, todas as faixas etárias, todos os partidos
políticos e que não fazia distinção do credo religioso de seus ouvintes.
132
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência – Introdução ao jogo e a suas regras. São Paulo.
Edições Loyola. 2003.
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Z. Editora Casa do Livro, São José do Rio Preto/SP. 2001.
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CASTELLS, Manuel. A Sociedade em Rede: Economia, Sociedade e Cultura. São
Paulo. Editora Paz e Terra, 1999.
DE FLEUR & BALL-ROKEACH, Melvin e S. Teorias da Comunicação de Massa.
Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro. 1993
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MOREIRA, Sonia V. O Rádio no Brasil. Rio de Janeiro. Rio Fundo Editora. 1991
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PAIVA, Raquel. O Espírito Comum: comunidade, mídia e globalismo. Petrópolis.
Editora Vozes. 1998
ROQUETTE-PINTO, Vera Regina. Roquette-Pinto, o rádio e o cinema educativos.
Revista USP - 80 anos de rádio – n 56/ 2002-2003
WOLF, Mario. Teorias da Comunicação. Editora Presença. Lisboa. 1995.
SANT’ANNA, Romildo. A Moda é Viola: Ensaio do Cantar Caipira. São Paulo
Arte&Ciência. 2000
SAROLDI, Luis C. O Rádio e a Música. Revista USP 80 anos de Rádio, n 56/ 20022003.
SOUZA, Laura de M. (organização). História Privada no Brasil – Cotidiano e vida
privada na América Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
TAVARES, Reynaldo C. Histórias que o rádio não contou. São Paulo. Negócio Editora.
1997.
DEPOIMENTOS
BATISTA, Albertina: depoimento prestado em março de 2004. Entrevistadora: Vera
Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
BONSSAN, Vislei (Mário Luís): depoimento prestado em outubro de 2004.
Entrevistadora: Vera Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
BUENO, José Carlos Lima: depoimento prestado pelo telefone em outubro de 2004.
Entrevistadora: Vera Lúcia Guimarães Rezende.
CELSO, Rubens: depoimento prestado em dezembro de 2004. Entrevistadora: Vera
Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
134
COSTA, Domingos Paulino (Zeca): depoimento prestado maio em 2003. Entrevistadora:
Vera Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
DEMIAN, Cecília: depoimento prestado em janeiro de 2005. Entrevistadora: Vera Lúcia
Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
FERREIRA, Marcos: depoimento prestado em setembro de 2004. Entrevistadora: Vera
Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
FETT, Hitler: depoimento prestado em setembro de 2004. Entrevistadora: Vera Lúcia
Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
GARCIA NETO: depoimento prestado pelo telefone em janeiro de 2005. Entrevistadora:
Vera Lúcia Guimarães Rezende.
GALVÃO, Marilene: depoimento prestado em dezembro de 2003. Entrevistadora: Vera
Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
GALVÃO, Mary Zuil: depoimento prestado em dezembro de 2003. Entrevistadora: Vera
Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
GUILHERME, Wilson: depoimento prestado em novembro de 2004. Entrevistadora:
Vera Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
HOMSI, Carlos Alberto (Nenê): depoimento prestado em janeiro de 2005.
Entrevistadora: Vera Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
MUANIS, Adib: depoimento prestado em junho de 2004. Entrevistadora: Vera Lúcia
Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
MUANIS, Rubens: depoimento prestado em março de 2004. Entrevistadora: Vera Lúcia
Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
NETO, GARCIA: depoimento prestado em janeiro de 2005. Entrevistadora: Vera Lúcia
Guimarães Rezende. (por telefone)
FERRARI, José Carlos: depoimento prestado em janeiro de 2005. Entrevistadora: Vera
Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
135
HAWILLA, J.: depoimento prestado em 1990. Entrevistadora: Sônia Lopes. Projeto
Memória do Rádio. Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,
Cultural e Turístico de São José do Rio Preto – COMDEPHACT. (em cassete sonoro)
HAWILLA, J.: depoimento prestado em fevereiro de 2004. Entrevistadora: Vera Lúcia
Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
HIGA, Antonio: depoimento prestado em julho de 2004. Entrevistadora: Vera Lúcia
Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
JUNIOR, Amaury: depoimento prestado em 1989. Entrevistadora: Sônia Lopes. Projeto
Memória do Rádio. Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,
Cultural e Turístico de São José do Rio Preto – COMDEPHACT. (em cassete sonoro)
LOPES, Pedro: depoimento prestado em 1990. Entrevistadora: Sônia Lopes. Projeto
Memória do Rádio. Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico,
Cultural e Turístico de São José do Rio Preto – COMDEPHACT. (em cassete sonoro)
LOPES, Pedro: depoimento prestado em setembro de 2003. Entrevistadora: Vera Lúcia
Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
MAZZARO, Laércio: depoimento prestado em janeiro de 2005. Entrevistadora: Vera
Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
MACEDO, Alexandre: depoimento prestado em dezembro de 2003. Entrevistadora:
Vera Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
SANT’ANNA, Romildo: depoimento prestado em dezembro de 2002. Entrevistadora:
Vera Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
SARKIS, Clenira: depoimento prestado em junho de 2004. Entrevistadora: Vera Lúcia
Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
SPOTTI, José Luis: depoimento prestado em novembro de 2004. Entrevistadora: Vera
Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
TOLEDO, Roberto: depoimento prestado em dezembro de 2004. Entrevistadora: Vera
Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
136
VALLE, Dinorath do: depoimento prestado em julho de 2003. Entrevistadora: Vera
Lúcia Guimarães Rezende. (em cassete sonoro)
Obs.: A autora não utilizou questionário padrão para tomada dos depoimentos. Eles
foram feitos em sistema de entrevista tendo como foco a vivência pessoal e profissional
de cada entrevistado. As perguntas variaram de acordo com a fase e o setor em que os
depoentes estiveram ligados à Rádio Independência.
JORNAIS CONSULTADOS
Coleções da Hemeroteca Dario de Jesus da Casa de Cultura Dinorath do Valle/
Secretaria Municipal de Cultura de São José do Rio Preto.
• A Notícia
• Correio da Araraquarense
• Diário da Região
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ANEXOS
138
A Crônica do Dia por Dinorath do Valle Kuyumjian
Transmitida pela Rádio Independência no dia 13 de setembro de 1963 e publicada pelo
jornal A Notícia no dia 14 de setembro de 1963.
A UNESCO divulga (em letras miúdas para não ofender) a vergonha do ano:
Brasil 50,6% de Analfabetos. Em situação inferior ao Equador, Venezuela, México,
Colômbia, Paraguai, Panamá, Cuba, Costa Rica, Argentina, Uruguai e Chile, falando só
na América Latina.
Não sabemos sequer ler, escrever e contar! Não somos seres pensantes. Não
compartilhamos das idéias universais, não fizemos parte da civilização! Há nações que
se preparam para varejar o espaço e nós não sabemos nem ao menos ler! “Mundo,
mundo, mundo, se eu me chamasse Raimundo...” Claro tivemos Santos Dumont que fez
experiências em Paris e não foi reconhecido totalmente como primeiro homem voador. E
César Lates que acabou num semi anonimato bem aceito por todos. Mas os brasileiros
mesmo, na maloca, amargam sambinhas de breque e esperam dias melhores. Que virão,
mas custam a chegar porque não há guias, nem estradas que levem os cegos à grande
clareira dos milagres fáceis e baratos.
Alfabetiza-se um analfabeto em trinta horas. Mas não se consegue organizar
equipes de alfabetização em massa, rápida e eficiente para derrubar o opróbrio que nos
aniquila perante as nações. Cada vez que a UNESCO realiza a sua relação, lá está o
Brasil com um número feio, a provar sua velha posição.
Trocando em miúdos, o número nos revela que metade de nosso povo é aleijado
mental, mendigo de idéias, sub-homem de uma sub-nação, pária cultural, rebotalho
animalizado incapaz de se comunicar com o passado e futuro pelos mais simples
simbolismos. É o homem do presente, do momento que passa, que não deixa sinal. Uns
burros.
Metade de nós está isolada no tempo. Cinqüenta por cento e seis décimos de
quebra de seres puros de toda e qualquer literatura: privado do conhecimento, nus de
139
saber, cérebro nos braços que ainda estão marcados pela borduna. Homens cuja glória é
um prato de comida.
Para cada alfabetizado, um homem ajoelhado, presa fácil da exploração, pronto
para ser lesado, escravizado, vendido! Para cada livro que se compra com o dinheiro
furtado ao pão, ao redor da ilha do prazer, se alastra o mar de ignorância, da
incompreensão, do mutismo. Para cada idéia genial transmitida pelos símbolos negros,
um oceano de lugares comuns, de repetições e de talentos mortos antes de se revelarem,
sem oportunidades. Cada homem é um grande vácuo, cada vida um desperdício.
E a nação que seria “feita com homens e com livros” não se realiza porque não há
homens para os livros e nem livros para os homens.
Estamos divididos, metade para lá e metade pra cá do abismo, separados: a
primeira empenhada em saber cada vez mais e a segunda cada vez menos. Somos hindus
disfarçados que cuidam de suas castas com místico andor.
Saber ler é glória neste pobre país de 30 milhões de analfabetos que dormem a
longa noite do não ser. E triste é a noite para os que não dormem. Triste é a noite.
140
A Crônica do Dia por Dinorath do Valle Kuyumjian
Transmitida pela Rádio Independência 4 de outubro de 1963 e publicada pelo jornal A
Notícia no dia 5 de outubro de 1963.
Tubinho. A gente deste tamanho, desta largura, ter que usar modelo de vestido
com esse nome. Tubinho, vejam só! Não bastou o barril,o saco, o balão, agora aí está o
tubinho. No jardim, na rua, no cinema, no baile é mulher entubada para todo o lado.
Mocinhas lânguida de boquinha branca e olhos mais pintados do que fundo de chaleira,
com sapatos que agora só tem calcanhares cobertos, vestidas de tubinho bambos na
cintura. Quando dançam com moços altos levantam os braços, os tubinhos sobem
deixando à mostra os nós dos joelhos, essa peça de museu que moda nenhuma deveria
permitir revelação.
É nessa hora que deploro ser mulher. Não tenho mais roupas nem vou à
costureira. Ando com o tal uniforme: saia de tergal e blusa de bouclé. Cadê coragem para
escolher um modelo de vestido? Me falta sangue, cara e valentia para enfrentar a modista
e passar os olhos no figurino onde desfilam os tubinhos com esta e aquela variação. Fora
dos ditos, só coisas antiquadas e o medo de parecer peça de museu é tão grande quanto o
de aderir às novíssimas e ficar com jeito, não é de tubinho apenas, mas de manilha e tudo
o mais.
Amargos tempos estes para quem não nascem com a Bossa para a moda. Porque
não basta criar coragem e cobrir o esqueleto com os sádicos modelos que meia dúzia de
travestidos inventam para as mulheres, por pura, pérfida e mórbida vingança. Para andar
com os ditos temos que mudar o ritmo dos passos, aprender o mover o todo como se
acima da cintura fossemos porta bandeiras e abaixo, rebocadores de navios. Porque o
tubinho tem que ser carregado com galeio próprio e o bambo da cintura dever formar
umas dobras bonitas que fazem lembrar o movimento do cabide!
Ah, meus amigos, vestir já não é mais o prazer que Eva inaugurou com uma folha
de parreiras que nasceu mais bonita que as outras. É uma ciência complicada,
exasperadora e impossível de se acompanhar. Os modelos são costurados ao contrário, o
largo fica para cima e as pernas lutam pelos passos que lhe são direitos adquiridos pela
141
evolução. Brevemente os sapatos serão colados à sola dos pés, tanto eliminam suas
correias e seus apoios. Os cabelos pulam de rentes no couro para longos e românticos
tapa-olhos sem grampos e nem presilhas. Não dão tempo para que cresçam, não querem
saber de nada! As bolsas parecem malas dependuradas nos ombros. Em caso de perigo as
carregadoras podem emborcar dentro delas, com força e apertar o fecho. Os esmaltes são
alaranjados disfarçados, cor de rosa caipira com nomes ultramodernos, brancos, azuis,
verdes, roxos. As mulheres estendem as mãozinhas e deixam que derramem o arco íris
em suas unhas conformadamente. Assim contribuímos para colorir o mundo com as
estravagâncias que inventam por nós, sem coragem para inventar para si mesmos.
Atacam com cores e formas, Tubinho, vejam só. É modelo de vestido. Quem
inventaria tamanha maldade a não ser o inimigo? Se não fosse feio eu falava aqui o que
eles são. Não falo por respeito. Mas penso.
142
A Crônica do Dia por Dinorath do Valle Kuyumjian
Transmitida pela Rádio Independência 06 de março de 1964 e publicada pelo jornal A
Notícia no dia 07 de março de 1964.
Por mais que a gente viva sempre há algo novo para experimentar. Alguns de
vocês me viram na Televisão dando uma entrevista no Programa do Goulart de Andrade.
No dia seguinte estive no Canal 2 realizando outra junto ao Mário Moraes em seu
“Domingo de Gala”! Convite que atendi, em benefício da publicidade do livro recém
editado e também como um repto meio sádico ao próprio auto domínio.
Eu fui lá e vi essa coisa nova e sensacional que é a TV por dentro. O estúdio cheio
de cantinhos para isso e para aquilo. Aquela reunião heterogênea de tipos humanos
esperando a vez de fazer alguma coisa no programa. No Canal 4, três cegos, um casal de
aparência modesta, um doutor em parapsicologia, eu e meus dois acompanhantes
(Eduardo e Armando).O moço de voz bonita lê o que Goulart de Andrade escreve com a
sala cheia de gente conversando e a agenda repleta de compromissos, o próprio Goulart
dirigindo o programa na base da gesticulação e o grotesco.
O grotesco é um velhinho baixote de pernas defeituosas, capenga, cabelos ralos e
brancos, cavanhaque, roupa gasta e cravo vermelho na lapela quer tocar violoncelo no
programa não sei se foi convidado ou não, mas a toda hora faz menção de ir lá diante das
máquinas. O Goulart segura-o e exige imobilidade.
Quando chega a vez da gente, ele nos aponta onde estar, as luzes se acendem, as
máquinas se movem como vigias em nossa direção. A voz fala com a gente, bonita voz
especial para ser elemento comunicador. E a gente tem que responder com a voz feia que
Deus deu. Tem de estabelecer comunicação, calor humano, simpatia, com o povo que a
gente não vê. Milhares de pessoas estão sentadas assistindo a gente falar com a voz
bonita que pergunta, insinua, malicia, arranca a vibração necessária ao interesse ávido e
renovador de audiência invisível mas certa.
Cria perguntas maliciosas, boas, polemizadoras. Elogia e critica com o mesmo
espírito. A gente vai respondendo como pode, sem saber bem pra onde olhar. As
143
máquinas são duas e o microfone é apenas grande anzol pescando as palavras do alto,
movimentando pelas mãos hábeis do técnico. A gente se sente pequena, a gente responde
o que pode, a gente fala, olha, sorri, explica e atende os gestos nervosos explicativos,
enérgicos do Goulart que dirige acena da principiante. E sua frio por ter que fazer ao
mesmo tempo, sem traquejo algum, sobrecarregada com a responsabilidade de saber que
Rio Preto também está sentado diante de seus aparelhos e nos assiste, transferindo-nos a
responsabilidade implícita da representação. E a gente faz o que tem que fazer o melhor
que pode.
No Canal 2 o estúdio é menor e tem dançarinas inquietas que treinam dançadinhas
generalizadas pelos cantos, uma cantora bonita, uma garota propaganda que já tem filha
na escola normal, um cantor moreno cheio de “bossa” e um cômico que satiriza o
cronista social com uma galinha empalhada debaixo do braço, a qual ele chama
suntuosamente de “cocó que conta tudo...”
No canto, os músicos e, dominante, bem trajado, espirituoso, divertido, o próprio
Mário Moraes que vai improvisar o que diz e que fará dupla conosco no pergunta e
reponde que nos cabe.
Desta vez estamos sentados e o Mário Moraes nos faz concessões elogiosas,
referindo-se a Rio Preto com simpatia boa que alegra esta futura cidadã. E as máquinas
se movem, como caçadoras matreiras e as luzes ofuscam e a gente fala de Arte Infantil,
de métodos de ensino, de evolução pedagógica, enquanto a bailarina treina seus passos
no seu canto, a cantora descansa a voz, os músicos esperam e o Cleber afaga seu “cocó”
de luxo.
É um mundo novo para nós, estranho mundo!
144
A Crônica do Dia por Dinorath do Valle Kuyumjian
Transmitida pela Rádio Independência no dia 08 de maio de 1965 e publicada pelo jornal
Correio da Araraquarense em 09 de maio de 1965.
À MINHA MÃE
Agora és chão. O chão de todos, onde te plantou o destino das criaturas, fonte do
destino meu. E terra, e sono, e mansidão, permaneces sob o sol a viver continuação.
Tens cabelos são raízes, teus ossos pedras, teu sorriso mananciais, tuas mãos
caminhos. Separa-nos o chão que é teu lar – onde nada te falta, finalmente! -, parte de ti
mesma, destino meu encontro marcado.
Marcho sobre ti e te sinto vibrar, existir, integrar a vida, além do vale da morte.
De ti emanam os vapores que em ti choverão. Em teu regaço fica o sol modesto –
calor obscuro – calor que é vida na grande órbita das mutações. Continuas a fazer nascer,
a ser mãe, embalar, difundir vida, a que te assopraram à semelhança.
Tua máscara de barro me perturba. Teu palco me surpreende. Tua performance se
eterniza, mas sou ingrata demais tenho terra nas palavras. Quero ser grão, pedaço, seixo,
barranco, areia, quero ter também cabelos de raízes. Quero deitar-me na última postura,
ser imagem e semelhança, esperar que me nasçam também fontes nos olhos.
Dá-me águas cristalinas sem o sal dos olhos, deixa-me ser também terra antes da
morte. Pousa a tua mão, a que já foi árvore antes mesmo de pousar sobre o peito à espera
do beijo dos que pedem a última benção, pousa tua mão em mim de muitas formas. Na
chuva que desejo entre os cabelos. No pó que me dá, piedoso o vento. Na folha seca que
vai ao ao teu encontro. Na flor que tem a haste entre teus dedos.
Acaricia o lugar que piso, meus pés nos seixos, conta eles a ternura perdida.
Desvencilha nos cravos meu coração pregado, os cravos do amor que me crucificaram
no calvário do adeus, fá-lo sentir a libertação da origem.
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Deita-te para sempre ante as estrelas, sê o céu das estrelas, diante de ti elas são
apenas chão. Guarda um lugar entre as raízes, para o manancial de meus olhos, do
sorriso, quando eu for vida também, quando eu me libertar da morte...
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