Acordo de Acionistas O crescimento do mercado, a sua internacionalização e as exigências cada vez maiores de capitais para fazer frente aos investimentos para tanto necessários tem obrigado as empresas a pulverizar a sua estrutura acionária, na busca de investidores. As empresas de “dono” se reduzem e avolumam-se as companhias verdadeiramente abertas, detidas por vários grupos de acionistas. Nesse contexto surgem com redobrada importância os princípios e regras da boa governabilidade corporativa, dos quais fazem parte os acordos de acionistas, como instrumento para acomodar interesses diversos e por vezes conflitantes. Fernando Albino AAA/SP - [email protected] A Lei 6404/76, tal como atualizada, prevê o acordo de acionistas em um só dispositivo, o artigo 118. A disciplina legal do acordo, assim, é sucinta e está a merecer um desenvolvimento normativo para adaptá-lo aos tempos atuais. A natureza do acordo é a de um contrato, cujas partes são os acionistas subscritores e cujo objeto, segundo a lei, pode ser a compra e venda das ações, a preferência para adquiri-las e o exercício do direito de voto. Os dois primeiros tópicos são mais fáceis de serem regrados e normalmente não apresentam maiores indagações jurídicas, ainda que possam ser complexos e suscitarem dúvidas de interpretação das cláusulas. A questão maior reside no exercício do direito de voto, cuja amplitude de redação na lei permite envolver desde a aprovação pura e simples das demonstrações contáveis anuais até a discussão dos destinos estratégicos da companhia. Nesse particular tem sido levantado o tema de se saber até que ponto as disposições do acordo podem prevalecer sobre as regras estatutárias da companhia, quando o acordo consubstancia a formação de um bloco de controle e, portanto, o mando sobre a empresa. A questão não é simples e demanda reflexões maiores, que procuraremos sintetizar. O primeiro problema reside na publicidade dos ajustes existentes entre os acionistas, que podem revelar questões e temas que sejam de interesse da empresa e que não devam ser de conhecimento dos concorrentes, por exemplo. Coloca-se aqui o eventual conflito entre o interesse dos acionistas e o do mercado, sequioso para obter o maior número de dados e elementos possíveis para decidir sobre a manutenção, venda ou compra dos títulos da companhia. A publicidade do acordo já é dada pelo seu registro na companhia, condição para a eficácia e execução de suas cláusulas, nos termos da própria lei. Mas nesse caso a divulgação está restrita à própria empresa. O segundo ponto envolve a amplitude das matérias tratadas no acordo. O exercício do direito de voto a rigor abrange todas as matérias de competência dos acionistas, que chegam a ponto de envolver a própria liquidação da empresa. Trata-se aqui de discriminar o que constitui matéria de “acordo”, por assim dizer, e o que constitui mero ajuste prevendo aspectos operacionais da vida da companhia, que podem ser tratados em documento apartado. Neste último caso, todavia, o que vier a ser acertado entre os acionistas não tem a característica típica dos acordos e que lhes dá força que é a execução específica de suas disposições. Mas não há que se negar que o acordo só se justifica para tratar de aspectos fundamentais na vida da companhia, como eleição de administradores, critérios de aprovação das contas, política de distribuição de dividendos, aprovação de orçamentos de investimentos e outros da mesma natureza. Outro aspecto de suma importância é a extensão do previsto no acordo para as decisões a serem tomadas pelo Conselho de Administração, já que certas matérias são de competência deste e não da assembléia dos acionistas, o que acabou sendo admitido pela própria lei em modificação posterior datada de 2001. Nesse particular pode existir um conflito entre o exercício do cargo de conselheiro, tarefa que é de caráter pessoal, e a “instrução” proveniente dos acionistas para o conselheiro, decorrente de dispositivo incluído em acordo. O que pretende o mercado nesse ponto é que as decisões tenham em vista os interesses da companhia e não necessariamente aqueles dos acionistas, especialmente quando eles representam apenas um grupo e não a totalidade. A convivência entre os desígnios de um grupo de acionistas e os interesses da companhia constitui uma prática sempre difícil, onde deve ser resguardada a independência dos conselheiros. Finalmente, há que se estabelecer o limite de atuação da Comissão de Valores Mobiliários – CVM na sua competência para regular a publicidade que se deva dar ao mercado sobre os acordos de acionistas. Uma coisa é divulgar o acordo para a companhia e para os demais acionistas e outra diversa é estender essa divulgação para todo o mercado, com os inconvenientes assinalados antes. Por outro lado, em certas circunstâncias, como a de um lançamento público de ações, pode ser de interesse do mercado, em nome do direito à informação, que haja a ampla divulgação de certas cláusulas do acordo que podem ser fundamentais para análise sobre o futuro da companhia e de seus negócios, tal como vistos pelos seus acionistas controladores. Como se vê o tema é vasto e comporta debates. O melhor seria que houvesse uma disciplina mais ampla e atual sobre os acordos de acionistas, que constituem peças fundamentais para a boa informação do mercado de capitais sobre as companhias abertas, tarefa que poderia ser deferida em um primeiro momento para as entidades de auto-regulação do próprio mercado, que tantas iniciativas têm tomado.