CAPÍTULO 3
COLABORAÇÃO E AUTONOMIA DE PROFESSORES
Este capítulo é constituído por duas partes. Na primeira, aborda-se a problemática do
trabalho colaborativo de professores. Dada a profusão de literatura neste campo e também a
popularidade que o conceito tem vindo a ganhar junto de algumas áreas da formação de
professores, parece importante começar por indagar significados para o conceito de
colaboração profissional que permitam relacioná-lo com outras dimensões do trabalho dos
professores. Depois, analisam-se realizações e concretizações desta ideia na vida dos
professores, que se traduzem em formas de colaborarem profissionalmente, retirando-se
igualmente consequências destas práticas colectivas para o seu desenvolvimento profissional.
A segunda parte do capítulo foca a autonomia dos professores, uma outra dimensão da
sua actividade profissional que tem vindo a ganhar visibilidade no campo educativo, ao
mesmo tempo que se reconhece que estes profissionais desempenham um papel cada vez mais
relevante nas sociedades modernas. O professor afirma-se, pois, cada vez mais, como
profissional que toma decisões informadas perante os problemas com os quais é confrontado
na sua prática escolar, ou seja, como alguém que procura determinar e não ser determinado no
seu agir profissional. Trata-se ainda de um domínio recente onde persistem dificuldades ao
nível da clarificação conceptual, da precisão terminológica e da definição de instrumentos de
análise. Após uma breve abordagem ao conceito, analisam-se as fases da autonomia do
professor, ao longo da sua carreira, e a influência dos contextos escolares.
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Trabalho colaborativo de professores
O conceito de colaboração profissional
O termo “colaboração” é massivamente utilizado em Educação, em contextos
diversificados e envolvendo diferentes protagonistas, assumindo, por isso, múltiplos
significados. Christiansen et al., (1997) dão conta dessa dificuldade, advertindo que a
“colaboração é um fenómeno e um processo largamente indefinido e só parcialmente
compreendido por muitos que participam em trabalhos colaborativos” (p. 283). Esta é também
a opinião de Hargreaves (1998), que não estabelece diferença entre colaboração e
colegialidade, preferindo utilizar os dois termos em conjunto:
Um (...) conjunto de críticas à colaboração e à colegialidade refere-se ao seu
significado, pois são frequentemente discutidas como se fossem amplamente
compreendidas. Contudo, na prática, aquilo que se chama colaboração ou
colegialidade pode assumir formas muito diferentes: o ensino em equipa, a
planificação em colaboração, o treino com pares (peer coaching), as relações de
mentores, o diálogo profissional e a investigação-acção em colaboração, para
referir apenas algumas. (p. 211)
Da mesma forma, Little (1990) lamenta que “o termo colegialidade sobrevem
conceptualmente amorfo” (p. 509), acrescentando que um largo leque de interacções
professor-professor são designadas pelos “termos colegialidade ou colaboração” (p. 509).
Boavida e Ponte (2002) discutem também a diferença entre colaboração e cooperação. A
partir da análise dos termos laborare (trabalhar) e operare (operar), que entram na
composição de colaborar e cooperar, estes autores sustentam que “operar é realizar uma
operação, em muitos casos relativamente simples e bem definida” (p. 46), enquanto “trabalhar
é desenvolver actividade para atingir determinados fins; é pensar, preparar, reflectir, formar,
empenhar-se” (p. 46). É este o sentido de colaboração para Stewart (1997), ao salientar que se
trata de um processo que envolve pessoas de diferentes contextos e com diferentes vivências e
experiências profissionais, trabalhando conjuntamente, como iguais, tendo em vista benefícios
mútuos. Aponta também a colaboração como uma relação em que pessoas se envolvem em
trabalho conjunto, “como pares e não numa relação hierárquica, e em que uma das partes pode
utilizar a outra, ou pelo menos o contexto da outra, para um estudo” (p. 31). Inspirada em
Clift e Say (1988), a autora propõe uma terceira visão da colaboração, como esforço
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concertado de um conjunto de membros de universidades e escolas para desenhar e
proporcionar oportunidades, visando a melhoria do ensino e da formação de professores.
Procurando sistematizar o conceito de colaboração, Helen Stewart identifica os seus
elementos fundamentais:
a) A colaboração implica interdependência e uma atitude de dar e receber;
b) As soluções emergem como resultado de um trabalho de construção mútua que tira
partido das diferenças;
c) Os parceiros devem questionar os estereótipos para procurarem com os outros novos
sentidos;
d) A colaboração envolve co-propriedade das decisões;
e) Os participantes assumem responsabilidade colectiva pelos destinos do trabalho;
f) A colaboração é um processo emergente – através da negociação e das interacções,
as normas das futuras interacções são constantemente actualizadas.
Estes seis elementos da colaboração fazem emergir outros tantos princípios que Stewart
(1997) sintetiza do seguinte modo:
1. A colaboração não é um acontecimento estático nem mesmo um percurso
formalizado para alcançar um objectivo específico; tão-pouco é um fim em si
mesmo. É antes um processo criativo contínuo que envolve a construção de um
resultado, sempre em evolução, no interior de uma matriz sempre em mudança. (p.
36);
2. A mudança continuada é essencial para a colaboração; a própria mudança pode ser
um catalisador na construção de novo conhecimento, novos padrões, novos
objectivos. (p. 38);
3. A diversidade pode ser enriquecedora se vista positivamente e usada
construtivamente. As diferenças internas podem ser construtivas e produtivas;
podem despertar para modos alternativos de ver e de viver que são libertadores.
Tensões internas e diversidade podem ser mesmo essenciais para a qualidade e
integridade do todo. (p. 41);
4. Processos como conversar e narrar, tradicionalmente julgados como improdutivos,
são considerados, na colaboração, trabalho significativo e construtivo. (p. 43);
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5. A confiança e o compromisso tornam-se factores poderosamente construtivos, pois a
colaboração coloca os participantes face à vulnerabilidade e a potenciais pressões de
mudança profunda. (p. 45);
6. A valorização da contribuição de cada participante é um poderoso factor central na
colaboração. Co-laborar sugere uma mudança de padrões verticais de liderança e
poder para padrões horizontais de liderança partilhada e relações simbióticas de
apoio. (p. 48).
Para esta autora, a conjugação dos elementos com os princípios do trabalho
colaborativo, permite pôr em evidência duas dimensões fundamentais. A primeira diz respeito
aos participantes no processo: a colaboração integra um conjunto de pessoas que se
envolvem, de forma deliberada, para atingirem um objectivo comum, tal como também
assinala Kapuscinski (1997), que fala na “existência de uma concordância explícita” por parte
dos intervenientes. Esses participantes são iguais na diferença, ou seja, o processo
colaborativo procura denominadores comuns na diversidade que é própria dos seres humanos
e que os torna irrepetíveis e, ao mesmo tempo, iguais na possibilidade de se fazerem ouvir e
de agirem. A segunda dimensão respeita ao próprio processo de colaboração: trata-se de um
empreendimento eminentemente democrático, que valoriza cada uma das pessoas para a
construção de um bem comum, respeitando as liberdades individuais, contribuindo para a
construção de uma relação de confiança – como em qualquer processo democrático, a
negociação é o meio de resolver problemas.
Analisando a natureza das relações colaborativas entre professores, Hargreaves (1998)
explicita aquelas que lhe parecem ser as suas características fundamentais, atendendo à forma
como têm origem, ao tipo de envolvimento dos participantes, à sua orientação, ao tempo e ao
espaço em que ocorrem e à sua previsibilidade. As relações de colaboração são espontâneas,
porque
partem
principalmente
dos
professores,
embora
possam
ser
facilitadas
institucionalmente por outros agentes educativos. Estas relações de trabalho são também
voluntárias, porque nascem da livre vontade dos professores em trabalharem em torno de um
tema e são, normalmente, orientadas para o desenvolvimento de objectivos partilhados. As
culturas de colaboração são difundidas no tempo e no espaço, não sendo reguladas de forma
rígida pelas questões do tempo – que obriguem, por exemplo, a reuniões com uma
regularidade bem determinada – nem do espaço; pelo contrário, pautam-se por um elevado
grau de informalidade em relação a estes dois aspectos. Por último, a colaboração tem um
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certo carácter de imprevisibilidade, dado constituir um processo aberto, adaptativo e não
controlado externamente através da fixação de metas, sendo, pois, permeável ao desenrolar
dos acontecimentos e à determinação dos participantes. Analisando igualmente a natureza das
relações de colaboração, Boavida e Ponte (2002) sublinham as características anteriores,
acrescentando que partem de um interesse comum e são marcadas pela mutualidade,
confiança, diálogo e negociação.
O trabalho colaborativo de professores assume formas diversas, dependendo dos
objectivos que são colocados em jogo. Em seguida, analisam-se formas de colaboração
envolvendo professores.
Formas de colaboração
As relações colaborativas, envolvendo professores com experiências diversificadas,
podem assumir formas díspares. A partir do estudo que desenvolveram com professores em
início e fim de carreira, sobre o papel da colaboração no seu desenvolvimento profissional,
Harris e Anthony (2001) distinguem dois tipos de colegialidade: as “interacções colegiais que
podem ajudar a criar um ambiente de trabalho de apoio emocional [emotionaly supportive] e
interacções colegiais que verdadeiramente produzem um significativo desenvolvimento
profissional” (p. 384). O primeiro tipo, embora importante, especialmente para os professores
mais jovens, não é suficiente para o desenvolvimento profissional. Ter um ambiente favorável
à colegialidade e à interacção entre professores é condição necessária, mas não suficiente,
para o desenvolvimento profissional. Numa relação colaborativa do primeiro tipo, os
professores podem ouvir-se uns aos outros, contar as suas dificuldades, fazer uma espécie de
catártese em grupo, mas não existe necessariamente um interesse intelectual em abordar os
problemas apontados, analisá-los, estudá-los, com o objectivo de os resolver – algo que
apenas acontece nas relações do segundo tipo.
As relações colaborativas são também tratadas por outros autores. Little (1990)
sistematiza as formas de colaboração profissional entre professores em quatro categorias: (i)
narrar e procurar ideias; (ii) ajuda e apoio; (iii) partilha; e (iv) trabalho em co-propriedade. A
autora adverte que estas formas – a que Clement e Vandenberghe (2000) chamam variantes
de colaboração ou colegialidade – “constituem mais do que um simples inventário de
actividades. [Pelo contrário], são, fenomenologicamente, formas discretas que se distinguem
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umas das outras no grau em que induzem obrigações mútuas, exposição do trabalho de cada
um ao escrutínio dos outros” (Little, 1990, pp. 511-512).
Na primeira forma de colaboração – narrar e procurar ideias –, os contactos entre os
professores são “oportunísticos”. Estes adquirem informação e segurança em rápidas trocas de
histórias, informais e esporádicas (cf. Stewart, 1997). Na construção destas histórias estão,
muitas vezes, interesses pessoais e sociais. Esta forma de colegialidade, em que cada
professor preserva a sua liberdade e não se expõe ao escrutínio dos outros, é, segundo Little
(1990), característica de uma cultura de colaboração de individualismo e conservadora. Esta
autora mostra-se céptica relativamente ao poder que este tipo de colaboração profissional,
informal e assente em histórias que veiculam algum tipo do conhecimento profissional dos
professores, poderá ter em termos do seu desenvolvimento profissional, ao nível das suas
práticas e conhecimentos e, também, nas interacções com os colegas. Esta forma de
colaboração assemelha-se “ao apoio emocional ao professor” referido por Harris e Anthony
(2001). Little (1990) faz ainda notar que esta sua posição, relativa ao valor destas histórias no
progresso profissional, não significa que desvalorize a sua importância no estudo do
conhecimento profissional dos professores.
A segunda forma de colaboração – ajuda e apoio – é, segundo Little (1990), talvez
aquela que os professores mais esperam de outro colega – ajuda para a resolução de um caso
difícil. A ajuda não deve, no entanto, corresponder a uma interferência na livre escolha do
colega ajudado. Esta ajuda aos professores pode ser prestada por colegas mais experientes ou
por entidades externas à escola. A autora adverte que muita desta ajuda é prestada segundo
uma lógica de racionalidade técnica, através de conhecimentos didácticos previamente
codificados e prontos a usar pelos professores. Esta forma de colaboração é, do ponto de vista
do poder, claramente assimétrica e uni-direccional; normalmente do especialista, que pode ser
um outro professor mais experiente, para o professor que solicita ajuda e apoio. Na sua
perspectiva, nesta concepção de colaboração persiste também uma postura de um certo
individualismo por parte dos professores.
A terceira forma de colaboração – partilha – corresponde a um intercâmbio de
materiais, métodos e troca de ideias e opiniões. Na medida em que os professores expõem,
perante os outros, os seus materiais e as suas ideias, isso representa uma concepção de
colaboração menos privada e mais pública (Little, 1990):
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Tornando os materiais habituais do seu trabalho [na sala de aula] acessíveis aos
outros, os professores expõem as suas ideias e intenções aos outros. (...) Exibindo
exemplos seleccionados do seu trabalho ao escrutínio de toda a escola, os
professores comunicam as suas expectativas dos seus alunos e deles próprios;
também proporcionam uma concretização [da actividade de ensinar], que
posteriormente serve de ponto de partida para a discussão. (p. 518)
A autora lembra que esta partilha pode ocorrer segundo formatos diferentes, envolvendo
um número variável de professores, com a revelação ou não de uma fatia importante do seu
trabalho, em momentos mais ou menos informais, e ter um carácter obrigatório e normativo
ou, pelo contrário, corresponder a um acto de auto-iniciativa dos professores. Esta forma de
colaboração vem estabelecer uma ruptura com o clima de não interferência que caracteriza as
culturas de ensino, a que a autora chama de “tradicionais”. A sala de aula continua a ser, em
grande medida, para o bem e para o mal, um bastião inviolável da actividade docente
(Sanches, 1995). Fomentar um clima de partilha, em que os professores sintam confiança
suficiente para se exporem, afigura-se como um caminho rico de potencialidades para o seu
desenvolvimento.
A última forma de colaboração proposta por Little (1990) – trabalho em
co-propriedade – assenta na visão de encontros entre professores “firmados na
responsabilidade partilhada para o trabalho de ensinar (interdependência), na ideia de uma
autonomia colectiva, no apoio às iniciativas e liderança dos professores no que respeita à
prática profissional e na afiliação ao grupo, fundadas no trabalho profissional” (Little, 1990,
p. 519). Esta forma de colaboração implica uma organização de recursos, como o tempo ou
espaços, para a concretização efectiva de determinadas tarefas. O trabalho colectivo de
professores pode passar pela planificação de um conjunto de tarefas realizadas por todos ou
pela definição de um conjunto de critérios base que orientem a acção independente de cada
um nas suas aulas. O trabalho interdependente assenta na deliberação colectiva, através da
negociação. Nesta medida, a colaboração ou a colegialidade, não pode ser confundida com
um entrave ao exercício da autonomia (Sanches, 1995). Pelo contrário, o exercício da
determinação individual no seio de um grupo de professores, passa pela liberdade e livre
expressão das ideias, rumo a uma forma de autonomia colectiva (Little, 1990). A autora
completa esta ideia, ao argumentar que aquilo a que chama autonomia colectiva “não implica
consenso de pensamento ou uniformização da acção” (p. 521).
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No estudo conduzido por Clement e Vandenberghe (2000), estes autores propõem-se
investigar a influência da autonomia e da colegialidade de professores dos primeiros anos de
escolaridade no seu processo de desenvolvimento profissional. O estudo, realizado com 94
professores, segundo uma orientação qualitativa, sugere que nas escolas narrar histórias e
procurar ideias é entre os professores uma forma de colegialidade e colaboração importante.
Os autores esclarecem que embora essas “histórias tenham a característica de facilitar
pequenas conversas, o seu valor simbólico não pode ser subestimado” (p. 88). Sublinham
ainda que a narração de histórias traduz uma forma significativa de comunicar preocupações e
dificuldades a outros. Neste mesmo estudo, Clement e Vandenberghe (2000) encontram
também formas de colaboração correspondentes à ajuda e apoio e à partilha; em alguns
casos, essa “partilha de ideias conduziu ao trabalho em comum. Começando por uma
responsabilidade partilhada, os professores trabalharam em comum em projectos” (p. 88).
Uma experiência colaborativa envolvendo professores e investigadores foi desenvolvida
na zona de Málaga (Espanha), em dois projectos de investigação-acção (Pérez et al., 1998).
Os autores referem que a colaboração dos professores com os investigadores existe, por parte
dos primeiros, a expectativa de que os investigadores “lhes apresentem novas perspectivas
radicalmente diferentes das deles e a detecção de erros no seu trabalho que os possam ajudar
na mudança” (p. 248). Esta expectativa dos professores, relativamente ao trabalho
colaborativo, está fortemente condicionada pela relação que se tem estabelecido entre
professores e académicos, entre escolas e universidades.
Num outro trabalho, Santos (2000) estudou um grupo de professoras no contexto de um
trabalho colectivo. A autora sublinha que este se inscreve numa cultura de colaboração
livremente assumida pelos participantes:
Este trabalho em colaboração existe por decisão expressa dos seus membros, não
tendo de nenhuma forma sido imposto por qualquer órgão superior da escola, ou
qualquer estrutura do sistema. Surge como resposta a um problema partilhado por
todos os seus membros. (...) Existe, deste modo, uma motivação interna sentida
por todas. (p. 651)
A autora aponta factores que podem ter facilitado o exercício da autonomia e da
colaboração: a existência de tempos comuns para as professoras se poderem encontrar e o
reconhecimento e a valorização do trabalho conjunto realizado. Santos (2000) assegura ainda
que, neste caso, os tempos em comum não surgiram espontaneamente nem traduziram um
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incentivo da direcção da escola às práticas colaborativas, mas resultaram de uma aspiração e
de uma necessidade do grupo, que assim decidiu trabalhar.
As várias formas de colaboração apontadas exigem dos professores diferentes graus de
envolvimento e implicam, algumas delas, considerável dispêndio de tempo. Por isso, parece
fundamental que os órgãos de gestão das escolas proporcionem aos professores tempo em
comum, para que eles, caso o desejem, possam interagir com os seus pares, numa interacção
que vá para além das conversas superficiais e rápidas de sala de professores.
Porquê a colaboração profissional de professores?
A colaboração entre professores parece ter-se tornado numa ideia mágica, solução para
todos os problemas que afectam estes profissionais, as escolas e a Educação (Hargreaves.
1998). Que qualidades são então reconhecidas às relações colaborativas que envolvem
professores? Quais as consequências, para as escolas, para os alunos e para os próprios
professores, do trabalho colaborativo? Diversos autores (Clement e Vandenberghe, 2000;
Hargreaves, 1992, 1998; Krainer, 1996, 1999, 2001; Little, 1990) analisam estas questões,
avançando com algumas possibilidades de resposta.
Defender a colaboração entre professores parece ser uma ideia coerente com a
perspectiva da aprendizagem de inspiração interaccionista. Recorde-se que para Blumer
(1998), o significado das coisas emerge como consequência da interacção social que cada um
mantém com o seu próximo (fonte do significado). Também Little (1990) assume que as
interacções entre estes profissionais são geradoras de uma compreensão mais profunda das
suas práticas, através da reflexão que é proporcionada, tendo efeitos sobre a acção diária dos
professores. Hargreaves (1992, 1998) refere-se às potencialidades das relações colaborativas e
colegiais como estratégia de desenvolvimento dos professores. O autor assinala que aquelas
relações “conduzem este desenvolvimento para além da reflexão pessoal e idiossincrática, ou
da dependência em relação a peritos externos, fazendo com que os professores aprendam uns
com os outros, partilhando e desenvolvendo em conjunto as suas competências” (Hargreaves,
1998, p. 209).
Para Hargreaves (1998), a colaboração parece ser também uma resposta compensadora
face aos problemas que a sociedade pós-moderna em que vivemos – muito volátil e rápida nas
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mudanças que opera – vai colocando à escola. Esta resposta vai na linha da que outras
organizações sociais vão dando, face a problemas da mesma índole:
Hoje em dia, a colaboração é proposta amplamente como sendo a solução
organizacional para os problemas da escolaridade contemporânea, bem como uma
solução flexível para as mudanças rápidas e uma maior capacidade de resposta e
de produtividade por parte das empresas e das outras organizações em geral. A
colaboração na tomada de decisões e na solução de problemas é uma pedra
angular das organizações pós-modernas. (Hargreaves, 1998, p. 19)
A intensificação das relações colaborativas entre professores decorre, para este autor,
da natureza do trabalho dos professores e da insuficiência de alguma ciência educativa em dar
uma resposta satisfatória àqueles problemas. A falência da ciência aplicada à Educação ou as
limitações da racionalidade técnica apontadas por diversos autores (Hargreaves, 1998; Schön,
1983, 1987, 1993; Zeichner, 1992), impele os professores a procurarem formas de se
organizarem que facilitem o seu trabalho. Hargreaves (1992) aponta neste sentido,
considerando que grande parte dos apelos ao desenvolvimento daquilo a que chama de
“culturas de colaboração” entre os professores, nas escolas, assenta no argumento relativo à
redução da incerteza do trabalho dos professores:
Pese embora o facto de a incerteza ter sido desde sempre uma qualidade universal
do ensino, o colapso da certeza científica e da sua base de conhecimento
supostamente segura (por exemplo, dos métodos de ensino de sucesso
comprovado) promete intensificar ainda mais a sua influência. (Hargreaves, 1998,
p. 19)
Face a uma situação de incerteza decorrente de uma reorganização curricular, como foi
o caso das professoras estudadas por Santos (2000), a constituição de um grupo de trabalho
funciona como um factor adicional de segurança e autonomia profissional. Esta ideia de
constituir pequenas comunidades de professores, sediadas no local de trabalho, em que estes
“podem trabalhar juntos, fornecer apoio mútuo, oferecer feedback construtivo, desenvolver
objectivos comuns e estabelecer limites que apresentem desafios” (Hargreaves (1998, p. 19) é
extremamente poderosa, se partir de um anseio dos professores – como aconteceu com as
professoras que participaram no estudo de Santos (2000).
Hargreaves (1998) coloca algumas reservas relativamente à forma como estas ideias
sobre o trabalho colaborativo estão a ser propaladas no seio do professorado, de que é
sintomático o título de um dos capítulos do livro Os professores em tempos de mudança e que
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é: Colaboração e colegialidade artificial – Chávena reconfortante ou cálice envenenado. A
este respeito, o autor discorda da utilização da colaboração decretada para a promoção das
reformas educativas, através de normas centralizadas e para o controlo que, por esta via, é
exercido sobre os professores:
Se a colaboração e a colegialidade são consideradas promotoras do crescimento
profissional e do desenvolvimento das escolas a partir de dentro, também são
largamente encaradas como formas de assegurar a implementação das mudanças
introduzidas externamente. O seu contributo para a implementação das reformas
curriculares centralizadas constitui, a este respeito, um factor crucial. (p. 209)
O autor distingue, pois, culturas de colaboração daquilo a que chama de colegialidade
artificial, vista como meio de um crescente controlo administrativo e intelectual sobre os
professores. Esta última forma de colegialidade é caracterizada por ser:
i) Regulada administrativamente – nesta medida não se trata de uma relação que
decorra do exercício da autonomia dos professores, mas, pelo contrário, resulta de uma
imposição administrativa;
ii) Compulsiva – as formas de trabalho em colaboração que resultam de imposição
externa, com um carácter obrigatório, tendem a desenvolver nos professores formas de
resistência que os levam a criar rotinas que minimizem o facto de não terem determinado este
trabalho;
iii) Orientada para a implementação – esta forma de colegialidade artificial está
vocacionada para a execução de ordens ou determinações externas ao grupo, que podem ser
oriundas dos órgãos de gestão das escolas ou das estruturas do topo da hierarquia do sistema,
como as Direcções Regionais ou mesmo o Ministério da Educação;
iv) Fixa no tempo e no espaço – esta forma de colaboração é pouco flexível em termos
dos espaços e do tempo em que se realiza, facto que decorre do seu carácter compulsivo e
regulado administrativamente. Por norma, os professores juntam-se com uma periodicidade
rígida, haja ou não motivos pertinentes para o fazer;
v) Previsível – estas relações de colaboração são extremamente previsíveis quanto aos
seus resultados – embora, por vezes, possam advir efeitos perversos – facto que resulta da sua
própria organização em termos de espaços e tempo e do controlo administrativo que sobre
elas é exercido.
Nesta linha, o autor adverte ainda para a possibilidade destas medidas que visam, às
vezes, com a melhor das intenções, incrementar a colaboração entre os professores e entre
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estes e outros profissionais, poderem constituir uma forma de limitar, condicionar e
constranger o seu trabalho. Esta forma de colaboração pode ser encarada como uma limitação
ao exercício da autonomia do professor, uma vez que alinha por um padrão normalizador da
forma de pensar e agir dos professores – neste sentido, colegialidade tem um valor antinómico
a autonomia. A este propósito, Hargreaves (1998) defende que:
Impulsos bem intencionados no sentido de criar culturas de colaboração e de
expurgar o isolamento e o individualismo dos professores das nossas escolas
correm o sério risco de eliminar a individualidade entre os professores e, com ela,
a criatividade discordante que pode desafiar os pressupostos administrativos e
constituir uma poderosa força de mudança. (pp. 19-20)
Em suma, e pelo facto de a colaboração e a colegialidade poderem ter concretizações
diferentes, consubstanciando algumas delas formas de controlo administrativo dos
professores, a apreciação do seu contributo para o desenvolvimento profissional deve ser
realizada com cuidado, evitando proclamações generalizadas das suas virtudes.
Síntese
A colaboração tornou-se uma ideia central no campo da Educação, especialmente no
domínio da formação de professores. Em contraponto à colaboração surgem frequentemente
os conceitos de colegialidade e cooperação. No entanto, todos estes conceitos traduzem
sobretudo diferenças de grau dentro do mesmo fenómeno, pelo que se afigura preferível falar
de relações colaborativas de natureza e grau distintos. Para além da diversidade conceptual e
terminológica, existe um apreciável consenso em torno da ideia de colaboração como um
processo que envolve pessoas que trabalham estreitamente em conjunto na base de um
interesse ou de um objectivo comum, resultando benefícios para todos os participantes. A
colaboração é, por natureza, um processo dinâmico que tira partido da diferença e da
diversidade de percursos profissionais dos actores nele envolvidos, valorizando as suas
experiências e os seus conhecimentos. Ao contrário da chamada colegialidade artificial, que
tem um carácter compulsivo e é controlada administrativamente, a colaboração profissional é
marcada por emergir de forma espontânea, partir da identificação de problemas que afectam
um determinado grupo profissional, assumir um carácter voluntário, ser orientada para o
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desenvolvimento profissional dos participantes, ter um elevado grau de imprevisibilidade em
relação ao seu desenrolar e ser difundida no tempo e no espaço.
Admitindo que a colaboração abarca uma diversidade de processos interactivos entre
professores, é pertinente distinguir as formas que traduzem uma forte interacção cognitiva e
reflexiva e, portanto, contribuem para um efectivo desenvolvimento profissional dos
participantes, das que representam um simples apoio emocional. Entre as formas de
colaboração entre professores podemos também distinguir entre narrar e procurar ideias, ajuda
e apoio, partilha e trabalho em co-propriedade, sendo que da primeira para a última se observa
uma interdependência crescente entre os participantes, que se traduz na definição de
objectivos mais claros e em trabalho comum mais exigente e prolongado no tempo.
O fomento da colaboração entre os professores tem sido apontado com alguma
insistência como um meio privilegiado para fazer face à imprevisibilidade e incerteza das
situações do quotidiano, permitindo uma compreensão mais profunda dessa realidade e
facilitando, assim, o seu trabalho. No entanto, devemos estar atentos para os efeitos negativos
da colegialidade artificial, devendo haver algum cuidado acerca do modo como se
estabelecem estas formas de trabalho. Assim, será prudente ponderar cada forma de
colaboração em função do controlo exercido, do modo como os professores decidem
participar, dos objectivos formulados e da forma de organização e concretização dos
projectos.
Autonomia profissional de professores
Origem e enquadramento do conceito
A análise do conceito de autonomia coloca um conjunto de dificuldades que derivam,
por um lado, da sua utilização numa multiplicidade de contextos e áreas temáticas, e, por
outro, da sua utilização pouco consistente por diversos autores, por vezes, no mesmo trabalho
(Little, 1990; Sanches, 1995). Sanches (1995) acrescenta outras dificuldades na clarificação
do conceito de autonomia: dificuldade em delimitar com clareza os seus contornos, falta de
coerência interna, ocultando conceitos próximos, e a inexistência de uma teoria da autonomia
profissional. Face a todas estas dificuldades, parece pertinente voltar às origens do conceito,
procurando as raízes históricas do termo.
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Segundo Machado (1995), a palavra autonomia deriva do francês autonomie e esta do
grego autonomía, vocábulo que pode decompor-se em autos (por si mesmo) e nomos (lei,
norma). Assim, etimologicamente, autonomia significa direito de se reger pelas próprias leis,
independência, auto-governo ou auto-determinação. Neste sentido, autonomia significa
obediência a uma lei que é imanente à pessoa, isto é, a sua origem é interna e não externa
(Sanches, 1995; Vieira, 1998). O aparecimento do termo entre os gregos surge intimamente
ligado ao contexto da época e às relações difíceis entre as diferentes cidades-estado,
nomeadamente Atenas e Esparta. O exercício da autonomia começa, pois, segundo Sanches
(1995), por ser um aliviar do espartilho militar e político exercido por Esparta sobre Atenas.
Nesta acepção, autonomia começa por ser independência; no entanto, a independência,
embora condição necessária à autonomia, não se torna, por si só, suficiente, pois da falta de
controlo externo pode passar-se para a ausência de qualquer controlo ou determinação –
imprescindível ao exercício da autonomia, pela criação de regras e leis próprias. Esta
autodeterminação pressupõe que a pessoa tome decisões ponderadamente, ou seja, analise as
situações com que se depara no seu dia-a-dia à luz de um conhecimento sólido, envolvendo
capacidades de pensamento reflexivo.
Sanches (1995) defende, antes de mais nada, a autonomia como um direito e uma
“característica essencial do ser humano, atributo de individuação que permite à pessoa
tornar-se entidade única e distinta de outras pessoas nas opções que toma, nas significações e
nos fundamentos axiológicos da praxis [itálico no original], na condução da vida pessoal e
social” (p. 46). Esta forma de actuação da pessoa autónoma leva-a, em cada momento, a
ajustar a sua forma de agir às novas situações, gerando novas regras de funcionamento, novo
conhecimento que resulta de um processo de abstracção da experiência. Agir desta forma
opõe-se a um agir heterónomo, em que a pessoa coloca o controlo da situação fora de si.
Desenvolvendo esta ideia, Sanches (1995) distingue acção autónoma de acção heterónoma:
A acção autónoma diferencia-se da acção heterónoma em dois aspectos
essenciais: a capacidade de escolher, mesmo quando as alternativas são limitadas,
e a flexibilidade de adaptação. Não há acção autodeterminada quando se prefere
repetir o comportamento rotinizado embora haja outras alternativas que podem
conduzir a melhores resultados e à realização das finalidades desejadas. (pp.
44-45)
Um agir profissional heterónomo assenta no seguimento de procedimentos e princípios
de uma forma que tende a ser acrítica e algo ritualizada. Os profissionais, no caso os
74
professores, que se comportam deste modo, agem perante os problemas colocados pela acção
diária como se eles não existissem ou introduzindo unicamente pequenas alterações aos seus
procedimentos habituais para que alguma das suas rotinas possa ser executada.
O trabalho dos profissionais que se regem por conhecimentos provenientes da
investigação de orientação positivista, numa lógica de racionalidade técnica, caracteriza-se
por uma forma de agir rígida e padronizada. As leis de actuação são geradas de fora para
dentro da profissão e não existe verdadeira autodeterminação, nem verdadeira autonomia,
uma vez que estes profissionais, face aos problemas da prática que não podem ser
enquadrados no modo de actuação normalizado, ficam à espera de “novas leis”, que alguém
de fora – um especialista na área – virá apresentar.
O exercício da autonomia revela-se, pois, com maior acuidade na resolução de
problemas profissionais, a grande maioria do âmbito da Didáctica (Santos, 2000). Perante um
problema, o professor pode continuar a ter a mesma acção automática que antes ou, pelo
contrário, pode então optar por formular um problema e tentar resolvê-lo. Diz Sanches (1995)
a este propósito:
A autodeterminação também sofre restrições quando, numa situação problemática
inesperada, a pessoa age automaticamente e não faz uso (ou não procura) da
informação existente; ou porque factores emocionais impediram uma outra
escolha e um uso flexível da informação; ou, ainda, porque se preferiu permanecer
ao nível da acção habitual, embora existissem opções mais eficazes para resolver
os problemas. (p. 45)
A flexibilidade nas formas de actuação, por oposição à rigidez, é uma característica
chave da autonomia da pessoa, desde que sirva a sua adaptação autodeterminada às situações
que está a viver. Neste sentido, flexibilidade significa capacidade da pessoa encontrar novos
caminhos e novas formas de actuação face aos problemas com que se depara na sua vida e na
sua profissão. A procura de novos caminhos não é algo que ocorra no isolamento de cada um,
mas resulta de um processo de construção social, com os outros; não é imposto nem pela
pessoa nem pelos outros (Pérez et al., 1998). Esta questão remete para um conjunto de
conceitos que se relacionam com o de autonomia, sendo que alguns deles são tomados como
equivalentes ou mesmo sinónimos, e outros, como tendo características antinómicas:
individualismo, individualidade, colegialidade e colaboração. Que relações mantêm estes
conceitos com o de autonomia e como se relacionam entre si?
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Situando a discussão no campo da autonomia profissional de professores, diversos
autores assinalam o uso extensivo e, por vezes, pouco consistente destes conceitos (Clement e
Vandenberghe, 2000; Hargreaves, 1998; Little, 1990; Sanches, 1995). O conceito de
individualismo é discutido por Hargreaves (1998), procurando que o seu sentido não se
restrinja a isolamento profissional, pois assim assume um carácter amplamente negativo. O
autor esclarece que “quando falamos de individualismo, estamos a referir claramente, não
uma única coisa, mas antes um fenómeno social e cultural complexo que possui muitos
significados, nem todos necessariamente negativos” (p. 193). Assim, sublinha que o
individualismo pode ser associado à autonomia, à privacidade, ao desenvolvimento pessoal ou
à dignidade humana. Procurando avançar na compreensão do conceito de individualismo,
Hargreaves (1998) distingue, no caso dos professores, três categorias: (a) individualismo
constrangido; (b) individualismo estratégico; e (c) individualismo electivo.
A primeira forma – individualismo constrangido – ocorre quando os professores
trabalham sós e isso resulta de constrangimentos administrativos que desencorajam ou
impedem mesmo outra forma de proceder. Este tipo de individualismo, que se aproxima
muito do isolamento profissional, impõe-se aos professores em resultado do próprio
isolamento das escolas – muitas vezes de sala única ou professor único, como ainda hoje é
frequente no 1.º ciclo do ensino básico em Portugal – ou da estrutura escolar de tipo celular,
em que os professores desenvolvem as suas práticas por entre paredes que parecem
intransponíveis, ou da ausência de horários compatíveis, ou ainda de locais que permitam o
seu encontro (cf. Pérez et al., 1998).
O individualismo estratégico, de modo diferente do anterior, resulta de uma opção
deliberada do professor em seguir padrões de trabalho individualistas, em resposta às
contingências quotidianas do seu ambiente de trabalho (Hargreaves, 1998). Esta forma de
individualismo, embora não seja sinónimo de acção autónoma, representa uma determinação
maior das práticas profissionais, embora ainda muito centradas na sala de aula, em resultado
do trabalho e pressões crescentes a que os professores têm estado sujeitos (Sanches, 1995).
Por último, o individualismo electivo, ao contrário dos dois anteriores, não resulta de
uma resposta à força das circunstâncias e dos constrangimentos que emergem da situação ou
de uma opção estratégica em termos de optimizar tempo e energias dispensáveis ao exercício
da actividade profissional, mas surge como uma forma preferida de se estar e agir
profissionalmente (Hargreaves, 1998). A opção do professor por um modo de trabalho
76
individual, mesmo em circunstâncias em que a colaboração profissional é possível e mesmo
encorajada, deve ser respeitada, uma vez que é reflexo da sua história de vida, da sua
biografia e da socialização no seio da profissão (cf. Little, 1990). Esta última forma de
individualismo é aquela que mais fortemente pode ser associada à autonomia, uma vez que o
professor tende a tornar-se autoregulado e a determinar o seu modo de agir.
O individualismo surge muitas vezes embricado à individualidade, mas Sanches
(1995) tem o cuidado de os distinguir, afirmando que a “expressão da sua [do professor]
individualidade profissional [é] distinta de individualismo ou de isolamento” (p. 46).
Enquanto que o individualismo, como se acabou de apresentar, está muito ligado ao trabalho
realizado sem a participação de outros, a individualidade conecta-se com o direito de o
professor expressar uma forma própria de estar na profissão, ou seja, uma forma de exercer a
sua autonomia profissional, promovendo, desse modo, a construção da sua própria identidade
profissional.
Ao debruçar-se sobre estes dois conceitos, individualismo e individualidade, Hargreaves
(1998) subscreve a perspectiva segundo a qual o individualismo está mais ligado ao
isolamento e à atomização social, enquanto a individualidade pressupõe a independência e a
realização pessoal. Uma vez que o termo individualismo está fortemente conotado com um
sentido negativo, ocultando por isso os seus aspectos mais interessantes, parece ser preferível
adoptar como mais viável, ao falar de autonomia, o conceito de individualidade (Hargreaves,
1998; Sanches, 1995).
O exercício da individualidade e da autonomia profissionais parece, para alguns, poder
colidir com as ideias de colegialidade e de colaboração profissionais. Sanches (1995) admite
essa possibilidade – embora não a subscreva – de alguns pensarem “que a autonomia pode ser
entendida como valor antinómico da colegialidade” (p. 41). Ao distinguir a autonomia
individual da autonomia colectiva, Little (1990) descarta essa possível relação de antinomia,
considerando que a autonomia pode exercer-se em contextos de individualidade ou no seio de
grupos, sendo que a participação nestes últimos não implica obrigatoriamente o coarctar da
autonomia devida ao trabalho do profissional. Há, no entanto, formas de trabalho que, por
vezes, e de forma algo abusiva, passam por colaborativas, que representam uma redução do
espaço da individualidade do professor. É a esta realidade que Hargreaves (1998) se refere
quanto utiliza a expressão colegialidade artificial. Para o autor, essa é uma forma de trabalho
imposta administrativamente aos professores, constituindo, por essa via, um entrave ao
77
exercício da autonomia profissional, uma vez que pode “eliminar as oportunidades de
expressão da independência e de tomada de iniciativas” (pp. 200-201). Para evidenciar este
argumento, apresenta a perspectiva de um professor (P), com quem trabalhou, que vê em
algumas formas de colaboração embaraços ao exercício da sua autonomia profissional:
P – O trabalho em equipa está a ser cada vez mais encorajado. Em todas as
escolas.
I – Acha que isso é bom?
P – Desde que permitam que a criatividade individual modifique o programa. Mas
se quiserem tudo ao pormenor, tudo idêntico – não, penso que isso seria
desastroso porque vai-se apanhar pessoas que nem sequer pensam, que se
limitam a recostar-se e a navegar ao sabor das ideias dos outros, e acho que
isso não é bom para ninguém.
I – Neste momento, sente que esse espaço lhe é dado?
P – Com [o meu colega de equipa], sim. Sei que com algumas das outras pessoas
daqui, eu não (...) eu dava em maluco.
I – Como seriam as coisas (...)?
P – Basicamente (...) controladas. Eles iriam querer (...) em primeiro lugar,
estariam as suas ideias e eu teria de encaixar no seu estilo de ensino e teria
de trabalhar no tempo que era deixado livre nos seus horários. Acho que
ninguém devia ser obrigado a trabalhar dessa forma. (Hargreaves, 1998, p.
201)
A compreensão do conceito de autonomia requer que se identifiquem os seus
elementos constitutivos e o papel que jogam no desenrolar da acção autónoma. O
conhecimento destes elementos contribui para a edificação da estrutura da acção autónoma e,
deste modo, entender-se porque é que algumas pessoas são mais autónomas do que outras ou
porque é que em determinados contextos as pessoas agem de um modo mais independente e
determinado. Sanches (1995), apoiada em diversos autores, aponta diversas componentes da
acção autónoma: (a) princípios e valores pessoais; (b) confronto crítico; e (c) contexto de
autonomia. A primeira componente funciona como uma espécie de substracto que joga “em
interacção axiológica com o que se pensa que se deve desejar” (p. 47). A segunda componente
permite à pessoa antecipar as consequências de uma determinada opção que se faz
relativamente às consequências de acções alternativas – liga-se, pois, com a capacidade que
permite agir ponderadamente, racionalmente e reflexivamente. A terceira componente respeita
ao contexto em que a pessoa tem que funcionar e prende-se com o impacto do ambiente e das
instituições no processo de tomada de decisões, logo no exercício da acção autónoma. Estes
três elementos dão corpo à acção autónoma, segundo uma estrutura triádica, que funciona em
78
cada momento, de uma forma interactiva, permitindo a tomada de decisões de forma
independente (Sanches, 1995).
Em suma, a autonomia profissional dos professores é um processo de crescimento na
profissão, que conjuga as vertentes individual e social, através do qual o professor toma em
mãos o curso da sua acção. É, pois, um processo compatível com formas de trabalho
colaborativo, desde que este último decorra num clima de liberdade e respeito pelas posições
individuais de cada um. A inserção dos professores em redes colaborativas, em que estes se
envolvem activamente, representa um sinal inequívoco de autonomia profissional, pois
conceber a autonomia de uma forma redutora conduziria a uma proliferação de mentes-ilhas
isoladas a funcionarem, autonomamente, segundo “legislação própria”.
Fases da carreira e autonomia
O desenvolvimento profissional dos professores ao longo da sua carreira é um
processo continuado, feito de avanços e recuos. Como evolui a autonomia profissional dos
professores ao longo da carreira? Será possível estabelecer padrões que de algum modo
possam ajudar a compreender a vida profissional dos professores e o seu exercício da
autonomia? Alguns autores procuraram caracterizar as fases da carreira dos professores,
sendo que a autonomia é uma das componentes dessa análise (Huberman, 1992, 1995).
No início da carreira, existe uma certa tendência para acções heterónomas, uma vez
que os professores são levados a imitar os colegas, principalmente aqueles que são mais
experientes. Nesta fase, a que Huberman (1995) chama de entrada na carreira, existe uma
grande dependência em relação aos outros, nomeadamente no período de estágio profissional,
em que estes profissionais parecem ser induzidos em práticas que lhes dizem pouco. Esta
primeira etapa do ciclo profissional tem lugar durante os primeiros 2-3 anos de carreira e
inclui duas fases (sobrevivência e descoberta). A sobrevivência diz respeito ao
choque/confronto do professor com a realidade, a um tactear constante, a uma preocupação
consigo próprio e a um desfasamento entre ideias e situações práticas. A descoberta traduz o
entusiasmo inicial dos professores principiantes, a experimentação que levam a cabo em
contextos que tendem a assumir como deles. O autor refere que as duas fases podem ser
simultâneas, ou uma delas ser dominante em relação à outra. Esta primeira etapa da carreira
dos professores é caracterizada por um baixo nível de autonomia profissional, principalmente
79
no caso da sobrevivência. Durante o período de descoberta, o professor, tendo em vista a
definição das “suas leis” e da sua autodeterminação, passa por um período de experimentação.
A entrada na carreira é um período de exploração, após o qual se segue, entre os 4 e
os 6 anos de carreira, a fase da estabilização que representa a escolha de uma identidade
profissional, sendo também o período em que os professores se comprometem, com um
carácter mais definitivo, com a sua carreira. É, normalmente, a altura em que os professores se
efectivam. Este período coincide também com a aquisição de conhecimentos e competências
que permitem ao professor ter um domínio maior da sua profissão – tanto dentro como fora da
aula – o que conduz a sentimentos de maior segurança, permitindo maior autonomia
profissional.
A fase seguinte – diversificação ou experimentação –, correspondendo a um período
de tempo longo (7-25 anos de carreira), em que os professores se lançam num conjunto de
experiências novas, tanto na sala de aula – novos materiais, outras tarefas, outras
metodologias de ensino – como no desempenho de outro tipo de tarefas na escola,
essencialmente de carácter administrativo. Este período é caracterizado por um elevado
empenho na profissão e a busca de novos desafios, respondendo ao receio de cair em
situações de rotina. No mesmo período, alguns professores entram numa fase de
questionamento, resultante de um sentimento de crescente de rotina. Outros professores
evoluem directamente para esta fase sem terem passado pela experimentação inovadora. A
saída do questionamento pode ser a serenidade e o distanciamento afectivo ou
conservadorismo, que ocorre por volta dos 25-35 anos de carreira. A fase da serenidade e
distanciamento afectivo, a que pode também chegar-se, segundo Huberman (1995), por via da
fase da diversificação, representa um período em que os professores se sentem com menos
ânimo e, por vezes, com menos capacidade para desempenharem o seu trabalho, mas também
com uma atitude de serenidade. Um outro grupo de professores evolui para uma atitude de
lamentação constante e frequentemente tornam-se mais conservadores, mais individualistas e
menos abertos ao grupo.
A última fase da carreira – desinvestimento – pode assumir duas facetas consoante a
fase anterior da carreira (sereno ou amargo). O primeiro corresponde a um desinvestimento
profissional simples, enquanto que no segundo existe uma clara ruptura com o sistema e uma
consequente marginalização/isolamento do professor.
80
Ao longo da carreira, nas diversas fases, à medida que exercita a sua capacidade
critico-reflexiva e encontra condições favoráveis, o professor vai atingindo níveis de reflexão
mais elevados. De forma concomitante, o professor tem condições para o exercício da
autonomia, que podem ser ou não aproveitadas. No entanto, Sanches (1995) sublinha que “ser
professor autónomo não obriga a ser diferente dos outros professores, mas implica, sem
dúvida, o exercício da reflexão crítica sobre se deseja continuar a regular a sua acção
profissional em função de padrões, princípios e valores que são de outros” (Sanches, 1995, p.
51).
Neste percurso dos professores ao longo da carreira, a autora distingue dois níveis de
autonomia profissional: (a) a autonomia profissional básica; e (b) a autonomia profissional
plena. Enquanto que a autonomia básica é individual, privada e fechada, a autonomia plena é
pública, flexível e aberta ao questionamento das práticas, por si e pelos outros, e aos efeitos
transformadores da reflexividade crítica (Little, 1990). A autonomia básica “pode tornar-se
hegemónica; isto é, afasta alternativas de inovação, restringe-se a uma legitimidade interna,
reprodutora dos saberes adquiridos, fundamenta-se em critérios de funcionalidade prática,
torna-se conservadora e pragmática” (Sanches, 1995, pp. 52-53). Esta autonomia corresponde
à autonomia individual, tal como a concebe Little (1990), e a um trabalho independente na sua
relação com os outros. De outro modo, a autonomia plena “expõe-se a uma legitimidade
interdependente, alargada ao exterior; alimenta-se de uma visão holística do trabalho
profissional, social e é politicamente perspectivada; vivifica-se através de um processo
dialéctico entre pensamento e realidade” (Sanches, 1995, p. 53).
Enquanto que a primeira autonomia pode conduzir ao isolamento profissional, a
segunda, pelo contrário, leva os professores a procurarem os outros, a exporem-se, a
arriscarem (cf. Little, 1990). Da mesma forma que esta autora utiliza o conceito de
“autonomia colectiva”, Sanches (1995) liga a autonomia plena ao estabelecimento de
interacções: “[a autonomia plena] estabelece uma relação crítica com os saberes e as crenças e
concepções e valores pessoais, relação essa enriquecedora da identidade profissional; e, nesta
medida, abre as portas a culturas de ensino de colaboração e colegialidade” (p. 53). Também
Santos (2000), no estudo que realizou com três professoras em torno da temática da resolução
de problemas profissionais, aponta como resultado do trabalho realizado “uma concepção
colectiva de autonomia, que se traduz em tomadas de decisão que contrariam certos aspectos
do programa, nomeadamente alterando a organização dos conteúdos programáticos” (p. 688).
81
A autonomia básica, que Sanches (1995) associa ao período de estágio profissional,
formação inicial e indução, embora também se possa manter em alguns professores durante
grande parte da carreira, apresenta, pois, as seguintes características:
•
Repertório mínimo de competência profissional;
•
Práticas de heteronomia: imitação de modelos pedagógicos;
•
Ênfase na improvisação;
•
Aprendizagem por ensaio e erro;
•
Desenvolvimento da auto-eficácia para ensinar;
•
Conhecimento prático fundamentado em critérios pragmáticos (p. 52).
Por seu turno, a autonomia plena, que a autora associa à partilha colegial de saberes
pedagógicos, à actualização profissional e ao conhecimento profissional, caracteriza-se por:
•
Reflexividade crítica sobre as práticas pedagógicas;
•
Auto-conhecimento do modo pessoal de ensinar: competência crítica;
•
Produção dos efeitos desejados nos alunos;
•
Experimentação de alternativas pedagógicas;
•
Realização das finalidades profissionais pessoais;
•
Consciencialização das necessidades de actualização profissional;
•
Uso de vários modos de conhecer;
•
Tolerância intelectual em relação a outros modos de saber e de pensamento;
•
Construção e testagem de teorias subjectivas de acção pedagógica;
•
Contextualização política, social e cultural do ensino e da profissão (p. 52).
Embora colocadas em sequência, nem sempre os professores assumem uma autonomia
plena nas suas diversas cambiantes; alguns poderão permanecer a um nível de autonomia
básica. O exercício da autonomia é influenciado pelos contextos em que o profissional exerce
a sua actividade docente, pelo que o professor pode revelar-se nesta faceta ou, pelo contrário,
ser submergido pela situação em que está envolvido. As próximas linhas serão dedicadas à
analise do contexto na construção da autonomia profissional por parte dos professores.
Contextos de autonomia
O exercício da autonomia é função de aspectos pessoais, como a capacidade
critico-reflexiva, mas também de factores de índole social e contextual. Estes factores são de
82
extrema importância, na medida em que a acção da pessoa ocorre em situações devidamente
enquadradas no tempo e no espaço, e que envolvem, de um modo mais ou menos directo,
outras pessoas. Esta natureza social da autonomia é particularmente importante no caso dos
professores, já que a sua actividade é eminentemente interactiva e exposta ao relacionamento
com outras pessoas. Analisando a questão dos contextos, Sanches (1995) foca o
enquadramento da sala de aula e o espaço mais alargado da escola. A autora defende que o
contexto da sala de aula é, para os professores, o nicho da autonomia, uma espécie de último
refúgio:
A sala de aula é tida, por alguns professores, como santuário onde só os iniciados
nos ritos de ensinar e aprender podem (ou devem) ter acesso. A aula
transforma-se, então, em espaço social de e para a autonomia, território onde se
consubstanciam e se confrontam valores, experiências e saberes, concepções,
interesses e motivações tanto de professores como de alunos. Espaço de
autonomia para ensinar e aprender, na aula se acolhe, respeita e potencia a
individualidade dos seus actores. (Sanches, 1995, p. 54)
Os professores têm, por norma, uma elevada reserva em abrir a sua sala de aula aos
outros, permitindo com dificuldade a reflexão sobre o que aí se passa (Clement e
Vandenberghe, 2000; Little, 1990; Sanches, 1995). Apesar da sala de aula poder constituir-se
como uma arena da autonomia, nem sempre esse potencial é exercido pelos professores.
A privacidade da sala de aula é também apontada por Clement e Vandenberghe (2000).
Estes autores revelam que a “importância que os professores atribuem à manutenção desta
individualidade é legitimada a partir da necessidade que sentem para estabelecer uma relação
didáctica e pedagógica com os seus alunos” (p. 89). Para os professores, esta “atitude de
independência em relação a normas e regras provindas dos espaços de colegialidade”
(Sanches, 1995, p. 54) é sancionada por uma cultura que promove o individualismo. No
entanto, urge perguntar: Que características das nossas escolas e da própria organização do
sistema educativo convidam ou implicam mesmo a autonomia entre os professores? Será a
escola um contexto neutro ao exercício da autonomia profissional ou, pelo contrário, colocará
escolhos a essa mesma autonomia? E quanto aos contextos de formação de professores, que
apelo fazem à sua autonomia? Na tentativa de compreender as características contextuais que
podem favorecer a autonomia dos professores na escola, Sanches (1995) destaca ao nível
organizacional: (i) flexibilidade versus rigidez; (ii) controlo versus não controlo; e (iii)
83
acessibilidade versus inacessibilidade. Por norma, as estruturas escolares são formais, pesadas
e pouco flexíveis, não respondendo em tempo útil às necessidades de individuação e
autonomização por parte dos professores. Os mais jovens sentem, de uma forma que às vezes
chega a ser brutal, alguma dessa inflexibilidade (Huberman, 1995), facto que os obriga a
serem iguais e a regerem-se por padrões de conduta que muitas vezes estão longe de serem os
seus.
Nas escolas, o controlo pode ser sentido a vários níveis, desde logo pela estrutura
central do Ministério da Educação e, depois, pelas Direcções Regionais de Educação,
Conselhos Executivos, Conselho Pedagógico e Grupos/Departamentos disciplinares. Tal
como adverte Sanches (1995), “quanto mais elevado é o grau de formalismo e de controlo,
mais reduzidos são os graus de autonomia da acção pedagógica” (p. 57). Por último, a
acessibilidade respeita à possibilidade de o professor participar activamente na construção da
escola que é sua, exercendo os seus direitos democráticos e profissionais.
Síntese
O professor tem de tomar múltiplas decisões no exercício da sua actividade docente.
Estas podem ser ditadas externamente, podem seguir sistematicamente rotinas ou, pelo
contrário, podem resultar do seu raciocínio pedagógico, através da reflexão e com apoio no
seu conhecimento profissional. Esta segunda perspectiva traduz o agir autónomo – por
oposição ao agir heterónomo – que se caracteriza por afastar a determinação externa (pela
imposição, por outros, de modos de agir e pensar) como a determinação interna redutora (pelo
seguimento acrítico de rotinas, mesmo quando elas parecem mostrar-se desadequadas).
Nas discussões sobre a autonomia profissional é usual falar-se em individualismo e
individualidade, conceitos que não devem ser vistos como sinónimos. Enquanto a
individualidade se liga ao exercício de uma forma de estar na profissão, já o individualismo se
refere a um modo de trabalho apartado dos outros. O individualismo, que em alguns casos se
confunde com isolamento profissional, pode resultar de uma opção profissional do professor
ou, pelo contrário, corresponder a uma reacção, mais ou menos constrangida, face ao contexto
de trabalho. A autonomia, que se distingue claramente do individualismo, é assim uma forma
de assumir a sua individualidade.
A autonomia é, por vezes, apresentada por oposição à colaboração ou à colegialidade.
No entanto, ela é tanto uma condição do trabalho individual como do trabalho colaborativo.
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Enquanto que no trabalho individual se trata de autonomia individual e independente, no
trabalho colaborativo emerge a autonomia colectiva, de natureza interdependente, resultado
da negociação e do diálogo entre os intervenientes num determinado grupo. Em oposição à
autonomia surgem certas formas de colegialidade ligadas a uma imposição administrativa, de
carácter compulsivo, que limitam ou impedem mesmo a sua expressão. No desenvolvimento
da acção autónoma emergem, pois, elementos de natureza individual, incluindo princípios,
valores e capacidade reflexiva, e elementos de natureza relacional, como o contexto e o
ambiente de trabalho. Por exemplo, no que respeita ao contexto das escolas, aspectos como a
flexibilidade, o controlo ou a acessibilidade têm grande influência no desenvolvimento da
autonomia profissional, principalmente nos professores mais jovens.
Ao longo da carreira, os professores passam por diversas fases. Neste percurso
profissional, tendem a buscar formas mais avançadas de trabalho de natureza colegial,
pautadas pela experimentação de alternativas pedagógicas, por maior reflexividade crítica e
pela atenção à aprendizagem dos alunos. O percurso profissional surge, pois, como um
caminho rumo à autonomia.
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COLABORAÇÃO E AUTONOMIA DE PROFESSORES