REVISTA ÂMBITO JURÍDICO ®
Admissibilidade do reconhecimento do filho adotivo como prole eventual para fins de substitui? fideicomiss?a
Resumo: A Constituição Federal de 1988, através da dignidade da pessoa humana e da igualdade dos filhos, equiparou os filhos naturais e os
adotivos, repudiando quaisquer designações discriminatórias. Objetivou-se analisar o instituto da adoção e da substituição fideicomissária face ao
princípio da igualdade dos filhos. Utilizou-se o método a hermenêutica jurídica e a técnica da interpretação normativa. Foram analisados a
Constituição Federal, o Código Civil e o ECA. Constatou-se que o adotando deve, por direito, ser reconhecido como prole eventual para fins de
benefícios sucessórios.
Palavras-chave: Igualdade dos filhos, Adoção, Substituição fideicomissária
Abstract: The Brazilian Constitution of 1988, through dignity of human being and equality of children, compared natural son to adoptive son, denying
any discriminatory designations. The objective was to analyze the institution of adoption and succession against the principle of equality of the
children. It was used the method of normative hermeneutic and technical of legal interpretation. This investigation analyzed the Federal Constitution,
The Civil Code and ECA legislation. The adoptive son must be recognized as a non designed son for inheritance benefits.
Key-Words: Equality of children, Adoption, Succession
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. Adoção. 4. Substituição fideicomissária. 5. Igualdade dos filhos. 6. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Diante da moderna tendência de constitucionalizar o Direito Civil, esta pesquisa aborda o instituto da adoção em face da Constituição Federal e do
Código Civil no que concerne à igualdade dos filhos e ao princípio da dignidade da pessoa humana, buscando resguardar o direito do adotando de
ser reconhecido como prole eventual, a fim de que seja beneficiado pela substituição fideicomissária.
Assim, esta investigação justifica-se pela importância de reconhecer o adotando como prole eventual para efeitos sucessórios decorrentes da
substituição fideicomissária, levando-se em consideração a paridade de tratamento constitucionalmente prevista, bem como em legislação ordinária,
com o escopo primordial de beneficiar o filho adotivo na referida modalidade sucessória.
Entretanto, a questão não é pacífica no meio jurídico. Assim, surge uma questão: no que atine à igualdade dos filhos naturais e adotivos, de que
forma se verifica o direito do adotando de ser reconhecido como prole eventual com a finalidade de posterior benefício na substituição
fideicomissária? Esta indagação pôde ser respondida através de pesquisa bibliográfica e interpretação de textos jurídicos pertinentes à matéria em
tela.
Desse modo, o objetivo geral deste trabalho é analisar o instituto da adoção face à substituição fideicomissária. Os objetivos específicos são
interpretar textos jurídicos que abordem o instituto da adoção, a igualdade dos filhos, o princípio da dignidade da pessoa humana e a substituição
fideicomissária e verificar a possibilidade de reconhecimento do adotando como prole eventual para fins de vantagem sucessória mediante a
substituição fideicomissária.
2 METODOLOGIA
Esta pesquisa, abalizada numa reflexão teórica, foi iniciada aprofundando-se na revisão da literatura do problema em questão, com o escopo de
desnudar conceitos, princípios e legislações relacionados com o panorama do instituto da adoção, da igualdade dos filhos na ordem constitucional e
da abrangência da prole eventual no tocante à sucessão, mais precisamente na substituição fideicomissária. Para tanto foram colacionados os
seguintes dispositivos legais: a Constituição Federal de 1988, o Código Civil Brasileiro e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Desta forma, o método adotado foi a hermenêutica jurídico-normativa que pode ser compreendido como aquele que se preocupa com os princípios,
critérios, sistematizações, valores e informações gerais.
A técnica utilizada foi a interpretação normativa (jurídica), por intermédio da qual a Carta Magna, o diploma civilista acima referido e o ECA foram
analisados no que diz respeito ao tema proposto.
3 ADOÇÃO
Inicialmente, deve-se abordar o instituto da adoção buscando suas raízes históricas. Assim, o mencionado instituto originou-se na Grécia antiga em
cujo momento histórico serviu de base primordial para que houvesse perpetuação do culto religioso, pois deixar de viver sem ter herdeiros para
continuar exortando os deuses familiares acarretaria numa extinção de tal entidade. Quanto aos direitos sucessórios, estes eram formas de
compensação pela obrigação de assunção do culto, e só restavam observados quanto à linhagem masculina.
Desta feita, foi no Império Romano que a adoção ganhou mais importância e sistematização, sempre sendo vista como forma de imitar a natureza,
dando filhos a quem não os tinha. Durante a Idade das Trevas, a adoção foi um tanto esquecida, em virtude da interferência do direito canônico,
retomando espaço em 1804, com o então Código de Napoleão.
Para os brasileiros, o instituto da adoção apresenta algumas indicações nas Ordenações Filipinas, todavia esta norma não lhes dispensava merecida
regulamentação, o que acarretava observância das regras norteadoras romanas como forma de suprir a lacuna. Porém, com a edição do Código Civil
de 1916 a adoção ganhou disciplina própria, sendo conceituada como adoção simples e servindo de meio apenas àqueles que com mais de
cinqüenta anos não conseguissem ter filhos, ressaltando-se que, mesmo com a concretização da adoção, os vínculos biológicos com os pais naturais
não se desligavam.
Várias foram as leis subseqüentes, que pela própria evolução cultural e humanitária conduziram o legislador e a sociedade, motivados pelo princípio
da afetividade, a ver na adoção um meio humanitário de dar filhos a quem não pôde tê-los, assim como aumentar a família daqueles que já os tem.
Discorrendo sobre a adoção, Diniz (2007, p. 483) advoga que:
“A adoção vem a ser ato jurídico solene pelo qual, observados os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de
parentesco consangüíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é
estranha.”
Assim, infere-se que a adoção é meio jurídico formal e solene que estabelece a filiação desligando, por conseguinte, todos os vínculos com a família
biológica, exceto para efeitos matrimoniais, e os constituindo em face da família dos pais adotivos.
O que se vê, atualmente, é que o instituto em comento apresenta dupla finalidade, quais sejam, colocar um filho sob a responsabilidade de quem
manifestamente quer criar e educar e dar à criança desamparada um referencial de paternidade e/ou maternidade.
Com o advento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que data de 1990, a adoção passou a ser regulada em dois diplomas legais, e a
doutrina passou a conceituar a adoção de duas formas: plena ou estatutária e civil ou restrita.
A adoção estatutária é a prevista no ECA em que o adotando, de forma plena, passa a ser parte integrante da família do adotante. Já a adoção civil
do Código de 1916, dita restrita, regulava uma forma de adoção em que o adotando não se desligava totalmente da família consangüínea.
Interessante observar que a adoção estatutária tinha foco direcionado apenas para a adoção de crianças e adolescentes, enquanto a adoção restrita
ocupava-se de cuidar da adoção de maiores.
Juntamente com Código Civil de 2002 vieram discussões doutrinárias acerca da competência e aplicabilidade do referido código frente ao Estatuto da
Criança e do Adolescente. Tal discussão parte dos seguintes pressupostos, segundo Dias (2006, p. 386):
“Quando do advento do Código Civil, grande polêmica instaurou-se em sede doutrinária. Houve uma verdadeira “quebra de sistema”, pois o ECA
regulava de forma exclusiva a adoção de crianças e adolescentes, restando regulamentada na lei civil a adoção dos maiores. No entanto, o Código
estabelece regras referentes à adoção dos menores de dezoito anos – basta atentar que fala da necessidade de se ouvir o adotando a partir da idade
de 12 anos (CC 1.621). E, ainda que não tenha se afastado das diretrizes do Estatuto, não faz referências e nem delega funções à lei especial.
Todavia, o ECA dispõe de centro de gravidade autônomo, na medida em que se trata de um microssistema. E, entre a legislação específica e as
disposições da lei mais geral, é mister reconhecer a prevalência das regras especiais, pois elas atendem, de forma criteriosa, ao melhor interesse de
quem necessita de proteção integral.”
O fato é que já existem entendimentos doutrinários aduzindo que as duas legislações podem harmoniosamente conviver, aplicando, assim, na
disciplina da adoção, o Estatuto da Criança e do Adolescente em tudo que não contrariar os direcionamentos do Código Civil, e, destarte, suprindo
algum conflito pelos critérios que as normas hermeneutas apontam.
Em ambos os dispositivos legais em referência, no concernente ao deslinde procedimental da adoção de menores, o juiz deverá ter por base as
coordenadas do princípio do melhor interesse da criança, vez que, da análise do caso concreto, tem-se que extrair as circunstâncias que favoreçam
as crianças e adolescentes como seres em desenvolvimento, priorizando de forma absoluta os seus interesses.
Na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil com o Decreto 99.710/90, citada por Teixeira (2005) declarou-se que:
“Art. 3º. Todas as ações relativas à crianças, levadas a efeito por instituições públicas ou privadas de bem-estar social, tribunais, autoridades
administrativas ou órgãos legislativos, devem considerar primordialmente, o melhor interesse da criança.”
Atrelada ao princípio do melhor interesse está a doutrina da proteção integral, que inserta na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 227,
assegura às crianças a garantia de suas prerrogativas em qualquer situação em que se encontrem, vendo-as como sujeitos de direito que, em
desenvolvimento, precisam ser observadas com preeminência.
Segundo o entendimento de Quintas (2009, p. 59):
“O princípio do melhor interesse da criança deve estar presente em todas as áreas concernentes à família e à criança. Tem como conseqüência dar
ao juiz um poder discricionário de decidir diferente da lei se melhor interessar a criança.”
A questão agora repousa no fato de inferir, no caso concreto, o que vem a ser interessante para a criança no deferimento de algum pedido de
adoção. A jurisprudência pátria já nos aponta algumas coordenadas, embasadas no sexo, irmandade, estabilidade da criança, inserção no meio
social, relações afetivas, assim como caracteres dos pretensos pais adotivos, tais como condições morais e materiais. Todo esse arcabouço deve ser
levado em consideração para que o juiz consiga vislumbrar, diante da situação em apreço, o que seria melhor para a criança ou o adolescente.
Analisado instituto da adoção, é necessário neste ponto da pesquisa discorrer sobre a substituição fideicomissária, demonstrando o seu alcance no
tocante à filiação natural e à filiação civil ou adotiva.
4 SUBSTITUIÇÃO FIDEICOMISSÁRIA
A substituição fideicomissária é chamada pela doutrina de fideicomisso. No entendimento de Monteiro (2003, apud GONÇALVES, 2009)
etimologicamente o vocábulo fideicomisso deixa a entender a substituição sucessiva entre o autor da herança e aquele herdeiro em primeiro lugar
instituído, chamado de fiduciário, e entre este e o herdeiro por último nomeado, denominado de fideicomissário. O norte da substituição reside na
confiança, da expressão latina fideitua commmitto, ou seja, “confio em tua lealdade, entrego à tua boa fé”.
Em síntese, o instituto tem como base a própria confiança, compreendida na fidúcia. Como nascedouro, destaca-se o Direito Romano, no qual o
testador confiava na boa-fé do herdeiro, entregando a herança a alguém, para que, posteriormente, esse alguém a transferisse ao último herdeiro.
Contudo, como expõe Venosa (2007), nenhum mecanismo existia para que o fiduciário fosse obrigado a cumprir aquilo prometido, que não o dever
moral, fato que eivava o instituto de falibilidade.
Depois de muitos abusos, criaram-se as figuras dos pretores fideicomissários, com a finalidade de que estes sujeitos fiscalizassem e coibissem os
abusos, transformando a obrigação moral em obrigação jurídica, dando espaço à interposição de ações fideicomissárias, com o fito de dar
cumprimento ao avençado entre testador e fiduciário a entrega da herança ou legado ao fideicomissário.
Tal instituto é tratado junto às substituições dentro do Código Civil Brasileiro, no art. 1.951 e seguintes, e segundo Venosa (2007, p. 277):
“No fideicomisso, não há propriamente uma substituição. Existe uma disposição testamentária complexa por meio da qual o testador institui alguém,
por certo tempo ou condição, ou até sua morte, seu herdeiro ou legatário, o qual recebe os bens em propriedade resolúvel, denominado fiduciário,
para que, com o implemento da condição, advento do termo ou de sua morte, passe os bens a outro nomeado, fideicomissário.”
Essa espécie de substituição caracteriza-se por ato de liberalidade sucessivo ao fiduciário e ao fideicomissário. Desta feita, o fiduciário, enquanto
herdeiro estabelecido desde logo, receberá o bem objeto da disposição, exercendo sobre ele propriedade resolúvel, a qual restará resolvida e
transferida ao fideicomissário diante da morte do fiduciário, do implemento de certa condição ou do vencimento de termo estipulado pelo testador,
chamado aqui de fideicomitente.
Por ser a propriedade do fiduciário restrita e resolúvel, possuindo o bem sob condição resolutiva, poderá usar, gozar, dispor, gravar e reivindicar o
bem. Restando resolvida a propriedade em mãos do fideicomissário e consequentemente os direitos reais atribuídos ao fiduciário, o bem objeto do
fideicomisso, chamado de bem fideicomitido, poderá ser reivindicado do poder de quem o detenha, como hipótese de exercício do direito de sequela
por parte do fideicomissário, que tem a propriedade plena, e não resolúvel, da herança ou do legado.
Assim como nas disposições testamentárias em geral, o fideicomisso deverá compreender apenas bens compreendidos dentro da metade disponível
do testador, sendo eminentemente proibido que tal substituição prejudique a legítima, atribuída aos herdeiros necessários e que só poderá ser
submetida a cláusula diante de justa causa. Da mesma forma, o fideicomisso poderá ser gravado com a cláusula de inalienabilidade, como meio
eficaz para resguardar o direito do fideicomissário, impedindo que o fiduciário se desfaça do bem fideicomitido. Para tanto, deverá o testador fazê-la
de forma expressa no testamento.
Diniz (2007), corroborando a idéia do art. 1.951 do CC, enumera como uma das principais características do fideicomisso, aquela que consiste na
temporariedade, vez que a efetiva entrega do bem do fiduciário ao fideicomissário só se fará por morte do fiduciário, a tempo certo ou sob condição.
Diverge a doutrina em especificar os requisitos do fideicomisso, entretanto, da leitura dos arts. 1.951 e 1.952 do CC, extraem-se os seguintes: dupla
vocação; eventualidade da vocação do fideicomissário; ordem sucessiva; instituição em favor de pessoas não concebidas ao tempo da morte do
testador; capacidade testamentária passiva do fiduciário e do fideicomissário; e obrigação de conservar o bem para depois restituir.
Todavia, é relevante destacar que esta pesquisa trata com maior ênfase do requisito da instituição do fideicomisso em favor de pessoas não
concebidas ao tempo da morte do testador, em virtude de a mesma demonstrar a possibilidade de o adotando ser juridicamente portador do direito ao
reconhecimento como pessoa ainda não concebida ao tempo da morte do testador (prole eventual), caso o cônjuge ou companheiro supérstite deseje
realizar adoção após a abertura da sucessão.
A lei é clara ao estabelecer que para a validade da substituição fideicomissária faz-se necessário que o fideicomissário não exista no momento da
morte do testador, ou seja, “podem ser chamados a suceder filhos ou netos de pessoas designadas pelo testador, ainda não concebidos ao tempo da
abertura da sucessão”. Assim sendo, “pode o testador nomear fiduciário já existente, e indicar como fideicomissária a prole que vier a ter”
(GONÇALVES, 2009), também chamada de prole eventual.
A legislação brasileira apresenta o fideicomisso “como um recurso técnico-hábil para atender ao desejo do testador de instituir herdeiro não existente
ao tempo da abertura da sucessão” (DINIZ, 2007, p. 340), portanto, só será admissível quando estabelecida em favor dos não-concebidos, isto é, em
benefício da prole eventual da pessoa por ele indicada. Por outro lado, quando da abertura da sucessão, se a prole não é mais eventual e sim já
nascida, o fideicomissário adquirirá a nua propriedade do bem, ficando o fiduciário gozando do mesmo sob a égide do usufruto, operando-se, desde
logo, a caducidade do fideicomisso.
Considerado como instituto da sucessão testamentária, a prole eventual encontra previsão no Livro V, Título I, Capítulo II do Código Civil Brasileiro, o
qual lhe atribui capacidade testamentária. Significa dizer, como preleciona o inciso I do art. 1.799 do CC, que “os filhos, ainda não concebidos, de
pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão” terão capacidade de adquirir bens por meio de disposição
testamentária. Surge, pois, a capacidade testamentária da prole eventual como exceção no Direito das Sucessões, vez que o Brasil adota como regra
geral o princípio da coexistência, o qual determina que só terão capacidade para herdar aqueles nascidos ou concebidos quando do momento da
morte do testador. A priori, o legislador exige o nascimento ou pelo menos a concepção, que atribui ao feto a condição de nascituro.
Requer ainda o art. 1.800, §4º do CC, que as pessoas indicadas pelo testador deverão conceber a prole eventual no prazo decadencial de dois anos,
não sendo permitida dilação, salvo disposição do testador. Caso não se observe tal disposição, caducará o instituto e os bens serão devolvidos à
legítima, sendo partilhados entre os herdeiros legítimos necessários.
Pela brevidade do tratamento legal dado à prole eventual, existem freqüentes discussões acerca da forma da concepção, questionando-se se seria
obrigatoriamente aquela que faz surgir a filiação natural ou se o termo “concepção” poderia ser mais abrangente, levando-se em consideração o
momento do estabelecimento da parentalidade, por inseminação artificial ou por adoção para análise da concretização da condição suspensiva que
rege a prole eventual.
Aqueles que se ocupam de tais discussões, tomam como norte, na maioria das vezes, a incidência das normas constitucionais nos diversos ramos do
Direito, que no caso do ramo civilista é conhecido como o fenômeno da constitucionalização do Direito Civil. Portanto, princípios como o da igualdade
entre os filhos, introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Constituição Federal de 1988 tem grande peso no posicionamento dos
doutrinadores.
Diante do que foi exposto sobre o instituto da adoção, sobre a substituição fideicomissária e sobre o princípio do melhor interesse da criança, é válido
passar a uma análise mais detalhada a respeito do princípio da igualdade dos filhos e do princípio da dignidade da pessoa humana, levando-se em
consideração que ambos foram regulamentados pelo legislador constitucional a fim de resguardar o melhor interesse do adotando.
5 IGUALDADE DOS FILHOS
Após longo período de tratamento diferenciado entre os filhos legítimos e ilegítimos, ou seja, aqueles havidos ou não do casamento, a hodierna
norma constitucional equiparou a situação dos filhos bilaterais, unilaterais e adotivos, reconhecendo a todos como filhos legítimos, repudiando
quaisquer designações discriminatórias.
Todavia, o Código Civil de 1916 no artigo 1.605, § 2º determinava que os filhos adotivos somente herdavam a metade do que cabia aos filhos
legítimos na sucessão.
Porém, conforme dito anteriormente, a Constituição Federal de 1988 trouxe igualdade aos filhos estabelecendo que “Art. 227. (...). § 6º. Os filhos,
havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias
relativas à filiação”.
No tocante à legislação infraconstitucional, a Lei nº 8.069 de 1990, cognominada Estatuto da Criança e do Adolescente, preconiza no artigo 20 a
igualdade dos filhos naturais e adotivos para todos os efeitos.
Nessa mesma esteira anda o Código Civil de 2002, no artigo 1.596, repetindo o dispositivo constitucional acima transcrito confirmando, desse modo,
a orientação jurídica pátria de tratar de forma igual os filhos, sejam naturais ou adotivos.
Diante do exposto, é interessante ressaltar os efeitos que gera o instituto da adoção já analisado de forma mais detalhada neste estudo.
A adoção gera efeitos pessoais e patrimoniais. No que atine aos efeitos pessoais, Gonçalves (2008, p. 357) assevera que “a adoção gera parentesco
entre adotante e adotado, chamado de civil, mas em tudo equiparado ao consaguíneo”. O emérito jurista segue ainda o seu entendimento advogando
que a adoção “promove a integração completa do adotado na família do adotante, na qual será recebido na condição de filho, com os mesmos
direitos e deveres dos consaguíneos, inclusive sucessórios” [grifos nossos] (GONÇALVES, 2008, p. 358).
Consoante aos efeitos patrimoniais, o autor acima colacionado obtempera que “com relação ao direito sucessório, o filho adotivo concorre, hoje, em
igualdade de condições com os filhos de sangue, em face da paridade estabelecida pelo art. 227, § 6º, da Constituição” (GONÇALVES, 2008, p.
361).
Nesse sentido da igualdade de condições pessoais e patrimoniais a que se defere aos filhos consaguíneos e adotivos, advoga-se o posicionamento
de conferir ao filho adotivo a possibilidade de ser reconhecido como prole eventual para fins de substituição fideicomissária, pois nas palavras de
Glanz (2007, p. 485) “ora, a Constituição diz: ‘terão os mesmos direitos”, implicando dizer que o filho adotivo deve gozar dos mesmos direitos e
deveres de que desfruta o filho consaguíneo, inclusive dos direitos sucessórios que abrangem a instituição do fideicomisso em sede de prole
eventual, seja esta prole de sangue ou adotiva.
Não há que se falar, portanto, em locupletamento do adotante que adota filho após a morte do autor da herança com o intuito de se beneficiar com a
sucessão fideicomissária, pois a adoção, de acordo com o artigo 1.625 do Código Civil somente será admitida se constituir efetivo benefício para o
adotando, tendo em vista, inclusive, a determinante presença do princípio do melhor interesse da criança, já tratado no tópico 3 desta pesquisa.
Por último, é imprescindível frisar que a igualdade dos filhos naturais e adotivos foi incorporada à Lei Maior em razão do que apregoa o princípio da
dignidade da pessoa humana.
Numa abordagem conceitual Sá (2002, apud TEIXEIRA, 2005, p. 73) obtempera que:
“[...] o grande desafio dos nossos operadores do Direito está em entender a dignidade não somente como uma qualidade do ser humano ou como
uma ‘condição do espírito’, (...), mas também entender que se funda no reconhecimento social, através da valoração positiva, na busca do respeito
social. A dignidade deve ser buscada em meio às relações sociais, compreendida, portanto, como uma categoria do próximo, na comunhão dos
indivíduos.”
Assim, alcançando o reconhecimento social e a comunhão dos indivíduos, a dignidade humana pode ser defendida como o substrato essencial e
inspirador para a construção das bases em que se funda o tratamento paritário deferido pela ordem jurídica pátria à filiação natural e à adoção, tendo
em vista o repúdio à discriminação entre essas duas ordens de parentesco.
Desse modo, diante do que informa a dignidade da pessoa humana a igualdade dos filhos, advoga-se o reconhecimento do filho adotando como
sendo prole eventual para que possa ser beneficiado com a substituição fideicomissária, passando futuramente a perceber os bens deixados ao
fiduciário ao termo da condição resolúvel, enquadrando-se, assim, na categoria de herdeiro testamentário. Entendimento diverso poder-se-ia ser
considerado um atentado contra a dignidade da pessoa humana refletida no princípio da igualdade dos filhos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa científica em comento pretendeu compreender a possibilidade de admissão do instituto da adoção no contexto da prole eventual para a
caracterização da substituição fideicomissária.
Assim, verificou-se que a Constituição Federal, ao dispor do princípio da igualdade entre os filhos, o Código Civil, que trata do instituto da adoção,
merecendo destaque o princípio do melhor interesse do adotando e o Estatuto da Criança e do Adolescente trazem subsídios para que se configure
esta possibilidade.
As discussões acerca da constitucionalização do Direito Civil, introduzidas pela CF/88, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana,
fortalecem o escopo da admissibilidade da adoção para fins de prole eventual na substituição fideicomissária, surgindo daí o entendimento de que
merece o adotando ser beneficiado tanto com a adoção como com agraciamento feito pelo testador.
Desse modo, considerando os efeitos patrimoniais garantidos pela adoção e pautando-se no fato de que a substituição fideicomissária beneficia além
do fiduciário também o fideicomissário, ou seja, a prole eventual de pessoa nomeada pelo testador, constatou-se que tal admissão opera-se em favor
do adotado, não havendo o que se falar na preservação dos interesses dos adotantes, vez que a maior beneficiada será a criança, em respeito ao
princípio do melhor interesse da criança.
À guisa de considerações finais, observou-se que o reconhecimento do filho adotivo como prole eventual para fins de substituição fideicomissária não
frustra o desejo do testador em agraciar prole eventual daquelas pessoas por ele nomeada em razão da garantia constitucional da paridade entre os
filhos.
Referências BRASIL.Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <
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promulgada em 1º de janeiro de 1916. Código Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L3071.htm >. Acesso em 3 jun. 2009.
_______. Lei nº 8.069, promulgada em 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil/LEIS/L8069.htm >. Acesso em: 3 jun. 2009. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias.
3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 5. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
GLANZ, Semy. A família mutante – sociologia e direito comparado: inclusive o novo código civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. Vol. VII. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2009. QUINTAS, Maria Manoela Rocha de Albuquerque.
Guarda Compartilhada. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Família, guarda e autoridade parental. 1 ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005. VENOSA, Sílvio Salvo. Direito civil direito de família. 7.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
Nota:
*Trabalho orientado pelo prof. Admilson Leite de Almeida Junior. Professor de Direito Civil e Comercial UFCG/CCJS/SOUSA
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