O Centro Brasileiro de Relações Internacionais – CEBRI é uma organização da Sociedade Civil de Interesse Público
– OSCIP, independente, multidisciplinar e apartidária, voltada para a promoção de estudos e de debates de questões
prioritárias concernentes à política externa do Brasil e às relações internacionais. O CEBRI foi criado em 1998 por
um grupo de empresários, intelectuais e diplomatas e é atualmente o principal think tank voltado a temas da área
internacionais no Brasil. Recente pesquisa da Universidade da Pensilvânia apontou o centro como o 4º think tank
da América Latina.
Desde sua criação, o Centro promoveu mais de duzentos eventos internacionais e recebeu personalidades nacionais
e internacionais de destaque; realizou convênios com instituições de renome, tais como: Banco Interamericano
de Desenvolvimento – BID, Fundação Ford – FF, Fundação Konrad Adenauer – KAS, Council of the Americas –
COA, Swiss Agency for Development and Cooperation – SDC, Centre for International Governance Innovation –
CIGI, International Development Research Center – IDRC e Department for International Development – DFID. Seus
projetos resultam em estudos, boletins, documentos de trabalho, relatórios e livros; e suas publicações regulares
são: CEBRI Notícias, CEBRI Artigos, CEBRI Dossiê, CEBRI Tese, Clipping regional (África, Américas, Ásia e Europa)
e Relatório de Atividades.
O CEBRI é regido por um Estatuto Social que regulamenta as atribuições de seus Conselhos e estabelece categorias
de Associados. A contribuição financeira ou de serviços dos sócios mantenedores, e de instituições parceiras, é
fundamental para o desenvolvimento de suas atividades.
Desenvolvimento Sustentável da Amazônia
Editado pelo CEBRI: Rua do Russel, 270/2º Andar – Glória, Rio de Janeiro, Brasil
2010 – Impresso no Brasil.
Nenhuma parte desta publicação, sem autorização prévia por escrito, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam
quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravações ou quaisquer outros.
Coordenação – Mariana Luz
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Sumário
Introdução | 04
Amazônia : defesa e monitoramento | 07
Desenvolvimento Sustentável da Amazônia | 18
Amazônia Brasileira: desafios e oportunidades | 28
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Introdução
O Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI), em parceria com a Fundação Konrad Adenauer (KAS),
desenvolveu, em 2010, um projeto de discussão sobre desenvolvimento sustentável e integração para a Amazônia
Continental. O projeto abordou: integração política, econômica, cultural, científica, tecnológica e física entre os
países; diversas lições aprendidas com programas de cooperação na região; análises de iniciativas inovadoras e de
aproveitamento do patrimônio genético; o papel dos diferentes grupos de interesse, incluindo Estado e sociedade
local no desenvolvimento da Amazônia enquanto território continental singular; e as peculiaridades, os saberes
tradicionais, a escala e a urgência, com os respectivos efeitos sobre os desafios de um modelo sustentável de
intervenção.
A metodologia adotada foi encomendar três estudos a especialistas, objeto desta publicação, como subsídio aos
debates e reflexões entre palestrantes e debatedores distribuídos em dois seminários – o primeiro na Cidade de
Manaus, em junho, com o apoio da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) e o segundo no Rio de
Janeiro, em dezembro, com o apoio da CAF e da BM&F Bovespa. A participação do público regional foi fundamental
para o debate.
A presente publicação traz a integra dos estudos, acompanhada de um resumo executivo com os temas que tiveram
maior destaque no debate. As apresentações e vídeos dos seminários, bem como esta publicação, estão disponíveis
no site do CEBRI (www.cebri.org.br).
Resumo Executivo
O espaço amazônico é único, maior que a Europa. Conforme apontado por Carlos Aragon, “a bacia hidrográfica
do rio Amazonas é constituída pela mais extensa rede hidrográfica do globo terrestre, ocupando uma área total da
ordem de 6.110.000 km², desde suas nascentes nos Andes Peruanos até sua foz no oceano Atlântico. Esta bacia
continental se estende sobre vários países da América do Sul: Brasil (63%), Peru (17%), Bolívia (11%), Colômbia
(5,8%), Equador (2,2%), Venezuela (0,7%) e Guiana (0,2%).” A oferta hídrica da região corresponde a 20% da água
doce que chega aos oceanos.
No Brasil, segundo dados de 2009, a Amazônia Legal ocupa 60% do território nacional e abriga cerca de 24 milhões
de habitantes (12% da população nacional). Por sua vez, em 2007 a economia da Amazônia Legal gerou cerca de
US$65 bilhões ou 8% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional (Ipea 2010). O PIB per capita médio da Amazônia foi
estimado em US$ 3.100, sendo 30% inferior à média brasileira em 2007.
Adicionalmente, o potencial hidrelétrico é estimado em mais de 70 Gigawatts (mais da metade do potencial nacional).
A região possui ainda uma das mais ricas e diversas jazidas minerais do planeta com destaque para o ferro, bauxita,
níquel, cobre, manganês e ouro.
A necessidade de integração para defesa e potencialização econômica é antiga. A Organização do Tratado de
Cooperação Amazônica (OTCA) foi criada em 1978. Congrega oito países da região mais a França, e opera num
ambiente de cooperações internacionais envolvendo instituições como BMZ, GTZ, DGIS, bancos como KFW, BID,
BIRD e organismos multilaterais como GEF, FAO, IUCN, PNUMA, MRE/ABC-Brasil.
Com o reconhecimento em escala mundial da importância das florestas tropicais para a regulação do clima e
estoque de carbono, a Amazônia, por representar um terço das áreas de florestas tropicais, assumiu papel ainda
mais estratégico do que o inicial interesse pela proteção à biodiversidade e às populações indígenas da década de
80. No entanto, a proteção à biodiversidade retornou com mais força à agenda internacional a partir de outubro de
2010, com a apresentação de relatórios, durante a reunião anual da Convenção da Diversidade Biológica da ONU,
que alertam para a necessidade de um planeta e meio para mantermos os atuais padrões de produção e consumo.
Por outro lado, o modelo de ocupação evidenciou, em 2009, um nível de desmatamento em cerca de 18% do
território. Segundo Adalberto Veríssimo, “muitos cientistas temem que a floresta amazônica inicie um processo
irreversível em direção a savanas se o desmatamento atingir 40% do território. As implicações dessa transformação
para o aquecimento global, ciclos hidrológicos e biodiversidade seriam catastróficas”.
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O modelo de ocupação da Amazônia teve forte presença do padrão “Boom-Colapso” a partir da década de 70.
Esse modelo está presente nos municípios de fronteira onde “novas áreas desmatadas geram um rápido e efêmero
crescimento na renda e emprego (Boom). Mas os custos são altos com a violência rural e o desmatamento expressivo.
No médio prazo (após uma década), os indicadores socioeconômicos pioram e essas regiões entram em colapso
social, econômico e ambiental”. (Celentano & Verissimo, 2007).
Para consubstanciar essas constatações, a economia da Amazônia Legal representa apenas 8% do PIB nacional
(proporção que tem se mantido nas duas últimas duas décadas), mas contribui com mais de 50% das emissões de
gases de efeito estufa por conta do desmatamento, da degradação florestal e das queimadas associadas.
Há consenso de que as experiências pretéritas – com seus acertos e fragilidades – são fundamentais para um
desenvolvimento adequado da Amazônia. A importação de modelos tem-se mostrado ineficaz. Como exemplos
empresariais de sucesso, a Zona Franca de Manaus inspirou a criação do Programa Zona Franca Verde, assim
como o apoio oficial e privado a projetos comunitários e de empreendedorismo local motivou a criação da Fundação
Amazônia Sustentável – ambos voltados à valorização de produtos e de serviços ambientais. O Fundo Amazônia
tem o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como gestor e um orçamento de R$100
milhões para projetos sustentáveis. Também o Estado do Amazonas apresentou um modelo de gestão pública com
certificação de qualidade em sustentabilidade, o que ressalta a internalização da importância do tema.
Uma constatação unânime é o imenso vazio de conhecimento ainda existente e a insuficiência de capacidades que
possam suprir com velocidade a demanda de geração de informações e conhecimento sobre a região, de forma
a gerar novos produtos e processos que ofereçam economicidade para o uso sustentável da biodiversidade, em
substituição ao modelo de desmatamento para uso exploratório de produtos madeireiros (estoque de madeiras de
valor comercial estimado em mais de 60 bilhões de metros cúbicos) e agropecuária. As especificidades e endemias
mobilizam a Ciência mundial e são potenciais geradores de renda e inclusão social pela repartição de benefícios.
O Brasil, mediante sua Rede Nacional de Fitoterápicos, já atua na Amazônia com especial destaque para malária e
outras doenças tropicais.
Há naturalmente um enorme questionamento da vocação da região para produção de commodities. Para contraarrestar essa tendência, deve-se imprimir velocidade à valorização econômica da cobertura natural e recuperação
das áreas degradadas.
Cabe salientar o estudo da resiliência na Amazônia destacado no trabalho de Adalberto Luis Val. O fato de que
muitos dos microorganismos hoje presentes na Amazônia surgiram há alguns milhões de anos, e que sobreviveram
a desafios ambientais “incluindo baixas disponibilidades de oxigênio e tensões bem mais altas que as atuais
de dióxido de carbono” deveriam ensejar pesquisas sobre adaptação às iminentes ameaças do aquecimento
global à região.
Dos programas oficiais de proteção ambiental e inclusão social, segundo Carlos Aragon, o Programa Piloto para a
Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7) é o mais emblemático pelo seu arranjo institucional – repasse
de recursos do então grupo de economias maduras, G-7 – com coordenação do Ministério do Meio Ambiente e
gestão de recursos pelo Banco Mundial. O PPG-7 operou no Brasil de 1995 a 2009 e envolveu US$450 milhões em
projetos inovadores, com forte participação das comunidades em todas as etapas, desde a identificação de temas,
formulação, acompanhamento e implantação. Os indicadores de resultados baseados em gestão participativa e
voltada para resultados foram decisivos na análise prospectiva do Programa. O Estado, as organizações sociais e
os consultores internacionais juntaram-se a esse esforço, que ao final gerou exuberante “capital social”. Deixou um
legado de experiências superlativo, que tem servido a novos programas em áreas tropicais pelo mundo. Apesar dos
benefícios, os resultados e a sustentabilidade dos novos negócios desapontaram as expectativas: a execução dos
projetos levava o dobro do tempo; o ambiente de entorno não favorecia a cadeia de produção e distribuição com
regularidade, eficiência e qualidade; a assimetria na capacidade da mão de obra levou a distorções nas remunerações
e na inclusão social.
Há por fim, uma indicação de que hoje “as questões de soberania estão fortemente relacionadas ao conhecimento
dos ambientes em que vivemos. Não se trata mais de domínio bélico, já que a possessão é marcada por outros
fundamentos que incluem processos de inclusão social e geração de renda a partir dos recursos naturais, senso
amplo, baseado no que existe no ambiente em que vivemos” (Adalberto Luis Val).
Isaura Frondizi
Sócia Principal do Fides Brasil e Consultora do Projeto CEBRI-KAS
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Amazônia: defesa e monitoramento
Adalberto Luis Val1
Resumo
As singulares características da Amazônia, suas diversidades ambiental,
biológica e social, a dicotomia desenvolvimento-desmatamento, o efeito das mudanças
climáticas na região, a carência de informações robustas para a tomada de decisões relativas ao
desenvolvimento precisam ser consideradas no estabelecimento de estratégias para o monitoramento e defesa
da Amazônia. Trata-se de uma região complexa e dinâmica, ainda longe de um dimensionamento razoável de sua
riqueza e do desenvolvimento de tecnologias que permitam a geração de novos produtos e processos a partir
de seus recursos naturais. Ações para geração de renda e inclusão social com a manutenção da floresta em pé
estão na base dos processos de defesa da Amazônia. O papel da Ciência & Tecnologia é vital neste contexto.
Neste documento estão sendo analisados os principais desafios para que a Amazônia possa apropriar-se das
informações que precisa para desenvolver-se e produzir as condições para sua própria defesa.
Palavras-chave: Amazônia; sócio-biodiversidade; Ciência e Tecnologia; Educação; inclusão social
Introdução
Utis possidetis foi a figura jurídica inovadora invocada no âmbito do tratado de Madri para reconhecer a soberania
portuguesa do lado ocidental da linha de Tordesilhas na Amazônia. A questão era a presença física de iniciativas
portuguesas do lado espanhol que causava constrangimentos tanto a portuguesa e quanto a espanhola. O conjunto
de informações sobre a região há cerca de 260 anos era, como ainda o é, muito frágil. Desde então, sucessivos
governos têm empreendido uma longa busca para dotar a região de condições próprias para a produção de
informações robustas que permitam a soberania plena sobre a região, não a soberania por meio da presença bélica,
mas por meio do domínio hegemônico daquilo que a região encerra do ponto de vista ambiental, de seus recursos
naturais e, principalmente, por suas características socioculturais. Uma análise de sua identidade regional, de
sua história distal, de sua importância estratégica e dos principais desafios atuais permite identificar as principais
fragilidades e desenhar estratégias para a defesa e o monitoramento da Amazônia, uma região singular e sem
paralelos no planeta.
Os cenários atuais e futuros impõem a busca de caminhos para a manutenção e uso sustentável da floresta, condição
essencial para a defesa da região. O delineamento desses caminhos deve incluir as características da região, os
interesses correntes e as vulnerabilidades regionais. É necessário considerar, principalmente, o fato de a região ser
habitada por mais de duzentos milhões de cidadãos. Esses três recortes também norteiam a presente análise, que
não se propõe a ser completa nem definitiva, já que os avanços científicos e tecnológicos têm trazido contribuições
marcantes para a conservação ambiental e para a qualidade de vida do homem numa velocidade sem precedentes,
mas, contudo, por vezes incompatíveis com a evolução do mundo biológico e físico.
Adalberto Luis Val, atual Diretor do INPA/MCT, estuda adaptações ao ambiente aquático na Amazônia. É autor
de mais de 120 estudos científicos e organizou vários eventos no Brasil e no exterior. É bolsista de produtividade
1A do CNPq. Tem participado do estudo das causas e consequências dos desequilíbrios regionais em Ciência e
Tecnologia e Educação. É membro titular da Academia Brasileira de Ciências e conselheiro da SBPC.
E-mail: [email protected]
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Amazônia – ambiente de diversidades
Quando falamos em Amazônia é necessário, antes de tudo, definir o espaço geográfico que ocupa. Esse espaço
estende-se desde os sopés andinos até as praias atlânticas na porção oriental da América do Sul e desde o escudo
guianense, ao norte, até o escudo brasileiro, ao sul. Assim, a região amazônica expande-se por todos os países
do norte da América do Sul, sendo sua maior extensão localizada em território brasileiro. No Brasil, alonga-se por
nove estados, ocupando uma área equivalente a cerca de 60% do território nacional, ou seja, uma área maior que a
Europa. Esta questão de escala e de interconexão do bioma amazônico por meio de fronteiras transnacionais tem
profundas implicações do ponto de vista do monitoramento e da defesa da região. De pronto, é preciso lembrar que
as divisas entre os países são políticas, não são biológicas e tampouco sociais.
Na área ocupada pela Amazônia brasileira espalha-se a maior bacia hidrográfica do mundo, tendo o rio Solimões/
Amazonas como coletor central. Por esta bacia de grande dinamicidade espacial e temporal, é escoada para o
Oceano Atlântico cerca de 20% de toda a água doce que entra nos oceanos do planeta (Sioli, 1984). Isso equivale
a 180 mil metros cúbicos de água, em média, descarregados a cada segundo no Oceano Atlântico. Para o Brasil,
a bacia amazônica representa uma importante fronteira hídrica e a última, entre as demais bacias sul-americanas,
para a produção de energia elétrica.
Os corpos d’água que compõem a bacia amazônica formam um plano topográfico singular com múltiplas áreas de
transição entre o ambiente aquático e a terra firme, com especial destaque para as áreas úmidas que somam 20%
da região (Junk, 2000). Cerca de 6% das áreas úmidas são alagáveis, o que equivale a quatro vezes o tamanho
do estado de São Paulo. Estas incluem dois tipos principais de ambiente: os igapós (2%) e as várzeas (4%). Os
igapós são áreas de baixa fertilidade e suas águas são naturalmente ácidas (pretas) e ricas em material orgânico
dissolvido. As várzeas, em contraste, são áreas de alta fertilidade e abrigam 90% da população rural da Amazônia
(Junk, 2000). Parte dessa fertilidade é aportada regularmente a cada pulso de inundação (Junk et al., 1989). Além
disso, a diversidade ambiental é amplificada por diferentes tipos de água, primariamente classificadas em brancas
(Rio Solimões, por exemplo), pretas (Rio Negro) e claras (Rio Tapajós), por rios de todos os tamanhos, por lagos
e outras formações aquáticas que impõem um sem número de desafios aos diferentes organismos que habitam a
bacia. É importante destacar, também, a contínua evolução geológica do sistema causando mudanças na paisagem
que incluem, entre outros eventos, variações na dinâmica fluvial, modificações no leito dos rios, com aparecimento
de paleocanais em alguns casos, surgimento e desaparecimento de bancos de areia (Silva and Rossetti, 2009). Há
muito para se aprender com os organismos que vivem nesses ambientes, bem como com as implicações dessas
mudanças nos processos de expansão das cidades e nas construções de grande porte.
O canal central dessa extensa bacia hidrográfica, o rio Amazonas, é responsável pelo transporte de expressivas
quantidades de sedimentos andinos, carreados até este canal pelos afluentes que lá se originam, para a costa
Atlântica (Lara et al., 1997), criando aí uma extensa zona de interface com profundas implicações ambientais e
econômicas. Além disso, é necessário destacar que essa zona de interface, uma das maiores do mundo, é fortemente
influenciada pelos pulsos sazonais de cheia e vazante, com fluxo máximo no final de maio e mínimo em novembro.
Os pulsos de cheia e vazante decorrem da sazonalidade das chuvas e representam a principal função de força para
o sistema amazônico. Pode-se dizer que de uma forma ou de outra, todas as interações biológicas na Amazônia
são sazonalmente reguladas pela inundação, incluindo aí os processos produtivos na várzea (Witkoski, 2007). Impõe
destacar que qualquer processo que venha a interferir nas delicadas relações bióticas das várzeas amazônicas, quer
tenha origem nas mudanças climáticas globais quer em ações locais, causará profundos impactos para o ribeirinho
camponês da Amazônia. Por isso, as várzeas da Amazônia devem ser continuamente monitoradas.
A extensão geográfica, a formação da bacia, sua diversidade ambiental e sua contínua evolução geológica dão
contornos para o aparecimento de uma diversidade biológica sem paralelos no planeta. Essa diversidade não é
homogênea e nem se repete ao longo dos eixos principais da própria Amazônia, guardando um intrincado conjunto
de informações que estamos longe de conhecer minimamente. Vista a partir dos grandes grupos taxonômicos,
essa diversidade biológica é composta pelos mesmos grupos amplamente distribuídos ao redor do mundo. As
especificidades, entretanto, dão-lhes outros atributos e os tornam tão diversos e muitas vezes endêmicos que
fazem da Amazônia uma região de interesse mundial para a Ciência. É nessa diversidade que acreditamos existir
informações relevantes que possam permitir alternativas para novas formas de geração de renda e inclusão social
(Val, 2000; Ferraz et al., 2009).
Consideremos os peixes como exemplo. A Amazônia abriga cerca de 10% da ictiofauna de água doce do mundo e
80% da ictiofauna brasileira. Esses organismos constituem a principal fonte de alimentação, trabalho, lazer e renda
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para o homem da região. O consumo per capita é de mais de 100 kg/ano, o que representa mais de seis vezes a
média mundial. São mais de 100 mil empregos diretos envolvidos com a atividade pesqueira que inclui também a
pesca esportiva, a pesca de peixes ornamentais e a piscicultura (Cabral Jr and Almeida, 2006). Contudo, há muito
por ser feito para o completo aproveitamento do pescado na Amazônia, não só no que se refere a produtos não
convencionais, como é o caso do couro de peixe, mas à prospecção de novos produtos e à produção de peixes para
a recuperação de ambientes degradados. Esta mesma análise aplica-se aos quelônios, anfíbios e plantas aquáticas.
Observe-se que boa parte dessa diversidade biológica guarda relação direta com o ambiente aquático que repercute
rapidamente pressões ambientais de todas as ordens. Assim, é preciso ter em conta que o desmatamento e suas
conseqüências, como o assoreamento de corpos d’água, as alterações e eliminação de habitats, a poluição de
córregos, especialmente os que banham as cidades e os que drenam regiões de mineração, as mudanças climáticas,
entre outros, podem afetar de forma irreversível essa diversidade, atingindo diretamente o homem da Amazônia.
Há um contraste, entretanto, que deve ser mencionado. Boa parte dos organismos que vivem na Amazônia apareceu
há alguns milhões de anos e, portanto, sobreviveram a um significativo conjunto de desafios ambientais, incluindo
baixas disponibilidades de oxigênio e tensões bem mais altas que as atuais de dióxido de carbono (Dudley, 1998).
Esta diversidade biológica somada ao que vai escondido em seu genoma representa um importante repositório
de informações genéticas (genes) para repor a resistência nas espécies domesticadas para desafios ambientais
ordinários vividos no passado remoto. Além disso, guarda a amplitude da capacidade de adaptação dos diferentes
organismos vivos a novos desafios ambientais.
Mas o ambiente amazônico não é só composto por plantas e bichos. Neste ambiente diverso estão vinte e cinco
milhões de pessoas, apenas no lado brasileiro, que guardam significativa semelhança cultural com os habitantes
dos demais países amazônicos. E, claro, têm demandas sociais, de educação, saúde, transporte e energia também
similares. Na declaração conjunta de ministros da saúde e da proteção social dos países membros da Organização
do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), realizado em março de 2006 em Florianópolis, há o reconhecimento
expresso de que é “urgente a necessidade de coordenar ações no marco das Políticas de Estado dos países que
garantam o desenvolvimento humano, a diminuição das desigualdades e o melhoramento das condições de vida dos
habitantes da Amazônia” (Brasil, Fundação Oswaldo Cruz. 2008). Nesta declaração há outra inserção que merece
destaque e foi assim expressa: “fortalecer a cooperação bilateral e multilateral entre os países membros (entendase OTCA) para implementar programas, planos e projetos com o objetivo de proteger a saúde humana e preservar
os ecossistemas amazônicos”. Fica evidente a partir dessa inserção a preocupação correlacionada entre saúde
humana e preservação ambiental.
A qualidade ambiental ocupa posição de destaque para o binômio saúde e desenvolvimento ao mesmo tempo em
que põe à prova a criatividade da Ciência, dadas as dificuldades que são enfrentadas para conciliar ferramentas
desenhadas para a conservação ambiental com os efeitos daquelas desenhadas para proporcionar desenvolvimento.
Contudo, é no conhecimento da região e do que esconde suas diversidades que está a solução para essa conciliação.
Nesse contexto, a Ciência e a Tecnologia têm muito a contribuir, já que a importação de soluções tem provado ser
ineficiente. Assim, a ampliação do Produto Regional Bruto, que atualmente representa 8% do PIB brasileiro, virá
por meio de produtos e processos gerados a partir da floresta, com sua manutenção em pé. É evidente, entretanto,
que o futuro da Amazônia passa, indubitavelmente, por mudanças severas de posturas do mercado de consumo
mundial, o que em certa medida começa a ocorrer, e maciça ampliação dos investimentos em Ciência e Tecnologia
(Clement and Val, 2009).
Amazônia – interesses e vulnerabilidades
Em termos globais, a Amazônia integra os ecossistemas de florestas tropicais que juntos abrigam cerca de dois
terços da diversidade biológica existente no planeta e que despertam interesse direto ao homem, particularmente
em decorrência do que aprendemos a partir da interação com os povos dessas regiões e do que temos aprendido
a partir da revolução que a Biologia Molecular nos tem proporcionado na última década. Contudo, até mesmo os
mais prístinos ecossistemas tropicais têm sofrido com intervenção do homem (Kareiva et al., 2007), sendo que
menos de 10% dos biomas tropicais é protegido. Na Amazônia, entretanto, as áreas protegidas ocupam uma
área significativamente maior, da ordem de 35%, e têm sido fundamentais para a conservação dos ecossistemas
amazônicos já que as taxas de desmatamento são menores no interior dessas áreas protegidas (Ferreira et al., 2005).
Os povos da Amazônia interagem com a floresta há muito tempo e dela produzem seu sustento e sua sobrevivência,
não havendo comprovação de que suas práticas tenham causado danos ambientais irreparáveis. A íntima interação
com a floresta produziu um arcabouço de informações de grande valia para as gerações que se sucederam,
informações essas que incluem espécies de plantas e animais que servem como alimentos, espécies domesticadas,
apetrechos de pesca, além do uso de plantas e ervas com princípios medicinais e uso de venenos e contravenenos
(Daniel, 2004). Em grande parte, a sociedade moderna apropriou-se dessas informações não só para exportar as
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chamadas drogas da floresta para a Europa durante o processo de colonização, mas também para aperfeiçoar o
processo de domesticação de várias espécies, como a mandioca e a pupunha, entre outros. Na pesca, da mesma
forma, houve a apropriação dos apetrechos, alguns dos quais usados ainda em seu desenho original, como é o caso
da zagaia, e das formas de preparação do pescado, como é o caso da farinha de peixe, conhecida como piracuí. Na
medicina, destaca-se o curare, usado pelos índios da Amazônia para paralisar a caça ou matar seus inimigos, que
deu origem aos anestésicos produzidos pelas empresas farmacêuticas multinacionais. Na mesma linha, destacase a quina (Cinchona spp), usada para curar a malária – a Europa não existiria como tal, não fosse esse produto da
floresta e muito menos as tropas de Napoleão teriam sido capazes de estender seu império (Barata, 2000).
Por outro lado, mais recentemente, a Biologia Molecular deu novos contornos à importância da diversidade biológica
das florestas amazônicas. Inicialmente, os principais laboratórios do mundo, incluindo aqueles das regiões mais
desenvolvidas do Brasil, iniciaram uma corrida sem precedentes para sequenciar as bases nitrogenadas que
compõem o genoma de uma infinidade de organismos. Os primeiros artigos apareceram nas principais revistas
científicas, apesar de atualmente já não ocuparem mais as primeiras páginas dos jornais. Hoje, os laboratórios
buscam entender o que significam e como são reguladas as expressões dos genes contidos nessas sequências.
Daí decorre um dos interesses atuais pela diversidade biológica existente na Amazônia e nas demais regiões
tropicais: as interações dos organismos entre si e com o ambiente em que vivem estão potencializadas e, assim,
os organismos têm de explorar mais amplamente as informações genéticas que detêm. A expressão dos genes
induzida pelos desafios ambientais tem, como indica os restritos dados disponíveis, importância capital para o
entendimento da capacidade adaptativa dos organismos (Val et al., 2008). Mesmo as respostas mais ordinárias aos
desafios ambientais, como a migração dos peixes para e da floresta inundada, estão condicionadas à percepção de
variações da qualidade da água que são detectadas por complexos proteicos codificados geneticamente (AlmeidaVal et al., 1993). Essa capacidade adaptativa está muito longe de ser entendida completamente e não faz parte das
equações que descrevem os efeitos das mudanças climáticas globais sobre os ambientes tropicais.
Evidentemente, as respostas desses organismos aos desafios ambientais também incluem a síntese de compostos
diversos de grande importância econômica e social, alguns dos quais foram conhecidos a partir da interação com
os povos da floresta. O conhecimento de outros, entretanto, depende de observações científicas convencionais e
de análises sofisticadas em laboratórios, o que requer tempo, gente qualificada e investimentos significativos em
Ciência e Tecnologia, requisitos que contrastam com a velocidade das mudanças ambientais em curso na região,
como aquelas que acontecem no arco do desmatamento. Como os interesses econômicos norteiam as intervenções
é necessário voltar os olhos para a parte oeste da Amazônia que inclui, além do Brasil, as partes amazônicas de
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Nesta região a diversidade biológica se expressa de forma incomparável em
amplos ecossistemas intactos que, adicionalmente, inclui muitos grupos étnicos não contatados que vivem em
isolamento voluntário e possuem reservas extraordinárias de petróleo e gás (Finer et al., 2008). Atenção a regiões
com estas características precisa ser encaminhada antes que as intervenções causem distúrbios irreversíveis. Esta
atenção deve ser primariamente dos governos locais e não de seus habitantes, como enfatizado por esses autores.
A influência das atividades humanas nos biomas tropicais foi criticamente analisada por Gardner e colaboradores
(Gardner et al., 2009) que destacam a necessidade de entendermos como a conservação de florestas tropicais
é definida no mundo moderno e, principalmente, a necessidade de uma agenda científica e tecnológica para a
exploração das inúmeras oportunidades envolvidas nesse contexto. Além das influências de ordem geral, destacadas
pelos autores que aceleram os processos de desmatamento, como a agricultura (moderna e convencional),
a exploração dos recursos florestais, a urbanização e a implantação de infraestrutura, a Amazônia experimenta
um conjunto de pressões adicionais que decorrem do processo de ocupação pretérita da região e incluem, entre
outras, a mineração (petróleo, gás natural e diversos minérios) e as migrações humanas, inclusive as decorrentes
de iniciativas governamentais recentes. Em conjunto, essas pressões causam intensos processos de fragmentação
florestal, que resultam em profundos distúrbios sobre a biodiversidade; intensificação do uso da terra, muitas vezes
por meios inadequados para os solos pobres em minerais da região; poluição de corpos d’água; sobre-exploração
de recursos naturais, incluindo a sobrepesca; mudanças nos fluxos hídricos, entre outras.
Em conjunto e simultaneamente a essas importantes pressões ambientais em curso na Amazônia, destacam-se de
forma maiúscula os potenciais efeitos das mudanças climáticas globais, causadas, primariamente, pelas emissões
em quantidades crescentes de gases causadores do efeito estufa (dióxido de carbono, metano, óxido nitroso, vapor
d’água, entre outros de origem antropogênica) em relação ao período pré-industrial. Cabe destacar que faz cerca de
100 anos que o químico Svante Arrhenius antecipou que um aumento na emissão de CO2 resultaria num aumento
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da temperatura da superfície terrestre, mas, infelizmente, só nas duas últimas décadas o mundo começou a tomar
consciência desse problema. É possível que alguns desses efeitos já estejam ocorrendo na região, em decorrência
de mudanças no regime de chuvas pelo menos na parte leste e nos bordos da bacia, bem como ampliação dos
efeitos de eventos como El Niño e La Niña. A seca extrema de 2005 e a enchente sem precedentes ocorrida em 2009
são ilustrativas desses efeitos. Além disso, Junk e colaboradores (Junk et al., 2009) preveem, adicionalmente, que
(a) as áreas úmidas costeiras serão fortemente influenciadas pela subida do nível médio do mar; (b) a incidência de
fogo aumentará; (c) os pequenos igarapés e suas áreas marginais alagáveis deverão secar completamente durante
os períodos secos, com consequências devastadoras para a flora e para a fauna; e (d) as áreas desconectadas nos
interflúvios vão experimentar profundos impactos hídricos. Evidentemente, esses efeitos se propagarão de forma
significativa e atingirão as interações que as populações humanas mantêm com seus ambientes. Assim, é vital
que seja intensificada a busca de informações sobre o controle de vetores de doenças amazônicas capazes de se
propagar de forma mais efetiva em ambientes mais quentes, sobre novos alimentos, tanto os de terra firme capazes
de manter a produtividade em ambientes mais secos, como os de origem aquática, como os peixes, capazes de se
adaptar a ambientes mais extremos (Val and Almeida-Val, 1995) e sobre novas formas de produção de energia com
reduzida emissão de dióxido de carbono, entre outros desafios.
É importante destacar que os efeitos das mudanças climáticas globais, em curso e potenciais, podem ser acentuados
por ações locais. É vasta a literatura relacionando mudanças na cobertura florestal e capacidade de estocagem de
CO2 – as florestas primárias, em contraste com as florestas degradadas, são capazes de acumular biomassa e,
portanto, o desmatamento, além da redução da capacidade de retirar CO2 da atmosfera, contribui substancialmente
com as emissões de gases de efeito estufa (Fearnside, 2008a). Neste contexto devem ser considerados os diversos
processos de uso do solo, de expansão da fronteira agrícola, de mineração, de poluição, de melhoria e de ampliação
da infraestrutura, entre outros, que contribuem com a redução da diversidade biológica e da cobertura vegetal,
lembrando que aquela não existe sem esta e vice-versa.
Os cenários previstos para a integração latino-americana envolvendo a Amazônia também incluem ações que podem
contribuir para acentuar os processos de desestruturação da floresta e da biodiversidade. O compartilhamento de
condições ambientais similares, economias regionais em busca de novos mercados e parcerias, traços culturais
com ampla sobreposição, necessidade de desenvolvimento que resulte em processos mais equitativos de geração
de renda e inclusão social são alguns aspectos que aproximam os países amazônicos e os levam a buscar uma
relação política com práticas integrativas e compartilhadas, fazendo da Amazônia uma relevante área para o
desenvolvimento regional (Silva, 2006). Evidentemente, no bojo dessas práticas integrativas, a construção de novas
estradas e pontes, de sistemas para geração e transmissão de energia elétrica, de novos portos e aeroportos, de
ampliação dos sistemas de comunicação, de correção de cursos fluviais, da exploração dos recursos naturais,
entre outros, contribuem de forma importante para ampliar as pressões ambientais, tanto diretamente por que a
implantação dessas facilidades impõe a substituição da floresta, como indiretamente, por atrair mais gente para a
região.
Do lado da Amazônia brasileira há pelo menos três esferas que podem representar vantagem competitiva: Ciência
e Tecnologia, produção de energia e serviços ambientais. No caso da Ciência e Tecnologia, ainda que a Amazônia
tenha vivido em descompasso com outras regiões brasileiras, algumas iniciativas deram ao Brasil uma posição de
vanguarda em relação aos demais países amazônicos, entre as quais se destacam a criação das Universidades
Federais em todos os estados, a implantação do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), a consolidação
do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) e a criação do Programa de Ciência e Tecnologia para o Trópico Úmido
(PTU). Situação similar ocorreu com a hidroeletricidade. O Brasil possui a tecnologia apropriada e há, na região,
condições propícias para sua produção, sendo que o conhecimento ambiental acumulado, ou a capacidade de
produzí-lo, permite reduzir os significativos impactos ambientais que a implantação de uma usina hidroelétrica
envolve. Os serviços ambientais, por sua vez, têm ganhado significativo destaque em decorrência da extensão
da floresta em território brasileiro e das informações produzidas pelo país que subsidiam as posições nacionais
em fóruns mundiais (Fearnside, 2008b), posições essas que podem ser compartilhadas com os demais países
amazônicos em função das semelhanças ambientais existentes.
Enfim, se por um lado a Amazônia desperta um imenso conjunto de interesses nos mais distantes rincões do planeta,
é no âmbito dos países amazônicos que se desenha um importante conjunto de ações para a integração regional, o
que é desejável no que se refere à melhoria da qualidade de vida do amazônida e à conservação ambiental. Aqueles
interesses e estas ações, entretanto, precisam ser acompanhados e todas as precauções para a conservação
socioambiental precisam ser previstas, posto que a imensa floresta, aparentemente robusta, esconde um vasto
conjunto de vulnerabilidades interdependentes, hoje mais frágil ainda por conta da velocidade de socialização
(globalização) dos subprodutos do desenvolvimento e da concentração de riquezas fora dos ambientes tropicais.
11
Amazônia – caminhos para a manutenção da floresta em pé
O desmatamento pretérito da Amazônia não resultou, até os dias de hoje, em mudanças econômicas significativas;
pelo contrário, as mudanças econômicas mais significativas advêm de ações que têm menor efeito sobre a
floresta, como é o caso do Polo Industrial de Manaus, instalado no Amazonas, estado com uma das menores áreas
desmatadas da região. A redução da pressão sobre a floresta e, por conseguinte, sobre a diversidade biológica,
passa obrigatoriamente pela substituição das commodities convencionais (soja, madeira, carne, entre outras) por
produtos não agressivos ambientalmente, mas igualmente competitivos e por alternativas que proporcionem uma
vida digna ao homem da região. Isso envolve a mudança de postura dos governos locais, bem como uma ampla
mudança do mercado internacional que tem ampliado o consumo das referidas commodities sem admitir pagar
pelos serviços ambientais (Clement and Val, 2009). É certo que produtos e processos alternativos não existem na
quantidade necessária para aliviar a pressão sobre a floresta, mas é preciso agir desde já, a partir dos produtos
e processos conhecidos, agregando-lhes valor, bem como buscar novos produtos. Sem dúvida, a Ciência e a
Tecnologia têm um papel relevante neste contexto, não só por ser capaz de empregar metodologias modernas para
novas prospecções, desenhando novos processos e explicitando novos produtos, mas por ser capaz de entender e
decodificar a demanda das sociedades da região, bem como aprender com o homem que vive no seio da floresta e
que com ela vem interagindo por séculos.
Cabe aqui um alerta importante. A urgência dessa intervenção a partir das informações científicas existentes precisa
ser feita prontamente não só para possibilitar a redução das taxas de desmatamento, mas, principalmente, para
reconquistar a confiança que a Ciência e a Tecnologia perderam ao longo tempo, confundidas que foram como
geradoras de informações que permitem pensar apenas a floresta e os bichos num primeiro plano, ficando o homem
da região marginalizado. De fato, essa dicotomia advém da capacidade de monitorar a floresta por meios tecnológicos
sofisticados, conjugada com um amplo arcabouço legal desenhado para inibir o desmatamento que contrasta com a
tímida capacidade desenvolvida para melhorar os processos de inclusão social e geração de renda em todos os oito
países da região. Ainda que pelo menos no Brasil esse contraste comece a ser reduzido, considerando a significativa
ampliação dos investimentos federais e estaduais em Ciência e Tecnologia que, desta vez, envolvem, também, a
preocupação com a Inovação e com a socialização da informação, há um longo caminho a ser trilhado.
Esse caminho deve envolver quatro conjuntos de ações simultâneas: adoção imediata de medidas que possam
reduzir os impactos do desenvolvimento sobre a floresta; ampliação dos processos de capacitação em todos os
níveis; produção de informações sobre a região; e socialização e estruturação de sistemas capazes de se apropriar
das informações disponíveis. Essas ações precisam ter como foco o homem, disponibilizando meios para a melhoria
da qualidade de vida.
As transformações em curso na Amazônia envolvem inúmeras intervenções ambientais e, sem dúvida, as informações
científicas existentes podem e devem ser utilizadas para reduzir os danos ambientais. O trabalho realizado em
parcelas permanentes de floresta do Projeto Dinâmica Biológica de Fragmentos Florestais (PDBFF), desenvolvido
desde a década de 80 por meio de uma cooperação do INPA com o Instituto Smithsonian dos Estados Unidos,
permitiu a elaboração de 12 sugestões para ampliar o estoque de carbono e a proteção ambiental nas florestas
da Amazônia (Luizão and Laurence, 2008). Entre essas sugestões há duas a destacar. Uma refere-se à sugestão
de que ferrovias são melhores do que estradas para reduzir danos às florestas já que dificultam a ocupação
marginal desordenada, e a outra se refere à necessidade de manter a conectividade das florestas, uma vez que
a fragmentação e o isolamento de fragmentos resultam em perda da diversidade biológica e, por conseguinte, a
existência do próprio fragmento florestal. Todos nós sabemos que distúrbios mais significativos na floresta são
irreparáveis, mas esse conjunto de sugestões aponta para uma nova postura: se não há como evitar a intervenção,
que sejam adotadas todas as providências possíveis para que o dano seja o menor possível. Em decorrência do
fato de que as questões ambientais vêm ocupando uma posição de destaque junto à sociedade do mundo todo, os
custos para tais providências não são mais injustificáveis como no passado. Por conseguinte, a responsabilidade
da Ciência e Tecnologia amplia-se, não só no que se referem às questões ambientais mais delicadas envolvendo
a biologia de plantas e animais, mas principalmente na concepção de intervenções que respeitem os mais altos
padrões da conservação ambiental. É verdade, entretanto, que em muitas situações o princípio da precaução ainda
deverá ser evocado por conta da falta de informações que só poderão ser plenamente produzidas e utilizadas a
partir da fixação de pessoal qualificado na Amazônia, principalmente com o nível de doutorado.
Por um longo período de tempo, a Amazônia foi relegada à sua própria sorte no que se refere à capacitação de pessoal.
Mestrado e doutorado não fizeram parte dos processos regulares de desenvolvimento da região; quando surgiram,
evoluíram à margem dos grandes programas nacionais. Por muitas décadas apenas os estados do Amazonas e
Pará possuíam programas de pós-graduação stricto senso, programas esses que receberam atenção limitada das
agências de fomento, até então, federais. Esse descaso resultou num imenso desequilíbrio entre a região Norte e
as regiões desenvolvidas do país – dos 1.513 cursos de doutorado existentes no país neste momento (setembro
de 2010), por exemplo, apenas 51 estão em funcionamento na Amazônia, sendo que dois estados amazônicos não
12
possuem cursos de doutorado (Tabela 1). Uma análise simples revela que esse conjunto de cursos apresenta, em
parte, as mesmas deficiências reportadas em 2005 (Val and Guimarães, 2005): a) a distribuição dos programas de
doutorado na região continua sendo desigual; b) várias áreas do conhecimento continuam não sendo atendidas; e c)
várias áreas de destaque e com alta demanda são oferecidas por meio de um número reduzido de programas, como
é o caso da Zoologia, da Botânica, da Agronomia, das Ciências Florestais, da Engenharia Naval, da Antropologia, da
Farmacologia, da Imunologia, entre outras.
Comparado ao quadro existente em 2002 (apenas 15 programas com o nível de doutorado), observa-se uma
contundente expansão no número de programas de doutorado na Amazônia: 240%. Essa expansão é decorrente,
em boa parte, de ações indutoras como foi o caso do Projeto Norte de Pós-graduação, abraçado pela CAPES e
pelo CNPq. Essas duas instituições apoiaram várias versões do projeto, com ampliação da concessão de bolsas,
apoio ao intercâmbio de professores orientadores e ao desenvolvimento de programas de mestrado e doutorado
interinstitucionais (Minter e Dinter). Várias análises reconhecem o resultado positivo dessa iniciativa (Cardoso, 2004).
Contudo, a fixação de recursos humanos na região continua fragilizada, já que a expansão de bolsas de vários
tipos para profissionais com doutorado não se mostrou um instrumento adequado para a atração e a fixação desse
pessoal qualificado na região, mesmo para o tímido contingente de doutores que os programas de doutorado da
região começam a disponibilizar mercado de trabalho.
Tabela 1. Distribuição dos programas de pós-graduação por região do Brasil. Os dados referentes à Amazônia
representam a soma dos programas existentes na região Norte com aqueles existentes nos estados do Maranhão e
Mato Grosso. M=mestrado; D=Doutorado; F=Mestrado Profissional.
Fonte: CAPES (2010) Mestrados/Doutorados reconhecidos. http://conteudoweb.capes.gov.br/conteudoweb/ProjetoRelacaoCur
sosServlet?acao=pesquisarRegiao. Acesso em 10 de maio de 2010
Regiões
Total
M
D
F
Centro-Oeste
300
190
92
18
Nordeste
729
475
212
42
Norte
175
124
44
7
Sudeste
2279
1256
875
148
Sul
873
526
290
57
Brasil
4356
2571
1513
272
Amazônia
232 (5,3%)
173 (6,7%)
51 (3,4%)
8 (2,9%)
Em 2005 a CAPES antecipou-se e apoiou um programa denominado Acelera Amazônia tendo em vista que ações
efetivas eram necessárias para mudar o quadro existente. O programa buscava: (a) mudar a curva histórica de
crescimento da pós-graduação na Amazônia, (b) estimular a capacitação de pessoal da região em IES da região;
e (c) estimular a cooperação interinstitucional envolvendo programas consolidados de outras regiões. O programa
Acelera assinala, então, que a solução deve envolver majoritariamente a própria região e se alinha a vários outros
desenhados para mudar a densidade e o perfil de distribuição no imenso vazio regional.
Todas essas ações, entretanto, têm pecado no passo final: não basta contribuir com a capacitação, é preciso que
ocorra a fixação do pessoal treinado em grupos de pesquisas nas várias instituições que atuam na Amazônia,
inclusive em seus centros e núcleos fora do eixo Manaus – Belém. É importante notar que há na região um
contingente significativo de graduados e mestres já fixado nos quadros das Instituições da região, parte do qual
poderia ser estimulado a retomar o processo de capacitação envolvendo-se com programas de doutorado. Neste
caso, seria desejável a participação de grupos consolidados do país no treinamento desse contingente, buscando
estabelecer na região novas linhas de pesquisas ou fortalecendo as já existentes.
A fixação em grupos de pesquisa permite uma consolidação mais rápida, maior produtividade e maior longevidade
desses grupos, já que a eventual baixa de um dos membros não o inviabiliza. Fixação, contudo, não deve ser
entendida apenas como ampliação do número de bolsas de DCR ou pós-doutorado – deve ser entendida como
uma relação profissional estável calcada num processo regular de avaliação de desempenho. É preciso pensar,
discutir e implantar alternativas ao sistema convencional de concursos para a absorção rápida do pessoal treinado,
inclusive com estímulos a recém-doutores capacitados em outras regiões do país para se fixarem na Amazônia,
13
fortalecendo as Instituições existentes na região, algumas das quais já centenárias, e as redes de pesquisas criadas
mais recentemente.
A Academia Brasileira de Ciências apresentou há pouco uma reflexão sobre o sistema de C,T&I na Amazônia, com o
objetivo de contribuir com a busca de um novo paradigma de desenvolvimento. O foco é a adição de valor aos produtos
da floresta e a valorização dos serviços ambientais, voltada para a melhoria da qualidade de vida do homem da região
e que resulte, principalmente, na manutenção da floresta de pé. O documento propõe a fixação de pelo menos 700
doutores por ano na região, além de realçar a importância da criação de Institutos Tecnológicos específicos voltados
para produtos e processos regionais, o fortalecimento expressivo da pós-graduação, a ampliação da banda de
comunicação eletrônica da região com o centro-sul do país e a instalação de novas Universidades. No conjunto,
essas ações resultariam numa ampliação dos investimentos em C,T&I na região para 0,79% do Produto Regional
Bruto e, por conseguinte, na ampliação da capacidade da região em produzir as informações que precisa para seu
desenvolvimento (Academia Brasileira de Ciências, 2008).
Executadas essas propostas e consolidadas as ações em curso para a capacitação de pessoal na Amazônia será
possível produzir as informações necessárias para as diferentes transformações pretendidas para a região. Hoje
há um significativo conjunto de informações sobre os ecossistemas amazônicos e sua diversidade biológica e boa
parte deste foi produzida por autores estrangeiros. Contudo, a falta de pessoal qualificado restringe inclusive a
apropriação e a aplicação dessas informações em projetos de interesse dos países amazônicos.
Amazônia revelada: único caminho para a sua defesa
O monitoramento e a defesa da Amazônia dependem de informações robustas que balizem os processos de inclusão
social, que permitam as intervenções físicas para uma infraestrutura compatível com as necessidades regionais
e, principalmente, para que o Brasil e os demais países amazônicos se preparem para os efeitos das mudanças
que estão ocorrendo no mundo, tenham elas origem no padrão de consumo das sociedades modernas ou nas
mudanças do clima. A análise da história distal e proximal da região revela um recorte comum para a produção
dessas informações: a carência de pessoal qualificado, o que culminou com a desconfortável situação de que a
maior parte da produção científica sobre a Amazônia não tem autores ou coautores vivendo na região. As ações
apresentadas a seguir ajudariam a romper com essa fragilidade regional, dotando o Brasil de condições para assumir
uma posição hegemônica com relação à Amazônia, inclusive na redução de nossa vulnerabilidade internacional
sobre temas relacionados à região, decorrente de um longo processo de desapontamentos políticos e sociais,
causados pela indiferença em relação à escala dos programas e atitudes e às dinâmicas socioculturais e ambientais
típicas. Dessa forma, ações imediatas em pelo menos três eixos principais são imprescindíveis: ampliação da escala
para os programas de capacitação e fixação de pessoal qualificado; geração de renda e inclusão social; cooperação
nacional e internacional para o fortalecimento regional.
Eixo 1. Ampliação de escala
A capacitação e a fixação de pessoal para a pesquisa científica e para o uso das informações relacionadas ainda são
frágeis na Amazônia. A despeito do significativo avanço na capacitação, como mencionado anteriormente, a fixação
ainda representa um desafio de grandes proporções. É preciso, urgentemente, compatibilizar a fixação de pessoal
qualificado na Amazônia com os atributos regionais, como área geográfica, tamanho da população, produto interno
bruto (PIB), riqueza e importância ambiental. De acordo com o estudo recente do Centro de Gestão e Estudos
Estratégicos do Governo Brasileiro (CGEE, 2010), a região Norte em 2008 possuía apenas 1,1% dos doutores do país,
um aumento de 60% em relação ao ano de 1996. Esse aumento, entretanto, não foi proporcional ao que ocorreu nas
regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sul que experimentaram uma expansão relativa do quadro de doutores da ordem
de 150%, 690% e 106%, respectivamente. Compatibilizar o quadro de doutores na região com o PRB requer um
avanço similar ao que ocorreu no Nordeste do Brasil.
Como o conjunto de programas de pós-graduação instalados na região não tem a dimensão necessária para
capacitar o pessoal necessário e nem contempla todas as áreas do conhecimento, é preciso adotar imediatamente
três providências estratégicas, a saber: a) ampliar o número de profissionais graduados aptos a atenderem
programas de pós-graduação, o que requer uma revisão profunda dos processos educacionais, desde o ensino
básico; b) desenvolver e fomentar processos de cooperação com programas consolidados de outras regiões do
país; e c) rever os marcos regulatórios para a fixação de pessoal qualificado nas Instituições públicas de Ensino e
Pesquisa da região.
14
Nesse processo, é recomendável a pronta indução de programas relacionados às 23 áreas (das 79 avaliadas
pela CAPES) que não estão contempladas com programas de pós-graduação na Amazônia. Dentre as áreas não
contempladas estão Biofísica, Bioquímica, Farmacologia, Morfologia, Nutrição, Filosofia, Arquitetura e Urbanismo,
Ciência da Informação, Museologia, Turismo, Engenharia de Transportes, Engenharia Naval, Engenharia Sanitária
e Ciência de Materiais. Para outras áreas de vital importância para a Amazônia, existe apenas um programa em
nível de mestrado, como é o caso de Imunologia, Engenharia Agrícola, Comunicação, Planejamento Urbano
Regional, Engenharia Mecânica e Engenharia Química. Em algumas das áreas fundamentais para o desenvolvimento
sustentável, por produzirem as informações de base, há apenas um programa de doutorado, como mencionado
acima para a área de Botânica. Outra recomendação refere-se a um olhar para o contingente de pessoal sem
doutorado, mas já contratado pelas Instituições da região. Um programa voltado para a capacitação desse pessoal
poderia acelerar o processo de expansão do quadro de pessoal qualificado na região.
Neste contexto ainda, é preciso investir fortemente na qualidade. A fragilidade desse aspecto é revelada pelo rol de
bolsistas de produtividade do CNPq. São apenas 259 bolsistas em toda a região, sendo 2,3% dos bolsistas do país.
Desses, apenas nove são bolsistas 1A, maior nível. A distribuição desses bolsistas nos diferentes níveis contrasta
com aquela observada no país. Por exemplo, na Amazônia os bolsistas nível 2 representam 77% do total regional,
enquanto a nível nacional representam 56%. Essa proporção é igualmente destoante para os bolsistas 1A que
representam apenas 3,5% dos bolsistas na região enquanto a nível nacional representam 9%. Essa conformação
influi nos processos de financiamento da pesquisa na região, já que boa parte dos editais para financiamentos de
grande porte requerem coordenadores bolsistas 1A, 1B, ou equivalentes.
Eixo 2. Geração de Renda e Inclusão Social
Há clara correlação entre o número de doutores em uma dada região e seu PIB per capita. Na Amazônia,
interessa a geração de renda e a inclusão social associada à conservação da floresta e, para que esta dicotomia
seja encaminhada, é necessário gerar aqui informações robustas que permitam o desenvolvimento de produtos
e processos que sejam competitivos com as commodities convencionais. Não se trata de tarefa simples, já que
não há país tropical desenvolvido e os que se desenvolveram usaram de forma intensa seus recursos naturais.
Assim, as áreas tecnológicas, a formação de engenheiros em todas as áreas e a socialização da informação devem
ser fortalecidas em curto prazo. A Academia Brasileira de Ciências propôs a criação de Institutos Tecnológicos
especificamente desenhados e situados de acordo com a vocação econômico-cultural dos locais de sua instalação
(Academia Brasileira de Ciências, 2008).
A produção de novas tecnologias, entretanto, precisa ser acompanhada do binômio “socializar o conhecimento e
conhecer a demanda da sociedade”. Na Amazônia isso também toma contornos especiais, dadas as características
culturais e geográficas da região. Por isso, é preciso capacitar pessoal nas áreas sociais correlatas para a execução
integral dessa atividade. Por exemplo, a comunicação com as populações tradicionais precisa incluir as bases técnicocientíficas para valoração do etnoconhecimento. Também são necessárias ações para a redução dos desequilíbrios
intra-regionais. Evidentemente, a apropriação do conhecimento gerado requer pessoal qualificado e, nesse caso, a
modalidade do Mestrado Profissional é um instrumento importante para o aperfeiçoamento do processo que lidará
com o novo. A coordenação dessas ações com os processos de inclusão social ajudará a melhorar a qualidade de
vida nas suas mais diversas vertentes (educação, saúde, comunicação, transporte, saneamento, segurança, entre
outras), criando um círculo virtuoso com conservação ambiental e geração de renda.
Eixo 3. Cooperação
Dadas as dimensões da Amazônia, a extensão do bioma por todos os países do norte da América do Sul, os
processos de globalização, as mudanças globais em curso e a ausência de fronteiras políticas para o mundo
biológico (animais migram, sementes são dispersas, etc.), a cooperação científica é vital. Para a Amazônia brasileira
vencer as fragilidades e desafios presentes é preciso a cooperação para a capacitação e a fixação de pessoal. Essa
cooperação precisa se estender também aos demais países amazônicos. Uma condição fundamental tanto para os
processos de cooperação entre os países amazônicos ou destes com outros países é a existência de condições
simétricas. A existência dessas condições simétricas também requer pessoal qualificado e representa uma questão
de segurança que precisa ser adequadamente encaminhada.
15
Epílogo
Hoje as questões de soberania estão fortemente relacionadas ao conhecimento dos ambientes em que vivemos.
Não se trata mais de domínio bélico, já que a possessão é marcada por outros fundamentos que incluem processos
de inclusão social e geração de renda a partir dos recursos naturais, senso amplo, baseado no que existe no
ambiente em que vivemos. Utis possidetis continua sendo uma figura jurídica importante, mas no mundo atual está
adquirindo outra dimensão: possui de direito que conhece de fato.
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WITKOSKI, A. C. 2007. Terras, florestas e águas de trabalho. Os camponeses amazônicos e as formas de uso de seus recursos
naturais. EDUA, Manaus.
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Desenvolvimento Sustentável
da Amazônia
Carlos E. Aragon 2
Resumo
Na análise dos programas de proteção ambiental e inclusão social na
Região destaca-se o papel do Estado como ator essencial para a conservação e
uso sustentável. Essas iniciativas têm permitido colher lições importantes em relação a sua mais
efetiva e melhor estruturada presença. A biotecnologia é reconhecida como alternativa necessária para o
desenvolvimento regional, porém enfrenta desafios relacionados com a geração do conhecimento na própria
região e o desenho de mecanismos que permitam uma ampla distribuição dos seus benefícios. Há fatores
vinculados à macro economia que incidem sobre os seus resultados que se somam à relevância do Estado
para uma maior eficácia nos processos vinculados de inclusão social. A valorização de ativos na Região está
condicionada ao marco regulador existente e aos processos de planejamento participativo para seu uso e
conservação e mantém relação com o contexto de desenvolvimento de mecanismos de financiamento. Uma
variedade de mecanismos de financiamento está em aplicação, vinculados ao desenvolvimento de um ambiente
favorável. Nesse leque de oportunidades, destaca-se a iniciativa Bolsa Floresta como alternativa de favorável
relação custo-efetiva.
Introdução
A presente nota não pretende esgotar a discussão do tema da economia sustentável na região amazônica, que
pelo seu caráter é amplo e complexo e está inserido no contexto do momento histórico atual, onde a equação entre
mercado, estado e sociedade que tem prevalecido há três décadas, tem se mostrado incapaz de responder aos
desafios globais. Esse reconhecimento está motivando profundas reflexões sobre o real papel do Estado e sobre
o lugar que lhe cabe na prática do desenvolvimento sustentável. De forma complementar, vem sendo construído
um consenso político regional em relação à necessidade de buscar a igualdade social e onde o modelo adotado no
Brasil está demonstrando que igualdade social e desenvolvimento econômico ao mesmo tempo não é conflitante
e que o grande desafio é encontrar as sinergias entre ambos processos. No horizonte estratégico de longo prazo,
igualdade, crescimento econômico e sustentabilidade ambiental devem andar juntos.
A abordagem do texto segue a orientação temática definida como insumo para a discussão e reflexão sobre a
economia sustentável no contexto do Seminário intitulado “Desenvolvimento Sustentável da Amazônia” realizado
pelo Centro Brasileiro de Relações Internacionais – CEBRI na cidade de Manaus em junho de 2010. Visa explorar as
oportunidades e desafios para uma economia sustentável na Amazônia a partir da análise dos programas de proteção
ambiental e inclusão social, da aplicação da biotecnologia como estratégia para a geração de conhecimentos e
ampliação dos benefícios do uso sustentável da biodiversidade, da valorização de ativos tais como água e alimentos
e de uma abordagem dos mecanismos financeiros desenvolvidos para promover a conservação e uso sustentável
da biodiversidade. O papel do Estado e a inclusão social são temas que permeiam a abordagem.
Carlos E. Aragon C. é Engenheiro Civil, com especialidade em Finanças e Desenvolvimento pela Corporação
Financeira de Desenvolvimento do Peru, MBA em Administração Financeira pela Fundação Getúlio Vargas e
Mestrado em Gestão Econômica do Meio Ambiente pela Universidade de Brasília. Desde 2005 colabora com a
Organização do Tratado de Cooperação Amazônica na execução da sua agenda de desenvolvimento sustentável,
por meio da Agencia de Cooperação Técnica Alemã - GTZ. Acompanha e participa dos processos de negociação
global relacionados às florestas.
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Os Programas de Proteção Ambiental e Inclusão Social
São diversos os Programas de proteção ambiental e inclusão social que vêm sendo executados na Amazônia após
a Conferência do Rio, marco relevante nesse tipo de investimento. São executados por organizações da sociedade
civil ou por diversos níveis de governo com o financiamento de diversas fontes, dentre as quais se destacam
organizações não governamentais internacionais, bancos multilaterais de investimento, agências internacionais de
cooperação e governos. O Programa Piloto para proteção das Florestas Tropicais do Brasil, pela sua amplitude, ação
setorial, participantes, atores locais e características operacionais pode ser considerado uma expressão dessas
iniciativas e dos desafios e oportunidades enfrentados na sua implementação.
O Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil foi uma iniciativa do Governo com a participação
da sociedade civil em parceria com a comunidade internacional, que visou à construção de soluções para promover
a conservação das florestas na Amazônia e na Mata Atlântica de forma harmônica com o aproveitamento econômico
e a melhoria da qualidade de vida das populações locais. O compromisso para o seu financiamento foi lançado em
1990 pelo G7 e a sua preparação foi formalmente iniciada pelo Governo em 1992. Os seus componentes ou projetos
foram executados entre os anos de 1995 e 2009 com um volume de investimentos comprometido num valor superior
a US$ 450 milhões.
O Programa Piloto, ou comumente conhecido como PPG7, é considerado o maior exemplo de cooperação entre
diversos países com a participação de diversos atores da sociedade na busca de soluções para superar os desafios
relacionados à prática da sustentabilidade. Liderado pelo Ministério do Meio Ambiente, possibilitou: (a) implementar
Políticas de conservação e uso sustentável lideradas pelo setor ambiental com foco na experimentação e na obtenção
de lições; (b) buscar a inovação na prática da sustentabilidade introduzindo e buscando consolidar conceitos para a
conservação, o uso sustentável e a melhoria da qualidade de vida das populações locais; (c) experimentar iniciativas
inovadoras e promover a incorporação dos conhecimentos adquiridos em políticas públicas de escala maior; e
(d) testar e desenvolver soluções operacionais para uma maior efetividade da ação governamental na região. O
Programa Piloto foi pautado pela viabilização de parcerias em diferentes níveis, envolvendo órgãos governamentais,
entidades da sociedade civil e setor privado.
Foi constituído por uma ampla carteira de projetos que podem ser considerados representativos das diversas
iniciativas e programas de proteção ambiental e inclusão social implementados na região. Os seus projetos
podem ser agrupados em cinco linhas de ação: (1) de experimentação e demonstração de práticas lideradas
por comunidades e governos locais nas áreas de conservação, produção sustentável e educação ambiental; (2)
de conservação de áreas protegidas através da proteção e do manejo de recursos naturais (florestas, recursos
aquáticos e da várzea) visando também melhorias na qualidade de vida das populações locais; (3) de fortalecimento
institucional e capacitação de instituições públicas na formulação e monitoramento de políticas ambientais efetivas,
em cooperação com organizações da sociedade civil e setor privado; (4) de pesquisa científica para aumentar o
conhecimento sobre a ecologia das florestas tropicais e da sua utilização em bases sustentáveis; e (5) de obtenção
de lições e disseminação para ampla divulgação, principalmente no intuito de influenciar políticas públicas.
Em relação à contribuição deste tipo de Programa ao tema da economia sustentável, os resultados e lições das
iniciativas de proteção ambiental e inclusão social do PPG7, permitem explorar e analisar o papel do Estado na
correção das falhas do mercado, que não permitem alocar eficientemente os recursos na Amazônia. A presença
generalizada de bens públicos, tais como água, biodiversidade, atmosfera, assim como de externalidades, implicam
em falhas nas condições de eficiência econômica ou falhas de mercado, e os riscos e as incertezas introduzidas
sempre que os mercados são incompletos sugerem que é improvável que a alocação de recursos na sociedade
ao longo do tempo seja eficiente. As externalidades ocorrem quando as decisões de produção ou consumo de
um agente afetam as possibilidades de utilidade ou produção de outro agente de forma não intencional e quando
nenhuma compensação é feita por quem origina o efeito externo.
O PPG7 contribuiu significativamente na ampliação da presença do Estado na região como agente promotor do
desenvolvimento, conservação e inclusão social com impactos diretos na busca da correção das falhas de mercado e
das externalidades. Permitiu colher lições relevantes para a prática do desenvolvimento sustentável e ao mesmo tempo
consolidar processos chave com essas finalidades. Destaca-se neste aspecto a prática de processos participativos
de diálogo e negociação entre diferentes grupos da sociedade em relação às estratégias de desenvolvimento local
e regional em bases sustentáveis. Embora haja conflitos e outros problemas de difícil resolução, na região fica cada
vez mais claro que a viabilização de processos de diálogo e negociação são fundamentais para a implementação
do desenvolvimento sustentável. Dentro do mesmo contexto, a prática da descentralização da gestão ambiental
mostrou que as parcerias e a ação coordenada entre os diversos níveis de Governo requerem negociações abertas
entre as instituições envolvidas e espaços de diálogo com a sociedade que permitam definir objetivos comuns
que devem sobrepor-se a interesses corporativos, assim como do estabelecimento claro de responsabilidades
institucionais a partir de um arcabouço jurídico consistente, da atuação dentro de uma estratégia para superar
carências institucionais e principalmente do estabelecimento de compromissos políticos para compartilhar o poder
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de decisão. Neste processo, a transparência e a estabilidade de regras na dinâmica da discussão e a interação entre
as partes são essenciais.
Da mesma forma, em relação ao zoneamento ecológico-econômico, as experiências realizadas confirmaram que
antes de iniciar levantamentos técnicos é fundamental definir claramente os objetivos e resultados esperados,
particularmente em termos dos beneficiários que receberão as informações a serem geradas e dos requerimentos para
a aplicação prática da informação colhida em políticas públicas. É desejável que os objetivos e resultados esperados
do zoneamento sejam discutidos previamente no contexto de negociações sobre estratégias de desenvolvimento
regional sustentável, envolvendo diferentes grupos interessados da sociedade (órgãos governamentais, entidades da
sociedade civil, setor privado). Os programas de zoneamento devem ser pragmáticos, dando respostas concretas a
problemas sociais, ambientais e econômicos, e estar articulados aos sistemas públicos de planejamento municipal,
estadual e federal. Devem ser eficientes, em termos de tempo e recursos financeiros e ter ampla aceitação política
entre diferentes grupos interessados da sociedade, pois a resistência à sua implementação pode torná-lo inviável.
Preferentemente, o zoneamento deve ser concebido como um subsídio técnico para o planejamento regional e a
formulação de um conjunto de políticas públicas necessárias ao ordenamento territorial em bases sustentáveis.
Em relação à participação das populações tradicionais, o PPG7 constatou a sua relevância dentro das estratégias de
conservação, com impactos diretos no desenvolvimento local. No que se refere à produção sustentável e à instalação
de empreendimentos comunitários, foram geradas lições importantes, destacando por um lado os resultados
obtidos em termos de alternativas de pago por serviços ambientais e na busca de alternativas aos modelos pouco
sustentáveis de exploração de recursos naturais. Por outro lado, possibilitou identificar os desafios existentes por
superar em relação à sustentabilidade dos empreendimentos produtivos comunitários. Os investimentos apoiados
pela ação do Programa fortaleceram a diversificação da produção com ganhos importantes para a economia familiar
e para a segurança alimentar.
Ainda no que se refere aos empreendimentos produtivos comunitários, as iniciativas que tiveram maior sucesso
financeiro foram aquelas que anteciparam e superaram dificuldades relacionadas ao transporte (logística),
processamento e comercialização dos produtos. Em geral, as dificuldades de comercialização enfrentadas por
organizações comunitárias e pequenas empresas refletem menos problemas de demanda e estão relacionadas
principalmente com o controle de qualidade dos produtos, garantia de entrega, regularidade e estratégias de marketing.
De forma complementar, se comprovou a importância de realizar investimentos em assistência técnica permanente e
seguindo uma ótica diferenciada, contemplando as várias etapas da cadeia produtiva. O tempo de amadurecimento
necessário para os empreendimentos comunitários mostrou-se maior do que aquele normalmente atribuído aos
projetos governamentais de um ou 2 anos e aos projetos com financiamento externo de aproximadamente 4 anos.
Em relação às ações de controle, se consolidaram modelos inovadores tal como é o caso do Sistema de
Licenciamento Ambiental em Propriedade Rural no Estado do Mato Grosso, que está baseado na utilização das
ferramentas tecnológicas de sensoriamento remoto disponíveis, na priorização do controle em áreas críticas, na
articulação com ações preventivas e educativas, na capacitação diferenciada de agentes ambientais e numa nova
abordagem da relação entre o interlocutor do órgão ambiental e os atores sociais afetados pelo processo.
Na área de Ciência e Tecnologia, reconhecida amplamente como componente essencial para o desenvolvimento
econômico da região, o Programa Piloto facilitou a reflexão em relação a questões que se originam das peculiaridades
e métodos das instituições acadêmicas no Brasil. Uma das lições retiradas das dificuldades enfrentadas refere-se à
necessidade de maior interdisciplinaridade nas pesquisas conduzidas, reconhecendo que o entendimento adequado
dos problemas relacionados à promoção do desenvolvimento sustentável requer a contribuição das diversas áreas
do conhecimento. Como alternativa, processos de interação precisam ser estabelecidos entre as instituições de
pesquisa e entre elas e a sociedade amazônica. Aprendeu-se também que é necessário melhorar os processos de
sistematização e disseminação de informações originárias de pesquisas, as quais tendem a permanecer restritas ao
meio acadêmico.
De forma transversal, o Programa Piloto se constituiu em espaço para a prática da participação da sociedade na
tomada de decisões, que foi envolvida em diferentes níveis e formas desde a fase de concepção e preparação dos
projetos e foi apoiada por esforços pró-ativos das agências governamentais para o desenvolvimento da capacidade
técnica e institucional dos parceiros. Um impacto favorável do processo participativo no Programa Piloto referese à construção daquilo que tem se denominado “capital social”, uma vez que o Programa foi capaz de apoiar o
fortalecimento de grupos locais e da sua capacidade de coordenação.
Em relação à possibilidade de influenciar Políticas Públicas a partir de experiências demonstrativas foi possível
identificar a complexidade deste propósito. Para essa finalidade são necessários bons argumentos, múltiplas
articulações e uma ação decidida e sistemática. Influenciar políticas públicas relacionadas à ocupação do território
e à utilização dos recursos naturais, requer superar o tradicional isolamento da área ambiental do governo,
possibilitando um maior diálogo multisetorial, entre o Ministério do Meio Ambiente e outros setores tais como os
Ministérios da Integração Nacional (MI), do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Planejamento (MP).
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Não menos importantes são as lições em relação aos mecanismos facilitadores da execução de projetos
governamentais na Amazônia e da presença do Estado em áreas remotas do país, onde o Programa explorou a
adoção de mecanismos administrativos e gerenciais facilitadores tal como é o caso das parcerias com o Banco do
Brasil e a Caixa Econômica Federal, que atuaram como agentes financeiros para a execução de projetos. Destacaramse também os instrumentos adotados para a gestão por resultados na execução de projetos comunitários e a
construção de redes institucionais de colaboração tais como as parcerias com o Ministério Público, Governos de
Estado, Prefeituras Municipais, etc. para a conservação e controle. Estes mecanismos alternativos têm se mostrado
essenciais para dotar o Estado de condições básicas de eficiência e eficácia para enfrentar o avanço da ilegalidade e
das atividades produtivas não sustentáveis na região. De forma geral, a réplica das experiências do PPG7 adotando
os procedimentos administrativos convencionais do Governo, pode ser inviável. Este fato é reforçado pelo baixo
índice de execução financeira do Programa.
Ainda que avanços tenham sido realizados em relação à presença do Estado na região para os objetivos de
conservação, uso sustentável e inclusão social, os resultados e lições do PPG7 indicam que ainda há muito por
fazer. Nesses esforços, devem ser consideradas as lições adquiridas e o aprendizado. É contraditório ignorar as
experiências e o conhecimento gerado com um volume de investimento tão significativo e iniciar o planejamento de
novos programas sem a sua consideração.
A Biotecnologia como geração de conhecimentos
e benefícios ampliados
A busca de alternativas produtivas sustentáveis que permitam melhor aproveitar a vocação florestal da região
Amazônica foi uma constante nas últimas três décadas. Os esforços realizados incluíram várias frentes, dentro
das quais se destacam: (a) a promoção do manejo sustentável comunitário e empresarial de espécies florestais
madeireiras; (b) a promoção do manejo sustentável comunitário de espécies florestais não madeireiras com foco
em essências, borracha, castanha, óleos e na agregação de valor de alguns produtos; e (c) a promoção de serviços
tais como o ecoturismo. Neste contexto, a biotecnologia foi recebendo destaque como conjunto de tecnologias
que utilizam sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados para a produção ou modificação de produtos
e processos para uso específico, bem como para gerar novos serviços de alto impacto em diversos segmentos
industriais com aplicações que podem contribuir para a estruturação de um novo sistema econômico e social.
O seu potencial de aplicação inclui a realização de avanços e mudanças significativas no tratamento de doenças, no
uso de novos medicamentos para aplicação humana e animal, na multiplicação e reprodução de espécies vegetais
e animais, no desenvolvimento e melhoria de alimentos, na utilização sustentável da biodiversidade, na recuperação
e tratamento de resíduos, dentre outros, com um potencial cada vez maior de inovação e de geração de novos
produtos. Pelo seu caráter, configura-se como uma oportunidade extremamente promissora para alavancar o
desenvolvimento regional baseado no conhecimento e na inovação, com perspectivas importantes em relação à
geração de empregos, aumento de exportações de produtos com maior valor agregado, redução de importações e
à produção limpa e com menor impacto ambiental.
No caso específico da Amazônia, os avanços importantes na área de ciência e tecnologia têm acompanhado a
dinâmica nacional que tem focado a formação de uma sólida base de recursos humanos e permitido triplicar, num
prazo de 30 anos, a contribuição científica do país. Embora tenham ocorrido avanços no processo de consolidação
das instituições de ciência e tecnologia, esforços adicionais ainda devem ser realizados para alcançar os níveis
de outras regiões do país. Por outro lado, embora a contribuição científica tenha favorecido a competitividade e
crescentes exportações da agroindústria, o sucesso científico de forma geral pouco foi convertido, até o presente
momento, em desenvolvimento tecnológico e em produtos e processos inovadores na Amazônia. Cabe destacar
que diversos setores da economia que integram parte considerável do Produto Interno Bruto e das exportações já
contam com a interação de processos e produtos biotecnológicos em suas atividades e resultados, possibilitando
uma movimentação de vários milhões de dólares nos últimos anos.
O diferencial competitivo da região para o desenvolvimento da biotecnologia é constituído pela sua notável
biodiversidade. Considerada a diversidade genética e bioquímica presente neste patrimônio natural, depara-se com
um universo de oportunidades para a inovação biotecnológica. Além disso, a distribuição regional diferenciada
desta biodiversidade cria oportunidades para um desenvolvimento econômico que valorize as especificidades
locais, capaz de estruturar arranjos produtivos sustentáveis baseados em aplicações biotecnológicas.
A Política Nacional de Biotecnologia (Decreto 6.041, de 08/02/2007) representa um avanço importante na consolidação
da biotecnologia como estratégia para o desenvolvimento regional sustentável tendo como alvo a construção de
uma plataforma para absorção, transferência de tecnologias e geração de novos métodos e processos de produção
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de proteínas recombinantes para produtos de interesse e possível cooperação entre governo, academia e indústria
para redução do impacto das importações na balança comercial brasileira. Dentro do Programa prioriza-se o
desenvolvimento de hormônios do crescimento humano e bovino, insulina humana, biomoléculas e fármacos para
doenças virais e negligenciadas, antibióticos, antifúngicos e antitumorais e novos insumos e medicamentos, voltados
a focos terapêuticos de interesse para a saúde humana.
O Centro de Biotecnologia da Amazônia é o espaço institucional de destaque na implementação da política nacional
de Biotecnologia e se constitui num dos principais eixos para avançar na exploração de novas oportunidades de
desenvolvimento a partir da biotecnologia. Tem como missão promover a inovação tecnológica de processos e
produtos, incentivando e criando as condições básicas para apoiar o desenvolvimento das atividades industriais
baseadas na exploração sustentável da biodiversidade amazônica. Com essa finalidade, tem como aspectos
relevantes da sua estratégia: (a) articular infraestruturas disponíveis no país e no exterior, estabelecendo parcerias
e negócios com instituições públicas e privadas de ensino, pesquisa, de metrologia e certificação, de proteção e
difusão do conhecimento; (b) avaliar a potencialidade da biodiversidade amazônica, visando à descoberta de novas
moléculas e substâncias, ou aprofundar o conhecimento daquelas já identificadas, e viabilizar o cultivo, criação
ou extrativismo sustentável dos recursos naturais que os fornecem; (c) favorecer negócios e parcerias entre as
empresas e instituições vinculadas e atrair investidores para os parques bioindustriais da região; (d) apoiar empresas
e instituições que desejem investir no uso dos insumos oriundos da biodiversidade amazônica, oferecendo serviços
tecnológicos estratégicos e consultorias especializadas; (e) vincular-se a fornecedores, clientes e parceiros, através de
instrumentos jurídicos aptos a salvaguardar os interesses legítimos das partes no que se referem a incentivos fiscais,
riscos, repartição de benefícios, sigilo industrial e proteção da propriedade intelectual; (f) apoiar as comunidades
produtoras amazônicas, capacitando-as a aprimorar processos, desenvolver, produzir e comercializar produtos
decorrentes do uso da biodiversidade, assim como incentivar o cultivo, a criação e o extrativismo sustentáveis.
Nesse contexto, fortalecido por um crescente aumento dos investimentos em C&T no país, deve-se considerar
que os possíveis avanços e as perspectivas de resultados significativos no desenvolvimento de tecnologias não
necessariamente estão associados à distribuição de benefícios e dependem de outros fatores, que incluem
o desenvolvimento de modelos sustentáveis de interação entre as empresas, academia e comunidades e estão
associados às definições e à adoção de procedimentos específicos que possam garantir a distribuição justa e
equitativa de benefícios. Por outro lado, a inovação e a distribuição de benefícios entre os diversos setores da
economia dependem também do entorno macroeconômico, incluindo a alocação de investimentos públicos em
ciência, tecnologia e educação.
Dentro do entorno macroeconômico é importante considerar duas características relevantes que são atribuídas às
economias em relação à produtividade e que estão relacionadas com o desenvolvimento tecnológico e que afetam o
desenvolvimento da biotecnologia na Amazônia. A primeira, denominada brecha externa, que está relacionada com
as dificuldades de acompanhar a velocidade com que os países desenvolvidos inovam e difundem tecnologia em seu
tecido produtivo; e a segunda, denominada brecha interna, que é definida pelas elevadas diferenças de produtividade
que existem entre setores produtivos. Estas características, conhecidas como heterogeneidade estrutural, indicam
marcadas assimetrias entre segmentos de empresas e trabalhadores que se refletem na concentração do emprego
em extratos de produtividade relativa muito baixa. Na medida em que setores de baixa produtividade, tais como
os vinculados ao manejo de recursos naturais renováveis na Região, têm enormes dificuldades para inovar, adotar
tecnologia e impulsionar processos de aprendizagem, a heterogeneidade interna intensifica os problemas de
competitividade e pode ser o grande desafio da sustentabilidade na região.
A análise desses aspectos ajuda a explicar também por que parte significativa da desigualdade da região está
relacionada à situação do mercado de trabalho. A quantidade e qualidade do emprego determinam em grande
medida o bem estar material de grande parte dos domicílios da região. As desigualdades em relação às capacidades
de trabalho da população economicamente ativa e das oportunidades de inserção produtiva proporcionadas por
estas capacidades de trabalho influenciam em grande medida no bem-estar e na coesão social. A busca da redução
das desigualdades e os aspectos relacionados à oferta de emprego deverão ser alguns dos pontos a receber atenção
na realização de investimentos intensivos em biotecnologia à luz do desenvolvimento sustentável.
Segundo a CEPAL, na proposta apresentada dentro do seu 33º Período de Sessões, uma agenda pública em favor
da igualdade não se restringe a nivelar as oportunidades e deve buscar ampliar a função do Estado para maior
igualdade de resultados e níveis de bem-estar. Ao Estado e às Políticas Públicas lhes cabe, portanto, um papel
decisivo na reversão da força inercial da desigualdade que se produz no seio dos mercados e das famílias. Na
América Latina, o Estado pode fazer muito para diminuir as diferenças no bem-estar, o que inclui um aumento
sustentado do gasto social, avanços na “institucionalidade social” para melhorar a gestão pública e sistemas de
transferência de renda que gerem um claro efeito de redistribuição.
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Valorização de ativos regionais: água e alimentos
A região Amazônica se caracteriza pela sua vocação florestal, entretanto há dois ativos vinculados a essa vocação
que representam um amplo leque de oportunidades para o seu desenvolvimento sustentável. Trata-se da água e da
disponibilidade de produtos alimentícios nativos. A valorização de ambos ativos, entendida como a possibilidade
de estabelecimento de preços de mercado pelo bem o pelo serviço que presta e/ou pela disposição a pagar pela
sua conservação por parte da sociedade, deve responder a especificidades associadas à sua natureza e requer a
observância de diversos aspectos.
A Amazônia é conhecida mundialmente por sua disponibilidade hídrica e pela quantidade de ecossistemas
associados. A bacia hidrográfica do rio Amazonas é constituída pela mais extensa rede hidrográfica do globo
terrestre, ocupando uma área total da ordem de 6.110.000 km², desde suas nascentes nos Andes Peruanos até sua
foz no oceano Atlântico. Esta bacia continental se estende sobre vários países da América do Sul: Brasil (63%), Peru
(17%), Bolívia (11%), Colômbia (5,8%), Equador (2,2%), Venezuela (0,7%) e Guiana (0,2%).
Em termos de recursos hídricos, a contribuição média da bacia hidrográfica do rio Amazonas em território brasileiro
é da ordem de 133.000 m³/s (73% do total do País). Adicionalmente, a contribuição de territórios estrangeiros para as
vazões da região hidrográfica é da ordem de 76.000 m³/s. As maiores demandas pelo uso da água na região ocorrem
nas sub-bacias dos rios Madeira, Tapajós e Negro, e correspondem ao uso para irrigação (39% da demanda total).
A demanda urbana representa 17% da demanda da região (11 m³/s). De forma geral, os consumos estimados são
pouco significativos quando comparados com a disponibilidade hídrica por sub-bacia.
Dois aspectos precisam ser destacados do contexto apresentado: (a) pela abundância do recurso hídrico ainda não
foram identificados conflitos significativos entre usuários da água, porém um aumento da demanda ou a existência de
demandas concentradas vão requer esforços de gestão; e (b) a disponibilidade hídrica esta associada à contribuição
na vazão originada em países vizinhos e às flutuações originadas por fenômenos climáticos. Nesse sentido, destacase a importância da gestão dos recursos hídricos, que requer um conjunto mínimo de instrumentos, dentre os quais:
uma base de dados e informações socialmente acessíveis, a definição clara dos direitos de uso, o controle dos
impactos sobre os sistemas hídricos e o processo de tomada de decisão.
A Lei n. 9.433/97 definiu, de forma quase didática, os instrumentos que devem ser utilizados para viabilizar a
implantação da Política Nacional de Recursos Hídricos: os Planos de Recursos Hídricos, o enquadramento dos
corpos de águas em classes de uso preponderantes, a outorga de direitos de uso dos recursos hídricos, a cobrança
pelo uso dos recursos hídricos, a compensação aos municípios e o Sistema de Informações sobre Recursos Hídricos.
A gestão depende dos instrumentos que possam ser desenvolvidos e aplicados de forma a atender às expectativas
e desejos da sociedade, dentro dos limites impostos pela aptidão natural da bacia, seja na perspectiva da sua
utilização ou para o atendimento de objetivos de preservação ambiental.
Observe-se que a Lei não obriga a aplicação de todos esses instrumentos de gestão em todas as bacias hidrográficas
nem os limita àqueles listados. Por exemplo, é discutível a aplicação do instrumento de cobrança pelo uso da água
aos rios da região amazônica, mas talvez bacias muito críticas necessitem de mais instrumentos de incentivo a boas
práticas do que aqueles listados na lei. A Lei permite adaptar a gestão às particularidades de cada bacia hidrográfica.
Esses instrumentos possuem objetivos distintos e devem ser utilizados para alcançar diferentes fins. Há instrumentos
de disciplinamento (outorga), há instrumentos de incentivo (cobrança) e há instrumentos de apoio (sistemas de
informação). Com suas respectivas facilidades/dificuldades e vantagens/desvantagens, não são excludentes entre
si. Embora não seja trivial sua implantação conjunta e de modo articulado, a maior eficácia certamente virá da
aplicação conjunta dos diversos instrumentos, utilizando-os de acordo com suas potencialidades para melhor
resolver o problema em questão.
Dentro desse conjunto de instrumentos, os Planos de Recursos Hídricos e o Enquadramento de Recursos Hídricos
ampliam as possibilidades do planejamento tradicional, mediante processos participativos de construção de
consensos, abrindo espaços para inserção da sociedade civil e de agentes econômicos com interesses particulares
(públicos e privados) em tais processos de negociação. Os planos de recursos hídricos, definidos no âmbito de
comitês de bacia hidrográfica, constituem bons exemplos dos processos de negociação social necessários à boa
utilização da água.
Da mesma maneira, a negociação que leva ao enquadramento dos corpos hídricos permite uma melhor explicitação
da relação entre usos da água e objetivos de qualidade pretendidos, atrelados aos custos de investimento necessários
para atingi-los. Esses dois instrumentos possuem papel bastante relevante numa das fronteiras de integração mais
difíceis para a gestão de recursos hídricos que é sua articulação com a gestão territorial. Ao serem definidas as
aptidões da bacia hidrográfica em seu plano e os objetivos de qualidade da água, que pode incluir mecanismos ou
iniciativas de valoração, haverá por consequência um direcionamento da gestão territorial, pois algumas atividades
poderão ser incentivadas e outras reprimidas, dependendo do seu impacto sobre os recursos hídricos.
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Em relação aos alimentos nativos da floresta, a ótica de abordagem da valorização á bastante diferente e deve
incorporar os resultados das experiências colhidas no âmbito dos programas governamentais de fomento à produção
comunitária sustentável e aos investimentos realizados pelo setor privado no setor. Em relação aos investimentos de
fomento à produção comunitária se destacam os Projetos Demonstrativos Tipo A, RESEX e PROMANEJO do PPG7,
que geraram lições importantes em relação ao uso sustentável de recursos naturais e à melhoria de qualidade de vida
da população local. No caso de investimentos privados, diversas empresas têm se destacado nos últimos anos, tais
como Cikel, Mil Madeiras, Natura, Grupo Orça, etc. Todas elas representam empresas de significativa capacidade
de investimento e cujas experiências não são facilmente replicáveis, mas com contribuições importantes para a
valorização dos recursos florestais.
Uma diferença significativa em relação à estratégia de atuação dos empreendimentos na região está relacionada com
a origem da matéria prima. Nos casos onde o produto é obtido de áreas de propriedade das empresas há garantia
de regularidade, quantidade e qualidade para atender às demandadas do mercado. Já nos casos onde a matéria
prima é procedente de áreas de terceiros, há dificuldades de garantir esses fatores exigindo esforços adicionais de
logística para a produção ou transformação. A aplicação da normativa ambiental em termos dos planos de manejo
e outras salvaguardas sociais e ambientais também são afetadas.
No caso dos projetos produtivos comunitários, que podem constituir-se num dos itens da cadeia produtiva na
rota da valorização dos produtos da floresta, deve-se destacar que, ainda que tenham sido objeto de atenção
e investimento significativo e que avanços tenham sido realizados em termos dos marcos políticos, legais e
institucionais, permanecem os seguintes desafios:
1. Não existem ainda na região alternativas consolidadas de manejo florestal comunitário que garantam a contribuição
ao desenvolvimento rural e a geração de benefícios em longo prazo.
2. A maior parte dos projetos de manejo florestal comunitário sofre de dificuldades de viabilidade financeira e
enfrentam outras dificuldades dependendo da continuação de insumos externos. Poucas são as exceções que
conseguiram consolidar organizações capazes de captar o financiamento requerido.
3. Ainda há um baixo grau de replicação das experiências piloto.
4. Ainda não foram criadas as condições básicas relativas ao marco político e legal e institucional que assegurem a
competitividade das atividades locais em nível comunitário e, inclusive, em nível empresarial.
5. O conceito de manejo florestal sustentável que tem sido promovido em alguns casos não é compatível com a
realidade local. A “profissionalização empresarial” das comunidades no âmbito do manejo florestal tem provocado
um dilema entre, de um lado a necessidade de obter resultados satisfatórios considerando que as capacidades,
tradições dos povos e comunidades não respondem aos requerimentos dos mercados da sociedade atual e
globalizada, e, do outro, no caso em que se consiga uma adaptação com sucesso, pode ocorrer uma perda de
valores, tradições, normas e regras da comunidade e a substituição da cultura tradicional. Neste último cenário
existe o risco de que sob o modelo convencional de negócios “business as usual” o empresário comunitário opte
pela conversão da floresta e por usos mais rentáveis.
6. Parece prudente que na promoção do uso florestal por comunidades seja necessário um ajuste de paradigmas:
de enfoques definidos externamente e centrados na transferência de tecnologia, no vínculo com os mercados e no
atendimento da base legal, para enfoques que ofereçam condições para que as comunidades desenvolvam as suas
próprias soluções, incluindo as condições marco dos aspectos legais e econômicos adaptados ao conhecimento
local. Porém estas soluções podem avançar na contramão do desenvolvimento tecnológico convencional.
Finalmente, como elemento adicional para a reflexão sobre as condicionantes, contexto e desafios para promover
a valorização dos ativos amazônicos pela relação que estes mantêm com o ecossistema, devemos considerar
algumas das tendências estruturais dentro do processo de planejamento de médio e longo prazo e que podem supor
“mudanças de época” significativas, com destaque para a relação da produção na Amazônia com as mudanças
climáticas, que podem influenciar inclusive a oferta e disponibilidade dos ativos analisados.
As mudanças climáticas, que estão relacionadas com os padrões produtivos com grande emissão de carbono e
consumo de energias fósseis e principalmente com a forma de relacionamento entre o homem com a natureza,
podem gerar efeitos profundos e sistemáticos. As mudanças climáticas podem impor limites, obrigar a reorientar o
paradigma produtivo e os padrões de consumo, sendo ao mesmo tempo uma oportunidade para a valorização dos
ativos amazônicos, incluindo a melhoria da infra-estrutura, o avanço dos processos produtivos, a criação de formas
de transporte mais eficientes e a promoção da transformação de um padrão de desenvolvimento com menores
emissões de carbono. Esta possível transição pode gerar efeitos importantes desde o ponto de vista da igualdade
e convergência produtiva na medida em que esteja associada à previsão de serviços públicos de melhor qualidade,
fundamentais para o bem-estar dos extratos menos favorecidos.
24
Mecanismos financeiros para a biodiversidade
O tema de financiamento tem recebido atenção especial nos últimos anos e foi objeto de discussão e trabalho
em diversos espaços de interação internacional tais como projetos específicos e como parte das discussões e
negociações associadas às Convenções Internacionais relacionadas às Florestas, Biodiversidade e Mudanças
Climáticas. Como ponto de partida na abordagem desta questão e como insumo para uma análise das oportunidades
e desafios para o seu desenvolvimento é importante explorar o âmbito em que se desenvolvem as alternativas de
mecanismos de financiamento.
A relevância do tema está associada ao fato de que um dos maiores desafios enfrentados dentro dos esforços
para diminuir a degradação das florestas e a perda de biodiversidade, está associada à necessidade de aumentar
a competitividade do manejo florestal sustentável, diminuir o risco dos investimentos e de aumentar a atratividade
econômica dos ativos regionais para promover o aumento dos investimentos em manejo e pago por bens e serviços
ambientais. Este último representa uma alternativa para que os ingressos reflitam de forma mais justa os custos e
benefícios reais da produção sustentável. Diversos estudos realizados na América Latina têm permitido concluir
que quando as florestas não têm um valor financeiro suficientemente alto, ou quando não oferecem um custo de
oportunidade satisfatório para o produtor, tendem a desaparecer. Os mesmos estudos permitiram identificar os
problemas associados ao financiamento e concluíram que para o desenvolvimento de estratégias é importante
desenvolver enfoques integrais que considerem todas as variáveis que influenciam o aumento do financiamento.
O esquema apresentado a seguir representa uma síntese do marco conceitual em que se desenvolve o financiamento,
com destaque para a relevância da combinação e complementação de diversas alternativas para promover
a conservação e o uso sustentável de forma inovadora. Destaque especial deve ser dado ao entorno favorável,
que oferece as condições para a implementação das iniciativas e tem influência direta nas possibilidades de êxito
ou fracasso.
Fig. Marco conceitual do financiamento
Âmbito do Financiamento
Entorno Favorável: Marco Político, legal e institucional de desenvolvimento
Conjunto de fatores que promovem o grau de funcionamento, a efetividade, a equidade, impacto assim como o
interesse para a prática do manejo florestal sustentável ou de investir ou pagar para esse fim.
Fonte: Adaptação de van Dijk Kees e Savenije H. Hacia Estrategias Nacionales de Financiamiento para el Manejo Forestal
Sostenible en América Latina. FAO, TROPENBOS, OTCA, CCAD. Roma, 2008.
Das experiências desenvolvidas na América Latina em relação ao financiamento, as principais conclusões que
podemos extrair para explorar o contexto Amazônico são:
1. O panorama de mecanismos adotados é variado e está associado às diferenças existentes entre os Estados e aos
seus contextos com maior ou menor grau de desenvolvimento. Isto reforça a observação de que não existe solução
ideal e comum, mesmo que se trate de uma mesma região.
2. A disponibilidade de financiamento florestal que ainda prevalece, está orientada para a utilização não sustentável.
No caso do Brasil, avanços significativos têm ocorrido na outorga de créditos, porém questões ainda não resolvidas
relacionadas a garantias e riscos restringem a adoção de linhas de crédito maciças para investimento.
3. Há insuficiente informação e percepção por parte da sociedade das funções da floresta e dos serviços que
oferece, afetando a valorização do seu aporte.
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4. Nos últimos anos tem ocorrido um rápido desenvolvimento de fontes de financiamento para o investimento
privado, muitos deles têm sido afetados pela crise financeira internacional, mas ainda permitem vislumbrar soluções
inovadoras e novas oportunidades.
5. Os pagamentos por serviços ambientais ainda representam um instrumento inovador com um evidente potencial
de ingressos adicionais para a conservação e o uso sustentável. Na maior parte dos casos, a sua implementação foi
acompanhada de regulamentação e esforços institucionais específicos.
6. O problema mais importante para o financiamento do uso e conservação não é sempre e necessariamente a
insuficiência de recursos financeiros. Muitas vezes os impedimentos estão atrelados às condições legais e
institucionais existentes para o setor e às condições para o desenvolvimento de mecanismos de incentivo específicos.
7. A disponibilidade de base legal e de políticas de conservação e uso sustentável deveria ser suficiente para ampliar
o financiamento. Entretanto, na maior parte dos casos analisados, o fator determinante identificado tem sido a
decisão política de financiamento.
8. O entorno favorável refere-se a fatores relacionados a governabilidade e institucionalidade, com destaque para a
confiança, transparência, responsabilidade, eliminação da ilegalidade e corrupção, estabilidade legal, resolução de
conflitos fundiários e disponibilidade de informação confiável.
Desta forma, uma estratégia para o financiamento da conservação e uso sustentável deve considerar a variedade e
diversidade de atores vinculados e os diversos níveis em que o setor se desenvolve. Aqui o Governo também cumpre
um papel essencial no estabelecimento das condições do entorno favorável e no estabelecimento de metas de longo
prazo. O setor privado é um agente relevante e o motor principal do investimento, buscando de forma criativa, novas
oportunidades.
Nesse amplo contexto do desenvolvimento do tema tem surgido o Programa Bolsa Floresta, como opção
associada ao diálogo global sobre mudanças climáticas - especificamente à proposta de Redução de Emissões
por Desmatamento e Degradação ou REDD+ - e como alternativa inovadora de pago por serviços ambientais.
Este Programa pode ser considerado como uma iniciativa pioneira no pagamento de serviços ambientais para as
populações que vivem em áreas florestais da Amazônia e que se comprometem com a redução do desmatamento.
O Programa foi instituído pelo Governo do Estado do Amazonas por meio da SDS em setembro de 2007, para
valorizar e compensar economicamente os esforços de conservação ambiental das famílias moradoras de Unidades
de Conservação do Estado do Amazonas e está direcionado para o desenvolvimento da cadeia produtiva dos
serviços e produtos ambientais de base florestal. Mediante o Programa as populações da região passaram a receber
uma recompensa direta por estarem conservando a natureza.
A sua institucionalização se deu por intermédio da Lei 3.135, sobre Mudanças Climáticas, Conservação Ambiental
e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas, e da Lei Complementar 53, sobre o Sistema Estadual de Unidades
de Conservação (SEUC), ambas promulgadas em 5 de junho de 2007. Estas leis têm um forte caráter de inovação e
buscam consolidar um ambiente jurídico básico na legislação estadual para estruturar a economia dos serviços e
produtos ambientais de origem florestal e obter como resultado justiça social com conservação ambiental.
Como parte do processo de evolução metodológica, a partir das experiências do Programa Bolsa Floresta, tem sido
possível desdobrar o Plano de Investimento Comunitário nas propostas de Bolsa Floresta Renda e Bolsa Floresta
Social. Estes ajustes ocorreram em função da necessidade de dar mais clareza aos objetivos dos componentes
social e renda e, adicionalmente, reforçar o conceito de não se configurar num programa assistencialista, mas em
uma ação coerente com os princípios de sustentabilidade, de acordo com a disponibilidade financeira da Fundação
Amazonas Sustentável que administra a iniciativa.
O modelo de gestão e de negócios da Fundação Amazonas Sustentável é particular e merece atenção especial, na
medida em que é essencial para a sustentabilidade do sistema de pagamentos por serviços ambientais, incluindo
a execução de programas de apoio tal como é o caso dos Programas de apoio à produção sustentável, à saúde e
educação, ao monitoramento e fiscalização, à gestão das Unidades de Conservação e ao desenvolvimento científico.
Os resultados que estão sendo alcançados são significativos, com mais de 30 mil pessoas beneficiadas em 15
unidades de conservação e é certamente uma experiência com amplo potencial de replicação.
26
Bibliografia
Agência Nacional de Águas. www2.ana.gov.br. Acesso em 20.05.10
CEPAL. La hora de la igualdad. Santiago. 2010.
Fundação Amazonas Sustentável. Www.fas_amazonas.org. Acesso em 30.05.10.
Ministério do Meio Ambiente. Caminhos para a Sustentabilidade. Brasília, 2009.
Ministério do Meio Ambiente. Lições da Floresta Tropical. Brasília, 2002.
Perman, Roger et al. Natural Resources & Environmental Economics. Great Britain. 1999.
Porto, Monica e Porto R. Gestão de bacias hidrográficas. Estudos Avançados Vol. 22 No 63. São Paulo. 2008
Simula, Markku. Financing flows and needs to implement the non-legally binding instrument. Austria. 2008.
Van Dijk e Savanije H. Hacia estrategias nacionales de financiamiento para el manejo forestal sostenible en
América Latina. Roma. 2008.
Woods Hole Research Center. An overview of readiness for REDD. Estados Unidos. 2008
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Amazônia Brasileira:
desafios e oportunidades
Adalberto Verissimo
3
Introdução
A Amazônia abriga imensos recursos naturais, contém o maior e mais
diverso estuário do mundo, é rica em recursos pesqueiros e seus solos são cobertos
por uma exuberante floresta rica em biodiversidade e dotada de uma expressiva biomassa florestal,
além de um grande estoque de madeiras de valor comercial (estimado em mais de 60 bilhões de metros
cúbicos) e dezenas de espécies arbóreas de valor não-madeireiras (isto é, frutos, óleos, fármacos, resinas etc).
A região abriga a mais ampla rede hidrográfica do mundo, com um potencial hidrelétrico estimado em mais de
70 Gigawatts (mais da metade do potencial nacional). Além disso, a região possui uma das mais ricas e diversas
jazidas minerais do planeta com destaque para o ferro, bauxita, níquel, cobre, manganês e ouro.
Nas últimas três décadas, a ocupação da Amazônia Legal, uma área de cerca de 5 milhões quilômetros
quadrados, tem sido marcada pelo desmatamento, pela degradação dos recursos naturais e por conflitos sociais.
A Amazônia Legal inclui todo o bioma Amazônia (cerca de 4 milhões quilômetros quadrados) e uma área adicional
de aproximadamente 1 milhão de quilômetro quadrado, onde predominam os cerrados. O desmatamento por sua
vez representa cerca de 750 mil quilômetros quadrados (Figuras 1 e 2).
Em 2009, o desmatamento havia atingido cerca de 18% do território. Além disso, extensas áreas de florestas
sofreram degradação pela atividade madeireira predatória e incêndios florestais. Como qualquer ecossistema,
a Amazônia tem um ponto limite (threshold) além do qual não será possível recuperá-la. Muitos cientistas temem
que a floresta amazônica inicie um processo irreversível em direção a savanas se o desmatamento atingir 40%
do território. As implicações dessa transformação para o aquecimento global, ciclos hidrológicos e biodiversidade
seriam catastróficas.
Pesquisador Sênior do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Ex-consultor do Banco
Mundial. Autor de livros e artigos sobre a Amazônia. Possui graduação em Agronomia pela Universidade
Federal Rural da Amazônia (1989), e mestrado em Ecologia pela Universidade Estadual da Pensilvania (1995).
Tem experiência na área de Recursos Florestais e Engenharia Florestal, com ênfase em Manejo Florestal.
3
28
Figura 1. Cobertura vegetal da Amazônia em 2009 (Fonte INPE)
Desde a década de 1980 tem aumentado a preocupação mundial com as perdas dos bosques tropicais. Inicialmente
o foco era conter a perda de biodiversidade e as ameaças sobre os povos indígenas que habitam essas florestas.
Com a intensificação do debate sobre o aquecimento global e o reconhecimento do papel essencial que as florestas
tropicais têm na regulação do clima e no estoque de carbono, a conservação desses bosques tornou-se ainda
mais estratégica para o planeta. E por abrigar um terço de todas essas florestas tropicais, o Brasil tem um papel de
destaque em qualquer iniciativa de conservação e uso sustentável dessas áreas.
Figura 2. Amazônia Legal.
29
Padrão de Ocupação e Desenvolvimento da Amazônia
As principais atividades econômicas da região são a mineração industrial, principalmente minério de ferro e bauxita,
a exploração madeireira, pecuária bovina e agricultura, com destaque para grãos como a soja. A pesca e o turismo
têm participação reduzida na economia, embora revelem potencial de crescimento. Por sua vez, o reflorestamento
começa aumentar a sua participação no leste do Estado do Pará com plantações de dendê, eucalipto e paricá. E
os produtos não-madeireiros têm uma participação pequena na economia geral, embora a extração do fruto de
açaí (Euterpe oleracea) e óleos como andiroba (Carapa guianensis) e copaíba (Copaíba spp), usados pela indústria de
fármacos e cosméticos, tenham aumentado sua importância na região do estuário paraense.
Em 2009, a Amazônia Legal abrigava cerca de 24 milhões de habitantes (12% da população nacional). Por sua vez,
em 2007 a economia da Amazônia Legal gerou cerca US$65 bilhões ou 8% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional
(Ipea 2010). O PIB per capita médio da Amazônia foi estimado em US$ 3.1 mil, sendo 30% inferior à média brasileira
em 2007.
O desenvolvimento regional ainda é fortemente marcado pelo padrão do “boom-colapso” (Celentano & Veríssimo,
2007). Ou seja, atraídos pela abundância de floresta e terras devolutas, os ocupantes (em geral, madeireiros e
ou pecuaristas) se estabelecem nos municípios. O processo de ocupação começa com a extração predatória de
madeira, o que é caracterizado por sucessivas entradas dos madeireiros na floresta para retirar as madeiras de
valor comercial. Após um período curto (5 a 8 anos), as florestas ficam severamente degradadas e são facilmente
desmatadas para a implantação de pastos para criação de gado bovino (Schneider et al. 2000, Celentano & Verissimo,
2007, Rodrigues et al. 2009). Nesse período a atividade econômica cresce com geração de renda, empregos e
tributos relativamente rápidos. Porém, com a perda da cobertura florestal a atividade madeireira entra em declínio
e os pastos vão perdendo a produtividade original. O resultado é o colapso da economia local com perda severa de
renda e emprego. Esse processo tem durado cerca 15 a 20 anos na maioria dos municípios situados nas regiões de
maior pressão antrópica. Após esse colapso econômico e ambiental, os ocupantes acabam migrando para novas
fronteiras e todo o ciclo se repete (Celentano & Veríssimo, 2007).
A Dinâmica do Desmatamento
O desmatamento é relativamente recente na história amazônica brasileira, e foi impulsionado a partir da década
70 pelo governo federal da época por meio de incentivos para a ocupação e integração da Amazônia ao resto do
País. Naquela época o governo pagava para quem desmatasse. De fato, a política oficial era por abaixo metade das
florestas existentes nas propriedades privadas e nas áreas de colonização destinadas aos pequenos produtores.
Nas décadas de 1980 e 1990, o governo reduziu os incentivos para o desmatamento e diminuiu drasticamente os
investimentos em infra-estrutura. Porém, ao invés de reduzir o ímpeto, a ocupação da fronteira se intensificou com
o forte crescimento da atividade madeireira associada ao crescimento da pecuária extensiva, garimpo de ouro e da
especulação e apropriação irregular de terras públicas.
Porque o desmatamento tem ocorrido na Amazônia? A explicação mais plausível é que o desmatamento gera
benefícios econômicos e políticos para alguns segmentos econômicos com atuação na Amazônia. O Imazon chama
isso de padrão de “Boom- Colapso”. Ou seja, nas novas áreas que estão sendo desmatadas (municípios de fronteira)
ocorre um rápido e efêmero crescimento na renda e emprego (Boom). Mas os custos são altos com a violência
rural e o desmatamento expressivo. No médio prazo (após uma década), os indicadores socioeconômicos pioram
e essas regiões entram em colapso social, econômico e ambiental. Esse é o pior dos mundos: natureza destruída e
manutenção ou agravamento da pobreza (Celentano & Verissimo, 2007).
Para ilustrar o fracasso e o esgotamento do padrão atual de desenvolvimento econômico da Amazônia basta avaliar
o desempenho da economia e os impactos ambientais associados. A economia da Amazônia Legal representa
apenas 8% do PIB nacional (proporção que tem se mantido nas duas últimas duas décadas), mas contribui com mais
de 50% das emissões de gases de efeito estufa por conta do desmatamento, degradação florestal e das queimadas
associadas às práticas de uso da terra como a agricultura de corte e queima. Portanto, trata-se de uma economia
de alta emissão de carbono incompatível com as novas tendências da economia mundial de buscar formas de
produção e consumo de baixo carbono.
Há um amplo entendimento entre os diversos segmentos sócio-econômico que será necessário estabelecer um
outro padrão de desenvolvimento econômico para a Amazônia. Um dos pré-requisitos para isso é a necessidade
de reduzir drasticamente o desmatamento na região. Felizmente, o Brasil fez progressos com a redução expressiva
do desmatamento a partir de 2008. De fato, deixamos para trás um desmatamento anual médio de cerca de 17 mil
quilômetros quadrados (quase um Estado de Sergipe) para algo em torno de 7,5 mil quilômetros quadrados em 2009
30
(Figura 3). E os dados recentes dos dois sistemas de monitoramento do desmatamento, o do Imazon e o do Nacional
de Pesquisa Espaciais (INPE), revelam uma tendência de queda também para 2010.
A redução no desmatamento da Amazônia é consequência de um conjunto de medidas adotadas pelo governo (União
e Estados) a partir de 2004. Essas medidas tiveram quatro eixos fundamentais. Primeiro, a criação de Unidades de
Conservação, sobretudo em áreas sob risco de desmatamento. Por exemplo, a criação dessas reservas ambientais
ao longo do arco do desmatamento. Segundo, o aperfeiçoamento dos instrumentos de comando e controle. A
fiscalização ficou mais eficiente com uso de recursos tecnológicos (imagens de satélite) e ações combinadas
envolvendo órgãos de inteligência, segurança e meio ambiente. Terceiro, medidas de caráter econômico como a
restrição do crédito rural para proprietários rurais irregulares. E, finalmente, medidas de combate a grilagem de
terras na região, o que tem resultado no cancelamento de títulos de terra falsificados.
Figura 2. Evolução do desmatamento na Amazônia (1980-2009) Fonte INPE/PRODES
Perspectivas para a Amazônia
As forças que atuam na Amazônia são atualmente mais complexas e incluem os investimentos com potencial de
ampliar o desmatamento e a degradação ambiental, bem como de catalisar conflitos sociais. Ao mesmo tempo,
a região oferece oportunidades para conciliar desenvolvimento e conservação dos recursos naturais. Essas
oportunidades são resultado da importância estratégica que a região tem para o equilíbrio do clima regional e global,
aliado ao grande potencial de geração de energia hidrelétrica na região.
31
Riscos. Há riscos com a elevada demanda por recursos naturais da Amazônia nas áreas de mineração (ferro,
bauxita, ouro, níquel, cobre etc), dendê, reflorestamento, pecuária, grãos (soja principalmente) e madeira, o que
tende a expandir a ocupação humana e o aporte de capital em regiões ambientalmente e culturalmente sensíveis.
Oportunidades. As oportunidade residem em manter a expansão das atividades agropecuárias e o reflorestamento.
A mineração tende a ter impacto direto pequeno e, dado o grau de exposição dessa atividade, as empresas do setor
têm assumido compromissos em defesa da conservação, bem como na redução das emissões de gases de efeito
estufa associadas as suas atividades.
Expansão da infra-estrutura regional como planejado no programa de Investimento de Infra-estrutura para a
América do Sul (IIRSA), com forte inserção na Amazônia (não apenas na porção brasileira, mas conectando essas
infra-estruturas entre os países Amazônicos). Estão previstos a abertura e asfaltamento de estradas, hidrovias,
redes de transmissão de energia elétrica, ampliação das telecomunicações, construção de gasodutos etc. O IIRSA
é uma iniciativa sem precedentes que pode ampliar as oportunidades econômicas para a Amazônia, mas ao mesmo
tempo oferece riscos de aumentar a degradação ambiental4.
Energia. A Amazônia terá um papel central na oferta de energia hidrelétrica para o Brasil ao longo da próxima
década. A região abriga um vasto potencial hidrelétrico, principalmente nas bacias dos rios Madeira, Xingu e Tapajós,
e a pressão para utilizá-lo crescerá fortemente com riscos para a natureza e para as populações (especialmente os
povos indígenas). Diferente do ciclo de hidrelétricas dos anos 70 e 80, a nova onda de aproveitamento hidrelétrico na
Amazônia terá que atender exigências cada vez maiores na área social, ambiental e econômico.
É possível ampliar a geração de energia hidrelétrica sem promover desmatamento - exceto o desmatamento
especifico do reservatório? É possível assegurar os direitos das populações locais e povos indígenas e garantir as
compensações nas áreas selecionadas para os investimentos hidrelétricos? Como garantir que a Amazônia seja
beneficiada nesse novo ciclo hidrelétrico, obtendo investimentos para melhorar o padrão do seu desenvolvimento?
Essas são algumas das questões colocadas na discussão sobre os riscos (e até agora tem sido mencionados mais
os prejuízos) e oportunidades associadas ao novo ciclo de investimentos para geração de energia.
Conclusão
No início do século XXI, está cada vez mais evidente que a Amazônia precisa de um novo modelo de desenvolvimento
regional que seja capaz de conciliar crescimento econômico, qualidade de vida e conservação dos recursos naturais.
Embora seja um desafio enorme a adoção de um modelo com esse perfil, há dois fatores que oferecem grande
oportunidade para que isso possa ocorrer ao longo da próxima década.
O primeiro fator é a importância estratégica dos recursos naturais que a região tem para o Brasil e para o mundo
em termos de regulação do clima e diversidade biológica. Segundo, a região tem riquezas superlativas com valor
crescente na economia, desde os produtos da floresta e da biodiversidade, passando pelo vasto potencial hidrelétrico
dos seus rios, até os ricos depósitos minerais.
Para assegurar a conservação e o uso sustentável das florestas na Amazônia deve haver mudanças de base na
economia da região. A supremacia das atividades primárias com baixo valor agregado deve ser substituída por uma
economia onde os produtos e serviços da floresta sejam valorizados, e que a renda dessas atividades contribua com
a melhoria da qualidade de vida da população.
No superlativo, a Amazônia precisa de investimentos robustos e duráveis para que a região se torne parte da solução
e não do problema. Estudo feitos pela firma de consultoria Mackinsey revelaram que esses investimentos deveriam
ser da ordem de R$340 bilhões para um ciclo de 20 anos (começando em 2010 e indo ate 2030). Isso representaria
R$17 bilhões de investimentos por ano em áreas estratégicas como ordenamento fundiário, ciência e tecnologia,
assistência técnica, desenvolvimento de novas cadeias produtivas e melhoria substancial dos serviços públicos.
Ao final desse período, a economia da Amazônia estaria reinventada com base no conceito de “baixo carbono”
e se tornaria referência planetária. Espera-se que os indicadores sociais e a qualidade de vida no campo e nas
cidades melhorem substancialmente. A Amazônia, por sua importância global para a regulação do clima e por
abrigar riquezas naturais únicas, merece ser prioridade na agenda nacional e global de desenvolvimento.
Por último, tão importante sobre o que fazer é como fazer. Além de medidas de grande alcance que precisam ser
tomadas logo, o governo precisa aproveitar esse momento para avançar em um pacto político envolvendo todos
os segmentos representativos interessados no desenvolvimento sustentável e na conservação da Amazônia. Sem
um pacto político mínimo e um plano vigoroso de investimento na floresta, os problemas da região (desmatamento,
degradação ambiental e subdesenvolvimento sócio-econômico) persistirão. O Brasil tem as condições básicas para
tornar a Amazônia parte da solução nacional e passaporte do país no século XXI. Esse será o século dos recursos
naturais que a floresta tem em abundância: biomassa, água e biodiversidade.
Para uma excelente revisão dos riscos ambientais ver T. Killeen “A Perfect Storm in the Amazon Wilderness: Development and
Conservation in the context of the Integration of Regional Infrastructure of South América” (IIRSA).
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Referências
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33
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