Experiências da Embrapa sobre Produção Sustentável na Amazônia Luciano Mansor de Mattos1 Tatiana Deane de Abreu Sá2 A pesquisa agrícola na Amazônia iniciou-se no final da década de 30, com a criação, em abril de 1939, do Instituto Agronômico do Norte (IAN), em Belém (PA), renomeado para Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Norte (IPEAN) na década de 60. Na década de 50, tem-se a fundação da Escola de Agronomia da Amazônia que, posteriormente, passa a ser denominada Faculdade de Ciências Agrárias do Pará (FCAP) e, recentemente, adquirindo a condição de Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Somente na década de 60 é criada uma instituição oficial de pesquisa agrícola no outro extremo geográfico da região, o Instituto de Pesquisa Agrícola da Amazônia Ocidental (IPEAAOC), no estado do Amazonas. Finalmente, na década seguinte, em 1973, a união do IPEAN, IPEAAOC e outros institutos e órgãos oficiais brasileiros de pesquisa agrícola dão origem a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Nessa mesma década são criadas as seis unidades de pesquisa da região amazônica, localizadas nos estados do Pará, Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima e Amapá. No presente momento, a Embrapa atua na Amazônia geográfica através desses seis centros ecorregionais, sendo que toda a instituição no âmbito nacional integra um conjunto de quarenta unidades de pesquisa descentralizadas, incluindo treze centros de produtos, nove centros temáticos, quinze centros ecorregionais e três de serviços, espalhados de norte ao sul do Brasil, além da existência de laboratórios remotos (Labex) na América do Norte (Washington, Estados Unidos) e Europa (Montpellier, França). Esta rede, juntamente com mais dezessete instituições estaduais de pesquisa agropecuária, compõem o sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA). As ações potenciais da Embrapa na Amazônia, assim, não se limitam apenas aos seis centros situados nesta região, já que, a depender da demanda, é viável haver parceria com outras unidades descentralizadas (UDs). Em paralelo ao breve histórico supracitado, podemos traçar uma linha do tempo ocorrida na Amazônia e no mundo que atualmente influencia a direção da pesquisa agropecuária da região. Na década de 50, assistimos a criação do Plano de Valorização da Amazônia, seguido da construção da Rodovia BR-010 Belém-Brasília na década de 60 e da Rodovia Transamazônica e outras na década de 70, dentro de uma estratégia geopolítica de integração do território nacional dos governos militares. O debate ambiental tem um marco importante com a Conferência de Estocolmo (1972), mas ganha força na década de 80, constituindo-se como base para a construção de novos desenhos de políticas públicas. O Relatório Brundtland – Nosso Futuro Comum – ainda que com todos seus questionamentos de ordem ideológica – pode ser considerado uma referência desse novo paradigma. A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio 92) vem ratificar a importância do debate ambiental na constituição de políticas públicas, considerando a presença de mais de uma centena de chefes de estado de todo o globo. 1 2 Luciano Mansor de Mattos é pesquisador da Embrapa; atualmente é assessor da Diretoria-Executiva. Tatiana Deane de Abreu Sá é pesquisadora da Embrapa; atualmente é Diretora-Executiva. Dentro da nova ordem mundial, no início da década de 90, a Embrapa transforma suas seis unidades de pesquisa da região amazônica em Centros de Pesquisa Agroflorestal, buscando adaptar-se aos novos contextos de pesquisa regionalizada. Também é vista a necessidade de uma mudança de postura institucional no que se refere a busca de parcerias. Não somente o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento é tido como parceiro, mas também outros ministérios (sobretudo Ministério da Ciência e Tecnologia, Ministério da Integração Nacional, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente e Ministério da Defesa), estados, prefeituras municipais, terceiro setor (organizações não-governamentais), movimentos sociais rurais, entidades de classes e diversos grupos de interesse passam a ser prioritários na construção de uma rede integrada de pesquisa, desenvolvimento e transferência de tecnologia. Nos últimos anos, destaca-se a revisão de métodos de pesquisa para a região, tendo-se a valorização da pesquisa participativa para validação científica e reconhecimento dos saberes empíricos. Sendo assim, a Embrapa vem trabalhando a questão amazônica dentro de pressupostos e diretrizes traçadas em rede, sejam redes internas entre suas unidades de pesquisa, sejam em redes externas nacionais e internacionais. O lançamento dos editais do Projeto de Pesquisa Dirigida (PPD) em 1995 e 1998 e as Metas do Milênio das Nações Unidas entre 2000-2015 são exemplos que demandaram esforços para a organização institucional no sentido de formação de redes internas e externas. A Embrapa possui um amplo portfólio de tecnologias sustentáveis para a região, no entanto, dentro de sua missão institucional de pesquisa, desenvolvimento e transferência de tecnologia, a empresa gera ações meio, podendo seu conhecimento acumulado virar estratégias finalísticas a partir da incorporação de suas tecnologias nas políticas públicas vigentes no Governo Federal, por meio dos seus ministérios. Podemos apontar três exemplos recentes que vem se constituindo em parceria entre ações meio da Embrapa para qualificar ações fim das políticas públicas: Plano Amazônia Sustentável (PAS), Plano BR-163 Sustentável e Plano de Ação para a Prevenção e Controle ao Desmatamento da Amazônia Legal. No Plano BR-163 Sustentável, a Embrapa vem trabalhando intensamente no SubGrupo de Trabalho de Áreas sob Limitação Administrativa, na proposição de alternativas para indicação de poligonais e definição do mosaico de unidades de conservação. No Plano de Ação para a Prevenção e Controle ao Desmatamento da Amazônia Legal, a Embrapa levantou 104 projetos, distribuídos em 14 centros de pesquisa, contemplando 12 projetos no Grupo 01 – Ordenamento Fundiário e Territorial, 27 projetos no Grupo 02 – Monitoramento e Controle e 65 projetos no Grupo 03 – Fomento a Atividades Sustentáveis (a Embrapa só não apresentou projetos para o Grupo 04 – Infra-Estrutura Sustentável – por se tratar de uma atribuição que foge da competência institucional da empresa). (ver Tabela 01) Acompanhando as mudanças paradigmáticas que vêm ocorrendo, a Embrapa vem buscando atuar na Amazônia não somente através de seus centros de pesquisa ecorregionais, mas também de maneira integrada com centros temáticos (principalmente Embrapa Meio Ambiente, Embrapa Florestas, Embrapa Monitoramento por Satélite, Embrapa Solos e Embrapa Informática Agropecuária), de produtos (sobretudo Embrapa Soja e Embrapa Gado de Corte) e serviços (Embrapa Informação Tecnológica e Embrapa Transferência de Tecnologia) localizados fora da região, buscando colaborar com o aumento de capacidades adaptativas de sistemas ecológicos e sociais. TABELA 01 - DIVISÃO DE PROJETOS POR UNIDADE DA EMBRAPA Plano de Ação para a Prevenção e Controle ao Desmatamento da Amazônia Legal Embrapa Ordenamento Monitoramento Acre 2 0 Amapá 0 0 Amazônia 1 5 Ocidental Amazônia 0 2 Oriental Florestas 5 0 Informação 0 0 Tecnológica Informática na 0 5 Agricultura Meio Ambiente 0 5 Monitoramento 0 1 por Satélite Rondônia 0 0 Roraima 1 7 Solos 3 2 Arroz e Feijão 0 0 Gado de Corte 0 0 Total por 12 27 Tema Fomento 7 10 5 Infra-Estrutura Total Unidade 0 9 0 10 0 11 18 0 20 5 2 0 0 10 2 0 0 5 0 0 0 0 5 1 6 9 0 2 1 65 0 0 0 0 0 0 6 17 5 2 1 104 A busca da sustentabilidade passa tanto pela capacidade adaptativa de sistemas ecológicos por meio de estudos de processos biofísicos e biogeoquímicos e da heterogeneidade da paisagem para atingir a resiliência ecológica, quanto pela capacidade adaptativa de sistemas sociais por meio de intercâmbio entre instituições e redes que aprendem e acumulam conhecimento e experiência para atingir a resiliência social. Há muitas instituições, governamentais e não-governamentais, entre as quais a Embrapa, realizando estudos na linha de diagnósticos e prognósticos de recursos naturais e uso da terra na Amazônia, enquanto há relativa escassez de instituições, além da Embrapa, voltadas a oferecer opções sustentáveis (por meio de tecnologias, produtos e serviços) passíveis de concretizarem cenários otimistas para a produção rural amazônica. Por conseguinte, este papel diferencial da Embrapa necessita ser intensamente utilizado pelas políticas públicas vigentes e/ou a serem criadas. As principais atividades que ocupam o espaço e usam os recursos naturais da Amazônia, isto é, exploração madeireira, pecuária, plantio de grãos em grande escala e agricultura familiar, geram situações derivadas de seus padrões de uso da terra, tais como mudança de paisagem de floresta primárias para capoeiras, queimadas e áreas em degradação. Logo, contribuições em rede necessitam ser debatidas visando a consolidação de estratégias sustentáveis para a fronteira agrícola. Nesse sentido, a Embrapa vem desenvolvendo um leque de contribuições à produção sustentável da Amazônia, podendo-se destacar (a) o Zoneamento Ecológico-Econômico, (b) o Monitoramento Orbital de Queimadas, (c) o Zoneamento de Risco Climático, (d) a participação no Sub-Grupo de Trabalho de Áreas sob Limitação Administrativa, (e) a Rede Agrogases (dinâmica de carbono e gases de efeito estufa em sistemas de produção agrícola, pecuário e agroflorestal), (f) o Projeto Agroenergia (pesquisa em fontes energéticas como biomassa, energia solar e outras fontes renováveis), (g) a contribuição à redução do impacto no manejo de florestas naturais (compreensão de processos e mecanismos biofísicos, biogeoquímicos e biológicos da floresta amazônica; desenvolvimento e validação de métodos de impactos reduzidos; capacitação) com os projetos da Rede LBA, Projeto Dendrogene e Projeto Manejo Florestal Comunitário, (h) a contribuição ao manejo de vegetações secundárias ou capoeiras (compreensão de processos e mecanismos biofísicos, biogeoquímicos e biológicos da floresta amazônica; desenvolvimento e validação de métodos de manejo e sistemas de uso da terra; capacitação) com os projetos da Rede LBA, Projeto Tipitamba e Projeto Proambiente, (i) a compreensão dos impactos de queimadas e busca de meios de controla-la e substitui-la (análise científica dos impactos; desenvolvimento e validação de métodos de controle; capacitação) com o Projeto Tipitamba e Projeto Proambiente, (j) a transição para a pecuária sustentável (enriquecimento e manejo de pastagens com leguminosas, produção de leite orgânico), (l) o estudo, reconhecimento e valorização de produtos florestais nãomadeireiros com o Projeto Castanhac e Projeto Manejo de Açaizais, (m) a produção sustentável de fruteiras nativas da Amazônia, (n) o desenvolvimento e validação de sistemas agroflorestais sustentáveis em parceria com o Projeto Iniciativas Inovadoras, (o) alternativas sustentáveis para o segmento da agricultura familiar visando aumentar a resiliência, capacitação e empoderamento dos atores sociais com o Projeto Tipitamba, Projeto Proambiente, Projeto Floresta Secundária, Projeto Manejo de Açaizais, (p) alternativas sustentáveis para o segmento de plantio de grãos em larga escala com o Projeto Integração Lavoura-Pecuária e Projeto Grãos e (q) a gestão participativa de recursos naturais (levantamento de informações básicas de gestão para municípios e assessoria na formulação de leis ambientais municipais) com o Projeto GESPAN. Dentro da proposta do Plano Amazônia Sustentável (PAS), há uma divisão em três macrorregiões: Macrorregião 1 – Meridional e Oriental – áreas de ocupação antiga e o “arco do desmatamento”, com sistemas produtivos predominando em relação à conservação, com política recomendada que direcione na redução da instabilidade na ocupação humana. Denominada “Área de Povoamento Adensado”, inclui o Arco da Embocadura, Núcleos de Modernização do leste e sudeste do Pará, corredor do Araguaia-Tocantins, áreas intensivas em tecnologia agro-industrial no Mato Grosso, agropecuária tradicional e sistemas agroflorestais em Rondônia; Macrorregião 2 – Central – inclui os novos “eixos de integração”, sendo atualmente em grade parte coberta por florestas primárias, reservas indígenas e unidades de conservação, com política recomendada que direcione para estratégias de conciliação entre conservação e produção. Denominada de “Amazônia Central”, inclui a fronteira da preservação do norte e nordeste do Pará, nordeste do Amapá e fronteiras internacionais com Guiana, Suriname e Guiana Francesa, Transamazônica e frentes de expansão (Cunha do Tapajós, Terra do Meio, Corredor do Madeira); Macrorregião acrorregião 3 – Ocidental – pouco explorada, com alto potencial florestal, de recursos hídricos, minerais e sociodiversidade, com política recomendada de vigilância. Denominada de “Amazônia Ocidental”, inclui a fronteira de integração continental, Alto Rio Negro, várzeas do Solimões; florestania (cursos médio e alto dos afluentes da margem direita do Solimões no Amazonas e Acre), Zona Metropolitana de Manaus e seu entorno. Para o Plano Amazônia Sustentável (PAS), a Embrapa apresenta diferentes possibilidades de contribuição para as três Macrorregiões. Em 1995, entre 23 projetos aprovados pelo Projeto Pesquisa Dirigida (PPD), 5 foram liderados pelos centros de pesquisa da Embrapa, entre eles, “Desenvolvimento de Sistemas Agroflorestais no Estado de Roraima” (Embrapa Roraima), “Alterações Biofísicas Associadas ao Uso de Atividades Agrícolas na Amazônia Central” (Embrapa Amazônia Oriental), “Zoneamento Edafoclimático para Plantio de Espécies Florestais de Rápido Crescimento na Amazônia”, “Conservação e Uso de Recursos Fitogenéticos do Amazonas” e “Recuperação de Áreas de Pastagens Abandonadas e Degradadas através de Sistemas Agroflorestais na Amazônia Ocidental” (Embrapa Amazônia Ocidental). Em 1998, entre 30 projetos aprovados pelo Projeto Pesquisa Dirigida (PPD), novamente 5 foram liderados pelos centros de pesquisa da Embrapa, entre eles, “Desenvolvimento de Sistemas Agroflorestais para os Ecossistemas de Mata e Cerrado do Estado de Roraima” (Embrapa Roraima), “Desenvolvimento de Tecnologias para o Manejo e Cultivo de Açaizais para Produção de Frutos” (Embrapa Amapá), “Tecnologias Inovadoras na Agricultura Familiar da Amazônia Oriental visando a Sustentabilidade”, Alternativas de Sistemas de Produção de Caititu (Tayassu tajacu) para a Pequena Agricultura da Amazônia” e “Desenvolvimento de Metodologia de Monitoramento Químico e Atmosférico da Amazônia no Experimento LBA” (Embrapa Amazônia Oriental). Os novos desafios institucionais de se trabalhar a sustentabilidade de sistemas de produção colaboraram para a valorização na Embrapa de formação pessoal em pósgraduação nas áreas sociais e ambientais. Diversos pesquisadores formaram-se ou formam-se atualmente em cursos de pós-graduação com temas relativos às ciências ambientais, desenvolvimento sustentável, agricultura familiar, sistemas agroflorestais, sociologia rural e economia agrícola. Também há grande ênfase na instituição na contratação de estagiários e bolsistas de graduação para projetos de sustentabilidade, colaborando na formação de profissionais para atuação em novos paradigmas. De maneira geral, o conceito de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) tão defendido pela Embrapa, passa a ganhar nova denominação: Pesquisa, Desenvolvimento & Inovação (PD&I), direcionando a missão institucional para a superação da dicotomia entre produção rural e conservação do meio ambiente. Por fim, o que se pode observar, apesar dos esforços internos da Embrapa na pesquisa em rede, assim como do PPD na promoção de pesquisa integrada, é que os projetos aprovados tiveram seus focos muito abertos e desconexos, mesmo internamente na Embrapa. Portanto, em futuras iniciativas, há a necessidade de abordagem de boas práticas agrícolas em escala de paisagem rural e de território. A aplicação territorial mais ampla abre oportunidade para todas as instituições de pesquisa para exercerem suas políticas de inovação tecnológica. Também há a demanda de oportunidades de aplicar e monitorar, por períodos definidos, no âmbito de território, o desempenho de tecnologias disponíveis visando o uso sustentado da terra na Amazônia. Sendo assim, a Embrapa sugere aos futuros editais do PPD-PPG7 a ênfase e oportunidade para desenvolvimento de ações territoriais em áreas de relevante importância na expansão da fronteira agrícola que põe em risco a sustentabilidade dos recursos naturais a longo prazo, como Terra do Meio e BR-163, assim como estimular projetos que contribuam para a integração da PanAmazônia, constituindo-se esse foco como elemento estratégico ao Plano Amazônia Sustentável (PAS) e fortalecimento da cooperação Sul-Sul promovida pelo Governo Federal.