Ponto de vista /Point of view
ISSN 2176-9095
Science in Health
2011 set-dez; 2(3): 181
ANATOMIA E CIRURGIA
ANATOMY AND SURGERY
Ikurou Fujimura*
A Anatomia é, possivelmente, a mais antiga ciência que pode ser relacionada à Medicina, com a
qual, aliás, confunde-se no período mais remoto. A
Cirurgia é a mais primitiva das atividades reconhecíveis como médicas, por ter como substrato a manipulação do corpo humano: supõe-se que, de início
orientada para tratar entorses e ferimentos, ela tenha evoluído para ressecções higiênicas, drenagens
ou mesmo restaurações. Talvez até ainda sirva para
funções místicas ou religiosas, como nas eras mais
antigas.
Atividade diferente é a Clínica, o ramo médico
que, a seguir, desenvolve-se em meio a medidas necessárias para identificação, avaliação de doenças e
planejamento terapêutico. Observação, avaliação e
raciocínio passam a permitir a prevenção de riscos.
E tanto os primórdios da cirurgia quanto da clínica não prescindem do reconhecimento anatômico:
nulla medicina sine anatomia. A máxima latina continua
atual, conhecimentos anatômicos são básicos para os
dois tipos de atividade médica, tanto a cirúrgica como
a clínica – não há medicina sem anatomia.
Em consequência, na medida em que se expandem
os conhecimentos anatômicos, as duas vertentes experimentam progressos notáveis.
Na Clínica – que é fundamental para a cirurgia, em
particular no momento de diagnosticar a doença e
planejar o tratamento – investigações anatômicas fundamentam o reconhecimento da normalidade e ressaltam as características patológicas. Sem a referência
do normal não se pode identificar os desvios.
Percepção mais concreta pode ser obtida por
meio de alguns exemplos. Uma dor no braço pode
ter sua causa em afecção de outro local, tal como
acontece em algumas isquemias de miocárdio: é a dor
referida explicável pelo entendimento da metameria.
Em outro exemplo, a alteração da voz pode ser provocada por patologia do mediastino superior e isso só
tem sentido como hipótese clínica se for conhecido
o caprichoso curso recorrente que tem o nervo laríngeo inferior.
O médico não pode dispensar conhecimentos
anatômicos bastante abrangentes no momento do raciocínio clínico. São conhecimentos que devem estar
previamente presentes, deles depende a interpretação dos achados semiológicos: é inviável procurá-los
no momento da elaboração do diagnóstico.
Na Cirurgia, é fácil de entender que o operador
tem de basear suas decisões no conhecimento mais
particularizado possível do órgão e da região abordados. Embora sem dispensar a base anatômica prévia,
muito sólida, ele pode, a qualquer dúvida, rever minúcias úteis antes de executar sua intervenção e, desse
modo, aperfeiçoar as soluções terapêuticas.
Em resumo, ao clínico cabe ter visão holística da
anatomia, enquanto ao cirurgião compete ser dono,
além disso, de uma visão minuciosa do órgão e sua
topografia, de modo tão detalhado que deveria incluir, às vezes, a revisão de seus conhecimentos antes
de agir.
O avanço da terapêutica cirúrgica valoriza conhecimentos que tinham antes escassa aplicação. É o
caso da anatomia do feto, após a introdução da cirurgia fetal intrauterina. Ou da crescente importância
de novos métodos diagnósticos que se baseiam em
perspectivas inusitadas de visão anatômica. O que era
mero detalhamento morfológico passa a ser chave do
sucesso em determinadas situações.
Para o iniciante, é natural que perceba a importância da anatomia em sua plenitude, porém em sucessivas fases de sua evolução ele irá sentir que é imperativa a renovação da própria cultura morfológica,
conforme o direcionamento de sua atividade médica.
A quem ensina, resta o dever de apontar o real
significado do valor da aquisição desses conhecimentos.
*Médico, especialista em cirurgia geral e do trauma. Professor do Curso de Medicina - Universidade Cidade de São Paulo - UNICID
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