Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 O CLIPPING E SUAS SIGNIFICAÇÕES NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO MODELO CULTURAL DA ORGANIZAÇÃO. LUTIANA CASAROLI – UFSM ADAIR CAETANO PERUZZOLO – UFSM Resumo Toda organização busca estabelecer uma relação de comunicação com a mídia para cuidar de sua imagem e legitimidade, e assim preservar sua existência. O clipping, enquanto produto comunicacional e reflexo desta relação, pode ser tanto reprodutor a cultura da organização, como também seu próprio construtor, de acordo com os valores que veicula em âmbito social. A partir destas considerações, pretende-se descobrir a lógica de funcionamento e de produção de efeitos de sentido, nos discursos multimodais do clipping impresso, que operam na construção do modelo cultural de uma organização, pelos valores que agencia. A metodologia utilizada será a partir dos esquema semióticos da análise de discurso francesa. Palavras-Chave Clipping – Modelo Cultural - Significações ABSTRACT Every organization seeks to establish a relationship of communication with the media to take care of their image and legitimacy, and thus preserve its existence. The clipping, while communication product and a reflection of this relationship, can be either player the culture of the organization, as well as his own contractor, according to the values that conveys in the social field. Based on these considerations, the intention is to discover the logic of operation and the effects of sense, in speeches multimodal form of clipping, operating in the construction of a cultural model of organization, the values that agency. The methodology used is from the scheme semiotic analysis of French speech. Keywords Clipping, culture model, meanings Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 1. Notas Introdutórias Estudar a cultura de uma organização por meio de suas formas de comunicação, se faz importante, pois a comunicação humana é um fenômeno cultural e a cultura é produzida e impulsionada por processos comunicacionais naturalmente valorativos. A comunicação1 deve ser aqui tomada como sendo essencialmente uma relação que é regida pela representação. Já a qualidade da representação é dada pela qualidade que damos à relação que é produzida por um conjunto de valores. Dessa forma, as representações são responsáveis por tornar as percepções subjetivas, dentro de um conjunto de memórias valorativas, pois ao atribuir significados a um dado elemento, atribui valores e dá a qualidade da comunicação. Para estudar a cultura de uma organização, no entanto, é preciso que se parta do princípio, ou seja, da dimensão essencial do modo de ser e fazer humanos, quer dizer, as questões precisam ser consideradas a partir do modelo relacional, pois os fenômenos comunicacionais e, assim, os culturais são constituições relacionais. A organização2, por exemplo, enquanto uma pluralidade de indivíduos, é essencialmente uma entidade relacional que busca os outros, tanto as demais organizações, indivíduos, meios de comunicação e o mundo a sua volta. Já a cultura deve ser compreendida nesta pesquisa como modos relacionais de ser, privilegiadas pelo homem, e que assim se torna um modelo codificador e decodificador dos sentidos e significados intercambiados na comunicação. Toda organização busca espaço no palco da visibilidade midiática para cuidar, principalmente, da construção de uma imagem positiva e de um discurso legítimo. Nesse contexto, o Relações Públicas de uma organização trabalha para obter um bom relacionamento com a mídia, sendo esta busca pela relação uma resposta dada a uma necessidade organizacional de se constituir enquanto sujeito social e de preservar sua existência. Quando se privilegia uma relação satisfatória, o andamento normal é querer que ela se perpetue, por isso é que se buscam formas de continuidade para que a relação seja institucionalizada. A relação de comunicação estabelecida entre a empresa e a mídia, no momento em que é notada como importante, por ser uma resposta à necessidade da organização de cuidar da própria imagem, passa a assumir aspectos que lhê dêem continuidade, até que se torne uma institucionalização, constituindo o modelo cultural de comunicação de uma organização. Essa relação de comunicação estabelecida e privilegiada entre organização e mídia pode ser feita por diversas ações do Relações Públicas, entre elas, o envio de releases. Quando bem sucedida pelo Relações Públicas, pode ter seus esforços projetados no clipping. A análise de clipping, enquanto monitoria de imagem, é uma 1 Anotações de aula da disciplina de ‘Teorias da Comunicação’, ministrada pelo professor Adair Caetano Peruzzolo, no mestrado em Comunicação Midiática, da Universidade Federal de Santa Maria, durante o primeiro semestre de 2006. 2 Anotações de aula da disciplina de “Mídia e Estratégias da Imagem” , ministrada pelo professor Adair Caetano Peruzzolo, no mestrado em Comunicação Midiática, da Universidade Federal de Santa Maria, durante o segundo semestre de 2006. Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 resposta dada pela organização à sua necessidade de ter uma boa imagem e legitimidade em seus discursos para a manutenção e majoração da existência da organização enquanto sujeito social. O clipping, enquanto produto comunicacional, carrega em si discursos a respeito da organização, que assim como manifesta a cultura da organização, também a constrói. Os produtos culturais de circulação social têm a força de influenciar na construção da imagem da organização, por meio da veiculação de valores em seus discursos, assim como de gerar o modelo cultural de uma organização. Desse modo, o clipping deve ser cuidado pelo Relações Públicas, por ser um instrumento estratégico. A cultura é manifesta nos discursos da organização e estes textos também constituem os discursos valorativos de sua cultura. Não devemos confundir aqui o conceito de cultura com o da terminologia utilizada pelos Relações Públicas vinda do campo da administração “cultura organizacional”. Nesta pesquisa, a análise da cultura da organização leva em conta outros pressupostos, como veremos melhor adiante. O clipping, nesse sentido, enquanto modelo cultural de comunicação, por ter suas ações já consagradas na organização, é o lugar onde os rumores e os valores organizacionais são manipulados nos contextos sociais e, portanto, é um instrumento estratégico de gerenciamento da empresa. Nesse intuito, é importante que o Relações Públicas saiba colher os sentidos nos discursos do clipping para fornecer aos gestores subsídios que sirvam como guias na tomada de decisões, não deixando-o apenas relegado à característica de ser um recorte e colagem. Colher os valores do clipping é uma forma de operacionalizar de modo eficiente a relação entre a mídia e a empresa, que tem sua importância centrada no fato de ser o trânsito dela com a sociedade, característica esta indispensável para garantir sua sobrevivência. No entanto, para colhermos os valores agenciados nos discursos do clipping, precisamos analisar os textos verbal e icônico mediante esquemas semióticos, na busca pela produção de significação e efeitos de sentidos produzidos na situação da enunciação. Na análise do discurso verbal são detectados os modos de construção do dito, os recursos de persuasão nele aplicados em relação aos efeitos de sentidos produzidos e os valores movimentados. Já no discurso icônico, é imprescindível que se compreenda a lógica de construção interna dos elementos da imagem, reconhecendo nela um certo número de motivos, em busca dos significados e sentidos, pois, afinal, todo discurso é o suporte de circulação social de significações que qualificam e personificam uma organização. Dentro deste contexto, destacamos o interesse em descobrir que modelo cultural de uma organização está sendo construído, pelos valores agenciados nos discursos icônico e verbal do clipping, através da compreensão de sua lógica de funcionamento e de produção de significados e efeitos de sentidos. Sendo assim, a pesquisa pode ser encaixada no campo de análise da Semiótica das Organizações, pois examina o modelo cultural de uma organização a partir do processo de significação dos discursos do clipping, ou seja, entende a organização em seus aspectos a serem trabalhados como objetos entendidos em seu sentido semiótico. Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 Para entendermos que modelo cultural está sendo construído pelos valores agenciados no clipping, precisamos antes entender o lugar da cultura e da comunicação na organização, enquanto fenômenos de natureza relacional. A relação é em sua essência uma ligação entre duas forças distintas. Peruzzolo explica que “a especificidade da relação humana está na possibilidade de escolha” (2006, p.133). Nesse sentido, entendemos que o homem pode escolher por determinadas relações que sejam respostas as suas necessidades e que sempre que houver escolhas, uma relação estará sendo estabelecida. À medida que tal relação é aceita, ela é privilegiada e se busca sua estabilidade e manutenção. É nesse instante, quando uma relação de comunicação é fixada é que temos um modelo cultural, pois este é exatamente uma relação, um modo de fazer privilegiado, consagrado, humano. Peruzzolo diz: A escolha de uma relação pelo homem torna-se, pois, uso, hábito, costume que é a institucionalização desse modo de ser, a que denominamos “cultura”. No fenômeno cultural, há institucionalização de relações privilegiadas e estabelecidas porque o homem tem a necessidade de dar continuidade à sua comunicação (2006, p.140) Uma organização, pensada nesse contexto, pode ser entendida como um modelo cultural resultante de um modo conjugado de ordenação e desenvolvimento de atividades, sendo um resultado de escolhas e de modos de fazer essencialmente humanos que buscam a manutenção da própria existência. Então, pode-se dizer que uma organização, assim como a sociedade, nas palavras de Peruzzolo “é resultante de um modo de concebê-la e de organizá-la” (2006, p.135). A própria atividade de clipping assim como a organização, também é um modelo cultural, pois é uma relação de comunicação institucionalizada, consagrada, porque colabora em seus modos de ser e de fazer para a manutenção da sobrevivência. As relações de comunicação que o homem (a própria organização) estabelece em busca da manutenção da vida são “respostas privilegiadas (porque escolhidas e estabelecidas) que vão ser fixadas e ajustadas (na medida das opções), trazendo ordenamento às respostas dadas às situações de insegurança e desconhecimento. Essa é a necessidade, a força que produz cultura” (PERUZZOLO, 2006, p.138). A cultura, então, tem origem em processos comunicacionais estabelecidos na esfera da simbolização. Como diz Peruzzolo “é a partir das comunicações que as culturas se estruturam” (2006, p.178). O clipping, tanto reflete a cultura, quanto a constrói porque a noção de cultura diz respeito ao modo relacional estabelecido entre o homem e o mundo que o circunda. A comunicação, ao mesmo tempo em que é um fenômeno cultural, também é a força produtora de fenômenos culturais que nascem de relações comunicacionais. Em uma organização, seus modelos culturais nascem, essencialmente de relações comunicacionais, pois a cultura da organização é um fenômeno impulsionado por processos de comunicação essencialmente humanos. Na presente pesquisa, espera-se entender que cultura está sendo gerada pelas relações de comunicação estabelecidas e privilegiadas pela organização. Para tanto, é Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 preciso colhermos os valores que qualificam tal cultura. Com esta finalidade, serão colhidos os valores agenciados nos discursos do clipping, instrumento este que faz parte de uma relação de comunicação entre a organização e a mídia, e que guarda em si aspectos relevantes a serem analisados pelo Relações Públicas. Sendo o profissional de Relações Públicas o mais indicado para cuidar do modelo cultural de uma organização, que está sendo construído pelos valores movimentados em discursos sociais, este é um conceito a ser desenvolvido. O instrumento estratégico de análise do Relações Públicas neste trabalho chamado clipping pode ser entendido como, nas palavras de Bueno “um recorte ou gravação de uma unidade informativa (nota em coluna, editorial, notícia, reportagem, artigo de um colaborador, etc), que consolida o processo de interação da empresa ou entidade com um determinado veículo de comunicação” (in Duarte, 2002, p. 389). De acordo com Wilson da Costa Bueno, em seu artigo intitulado “Medindo o retorno do trabalho de assessoria de imprensa3”, o clipping “consolida o processo de interação da empresa ou entidade com determinado veículo”, sendo que as matérias clipadas a respeito de dada organização, foram publicadas pela mídia e assim ganharam a repercussão social, implicando nisso que os mais diversos públicos da organização serão informados por meio da mídia. A partir do exposto acima, entendemos que uma relação de comunicação dá origem a um fenômeno cultural que, ao ser consagrado, transforma-se em modelo cultural de comunicação em uma organização. Toda organização busca a relação de comunicação para garantir a própria sobrevivência. Desse modo, a relação de comunicação estabelecida entre organização e a mídia é uma resposta da própria organização à necessidade de cuidar da própria imagem, sendo que as suas qualidade podem ser lidas no trabalho de clipping. O clipping é entendido como um produto cultural de comunicação, não mais sendo visto apenas como o armazenamento de recortes de jornal. Na explicação de Peruzzolo “todo produto cultural, isto é, todo objeto consagrado como resposta a anseios humanos, recebe peso simbólico dentro do conjunto do que já existe como cultura, de modo que ele já não é mais ali um mero objeto, mas um sistema de relações e sentidos” (2006, p.144). O clipping está dentro do modelo cultural de comunicacional da organização, que quando é mal gerido, pode trazer conseqüências desastrosas e inesperadas. Aqui cabe ainda destacar a importância de se ter cuidado com o clipping. Nele está veiculado uma série de discursos que por sua vez estão repletos de valores agenciados pelos modos de dizer do enunciador em função de persuadir o enunciatário. Saber quais são estes valores e qual é o modelo cultural de uma organização que está sendo cultivada é tarefa essencial para o Relações Públicas. A partir do pressuposto de que os valores agenciados no clipping constroem o modelo cultural de uma organização é que devemos pensar a questão da construção dos significados e na produção dos efeitos de sentidos. 3 BUENO, W. C. Medindo o retorno do trabalho de assessoria de imprensa. Disponível em <http//: comtexto.com.br> Acesso em maio de 2005, 14h. Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 Para colhermos o modelo cultural construído no clipping é preciso compreendermos os processos de significação e valoração na leitura dos discursos verbal e icônico, objetivo final deste trabalho. A construção de significados e a produção de sentidos ocorrem por meio da organização interna dos elementos do texto no movimento da leitura do receptor e precisam ser vistos na situação de enunciação, motivo dos estudos semiológicos aqui abordados. Semiologia dos discursos A partir do recorte semiológico de análise do discurso francesa e mais especificamente a partir dos estudos de Maingueneau (1993), Barthes (1971) e Peruzzolo (2006), aborda-se conceitos fundamentais que implicam no trabalho de busca das significações dos discursos do clipping, como semiótica, enunciação, enunciador, enunciatário, enunciado, discurso, texto, sentidos e significados etc. A Semiótica surgiu no início do século XX, sendo uma disciplina recente das ciências humanas. Semiótica ou semiologia designam, nas palavras de Peruzzolo “um conjunto de saberes, entre eles teorias e metodologias, que se aplica ao conhecimento e uso de processos comunicacionais enquanto tomados sob o aspecto de sua significabilidade” (PERUZZOLO, 2002, pág. 43). Aqui utilizaremos a categoria conceitual “semiótica”. Podemos ainda dizer que a semiótica é o estudo das condições e dos processos de significação, sendo assim, conforme Santaella (1992) a ciência geral de todas as linguagens e a técnica de leitura dos signos: “ciência que tem por objetivo o exame dos modos de constituição de todo e qualquer fenômeno como fenômeno de produção de significação e sentido”. (in PERUZZOLO, 2001, p.3) O objeto de estudo da semiótica é exatamente o estudo dos elementos que assumem o lugar de signos na comunicação, baseado na linguagem. Qualquer fenômeno tomado como linguagem pode se tornar, então, objeto de estudos semiológicos. A semiologia dos discursos leva em conta os enunciados enquanto marcas humanas deixadas em situação de comunicação e tem como preocupação a questão do sentido produzido a partir do enunciado pronunciado. Ela parte do princípio de que todo enunciado contém a marca efetiva de sujeitos humanos. Sempre que houver um emissor, um receptor e uma mensagem, haverá um sujeito comunicante procurando entrar em relação com o outro. Toda vez que o sujeito comunicante organiza um texto com estratégias significantes, emitindo uma mensagem, ele passa a ser chamado de enunciador, ou seja construtor de seu discurso que, por sua vez, estará impregnado de valores e sentidos pertencentes ao sujeito falante. A enunciação, enquanto resultado da ação do enunciador na produção do discurso, pode ser caracterizada pelas maneiras de agir do enunciador que acaba deixando suas pegadas no seu modo de dizer, fazendo com que sua presença esteja sempre pressuposta na obra, por mais que não manifesta e clara. Os significados veiculados no discurso extrapolam os limites da frase em si, caindo em um campo mais vasto que compreende o campo dos sentidos. Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 Assim, podemos dizer que a construção dos discursos fica dependente, ao mesmo tempo que revela, as relações sociais e históricas. Só conseguimos chegar a análise correta entre a relação que há entre o dizer e a produção desse dizer quando analisamos as condições sociais e históricas em que estão mergulhados os sujeitos da enunciação. Entende-se por enunciação, de acordo com Peruzzolo aquela que se caracteriza “pelas incursões que o sujeito enunciador faz no universo dos códigos (...) e pelas quais deixa ‘marcas’ espalhadas na obra (discurso), que organiza” (2002, p. 151). Então, para desvendarmos os valores veiculados em um discurso, não basta fazermos a análise interna do texto. É preciso ir além, em busca da situação da enunciação, desvendando a prática do enunciador e do enunciatário, cada um com seu fazer, de persuasão e de interpretação, respectivamente, mas acima de tudo enquanto construtores socias de discursos. Enunciador é “um papel assumido no discurso: o de fazer-se sujeito na fala e pela fala” enquanto que o enunciatário “se faz sujeito pela ação de inserção na fala” (PERUZZOLO, 2002, p. 153). Já o enunciado “é da ordem do dito” (PERUZZOLO, 2002, p. 155). Peruzzolo afirma que “o enunciado é, então, a ocorrência, numa situação particular aqui e agora, de um dito” (2002, p. 156). Todo texto é formado por estruturas narrativas que, por sua vez, constroem discursos. Para tanto, sob o enfoque semiótico, como afirma Peruzzolo, Os sentidos de um texto se constroem sob a forma de percurso gerativo, quer dizer, de caminhada longa e complicada por entre valores sociais, estruturas da língua e competência dos sujeitos, que vão construindo os sentidos até a sua manifestação em matérias expressivas. Os valores como tais se encontram numa instância intencional, numa situação amorfa (2004, p. 138) Sob outra perspectiva, leva-se em conta que sempre haverá um sujeito que enuncia o dito. Dessa maneira, um dos principais elementos representativos de um enunciado é a presença de um sujeito - o enunciador – provocando o que chamamos de efeito de enunciação que provoca a denúncia da autoria (PERUZZOLO, 2004, p. 140). Qualquer discurso apresenta a arrumação de certos atos e contratos, por exemplo, que acabam por inferir a presença do ser humano em seu conteúdo e contexto. A estruturação do tempo e do espaço em uma narrativa fica presa ao dispositivo ao qual pertence. No presente caso, o dispositivo jornalístico. De acordo com Peruzzolo: Os dispositivos são lugares materiais ou imateriais nos quais se inscrevem os textos. O dispositivo é uma matriz, que impõe as suas formas aos textos, não um suporte. É ele que comanda a duração e a extensão do produzido, inscrevendo-se, portanto, como uma condição de produção do discurso (2004, p. 141) Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 Os dispositivos, por estarem interligados (como mídia – jornal – título – legenda), acabam por aprisionar os sentidos, envolvendo-os em mecanismos que os impossibilitam de ficar suspensos, deslocados ou até mesmo fugitivos. Em um dispositivo midiático, como o caso do jornal impresso, não é fácil a tarefa de procurar pelo dono da voz, pois há uma série de fatores, dentro e mesmo fora do contexto social, que implicam no ato da enunciação. Toda vez que admitimos a presença de um dispositivo de enunciação, acabamos firmando também que toda operação de construção de um dizer “planeja” a imagem daquele que fala (enunciador), assim como daquele que a receptará (enunciatário). O dispositivo jornalístico, realiza um trabalho no sentido de criar a ilusão de que a enunciação pertence a diferentes fontes, senão a dele. Para isso, faz uso de citações, abre espaços para assinaturas jornalísticas, indica a fonte de suas matérias, liberando o dispositivo das responsabilidades autorais e editoriais que lhe cabem. De acordo com o exposto acima, para realizarmos a análise semiológica das reportagens componentes do clipping é preciso que se leve em conta a situação em que se deu a enunciação, pois é somente quando colocamos o enunciado em seu contexto ideológico que ele sustenta os sentidos e determina os valores presentes no discurso. Há elementos básicos componentes de uma matéria jornalística a ser clipada que devem ser cuidados. Tanto no discurso verbal, quanto o icônica devem ser tratadas. Dessa forma, estamos considerando discurso como sendo, Um dito produzido num determinado momento, em determinado lugar, por um indivíduo que se apropriou da língua, instaurando-se como um ‘eu’ e, consequentemente, instaurando um ‘tu’, na condição de ser um entre comunicantes. (PERUZZOLO, 2002: 157). Então, a análise do material que compõem o clipping, no que se refere ao discurso verbal segue os passos propostos por Peruzzolo em seu livro “Elementos da Semiótica da Comunicação” (2004). A análise parte da ação de operar sobre os elementos da narrativa à procura dos efeitos de sentidos provocados pela projeção da enunciação no enunciado, o que significa também dizer, observar de que forma o sujeito que assumiu o lugar da fala, construindo um objeto da comunicação, relacionando-se com ela. Outro é o modo de produção do efeito de sentido de referencialidade, por onde o enunciador quer afirmar que os valores de que trata são reais e consistentes. Os efeitos de referente são os responsáveis por produzirem os efeitos de sentido de realidade, e estes, conseqüentemente, induzem ao sentido de verdade. Os sentidos de realidade oferecem suporte à idéia de que a verdade do texto pode ser assumida, sendo que essa verdade tem o seu significado dentro do próprio texto. É assim que se chega à persuasão do outro. Depois se destaca o processo de disseminação de temas e cobertura figurativa de conteúdos, em relação aos efeitos de sentido que tem por intuito produzir. O investimento temático e figurativo é um “outro núcleo de entradas e observações no Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 objeto de comunicação, ligado àquilo se diria tecnicamente Semântica discursiva” (PERUZZOLO, 2004, p. 181). Na verdade, o que se faz ao analisar o discurso, é detectar modos de produção do dito. Assim, é analisado o modo de produção do discurso, os recursos de persuasão aplicados, em relação aos efeitos de sentidos produzidos e os valores por fim movimentados. É a partir de 1970, com Roland Barthes, que começam a surgir idéias a respeito de uma Semiologia dos Discursos (PERUZZOLO, 2004). A partir de então, todo objeto cultural é entendido enquanto discurso, sendo que os textos apresentam uma pluralidade de efeitos de sentidos em situação de comunicação. Ainda segundo a teoria de Barthes, citada em Peruzzolo (2004), há três categorias semiológicas que ajudam na compreensão dos processos de análise que são a denotação, a conotação e a polissemia. A denotação e a conotação são categorias que procuram exprimir o grau de entendimento/compreensão dos significados dentro das linguagens, ao passo que a polissemia é a categoria de análise que oferece a compreensão das formas de disseminação dos sentidos nos processos de significações. De acordo com Peruzzolo, o processo de significação, dentro da linha de pensamentos de Saussure, é o processo que une o significante (matéria volúvel, nada que os sentidos possam tocar) e o significado (aquilo que se tem na mente). De outro modo, de acordo com os pensamentos de Barthes, ainda segundo Peruzzolo, o conceito a respeito do processo de significação é ampliado e passa a representar a relação entre o plano de expressão e o plano de conteúdo, quer dizer, é o processo que une o plano material ao plano mental. A partir disso, inferimos que toda vez que tivermos um significante e um significado correspondente, estaremos diante de um signo denotativo. No entanto, quando o signo denotativo funcionar como significante para um significado diferente do usual, não representando a coisa em si, teremos um modo de significação conotativa, sendo que o signo conotativo é o responsável pela produção do significado figurado. Em outros termos, a denotação é aquela em que o significante encontra o seu significado correspondente, apresentando sentido literal, com tônica referencial, consagrada na comunidade falante. “A leitura denotativa é o reconhecimento dos signos na sua literalidade e o desvelamento do significado amarrado a sua literalidade” (PERUZZOLO, 2002, p. 111). Por isso, diz-se que a leitura denotativa é a leitura primeira, aquela que busca montar o texto, em busca das relações significantes que organizam os significados. Seguindo a linha de pensamento de Peruzzolo (2002, p. 112) “na análise semiológica denotativa, os signos são analisados mais como apontadores, indicadores de objetos, de referências, circunstâncias e aspectos, e menos como significantes produtores de sentidos”. Quer dizer, a leitura denotativa travada nas imagens seguintes tem o intuito de reconhecer os significados “puros” que se pode tirar do objeto de comunicação, não tendo por intuito criar significados e sentidos além da verdade primeira. A conotação é a categoria de análise em que o signo denotativo, ou seja, a relação entre o plano de expressão e o plano de conteúdo, coloca-se como um Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 significante de um outro significado, apresentando assim um sentido figurado. A significação conotativa é aquela lida nas entrelinhas das relações textuais que constroem os discursos. A conotação trabalha significados segundos atrelados ao primeiro. O entendimento do significado denotativo serve de base para o entendimento da análise posterior conotativa dos textos icônicos de que trato nesse trabalho. Ao ler os significados segundos que o texto é capaz de produzir, chegamos até as cadeias significantes de forma subjetiva, pois lemos sentimentos, abstrações, aquilo que “parece ser”, elementos estes que não detectamos através da leitura denotativa. O modo de significação conotativo envolve a leitura de significados que vão além da leitura singular, fugindo um pouco da literalidade dos signos. Todo texto é composto integralmente de signos, que só são signos no momento em que estiverem organizados dentro de um modo sistemático. Signo é uma unidade a partir da qual se procura desvendar o jogo das significações que é produzido com ele, mas é o texto o grande responsável pelo agenciamento dos significados. Sendo que texto “aquilo que foi tecido (composto) como uma unidade. Ele é uma tessitura de signos para servir de mensagem, de entre os comunicantes” (PERUZZOLO, 2002, p. 114). Cabe aqui delimitarmos sentidos e significados. Os significados são colhidos de dentro do texto, pois se formam na relação de signo para signo, dentro de um contexto. Enquanto que os sentidos se formam fora do texto e dependem da capacidade intertextual e do repertório de conhecimento de seu receptor, para poder decodificar e relacionar o dito com o contexto fora dali. Segundo Peruzzolo “sentidos são conhecimentos e características complementares ao manipulado da matéria” (2002, p. 130). A polissemia é aquela categoria que busca sentidos nos contextos e nas estruturas, sendo assim uma análise crítica e reflexiva, apresentando até mesmo um enunciado com juízo de valor sobre ele. Ao contrário da conotação em que o significado segundo (figurado) está ligado a um significante primeiro, a polissemia cuida das idéias mais amplas e ricas trabalhadas no texto, de acordo com o contexto e a estrutura de qual fazem parte. A leitura polissêmica oferece a descoberta dos sentidos agenciados nos texto, assim como os valores presentes nos discursos, que sempre estarão presentes no fazer da leitura, havendo uma relação imediata entre sentidos e valores produzidos. A imagem, enquanto texto, pode ser vista como um todo, ou por partes. Um signo em particular não constrói sentidos. Somente no jogo da leitura do texto os signos são capazes de oferecer os sentidos e os valores relativos ao discurso. As três categorias de análise de modos de leitura semiológica são capazes de oferecer a interpretação completa de um texto, não somente oferecendo um sentido único àquilo que é dito, mas mostrando a pluralidade de que o texto é composto, de toda a sua força de expressão que é capaz de produzir sentidos diversos. Bem dito nas palavras de Barthes (1971) quando se vai a busca dos sentidos e significados de um texto, não se procura descobrir a verdade absoluta do texto, mas sim o seu plural, as suas potencialidades. Revista ESFERA Ano 1 Vol.1 nº 2 Jul-Dez/2008 Bibliografia BARTHES, Roland. Elementos de Semiologia. São Paulo: Cultrix Editora da USP, 1971. DUARTE, J. Assessoria de imprensa e relacionamento com a mídia. São Paulo: Cortez, 2002. MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: Ed. Unicamp, 1993. PERUZZOLO, Adair C. A diferença do olhar: estratégias sobre a imagem. Relatório produzido para o CNPq. Santa Maria, RS/UFSM, 2001. PERUZOLLO, Adair Caetano. Estratégias dos Signos. Aprender a ler os signos. Santa Maria, 2002. PERUZZOLO, Adair C. Elementos da semiótica da Comunicação. São Paulo: Edusc, 2004. PERUZZOLO, Adair C. A Comunicação como encontro. Bauru, São Paulo: Edusc, 2006.