MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014
A crise do Marrocos e a teoria da acumulação de Rosa
Luxemburgo
Rosa Rosa de Souza Rosa Gomes1
Resumo
Este artigo faz parte de um projeto de pesquisa que pretende analisar a teoria da
acumulação de Rosa Luxemburgo e suas contribuições inserida no debate da socialdemocracia alemã da época. A escolha da crise do Marrocos de 1911 coloca-se porque o
debate no congresso do partido e na imprensa daquele ano sobre o tema expressa de
forma bastante evidente a relação entre os posicionamentos políticos de Rosa no interior
do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) e sua teoria econômica de Rosa.
Palavras-chave: Marrocos; imperialismo; Acumulação; Rosa Luxemburgo; militarismo.
Apresentação
“A história é sempre a história do presente”.
Benedetto Croce.
A análise dos debates do Partido Social-Democrata Alemão (SPD) entre 1898 e
1914 pode ajudar a entender melhor a teoria da acumulação de Rosa Luxemburgo e suas
motivações para escrever a obra. Para este seminário, escolhi o ano de 1911 e os debates
sobre a crise do Marrocos, porque o livro A Acumulação do Capital foi escrito em 1912 e
publicado em 1913, portanto, muito próximo às discussões sobre aquela crise com a
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Mestranda em História Econômica na Universidade de São Paulo, graduada em história pela
mesma universidade. [email protected]
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possibilidade de haver muitos elementos daqueles debates no interior da obra, como
veremos2.
O que foi a crise do Marrocos e a corrida armamentista?
Segundo Eric Hobsbawn, a era dos Impérios, de 1875 a 1914, é assim
denominada não apenas por ser o período de um novo imperialismo, mas por ser também
um dos períodos com o maior número de imperadores. Este imperialismo se caracteriza
pela submissão de áreas subdesenvolvidas ou conquista efetiva de colônias e por ser
subproduto de uma economia internacional baseada na concorrência entre as potências
industriais. O motivo econômico estava ligado ao político, só os dois juntos poderiam
fazer o imperialismo funcionar e, em pouco tempo, possuir colônias virou também uma
questão de status.
Para o autor, os socialistas nunca se calaram sobre a colonização, mas poucos
fizeram algo de efetivo para organizar a resistência. Em sua maioria encararam o
colonialismo como um sintoma e uma característica do imperialismo. E aqui, colocamos
também a crise do Marrocos: pouco foi feito de concreto pelo Partido Social-Democrata
Alemão (SPD) para combater o seu conteúdo imperialista e a política colonial alemã. Na
verdade, alguns membros do partido chegaram a defender que os interesses alemães
deveriam ser preservados no Marrocos; os socialistas, enfim, também se encontravam no
debate da civilização e do papel do Europeu como civilizador do mundo.
Da perspectiva do imperialismo, o Marrocos tinha um interesse especial para as
potências europeias por sua localização geográfica tornando-se, assim, área de disputa
entre França, Alemanha, Espanha e Inglaterra. Segundo Hobsbawm, as duas crises pelas
quais passou a região tiveram papel de destaque na deflagração da Primeira Guerra
Mundial.
Conforme o discurso de August Bebel no Congresso do SPD em Jena, de 10 a 16
de setembro de 19113, o Marrocos não saiu da pauta de discussão dos alemães desde
2
Deixo aqui uma pequena observação: fazer as correlações entre o momento histórico de
Luxemburgo, as motivações de seu pensamento e o presente de nosso país com a sombra do fascismo não
está nas perspectivas do historiador acadêmico atualmente, deixo isso, pois, para as faces militantes, para as
quais a memória não respeita métodos nem temporalidades. À teoria.
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Este evento, como os outros citados neste trabalho, era o congresso que o partido realizava todos
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1903. Por sua própria descrição, seria mais exato desde 1904. Nesta data França e
Inglaterra assinaram um acordo que deixava o Egito para a Inglaterra e esta reduziria o
seu comércio no Marrocos, deixando-o para a França. A Alemanha, envolvida na disputa
colonial a partir de Bismarck, decidiu reagir e o Imperador alemão Wilhelm II visitou o
Marrocos em 1905, mostrando-se amigo e defensor dos interesses do sultão marroquino.
A tensão gerada levou ao tratado de Algecira, assinado em 1906 garantindo a
independência comercial formal do Marrocos, mas fixando a influência política francesa
no país. Quando em 1911 a França decidiu estender sua dominação na região, a
Alemanha se declarou fora do tratado e enviou dois navios de guerra, Panther e Berlim,
para Agadir, cidade situada ao sul do Marrocos, no dia 1 de julho de 1911.4
Internamente, a Alemanha estava em ano de campanha para o Reichstag
(parlamento do Império alemão), pois as eleições ocorreriam no início de 1912. Assim,
era um ano importante para o SPD que procurava aumentar o número de deputados no
parlamento5. A discussão no partido deu-se, então, em torno do conteúdo da propaganda a
ser feita naquele ano: enfatizar a necessidade da paz ou esclarecer a questão do
militarismo? Entre estas duas posições, temos ao fundo o debate entre os
reformistas/revisionistas e os revolucionários.
Para os primeiros, o partido deveria defender a paz combatendo os belicistas.
Bernstein chega a dizer que o maior problema não era a guerra, esta não parecia tão
eminente, mas sim os reflexos do armamentismo na política interna do país, este seria o
problema da política mundial.
A guerra não virá hoje tão rápido, se é que ela virá. O perigo está, do
meu ponto de vista, menos na guerra – a qual todos os governos temem
-, o perigo está na corrida armamentista e sua repercussão na política
os anos para discutir o balanço do ano anterior e pautas do momento.
4
Segundo o discurso de Bebel, uma empresa alemã teria pedido ajuda ao governo para controlar
rebeliões no sul do país que ameaçavam os negócios. Assim, os navios seriam apenas para salvaguardar
interesses alemães e não para ameaçar uma conquista da região.
5
Apesar de muitas discussões internas sobre a forma da campanha, o SPD atinge um número de
quase 1 milhão de membros em 1912 e consegue a maioria no parlamento, 110 cadeiras de 397. A
esperança é que conseguissem fazer alianças para governar a esquerda, mas isso não aconteceu.
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interna dos diferentes países (Protokoll des Parteitages, 1911: p. 239).6
Já a esquerda, especificamente Rosa Luxemburgo, acreditava que a questão não
era defender a paz misturando-se ao argumento burguês, mas criticar o imperialismo,
esclarecer que o armamentismo faz parte da política imperialista e ambos são essenciais
para o capital, sendo a revolução a única saída. Ela declarou no Congresso de 1911:
um ponto de vista, que é extraordinariamente útil e importante na nossa
agitação em geral contra o militarismo, é que os armamentos são em si
uma aparência ameaçadora, que precisamente através da corrida
armamentista não se afasta o perigo da guerra, mas antes se aumenta
ele. Na resolução falta também a relação entre os acontecimentos do
Marrocos e a questão universal do militarismo, que não são separáveis
uma da outra (Protokoll des Parteitages, 1911: p. 349).7
Este debate teve reflexos na prática do partido neste momento de tensão. Quando
o navio saiu em 1 de julho de 1911 em direção a Agadir no Marrocos, a II Internacional
Socialista lançou um comunicado a todos os partidos perguntando sobre a possibilidade,
ou não, de uma reunião com delegados para discutir o problema.
Os franceses foram a favor desde que os delegados de espanha, alemanha e
Inglaterra participassem. Os ingleses, de um modo geral, defenderam a reunião, se a crise
se prolongasse. Os espanhóis concordaram também. No entanto, a proposta de Bebel era
esperar um pouco para não gastar a munição8, esperar até a situação de tornar mais clara.
6
“Der Krieg kommt heute so schnell nicht, wenn er überhaupt kommt. Die Gefahr liegt meiner
Ansicht nach weniger im Krieg – davor haben alle Regierungen Furcht -, die Gefahr liegt in der
Kriegshetze und in ihrer Rückwirkung auf die innere Politik der verschiedenen Länder”. Eduard Bernstein,
pauta Geschäftsbericht des Parteivorstandes. In: Protokoll über die Verhandlungen des Parteitages der
Sozialdemokratischen Partei Deutschlands abgehalten in Jena vom 10. september bis 16. 1911. Berlin:
Buchhandlung Vorwärts Paul Singer, 1911, p. 239.
7
“ein Standpunkt, der uns ausserordentlich nützlich und wichtig ist in unserer allgemeinen
Agitation gegen den Militarismus, dass nämlich die Rüstungen an sich eine gefahrdrohende Erscheinung
sind, dass gerade durch das Wettrüsten die Kriegsgefahr nicht beseitigt, sondern noch gesteigert wird. In
der Resolution fehlt auch der Zusammenhang zwischen der Marokkoangelegenheit und der allgemeinen
Frage des Militarismus, die voneinander nicht zu trennen sind.” Rosa Luxemburgo, pauta Die
Marokkofrage. In: Protokoll über die Verhandlungen des Parteitages der Sozialdemokratischen Partei
Deutschlands abgehalten in Jena vom 10. september bis 16. 1911. Berlin: Buchhandlung Vorwärts Paul
Singer, 1911, p. 349.
8
A carta de Bebel foi publicada como anexo na Ata do Congresso de 1911 e diz: “nós devemos
esperar, por enquanto, a chamada da conferência e não gastar (verschiessen) nossa pólvora tão cedo”.
Anexo I Zur Marokkofrage. In: Protokoll über die Verhandlungen des Parteitages der Sozialdemokratischen
Partei Deutschlands abgehalten in Jena vom 10. september bis 16. 1911. Berlin: Buchhandlung Vorwärts
Paul Singer, 1911, p. 464-470. Verschiessen em alemão significa consumir a munição, mas sem êxito.
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Além disso, ele [o socialista alemão] deixou claro na correspondência que não
participaria da reunião caso ela ocorresse de fato, o que tornava sem sentido o chamado
da Internacional. Desta forma, ela não se reuniu.
Foi somente em meados de agosto que a direção soltou um panfleto sobre a crise,
o qual foi redigido por Karl Kaustsky. Este veio a público depois de manifestações em
Berlim, organizadas sem o chamado central do partido, e da intervenção inglesa no
conflito. Seria apartir daí que a situação teria se tornado crítica para a direção e esta se
posicionou.
Com a hesitação da direção, a esquerda do partido e até alguns mais moderados
fizeram muitas críticas na imprensa e este fato irritou a direção, dando a tônica nos
debates do Congresso de Jena.
Marrocos e a questão Luxemburgo
A disputa colocada em 1911 rememora a de 1898: o debate Bernstein 9. Àquela
época, a direção do partido votou contra o revisionismo, mas manteve Bernstein na
organização. Segundo Carl Schorske, a tensão que aparece neste debate era uma
contradição interna do SPD, decorrente de seu programa, formulado em 1890. Este
procura unir uma tática reformista com uma teoria revolucionária, daí as contradições
pelas quais passou o partido até 1914.
Nos primeiros anos do embate defendeu-se a revolução, mas a intensificação das
práticas reformistas, o crescente papel das eleições e da burocratização do partido
levaram a uma adoção gradual do revisionismo. Ainda que isso não fosse dito com todas
as letras é o que aparece nos debates posteriores do partido como em 1911. Neste
momento, percebe-se um maior cuidado com os discursos radicalizados e uma tentativa
de conciliação com a burguesia, colocando a revolução como um fim cada vez mais
distante.
Nesta polêmica sobre a crise marroquina, Bernstein apareceu novamente,
propondo que o SPD fosse um instrumento de pressão para a moralização da política
9
Polêmica dentro do partido por causa da teoria de Eduard Bernstein de que seria possível chegar
ao socialismo pelas reformas, caracterizando o reformismo. Estas teses levaram ao texto de Rosa
Luxemburgo, Reforma ou Revolução, e a intensos debates nos Congresso do partido de 1898 e 1899.
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externa alemã, fazendo-se cumprir os tratados internacionais10. No entanto, o próprio
August Bebel, que defendeu os reformistas no congresso de 1911, admitia que os acordos
mundiais não funcionavam para muita coisa, o acordo de Algecira de 1906, por exemplo,
durou apenas até 1909, quando a Alemanha teve que fazer outro acordo com a França
sobre o Marrocos, que também não funcionou.
No meio tempo, Abdul Afis foi derrubado por seu irmão Muleh Hafid.
Um número de ramos não concordaram com isso. Eles se opuseram e
recorrem a violência. Breve, as coisas tornaram-se pouco a pouco
desagradáveis no Marrocos. Então, o governo alemão acreditou que
precisava de um acordo especial com a França, através do qual a seu
ver, os interesses alemães frente aos franceses fossem mais amplamente
assegurados, do que foram no Acordo de Algecira. Deveria, assim, ser
desenhada uma linha divisória, que distinguiria os interesses de ambas
potências. Este foi o contrato de 9 de Fevereiro de 1909, o acordo
franco-alemão, que foi declarado como uma continuação no espírito do
Acordo de Algecira, mas que o rasgou completamente (Protokoll des
Parteitages, 1911: p. 338).11
Assim, com relação aos acordos diplomáticos, talvez houvesse maior conciliação
dentro do partido de que eles não funcionavam na disputa por colônias, mesmo que os
argumentos fossem bem diferentes para explicar isso. E não significava uma política mais
revolucionária por parte do centro e da direita social-democrata.
Karl Kautsky, por exemplo, esteve no centro deste debate sobre o Marrocos
porque foi o autor do panfleto da direção. Ele defendia que a social-democracia era o
único partido que lutava pela paz verdadeiramente e todos aqueles que assim o desejavam
10
Esta informação foi retirada do artigo de Rosa Luxemburgo “Kleinbürgerliche oder proletarische
Weltpolitik?”, publicado originalmente no Leipziger Volkszeitung, em ago 1911. Disponível em
<http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/08/kbodprol.htm>. Acesso em 13 de abril de
2014.
11
“Mittlerweile wurde Abdul Afis von seinem Bruder Muleh Hafid gestürzt. Eine Anzahl Stämme
waren aber damit nicht einverstanden. Sie opponierten und griffen zur Gewalt. Kurz, die Dinge wurden in
Marokko allmählich sehr ungemütlich. Nun glaubte die deutsche Regierung, noch ein besonderes
Abkommen mit Frankreich treffen zu müssen, durch das nach ihrer Ansicht, in höherem Masse, als es
durch die Algecirasakte geschah, die Interessen Deutschlands gegenüber denen Frankreichs gesichert
wurden. Es sollte gleichsam eine Scheidelinie gezogen werden, nach der die Interessen der beiden Mächte
auseinanderzuhalten seien. Das war der Vertrag vom 9. Februar 1909, das deutsch-frazsösische Abkommen,
das deklariert wird als Fortsetzung im Geiste der Algecirasakte, das sie aber vollständig zerrriss.” August
Bebel, pauta Die Marokkofrage. In: Protokoll über die Verhandlungen des Parteitages der
Sozialdemokratischen Partei Deutschlands abgehalten in Jena vom 10. september bis 16. 1911. Berlin:
Buchhandlung Vorwärts Paul Singer, 1911, p. 338.
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deveriam se unir ao partido ou à uma instituição ligada a ele. A ênfase dele estava na
defesa da paz.
O panfleto de Kautsky é de agosto de 1911, mas já em maio Rosa Luxemburgo
apresentou argumentos opostos a essa visão, o que demonstra que os debates sobre o
assunto já ocorriam no interior do partido. Este artigo de Rosa intitula-se Friedensutopien
(Utopias de Paz) e foi publicado no Leipziger Volkszeitung. Ali, ela expôs que a tarefa
fundamental da social-democracia não era demonstrar seu apoio à paz, mas a diferença
entre os socialistas e os burgueses que dizem defender a paz. Para demonstrar essa
diferença era necessário esclarecer a essência do militarismo: sua relação com o
capitalismo, esse era o caminho.
Além deste, Rosa escreveu outros e entrou em discussão direta com a direção
sobre as ações tomadas em relação a crise do Marrocos. Estes artigos foram encarados
como uma ofensa a membros do partido, principalmente o artigo de 24 de Julho,
chamado Um Marokko12 e publicado também no Leipziger Volkszeitung. Neste artigo,
Luxemburg publicou uma carta de Molkenbuhr, membro da direção, em que ele diz não
ser o momento para uma agitação geral sobre a crise do Marrocos, porque isso subjugaria
todas as questões de política interna àquele problema. Para ele, era necessário se
fortalecer internamente primeiro e o momento eleitoral pelo qual passavam era essencial
para tal.
Os artigos foram tomados no Congresso de Jena como uma grande indiscrição e o
congresso debateu o assunto. A direção tinha um tom acusativo à forma de Luxemburgo
fazer a crítica e se defendia das acusações de inatividade mostrando o trabalho que vinha
fazendo há anos e as ações sobre a questão específica do Marrocos corroborando o artigo
de Kautsky escrito a pedido deles. Enquanto a esquerda defendia a crítica como método
importante da atividade socialista e condenava a demora, a hesitação da direção em tomar
atitudes sobre a crise. Houve alguns que tomaram uma posição meio termo: censuraram a
forma de Rosa, mas também acharam que a direção foi muito lenta.
O grande problema para a direção era que Luxemburgo havia tornado público
12
Ainda não encontramos este artigo. Esta informação provém das discussões na ata do Congresso
de 1911. Protokoll über die Verhandlungen des Parteitages der Sozialdemokratischen Partei Deutschlands
abgehalten in Jena vom 10. september bis 16. 1911. Berlin: Buchhandlung Vorwärts Paul Singer, 1911.
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uma carta de Molkenbuhr respondendo ao chamado do Bureau da Internacional; isso
seria um problema, pois pode prejudicar mobilizações ao revelar questões ou táticas
internas. Ele respondeu a carta como indivíduo, porque a direção não tivera tempo de se
reunir. Rosa afirmou isso em seu artigo, mas este ainda foi um ponto discutido no
congresso, como se ela tivesse colocado a opinião do indivíduo como uma opinião de
toda a direção. O que ela criticou foi o ponto de vista deste membro da direção: ele
hesitava em agir para não subordinar as questões internas da Alemanha às questões
internacionais. Para Rosa, o momento de agir mostrou-se quando o navio alemão foi
enviado para o Marrocos.
...eu sustento hoje como antes – e espero que todos estejam comigo com
exceção de Molkenbuhr – o ponto de vista de que não era este ou aquele
discurso de um ministro inglês, mas o envio de um navio de guerra da
parte dos alemães para Agadir, portanto uma violenta intervenção do
Império Alemão na aventura marroquina, o momento certo para
desenvolver uma ação contra o perigo do Marrocos (Protokoll des
Parteitages, 1911: p. 247).13
Mas não para a direção. O próprio discurso de Bebel sobre a questão Marrocos no
congresso enfatiza que o envio do navio não teria nada a ver com uma tentativa de
conquistar a região por parte do governo alemão, mas seria apenas um socorro prestado a
uma empresa alemã no local. A imprensa burguesa e nacionalista é que teria transformado
a situação em uma tentativa colonial, o que o governo não conseguiu conter e precisou
encampar o discurso.
Sobre isso [o atracamento do navio em Agadir] foi publicada uma nota
oficiosa em 3 de Julho que dizia que firmas alemãs no sul do Marrocos
nas mediações de Agadir foram atingidas por uma certa inquietação por
causa da fermentação da população da região, que elas, por isso, teriam
pedido a proteção do governo, que não lhes pôde falhar. […] No começo
de Julho, o jornal 'Rheinisch-Westfälische' noticiou que uma sondagem
foi realizada nos principais grandes industriais, políticos nacionais,
homens da ciência e velhos oficiais sobre a questão do Marrocos. Estes,
13
“...ich stehe heute wie damals – und ich glaube alle mit mir ausser Molkenbuhr – auf dem
Standpunkt, dass nicht diese oder jene Rede eine englischen Ministers, sondern die Tatsache der Absendung
eines Kanonenbootes deutscherseits nach Agadir, d.h. ein tätlicher Eingriff des Deutschen Reiches in das
Marokkoabenteuer, der gegebene Moment war, um eine aktion gegen die Marokkogefahr zu entfalten”.
Rosa Luxemburg, pauta Geschäftsbericht des Parteivorstandes. In: Protokoll über die Verhandlungen des
Parteitages der Sozialdemokratischen Partei Deutschlands abgehalten in Jena vom 10. september bis 16.
1911. Berlin: Buchhandlung Vorwärts Paul Singer, 1911, p. 247.
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especialmente os principais grandes industriais, teriam se manifestado
em sua maioria a favor de uma intervenção ativa no Marrocos, por um
acordo para uma mudança de poder em favor da Alemanha. Aqui temos
os provocadores da guerra. Estes são distintivamente os círculos, nos
quais todo o belicismo foi posto em cena, que tem um monstruoso poder
material atrás de si, que tem uma série de jornais e o ouvido do governo
imperial (Protokoll des Parteitages, 1911: p. 340-341).14
No entanto, ocorreu uma sondagem, conforme a citação acima, com os principais
interessados sobre uma intervenção no Marrocos e eles se manifestaram a favor. O
governo respondeu a estas expectativas e ao alarde da imprensa burguesa. Foi somente
quando os alaridos para uma colonização alemã começaram a se intensificar e os outros
governos a agir para combater a investida que a ação se fez necessária, do ponto de vista
da direção. Mas, como disse Clara Zetkin em fala citada anteriormente, não se tratava
apenas de combater os nacionalistas, mas o colonialismo, o imperialismo em geral. Não
havia como pôr em dúvida que o envio do navio alemão desencadearia uma reação
inglesa sendo o Marrocos uma região estratégica em seu comércio com a Ásia, pois era
rota para dois caminhos comerciais15; além do que, os navios foram para Agadir sem a
aprovação do Reichstag o que já seria motivo suficiente para a movimentação do SPD
14
“Darauf wurde am 3. Juli offiziös eine Note veröffentlicht, in der es hiess, dass deutsche Firmen
in Südmarokko in der Umgegend von Agadir von einer gewissen Unruhe über die Gärung unter der
dortigen Bevölkerung erfasst seien, dass sie deshalb bei der Regierung um Schutz gebeten hätten, den man
ihnen nicht versagen könne. […] Anfang Juli meldete die 'Rheinisch-Westfälische Zeitung', dass eine
Umfrage unter den führenden Grossindustriellen, nationalen Politikern, Männern der Wissenschaft und
älteren Offizieren über die Marokkofrage veranstaltet worden sei. Diese hätten sich, und besonders die
führenden Grossindustriellen, in den Hauptsache für ein aktives Einschreiten in Marokko ausgesprochen,
für einen Ausgleich für eine Machtverschiebung zugunsten Deutschlands. […] Hier haben wir also die
Kriegshetzer. Das sind vornehmlich die Kreise, die die ganze Kriegshetze in Szene gesetzt haben, die eine
ungeheure materielle Macht hinter sich haben, die eine ganze Reihe von Zeitungen und das Ohr der
Reichsregierung haben.” August Bebel, pauta Die Marokkofrage. In: Protokoll über die Verhandlungen des
Parteitages der Sozialdemokratischen Partei Deutschlands abgehalten in Jena vom 10. september bis 16.
1911. Berlin: Buchhandlung Vorwärts Paul Singer, 1911, p. 340-341.
15
Clara Zetkin diz que Gibraltar protegia os dois caminhos para as Índias. In: pauta
Geschäftsbericht des Parteivorstandes. In: Protokoll über die Verhandlungen des Parteitages der
Sozialdemokratischen Partei Deutschlands abgehalten in Jena vom 10. september bis 16. 1911. Berlin:
Buchhandlung Vorwärts Paul Singer, 1911, p. 262. E Hobsbawm fala da região como um lugar estratégico
para as potências européias. In: HOBSBAWM, Eric. A Era dos Impérios. São Paulo: Paz e Terra, 2011, p.
431. Provavelmente a questão era a defesa do caminho através do canal de Suez até as Índias e do outro
contornando a África através do Cabo da Boa Esperança e passando por Gibraltar.
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16
(Protokoll des Parteitages, 1911: p. 261 a 263).
O partido estava com medo do processo eleitoral pelo qual passava, receava
perder sua base e os mandatos no Reichstag. A esquerda percebeu isso e questionou este
critério. Nas palavras de Rosa Luxemburgo:
A direção do partido não é outra coisa que nosso mandatário, ela age por
nós em nosso nome, e quando nós dizemos para ela que ela não agiu
certo não lhe cabe dizer: isso é nosso assunto discreto, não se metam. E
era, então, tão improvável supor, que a direção aqui se deixou retrair
para uma verdadeira ação por causa de considerações falsas sobre as
eleições parlamentares? É esta a primeira vez que nós discutimos essa
questão? Eu peço a vocês que leiam a ata do Congresso de Mainz.
Estávamos naquele momento no meio da crise da China, também lá a
direção do partido não provocou a ação certa, no momento certo. É,
então, tão improvável supor que ela também dessa vez absteve-se da
ação em consideração às eleições? (Protokoll des Parteitages, 1911: p.
206)17
Em relação às eleições, Clara Zetkin afirmou:
Já foi dito que nós tínhamos que ser cautelosos e discretos por causa das
eleições. Mas precisamente a utilização da aventura marroquina para
fins eleitorais era o estímulo mais forte para nós entrarmos em cena
imediatamente. Não há melhor preparação da nossa marcha para as
próximas eleições parlamentares que levar para as massas mais amplas
o esclarecimento sobre as relações históricas, das quais a aventura do
Marrocos naturalmente cresceu, como fruto maduro (Protokoll des
Parteitages, 1911: p. 262 e 263).18
16
Clara Zetkin, idem, p. 261 a 263.
17
“Der Parteivorstand ist nichts anderes als unser Beauftragter, er handelt für uns in unserem
Namen, und wenn wir ihm sagen, er hat nicht das Richtige getan, dann steht es ihm nicht zu zu sagen: Das
ist unsere diskrete Angelegenheit, mischt Euch nicht ein. Und war es denn so unwahrscheinlich
anzunehmen, dass der Parteivorstand hier aus falschen Rücksichten auf die Reichstagswahlen sich von
einer wirklichen Aktion hat zurückhalten lassen? Ist es das erstmal, dass wir eine solche Angelegenheit
diskutieren? Ich bitte Sie, das Protokoll des Mainzer Parteitages nachzulesen. Damals standen wir mitten in
der China-Krisis, auch damals hatte der Parteivorstand nicht im richtigen Moment die richtige Aktion
hervorgerufen. Ist es denn so unwahrscheinlich anzunehmen, dass er mit Rücksicht auf die
Reichstagswahlen auch diesmal die Aktion unterlasssen hat?” Rosa Luxemburg, pauta Geschäftsbericht des
Parteivorstandes. In: Protokoll über die Verhandlungen des Parteitages der Sozialdemokratischen Partei
Deutschlands abgehalten in Jena vom 10. september bis 16. 1911. Berlin: Buchhandlung Vorwärts Paul
Singer, 1911, p. 206.
18
“Nun ist gesagt worden, wir hätten wegen der Wahlen vorsichtig, zurückhaltend sein müssen.
Gerade aber die Rücksicht auf die Ausnutzung der Marokkoabenteuers zu Wahlzwecken war der stärkste
Ansporn für uns, sofort auf den Plan zu treten. Es gibt keine bessere Vorbereitung unseres Aufmarsches zu
den nächsten Reichstagswahlen, als wenn wir unter die breitesten Massen die Aufklärung über die
geschichtlichen Zusammenhänge tragen, aus denen das Marokkoabenteuer naturnotwendig als reife Frucht
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As eleições não deveriam ser uma desculpa, mas o momento crucial para ensinar
as massas, levá-las adiante na sua consciência, relacionando o momento com sua
historicidade. Assim, o discurso da cautela liga-se a uma tática em que é preciso tomar
cuidado com as ações para que ela não espante um eleitorado que, no fundo, é mais
conservador, enquanto que a ação explícita, procurando conscientizar e inflar as massas
objetiva fazer a história a passos largos. Percebemos aqui como o debate sobre a tática
carrega também o debate sobre os objetivos do partido: a tomada do poder institucional
ou a revolução das massas. E os objetivos socialistas tem relação direta com a teoria: é
possível a transformação com a tomada do estado eleitoralmente ou é necessário uma
nova reformulação do mundo para o socialismo?
Isto se torna mais claro quando analisamos duas propostas de resolução sobre a
crise do Marrocos neste congresso de 1911: 1) a da direção 2) a de Rosa Luxemburgo,
Clara Zetkin e Gustav Hoch.
A proposta da direção, a moção 71, ressaltava que o partido se colocaria contra
qualquer tentativa de provocar uma guerra entre os povos de cultura: francês, inglês e
alemão e rechaçava os incentivos ao confronto que se justificavam com o argumento de
que a honra do povo alemão estaria sendo atacada. Esta tentativa de levar a guerra seria
uma falsificação dos fatos.
Além disso, a guerra serviria apenas aos produtores de armas e são eles que
tentam deflagrá-la, pressionando o governo que, conforme responde, deixa claro o seu
grau de servilismo à classe dominante. Por fim, exigia o chamado do Reichstag para que
os representantes do povo pudessem expressar sua opinião e se opor às maquinações dos
inimigos.
Já a proposta de Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin e Gustav Hoch, a moção 82,
pretendia fazer alterações no texto da direção: 1) protestava contra qualquer tipo de
guerra de subjugação de povos bárbaros ou semi-bárbaros [não europeus]; 2) enfatizava a
exploração dos povos indígenas dos diferentes países; 3) responsabilizava todos os outros
partidos que ou incentivam o nacionalismo ou se opunham à condenação do imperialismo
hervorgewachsen ist.” Klara Zetkin, pauta Geschäftsbericht des Parteivorstandes. In: Protokoll über die
Verhandlungen des Parteitages der Sozialdemokratischen Partei Deutschlands abgehalten in Jena vom 10.
september bis 16. 1911. Berlin: Buchhandlung Vorwärts Paul Singer, 1911, p. 262 e 263.
11
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(conservadores Junker, Zentrum, liberais); 4) o SPD colocava-se contrário a qualquer
tentativa, ainda que diplomática, de aumentar as colônias alemãs.
Esta moção radicalizava mais a posição do partido, afastando-o dos burgueses e
enfatizando o caráter imperialista da política colonial, tanto da corrida armamentista
quanto dos acordos diplomáticos de divisão do mundo. Em sua profundidade, a resolução
condenava a exploração de qualquer povo, europeu ou não, e defendia o direito a
existência livre das diferentes culturas.
Rosa defendeu as emendas dizendo que esta resolução tinha um peso enorme na
briga contra a burguesia. Ela apareceria nos jornais burgueses e sindicais, ainda que eles
não fizessem a discussão, e por isso deveria conter bases mínimas de ação e os princípios
da Social-Democracia. A resolução deveria ser encarada como um norte para a ação
também para o partido.
A questão central era esclarecer o militarismo através das alterações que eles
propunham, enfatizar sua relação com a política colonial e com o problema do Marrocos,
responsabilizando também os partidos e não apenas os capitalistas abstratos, já que
aqueles estavam em confronto direto com a ação do SPD por atuarem na mesma frente.
Especialmente consideramos necessário que o auge da resolução não se
dirija apenas contra estas maltas capitalistas, mas contra aqueles
partidos políticos […] que apoiam o militarismo (Protokoll des
Parteitages, 1911: p. 349).19
A proposta seria alterar a resolução para que ela servisse tanto para o Marrocos
como para abordar o militarismo e a política colonial, em geral.
Mas não houve discussão sobre as emendas, pois foi solicitada a aprovação da
moção da diretoria sem maiores discussões com o argumento de que o debate poderia
enfraquecer a ação do partido e eles não teriam condições de discutir o problema da
colonização naquele Congresso. Liebknecht tentou intervir pedindo o debate, pois para
ele faltava enfatizar a ação tomada pelas massas até aquele momento conclamando-as a
saírem às ruas contra a guerra. No entanto, a maioria votou pela suspensão da discussão e
19
“Insbesondere halten wir es für notwendig, die Spitze der Resolution nicht bloss gegen diese paar
kapitalistischen Cliquen, zu richten, sondern gegen diejenigen politischen Parteien, […] die den
Militarismus unterstützen” Rosa Luxemburg, pauta Geschäftsbericht des Parteivorstandes. In: Protokoll
über die Verhandlungen des Parteitages der Sozialdemokratischen Partei Deutschlands abgehalten in Jena
vom 10. september bis 16. 1911. Berlin: Buchhandlung Vorwärts Paul Singer, 1911, p. 349.
12
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a resolução da diretoria foi aprovada sem modificação.
Observamos aqui as diferenças de perspectiva da direita - Bebel, Kautsky,
Molkenbuhr, Bernstein - e esquerda do partido – Clara Zetkin, Rosa Luxemburgo, Karl
Liebknecht. A primeira ala preocupa-se com o conflito entre os povos europeus e trata a
ação do ponto de vista parlamentar. A segunda ala está interessada na discussão sobre o
imperialismo e sua relação com o capitalismo, escolhendo a ação das massas como a
forma de luta.
No debate do congresso, as relações entre imperialismo, militarismo, colonialismo
e o capitalismo aparecem de forma mais superficial, assim como nos textos de
Luxemburgo do período. Mas a forma como elas são enfatizadas ou não, mostra-nos o
lugar de fala de cada um no partido e indica qual teoria os serve.
O Marrocos e A Acumulação do Capital
“A nossa tarefa não consiste apenas em manifestar
pesadamente a todo o momento o amor pela paz da
Social-Democracia, mas, em primeiro lugar, esclarecer a
massa do povo sobre a essência do militarismo e destacar
nítida e claramente a diferença fundamental entre a
posição da Social-Democracia e aqueles adoradores da
paz burgueses.”20
Rosa Luxemburgo
(http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/
05/utopien.htm)
Em 1911, o revisionismo tinha ganhado novos teóricos na Alemanha como o
economista russo-ucraniano Mikhail Tugán-Baranovski. Seus textos estavam traduzidos
para o alemão desde 1905 e são importantes para o debate sobre a tática e a teoria do
socialismo alemão do período, especificamente sobre o livro de Rosa Luxemburgo A
Acumulação do Capital. Rosa dedica um capítulo à crítica da teoria de Baranovski e
ainda o cita algumas vezes na seção 3 do livro, “As condições históricas da acumulação”.
20
“Unsre Aufgabe besteht nicht bloss darin, die Friedensliebe der Sozialdemokratie jederzeit kräftig
zu demonstrieren, sondern in erster Linie darin, die Volksmassen über das Wesen des Militarismus
aufzuklären und den prinzipiellen Unterschied zwischen der Stellung der Sozialdemokratie und derjenigen
der bürgerlichen Fridensschwärmer scharf und klar herauszuheben”. in: LUXEMBURG, Rosa.
Friedensutopien. Publicado originalmente em Leipziger Volkeszeitung, nº 103, 6 mai 1911 e nº 104, 8 mai
1911. Disponível em <http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/05/utopien.htm>, acessado
em 12 de abril de 2014.
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Tugán-Baranovski, em poucas palavras, acredita que o capitalismo tem uma
capacidade de reprodução infinita e seu mercado consumidor seria criado pela própria
produção. Para o economista, ao substituir os trabalhadores pelas máquinas, estas
atuariam como “consumidoras”, podendo-se abstrair o papel do homem na realização da
mais-valia. Assim, as crises só ocorreriam por causa de uma desproporcionalidade dos
ramos de produção e, por isso, o papel do socialismo seria regulá-la, estabelecendo a
proporcionalidade entre produção e consumo. Neste caso, a revolução se resumiria a
tomada de consciência das pessoas, pois as condições materiais para o socialismo já
estavam dadas, resumindo a questão apenas a um problema de gerência do sistema.
Este é um exemplo de como na época do debate sobre o Marrocos a discussão
sobre a acumulação capitalista e as suas implicações para a revolução e a prática do
partido já estavam disseminadas, tanto a direita como a esquerda do SPD. Os argumentos
desse debate expressaram-se também em 1911 no panfleto de Kautsky e nos textos de
Rosa Luxemburgo. Mais adiante veremos como muitos elementos apontados por essa
última autora nessa discussão estão expressos em seu livro A Acumulação do Capital.
No panfleto, Kautsky fala da diferente situação das colônias naquela época. Uma
colonização como as do século XVI e XVII não seria mais possível, porque os povos
tinham aprendido com os europeus e não permitiriam ser explorados por um outro país
caso se tornassem independentes. Além disso, para ele, poucos seriam os capitalistas que
ganhariam com um conflito europeu e a maioria das pessoas tinha muito a perder. A
mobilização contra a guerra teria um lugar privilegiado na Alemanha, pois esta tinha
interesses muito menores no Marrocos e as contradições de classe se intensificaram por
causa do encarecimento geral das coisas e dos crescentes impostos, tudo para cobrir os
custos bélicos.
Ainda segundo Kautsky, dentro da Alemanha, apenas o SPD seria capaz de
defender a paz de fato, porque os outros partidos ou sempre estiveram a favor da
Weltpolitik (política mundial) ou se renderam a ela. A social-democracia era a única
contra a guerra e pela paz, mas também procurava acabar com suas causas profundas. No
entanto, o dirigente social-democrata não explicita quais seriam essas causas, apenas
reforça o chamado ao partido para mobilizar todas as suas energias a favor da paz.
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Já Rosa Luxemburgo, nos três textos utilizados aqui, questiona a posição de
alguns membros do partido e esclarece a sua compreensão da crise interpretando-a dentro
de suas relações imperialistas. Para ela, a questão fundamental não era lutar pela paz, mas
utilizar a questão do Marrocos para esclarecer as massas sobre a questão do militarismo e
marcar a diferença entre a social-democracia e o resto dos partidos burgueses.
Luxemburgo entrou em debate direto com Bernstein no artigo Kleinbürgerliche
oder Proletarische Weltpolitik. Ela desconstruiu o argumento dele de que o partido devia
achar uma solução positiva do conflito através do Acordo de Algecira 21. Rosa colocou
que acordos não deveriam ser evocados e a luta do SPD era para mostrar a conexão
inerente entre imperialismo e capitalismo. A conquista e subjugação de países não
capitalistas é própria do imperialismo - período final do desenvolvimento deste modo de
produção. Em suas palavras:
Com “direito” e “moral” não se pode medir fenômenos como o
Imperialismo moderno. Suas tendências, suas raízes, seu significado
histórico como período final do desenvolvimento capitalista – atingir
isso é a tarefa da Social-democracia (LUXEMBURG, 1911:
http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/08/kbodprol.ht
m).22
Pensando nessa tarefa, Rosa propôs em outro texto que a ação da socialdemocracia deveria ser com as massas, elas deveriam se movimentar contra a guerra,
diferente da proposta de Bernstein e da direção do partido que evitou chamar
mobilizações nacionais. Para ela,
Não apenas a vanguarda organizada do proletariado, mas as camadas
mais amplas do povo trabalhador precisam ser instigadas para uma
tempestade de protestos contra as novas investidas da política mundial
capitalista
(LUXEMBURG,
1911:
http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/08/marokko.ht
21
Vimos acima, como essa posição parece ter sido rechaçada de um modo geral no partido, porque
mesmo parte da direita, representada na fala de August Bebel discordava disso.
22
“Mit 'Recht' und 'Moral' kann man solche Erscheinungen wie den modernen Imperialismus nicht
messen. Seine Tendenzen, seine Wurzzeln, seine historische Bedeutung als Schlussperiode der
kapitalistischen Entwicklung – das zu erfassen, das ist die Aufgabe der Sozialdemokratie.” LUXEMBURG,
Rosa.
Kleinbürgerliche
oder
proletarische
Weltpolitik.
Disponível
em
<http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/08/kbodprol.htm>. Acesso em 13 de abril de
2014
15
MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014
m).23
Rosa Luxemburgo fundamenta a sua crítica e proposta de ação na sua
compreensão do imperialismo e do militarismo. No texto Friedensutopien, ela descreve
este último como
em ambas as suas formas – como guerra ou como paz armada –, é um
filho legítimo, um resultado lógico do capitalismo que só pode ser
superado junto com o capitalismo, assim, quem quer sinceramente a paz
mundial e a libertação do terrível peso dos armamentos, deve também
querer
o
socialismo
(LUXEMBURG,
1911:
http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/05/utopien.htm
).24
O militarismo está, portanto, dentro da lógica do capitalismo e este só pode
sobreviver com ele, um só deixa de existir com o outro. Já nestes textos ela aponta que
A substância mais íntima, a essência, o sentido e conteúdo todo da
política imperialista dos Estados capitalistas é o despedaçamento
progressivo e constante de todas as terras e todos os povos não
capitalistas em farrapos, que serão gradualmente engolidos e digeridos
pelo capitalismo. […] A luta por esses farrapos de terras e povos
estranhos é o único conteúdo e objetivo tanto dos conflitos bélicos como
dos acordos públicos e secretos dos Estados, que são apenas um outro
método de direção da guerra imperialista […]. É, pois, este
desenvolvimento político mundial internacional nada mais que apenas o
reverso do desenvolvimento interno do capitalismo, no qual se baseia o
nosso empenho para a transformação socialista (LUXEMBURG, 1911:
http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/05/utopien.htm) .25
23
“Nicht bloss die organisierte Vorhut des Proletariats, sondern die breitesten Schichten des
arbeitenden Volkes müssen zu einem Protestsurm gegen den neuen Vorstoss der kapitalistischen Weltpolitik
aufgepeitscht werden”. Rosa Luxemburg, Marokko. Artigo publicado originalmente em Gleichheit em ago
1911, Disponível em <http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/08/marokko.htm>. Acesso
em 13 de abril de 2014.
24
“... in seinen beiden Formen – als Krieg wie als bewaffneter Friede – ein legitimes Kind, ein
logisches Ergebnis des Kapitalismus ist, das nur mit dem Kapitalismus zusammen überwunden werden
kann, das also, wer aufrichtig den Weltfrieden und die Befreiung von der furchtbaren Last der Rüstungen
wolle, auch den Sozialismus wollen müsse.” in: LUXEMBURG, Rosa. Friedensutopien. Publicado
originalmente em Leipziger Volkeszeitung, nº 103, 6 mai 1911 e nº 104, 8 mai 1911. Disponível em
<http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/05/utopien.htm>, acessado em 12 de abril de
2014.
25
“Das innerste Wesen, der Kern, der ganze Sinn und Inhalt der imperialistischen Politik der
kapitalistischen Staaten ist das fortschreitende und unausgesetzte Zerreissen aller nichtkapitalistischen
Länder und Völker in Fetzen, die von dem Kapitalismus nach und nach verschlungen und verdaut werden.
[…] Der Kampf um diese Fetzen fremder Länder und Völker ist der einzige Inhalt und Zweck sowohl der
kriegerischen Zusammenstösse wie der offenen und geheimen Staatsverträge, die nur eine andre Methode
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MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014
Aqui encontramos a base argumentativa que Rosa Luxemburgo desenvolveu em
sua teoria sobre a acumulação. Ela não expôs uma engrenagem econômica aqui, mas
apontou que a essência do imperialismo é a subjugação de terras com ou sem belicismo.
Tudo isso é fruto do desenvolvimento do capital descrito em A Acumulação do Capital.
No livro, Rosa descreve o desenvolvimento do capitalismo e os mecanismos que
este utiliza a partir do problema da realização da mais-valia. Perguntando-se quem são os
consumidores da sociedade capitalista que possibilitam a reprodução ampliada, ou seja, a
acumulação, Rosa desenvolve uma teoria que recoloca os mecanismos da acumulação
primitiva a todo o momento na história do capitalismo.
Para ela, a condição de existência do sistema é o mercado externo que se
caracteriza pela troca entre a produção capitalista e a não capitalista, podendo ocorrer em
um mesmo país. Daí que o processo da acumulação primitiva descrito por Marx é, em
verdade, a própria essência da acumulação capitalista que só pode se expandir em meio
não capitalista. Esse processo tem três fases descritas por ela: luta contra a economia
natural, luta contra a economia mercantil e/ou camponesa e a concorrência mundial, esta
última é a fase imperialista.
A economia natural não serve de nada para o capitalismo, por isso, ao encontrá-la,
ele precisa destruí-la e inserir a economia mercantil e/ou camponesa, especializando os
produtores e os obrigando a comprar produtos de fora. A construção de ferrovias tem um
papel muito importante nesse processo, pois leva as mercadorias a todos os lugares, toma
as terras e é em si uma forma de investimento para os capitalistas. O processo de
espoliação dessas economias progride até a proletarização dos produtores separando-os
dos meios de produção e colocando a região dentro do espaço capitalista de acumulação.
Os mecanismos utilizados para a efetivação desse processo são o endividamento,
os impostos, as tarifas alfandegárias e o exército. Durante toda a descrição de
Luxemburgo, percebemos como o elemento da violência tem papel essencial na abertura
der imperialistischen Kriegführung sind […]. Ist doch diese internationale weltpolitische Entwicklung
nichts andres als bloss die Kehrseite der inneren Entwicklung des Kapitalismus, auf ihr basiert unser
Bestreben zur sozialistischen Umwälzung.” LUXEMBURG, Rosa. Kleinbürgerliche oder proletarische
Weltpolitik. Disponível em <http://www.marxists.org/deutsch/archiv/luxemburg/1911/08/kbodprol.htm>.
Acesso em 13 de abril de 2014.
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MARX 2014| Seminário Nacional de Teoria Marxista – Uberlândia, 12 a 15 de maio de 2014
de fronteiras para o capital e, por isso, o pacifismo é uma falácia sem fundamento se não
vier atrelado ao socialismo e a uma crítica do capitalismo.
Assim como a acumulação capitalista não se dispõe a aguardar o
crescimento natural da população operária, devido a sua capacidade de
expansão por saltos repentinos, da mesma forma ela também não se
dispõe a esperar pela desagregação lenta e natural das formas nãocapitalistas e por sua transição para a economia mercantil. O capital não
conhece outra solução senão a violência, um método constante da
acumulação capitalista no processo histórico, não apenas por ocasião de
sua gênese, mas até mesmo hoje (LUXEMBURGO, 1913: p.255).
E ainda: “O militarismo […] acompanha os passos da acumulação em todas as
suas fases históricas” (LUXEMBURGO, 1913: p. 311).
No entanto, ao chegar a terceira fase de desenvolvimento da acumulação, a da
concorrência capitalista internacional, esses mecanismos se modificam, tornam-se os
empréstimos estrangeiros, as revoluções e as guerras. Isso porque neste momento, do
imperialismo, as antigas zonas dominadas estão se industrializando e emancipando. A
partir daí a forma de dominação muda, mas nem tanto, pois o militarismo continua
cumprindo um papel importante e os empréstimos são uma forma mais sofisticada do
endividamento, porque são tomados agora pelos Estados nacionais.
O imperialismo é a face política de um processo econômico, a acumulação
capitalista na fase de concorrência internacional. Agora, muitos países se emanciparam e
vários deles entraram em concorrência pelos mercados não capitalistas, o que aconteceu
no caso do Marrocos: uma região com muito potencial de exploração de matérias-primas
e mão de obra, pouco desenvolvida, estrategicamente localizada e disputada por todas as
potências europeias com um capitalismo já bem desenvolvido.
Assim, compreendemos como as discussões do partido no embate entre o
reformismo e a revolução levaram a formulação teórica de Rosa Luxemburgo. Assim
como Bernstein expressou o reformismo na teoria revisionista, Luxemburgo expressou a
revolução na teoria da acumulação, demonstrando o desenvolvimento histórico do
capitalismo, seus limites lógicos e a necessidade da revolução como um resultado
histórico da superação do sistema.
Referências Bibliográficas
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A crise do Marrocos e a teoria da acumulação de Rosa Luxemburgo