Departamento de Ordem Política e Social do Rio de Janeiro (DOPS/Rj) I. Apresentação Inaugurado em 05 de novembro de 1910, o edifício, localizado na Rua da Relação, 40, esquina com a Rua dos Inválidos, no Centro do Rio de Janeiro, foi projetado para sediar a Repartição Central de Polícia. Construído em estilo eclético, a partir do projeto de Heitor de Mello, famoso arquiteto à época, a intenção do governo era que o prédio sintonizasse a função policial com a estética moderna, mesclando monumentalidade, sofisticação e severidade. Ao longo dos anos, o prédio abrigou distintas polícias políticas, responsáveis por coibir reações políticas de setores sociais que, supostamente, pudessem comprometer a “ordem pública”. No início, tais polícias atuaram na repressão aos pobres e negros, com base em um discurso contra a “vadiagem” e na proibição das manifestações religiosas afro-brasileiras e da capoeira. Essas polícias foram fundamentais nos dois regimes ditatoriais que se instalaram no país: o Estado Novo (1937-1945), durante o governo de Getúlio Vargas, quando funcionou no prédio a Delegacia Especial de Segurança Política e Social (DESPS), de 1933 a 1944, e a Ditadura Civil-Militar (19641985), com o Departamento de Ordem Política e Social do Estado da Guanabara (DOPS-GB), de 1962 a 1975, e o Departamento Geral de Investigações Especiais (DGIE), de 1975 a 1983. É importante ressaltar que, apesar das diferentes nomenclaturas, todas as polícias políticas tiveram funcionamentos semelhantes e um mesmo objetivo: reprimir movimentos e ideias tidos como subversivos. Neste sentido, depois de 1964, muitas instituições e empresas, antes de contratar um funcionário, passaram a exigir o “Atestado de Antecedentes Políticos e Sociais”, mais conhecido como “Atestado Ideológico”, fornecido pelo DOPS. Este atestado também era requisito para a escolha de dirigentes sindicais. O edifício é conhecido nos dias atuais como prédio do DOPS, justamente pelo fato deste ter sido um dos principais órgãos de perseguição política, prisão, tortura, morte e desaparecimento forçado de pessoas durante a ditadura civil-militar. Entre as inúmeras pessoas que por lá passaram naquele período, pode-se registrar, segundo o levantamento do livro-relatório da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos: José de Souza (1931-1964), Raul Amaro Nin Ferreira (1944-1971), José Toledo de Oliveira (1941-1972), Ciro Flávio Salazar de Oliveira (1943-1972), Paulo César Botelho Massa (1945-1972), José Mendes de Sá Roriz (1927-1973), Caiupy Alves de Castro (1928-1973), Alberto Aleixo (1903-1975) e Neide Alves dos Santos (1944-1976). No ano de 1992, o acervo das polícias políticas sediadas no Rio de Janeiro, então sob a guarda da Superintendência Regional da Polícia Federal, foi, por ato do Ministério da Justiça, recolhido ao Arquivo Público do Estado Rio de Janeiro (APERJ). Tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural (INEPAC), o prédio, hoje sob a administração da Polícia Civil, encontra-se em péssimo estado de conservação, com arquivos ainda não identificados em deterioração, o que evidencia a destruição e o abandono do poder público para com o patrimônio histórico. Ademais, a Polícia Civil utiliza o pátio dos fundos como estacionamento para seus veículos, dentre eles o blindado “Caveirão”, conhecida máquina do contemporâneo aparelho de repressão policial fluminense, sendo este um simbólico indício de como a violência de outrora perdura nos dias de hoje. Passados quase trinta anos do fim do regime militar, distintos grupos e movimentos sociais reivindicam a destinação do prédio do DOPS, hoje também chamado estrategicamente de ex-DOPS, para a construção de um espaço voltado para as políticas de direitos humanos, comprometido com a memória da resistência e das lutas sociais, e que possa explicitar a relação entre as violações cometidas pelo Estado no passado e no presente, estimulando, assim, medidas que impeçam a repetição de tais práticas e que pavimentem a criação de princípios éticos para a construção democrática do presente e do futuro. II. Trechos de depoimentos Dulce Pandolfi1 “No final de novembro, fui transferida para o DOPS, na rua da Relação, no centro do Rio de Janeiro. Ali, durante um mês, fiquei numa cela com a médica Germana Figueiredo. À ela, também, muito devo. Com o dobro da minha idade, cuidou de mim como uma mãe. Durante a minha estadia no DOPS, fui levada para o Instituto Médico Legal, IML, para fazer um exame de corpo de delito. Achavam que eu seria uma das presas políticas trocadas pelo embaixador suíço, sequestrado no dia 8 de dezembro. Uma das exigências da embaixada era que os prisioneiros que fossem trocados pelo embaixador tivessem um laudo médico oficial do Estado brasileiro sobre o seu estado físico. E eu, quase quatro meses depois, ainda estava marcada pelas torturas. Essas marcas constam do laudo oficial do IML, que o meu advogado Heleno Fragoso, conseguiu anexar ao meu processo. Mas, no final de dezembro, ao invés de sair rumo ao Chile, como os companheiros que foram trocados pelo embaixador suíço, eu fui transferida para o presídio Talavera Bruce, em Bangu, zona norte do Rio de Janeiro.” Dulce Chaves Pandolfi é historiadora e professora associada do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas [CPDOC/FGV]. O trecho aqui selecionado faz parte do depoimento feito por Dulce à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro em 28 de maio de 2013. Dulce foi inicialmente presa no DOI-CODI/RJ em agosto de 1970, mesmo ano de sua passagem pelo DOPS. 1 Cecília Coimbra2 “Em 26/08/1970, à tardinha, o Serviço de Buscas do DOPS/RJ invadiu minha residência, onde apreendeu dezenas de livros e alguns documentos. Fui presa e levada, junto com meu marido José Novaes, pelo inspetor Jair Gonçalves da Mota – que parecia chefiar a operação – para a Sede do DOPS/RJ, à Rua da Relação. Ao chegar ao 2º andar do prédio do DOPS/RJ, recebeunos, com gritos, impropérios e palavrões, o diretor do DOPS/RJ à época, o delegado Mário Borges que me intimidava aos berros: “Fale, sua puta comunista, com quantos você trepou?”. Fui separada de meu marido, sendo levada para uma sala – naquele 2º andar – onde dois homens que não consegui identificar (um deles era alto, forte, mulato, com cabelos pretos, curtos e bem encaracolados) – revezavam-se no interrogatório. Queriam que eu escrevesse sobre minhas atividades “subversivas” e informasse a origem de um dos documentos encontrado em minha residência. Fiquei sob interrogatório, sendo agredida verbalmente, ininterruptamente, por toda aquela noite e parte do dia seguinte. À tarde desse segundo dia, 27/08, fui levada para o Depósito de Presas São Judas Tadeu, que ficava no andar térreo do prédio do DOPS. Lá, dormi, na noite de 27 para 28, em uma pequena cela – separada das demais presas que eram comuns. Nesta pequena cela, encontravam-se algumas presas políticas, entre elas Germana Figueiredo e Maria Auxiliadora Lara Barcelos3. À tarde do dia 28/08, fui colocada em uma viatura oficial da polícia civil, junto com José Novaes e uma amiga, também presa, Arlete de Freitas. Antes disso, ao sair do presídio e ser levada novamente para o 2º andar, em uma sala, fui interrogada pelo agente do DOPS, Humberto Quintas. Soube do nome, pois esta pessoa havia sido vizinha de Arlete, minha amiga, que já estava presa no DOPS. Na ocasião, vi, em uma dessas salas, um colega da FNFi, Abel Silva e Sônia, sua mulher à época, na condição de presos.” 2 Cecília Maria Bouças Coimbra é psicóloga, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal Fluminense e Vice-Presidente do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro [GTNM/RJ]. 3 [Nota original do depoimento] Já falecidas. A primeira, médica, morreu alguns anos após sua libertação. Foi, inclusive, testemunha contra o médico psicanalista Amílcar Lobo, que trabalhava, à época, no DOI-CODI/RJ. A segunda, estudante de medicina, foi trocada pelo embaixador suíço sequestrado Giovanni Enrico Bucher e banida em janeiro de 1971. Saiu do país e, emocionalmente perturbada pelas torturas sofridas, suicidou-se na Alemanha, em 1973. Todas elas fizeram o caminho inverso ao meu: estavam no DOPS, depois de já terem passado pelo terror do DOI-CODI/RJ. III. Fotos IV. Vídeos Ato realizado em frente ao prédio do ex-DOPS em 03 de maio de 2012 https://www.youtube.com/watch?v=C2JY0x4adBY Depoimento de Dulce Pandolfi https://www.youtube.com/watch?v=ZwyKtFdZrKk DOPS/RJ: Memória, História e Resistência https://www.youtube.com/watch?v=tzrW2A6QLaQ Spot da Campanha Ocupa DOPS https://www.youtube.com/watch?v=jrXuvrKlUdw V. Bibiliografia consultada e indicada Armazém Memória <http://www.armazemmemoria.com.br/> Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro Sobre a Delegacia Especial de Segurança Política e Social: <http://www.aperj.rj.gov.br/g_del_seg_ pol.htm> Sobre Polícias Políticas do Rio de Janeiro: <http://www.aperj.rj.gov.br/g_policias_politicas.htm> Campanha OCUPA DOPS <http://ocupa-dops.blogspot.com.br/> Centro de Documentação Eremias Delizoicov e Comissão de Familiares dos Mortos e Desaparecidos Políticos http://www.desaparecidospoliticos.org.br/ Depoimento por escrito completo de Cecília Coimbra <http://nucleopiratininga.org.br/a-tortura-nao-quer-fazer-falar-ela-pretende-calar/> Depoimento por escrito completo de Dulce Pandolfi <http://racismoambiental.net.br/2013/05/integra-do-depoimento-da-historiadora-dulce-pandolfia-comissao-estadual-da-verdade-do-rio-de-janeiro/> Direito à verdade e à memória: Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2007. Disponível em <portal.mj.gov.br/sedh/biblioteca/livro_direito_memoria_verdade/ livro_direito_ memoria_verdade_sem_a_marca.pdf> DOPS: A Lógica da Desconfiança. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. 1996. Disponível em <www.aperj.rj.gov.br/livros/dops_a_logica_da_desconfianca.pdf> Dossiê dos mortos e desaparecidos políticos a partir de 1964. Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos, Instituto de Estudo da Violência do Estado - IEVE; Grupo Tortura Nunca Mais - RJ e PE. Recife: Companhia Editora de Pernambuco, 1995. Disponível em <http://www.dhnet. org.br/dados/dossiers/dh/br/dossie64/br/dossmdp.pdf> Manifesto da Campanha pela transformação do prédio do ex-DOPS/RJ em Espaço de Memória da Resistência. 2013. Disponível em <http://ocupa-dops.blogspot.com.br/2014/02/manifesto-exdopsrj-ocupar-memoria-para.html> Os Arquivos da Polícia Política: Reflexos de nossa História Contemporânea. 1994. Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em <www.aperj.rj.gov.br/livros/os_arquivos_das_policias_ politicas.pdf> Relatório Raul Amaro Nin Ferreira <http://pt.scribd.com/doc/200745462/Relatorio-Raul-Amaro-Nin-Ferreira> Revista Fórum: Reportagem “Até Marx era fichado no Dops” http://revistaforum.com.br/blog/2012/02/ate-marx-era-fichado-no-dops/ Rua do Russel, 76, 5º Andar, Glória, Rio de Janeiro [email protected]