Rosa Maria Cardoso Dalla Costa Rua Antonio Rodrigues Monteiro, 122 Campo Comprido - Curitiba - PR CEP 81280-390 Tel.: 041 273 11 29 E-mail: [email protected] CHARGE E ENSINO DO TEXTO JORNALÍSTICO Profª. Dra. Ana Rosa Gomes Cabello - UNESP - Bauru - SP Prof. Dr. Carlos Eduardo de Moraes Dias - UFAL - Maceió - AL Resumo: Antes de tratar da proposta de trabalho a ser apresentada, é pertinente efetuar algumas considerações: (1) a construção do texto jornalístico configura-se, muitas vezes, caracterizadamente artificial, posto que o aluno não se depara, de fato, com o acontecimento que no dia-a-dia da redação pode se tornar notícia; (2) a notícia configura-se como matéria prima do jornalismo, seja impresso, radiofônico ou televisado; (3) a complexidade do ensino da construção textual para a mídia impressa, radiofônica ou televisada, guardadas as devidas convergências e divergências das normas gramaticais, lingüísticas e técnicas de cada um desses veículos, cresce à medida que deve tematizar todas as editorias; (4) a editoria política, por exemplo, configura-se como trabalho complexo e, ao mesmo tempo, significativo, por dinamizar o dia-a-dia da mídia e o da sociedade; (5) a charge, também, configura-se como elemento significativo, ao correlacionar-se à editoria política, entretanto, muitas vezes, é vista só como elemento de ataque, com função risível. Diante dessas considerações, esta proposta de trabalho pretende desvelar a função da charge na mídia impressa e, com isso, colocar a charge como ponto motivador de partida para atividades didático-pedagógicas, quer para a construção do texto impresso, radiofônico ou televisado, com vistas aos acontecimentos políticos noticiados. Introdução Posto que o grau informacional do texto jornalístico pode dar-se por meio da linguagem verbal e da linguagem não-verbal, esta proposta de trabalho pretende propor uma atividade, a partir da correlação existente entre charge e textos verbais opinativos, de natureza política1. Isso significa dizer que este trabalho pretende desvelar a função da charge na mídia impressa e, com isso, colocar a charge como ponto motivador de partida para atividades didático-pedagógicas, quer para a construção do texto impresso, radiofônico ou televisado, com vistas aos acontecimentos políticos noticiados. A proposta dessa prática didático-pedagógica advém dos fatos: (1) a construção do texto jornalístico configura-se, muitas vezes, caracterizadamente artificial, posto que o aluno não se depara, de fato, com o acontecimento que no dia-a-dia da redação pode se tornar notícia e esta, por sua vez, configura-se como matéria prima do jornalismo, seja impresso, radiofônico ou televisado; e (2) a complexidade do ensino da construção textual para a mídia impressa, radiofônica ou televisada, guardadas as devidas convergências e divergências das normas gramaticais, lingüísticas e técnicas2 de cada um desses veículos, cresce à medida que deve tematizar todas as editorias. A proposta em pauta, como já foi mencionado, ater-se-á à editoria política3, por constituir-se numa construção textual significativa, justamente, por essa editoria dinamizar o dia-a-dia da mídia e o da sociedade. E a charge, por sua vez, também pode ser considerado elemento significativo, correlacionado à editoria política, vista não só como elemento de ataque, com função risível. As artes gráficas, para Umberto Eco4, resultam das transformações sociais, da modernidade e de suas implicações filosóficas e técnicas e se constituem um novo canal de informação no universo da comunicação de massa. Dessa forma, a escolha da charge justifica-se como ponto inicial de motivação para a prática didático-pedagógica, por configurar-se, muitas vezes, como elemento determinante na decodificação da mensagem. 1 Sobre charge política, consulte-se Maringoni (1996, p. 85-91), uma vez que ele trata das características da charge política nas páginas dos grandes jornais. Comenta o humor e a frágil perenidade deste tipo de “editorial gráfico” do cotidiano nacional. Relaciona os principais chargistas que passaram pela imprensa brasileira, deste Ângelo Agostini até Chico Caruso. 2 É pertinente esclarecer que as normas gramaticais são ditadas pela disciplina gramatical; as normas lingüísticas são estabelecidas pela comunidade lingüística e, no caso em pauta, pelo público específico; e as normas técnicas são decorrentes do veículo, da emissora, da natureza do programa ou da editoria. 3 A opção pela correlação editoria política-charge advém do êxito já obtido nessa prática de produção textual, justamente, por aproximar temática (política) nem sempre com grau satisfatório de receptividade por parte de uma significativa maioria dos alunos com uma arte gráfica, prontamente aceita, pelo menos, de início, em termos do humor que proporciona. 4 Apud Agostinho (1993, p. 172). 1. Origem e atualidade da charge. A charge começou a ter espaço na mídia, inicialmente, nos Estados Unidos, com a industrialização dos bens de consumo e a partir da necessidade de uma consciência social consumista. Nesta sociedade de mídia, ainda segundo Umbrto Eco5, a charge, ao lado das inovações das artes gráficas, ganhou lugar de destaque nas páginas dos jornais, revistas, exposições, em peças publicitárias Os propósitos da charge, desde o início, estiveram bem explicitados: conscientização e mobilização, com o passar do tempo, assumiu, também, o de acusação... Sempre interagindo com o universo a que faz referência, construindo uma visão crítica da história. Em termos de Brasil, Cagnim (1994, p. 30-31), ao remeter-se ao primeiro periódico ilustrado de São Paulo, esclarece que Ângelo Agostini6, o repórter do lápis, desenhou a primeira página da História da Imprensa Ilustrada Brasileira, Diabo Coxo (1864-1865), obtendo, assim, o mérito de ter concorrido para que a imprensa se tornasse rica em ilustrações. Além desse periódico, por ocasião da Guerra do Paraguai, também lançou Cabrião (1866-1867), outro jornal ilustrado e de caricatura de São Paulo. Já no Rio de Janeiro, com Revista Ilustrada (1876-1895), entretanto, atingiu o auge de sua carreira, por ocasião da Abolição da Escravatura e da Proclamação da República. Dessa forma, Agostini7 é o autor de um importante documentário iconográfico do Segundo Império. Foi por meio do riso e da sátira que exerceu influência ativa na formação da opinião pública8. É mister destacar que, atualmente, as publicações sobre charge também se referem a um momento histórico e se restringem a coletâneas de determinado humorista ou humoristas ligados ao mesmo veículo de comunicação como, por exemplo, Diário da Nova República, de Millôr Fernandes, que contempla as eleições presidenciais de 1984, agonia e morte de Tancredo Neves e o país bigodeado por José Sarney; 100 vezes Ique no Estadão, de Ique, que efetua um resumo dos acontecimentos da vida política brasileira, no período de abr. 95 a dez. 96; e Era Itamar: 100 charges, de Glauco e Angeli, publicadas, de 1º/10/92 a 12/09/93, pela Folha de S. Paulo, durante o primeiro ano do Governo Itamar9. 5 Apud Agostinho (1993, p. 172). Ângelo Agostini (1843-1910), italiano, educado em Paris, veio para o Brasil em 1836. 7 Agostini também editou, de 1895 a 1902, Don Quixote (Cf. Cagnim (1994, p. 31) 8 Nesse sentido, não se pode deixar de consultar a História da Caricatura no Brasil, de Herman Lima e Caricatura dos tempos, de Belmonte (Cf. Bibliografia in fine), tal qual não se pode deixar de rememorar a importância das charges de Belmonte sobre os acontecimentos internacionais, principalmente, aquelas que tratam dos motivos da Segunda Guerra Mundial. 9 Itamar Franco assumiu a Presidência em 02/10/92, em virtude do afastamento, em 29/09/92, de Fernando Collor de Mello (Cf. Bibliografia in fine, não só em termos de referências completas dos dados e das informações a esse respeito, mas também com relação às outras obras também citadas nesse parágrafo. 6 2. A charge e seus correlatos. É pertinente aproveitar os ensinamentos de Melo (1992, p. 52), para depreender os pontos convergentes e divergentes entre caricatura, charge, cartoon e critic. Sobre essa questão, o autor esclarece que: (1) a caricatura: propriamente consiste em retrato humano ou de objetos, que exagera ou simplifica traços, acentuando detalhes ou ressaltando defeitos, cuja finalidade é ironizar, provocando o riso; (2) a charge10 consiste na crítica humorística, segundo a ótica do desenhista, por meio da reprodução gráfica (imagem ou imagem + texto11) de uma notícia, já conhecida do público; (3) o cartoon: consiste numa anedota gráfica, por meio de uma crítica mordaz, de uma expressão criativa fantasiosa, mas, ao vincular-se ao espírito do momento, pode incorporar, eventualmente, fatos e personagens reais; e (4) o comic: consiste na história em quadrinhos. Diante dessas delimitações, o mesmo autor esclarece que, apenas, a caricatura e a charge configuram-se como gêneros jornalísticos opinativos, em virtude de estarem vinculadas ao momento vivido, mais exatamente, a acontecimentos e personagens contemporâneos à produção. A caricatura tem um caráter depreciativo, resgatando a definição do século XV, onde a deformação do modelo significa a sua destruição física. Para tanto, a caricatura reproduz a imagem isolada dos personagens vivos da cena noticiosa, contudo, não pode prescindir da sociedade que ataca, assim como o guerrilheiro não pode se rebelar contra o regime que o sustenta. O trabalho do humor chargístico é mais complacente, ao centralizar-se no riso tenta reprimir os defeitos do indivíduo para não prejudicar suas relações com os ideais sociais de um grupo12, mesmo personificando setores da sociedade por meio de seus personagens estereotipados e satirizando e ironizando fatos da vida social13. 3. Elementos constitutivos da charge. A charge, segundo Agostinho (1993, p. 35-75), é o produto final da união entre a sátira, o grotesco, o cômico e o humor, provocando efeitos diferentes no receptor. 10 A charge, para Cagnim (1994, p. 27) , configura-se como a representação caricatural em que se satiriza uma idéia, situação ou pessoa. Configura-se como uma notícia ilustrada. 11 A inserção ou não de legendas no desenho depende do chargista. 12 Nesse sentido, é indispensável rememorar que todo veículo comercial de comunicação, numa sociedade capitalista, configura-se como empresa e, portanto, visa fins lucrativos. 13 Ao captar o espírito de uma época, segundo Maringoni (1996, p. 90), o chargista está trabalhando com uma crítica de costumes, caracterizadamente mais duradoura (do que a charge política) como, por exemplo, O Amigo da Onça, de Péricles. A sátira tem um caráter moralista e corretivo, provocando até uma certa agressividade. A sátira da charge dirige-se aos costumes e às falhas humanas, trabalhando através de metáfora, sempre de forma contrária àquilo que pretende atacar ou corrigir, sem nunca querer eliminar sua vítima. O grotesco está preocupado apenas com a degradação da dignidade e da honra daqueles considerados canalhas e não merecedores da posição que ocupam. O cômico é tudo aquilo que pode divertir e provocar o riso14. É tudo que se distancia da dinâmica da vida, a partir da ruptura da ordem natural das coisas, que é o que provoca o riso Assim sendo, o riso é o elemento fundamental para a manifestação do cômico e pode ser, dentre outras possibilidades, sério, afetivo, zombeteiro, agressivo, patológico ou confundido com o choro15. O humor provoca o riso, sem prejuízo do relacionamento entre o indivíduo e as idéias de um grupo. 3.1. Charge: produto noticioso risível. A charge é constituída das forças do riso e do cômico. O riso pode dar-se sem o cômico; mas, nunca o inverso. Jaguar16, por exemplo, dá prioridade ao humor da charge, ao afirmar que ela deve fazer pensar, mas, numa primeira instância, obrigar ao riso. O riso, por sua vez, pode querer ocultar alguma coisa muito temida, como a morte, a castração, a ridicularização, a mutilação e a desmoralização. Dessa forma, a charge pode tornar-se a malhação de judas, com a concretização desses temores no desenho; e pode funcionar como mediadora de ações que o leitor gostaria de ter com relação a determinados personagens. Assim, o riso, provocado pelo humor, funciona também como antídoto à angústia humana. Para melhor entendimento dessa questão, é sensato citar Vanoye (1973, p. 181), por afirmar que o humor nasce de uma ruptura da ordem natural das coisas. É a dissonância de certos elementos que cria a comicidade. O desenho humorístico, nesse sentido, reestrutura os fatos, podendo causar, no receptor, sensações como alívio, conformidade, transferência de emoções etc. O leitor ri, muitas vezes, da própria desgraça e, num efeito catártico, sente-se realizado (ou aliviado) no desenho. Pode ser desencadeado, daí, o processo de alienação. Isso significa dizer que a charge promove um efeito catártico no leitor, em função de configurar-se, com freqüência, como um produto risível e o riso, por sua vez, como uma descarga de tensão. 14 O riso foi considerado imoral durante muito tempo na história da humanidade. Afinal: o que dá pra rir dá pra chora, como já cantou o samba brasileiro.. 16 Cf. Belmonte: 1982, p.2-4) 15 3.2. Charge: produto noticioso ideológico. Posto que o riso concorre, muitas vezes, para amenizar as sensações tensas provocadas por situações de crise econômica, política e social, é possível que a charge, pela função humorística que também a caracteriza, seja utilizada como lenitivo dessas questões de tensão. Silva (1990, p. 9-12), no entanto, alerta que o humor visual deve deixar de ser tratado como recurso meramente risível, justamente, porque a charge pode ser condutora de ideologia e, com isso, caracterizar o momento histórico de sua produção. Os objetivos ideológicos da charge dependem sempre dos objetivos da empresa jornalística. A abordagem e a temática, contudo, estão sensivelmente ligados a características pessoais de cada chargista. São traços diferenciados, tipos e estereótipos que compõem o repertório do artista acerca da leitura crítica do momento histórico17. De qualquer forma, para sobreviver, a charge não deve voltar-se contra a estrutura em que está inserida. Tanto que Maringoni (1996, p. 87) afirma que o chargista, como qualquer jornalista, deve ter ciência da orientação editorial do jornal em que trabalha, sem contudo, perder suas características artísticas e de opinião. Isso significa dizer que não há regra para a determinação do assunto a ser tematizado pelo chargista e que, na charge, segundo o mesmo autor, a ousadia é fundamental. Além do que, para maior eficácia da criação, o chargista precisa estar bem informado do assunto a ser tratado e ter opinião sobre ele. Na verdade, o tema da charge deve enfocar um acontecimento significativo, do ponto de vista jornalístico18, valorizando o novo, o espetáculo, o interesse público. Em última instância, o chargista, de um modo geral, segundo Melo (1992: p. 55), recebe um pedido de sua produção por meio de uma pauta ou em conversa direta com os secretários de redação, que orientam sobre o assunto a ser desenvolvido nos desenhos. Contudo, mais do que ninguém, o próprio chargista precisa e deve acompanhar ativamente o momento social e político do país para transpor para o traço os seus juízos de valor, através do real, e trazer à tona a sua opinião formada sobre o assunto desenvolvido. Segundo os chargistas, há plena liberdade de criação, desde que sigam o pensamento filosófico da empresa jornalística. Em termos de recepção, é preciso destacar que, com características humorísticas, satíricas, grotescas e cômicas, a charge exprime sensações diferenciadas no público, dependendo da intenção ideológica da empresa veículadora, bem como de seu grau de credibilidade; de quem ou do que está em pauta; e, também, da intenção ideológica de quem desenha. É imprescindível, no entretanto, observar que a concepção de charge, mais freqüente, está correlacionada ao risível e não a uma reflexão político-social. Claro está que, geralmente, o objetivo 17 Para Maringoni (1996, p. 85), sátira, comentário e banalização dos fatos cotidianos e da política nacional fazem parte da prática do chargista. 18 É pertinente frisar que o significado da produção difere, muitas vezes, de um chargista para outro. Para Caruso, por exemplo, fazer charge é espremer em imagens o suco da vida política nacional (Cf. Revista de Comunicação, mar. 94, p.3). ideológico da charge, seja da empresa jornalística, do chargista ou de ambos, nem sempre está explícito. Muitas vezes, de fato, o riso concorre para o mascaramento da intenção ideológica, limitando ao receptor, apenas, a percepção do risível. O humor da charge, para Vanoye (1973, p. 181), encontra-se no nível sintático, na construção do desenho, através de reproduções do real. Esse desnível do real pode configurar uma série de valores e modelos sociais que podem, por meio do riso, ser assumidos pelo receptor. O nível semântico está completamente relacionado ao pragmático. Assim, se o leitor não tiver conhecimento de determinado assunto, provavelmente não entenderá a charge. É na semântica da charge, ainda, que se encontra o caráter ideológico do desenho: Toda charge possui uma narrativa, dotada de um discurso, influenciado pela formação ideológica da empresa ou do chargista ou da sociedade ou, até, do próprio sistema governamental19. 4. Proposta didático-pedagógica: da charge à produção textual jornalística. A priori, é indispensável destacar que: (1) a charge, como produto noticioso, marcadamente, de natureza cômico-humorística, pode envolver o público pelo mero prazer do riso, imobilizando qualquer caráter de questionamento da realidade e dos fatos, visto que o humor, por seu efeito catártico, não estimula a ação; e (2) a charge, entendida como gênero opinativo, oferece uma pista para uma leitura crítica da informação veiculada pela empresa jornalística ou da posição ideológica do chargista e/ou da empresa. Segundo Caruso (1997, p.79), o valor irreverente da charge política pode concorrer para a compreensão dos fatos do cotidiano. Para o desenvolvimento da proposta de produção textual de natureza política, há de se considerar as funções da charge, quais sejam, uma, função risível, para motivar a escolha da temática da produção textual a ser trabalhada e, outra, ideológica, para pautar a produção em um dos gêneros jornalísticos de natureza opinativa. Nesse sentido, não se pode prescindir dos ensinamentos, sobre gêneros opinativos, de Melo (1992, p. 52), por afirmar que a charge contém a expressão de uma opinião sobre determinado acontecimento jornalístico, porque se nutre dos símbolos e valores que fluem permanentemente e que estão sintonizados com o comportamento coletivo. É válido citar que figuras retóricas, preteridas do texto jornalístico, em virtude de possibilidades plurissignificativas, são usados exaustivamente nas legendas de charge. Daí, a possibilidade da prática da construção textual poder contemplar diferentes possibilidades de angulação da temática tratada pela charge. 19 Maringoni (1996, p. 87) remete-se às charges sobre elementos do mundo político, que sabidamente estão rapinando o país, afirmando, de forma categórica: (as charges) devem ser feitas pisando-se em ovos. De preferência nos deles. É indispensável reiterar que a inserção ou não de legendas no desenho depende do chargista. A charge, para tornar-se acessível ao leitor, precisa ser contextualizada,. ou pelo próprio veículo divulgador da charge ou pela legenda, que, muitas vezes, extrapola o quadro ilustrativo, podendo estar nas manchetes, nas matérias ou podendo, ainda, trazer uma informação nova ou funcionar como comentário ou como editorial propriamente. Tanto que, segundo Maringoni (1996, p. 86), a charge é apresentada pelo jornal como um material de opinião. Colocada na página de editoriais, configura-se como uma espécie de editorial gráfico, unidimensional, que ou é contra ou é a favor. .O mesmo autor, na p. 89, vai mais além, ao destacar que, por ser datada, a charge política é perene, mas pode ficar como registro de uma época, sem contudo carregar a graça, a não ser que se tenha uma explicação dos fatos do período, todavia, explicação mata qualquer piada. É primordial esclarecer, pois, o significado da contextualização, necessária para a decodificação da charge, uma vez que, para se fazer humor, no entender de Maringoni (1996, p. 88), é preciso haver cumplicidade com o público. Ninguém ri da piada que você conta, se não houver um código próprio entre você e seus ouvintes. Indo mais além, e considerando que a charge remete-se a acontecimentos, a situações noticiados, geralmente, na véspera ou na antevéspera da veiculação o consumidor da charge precisa, necessariamente, ser também consumidor de notícia. Isso posto, claro está que a proposta apresentada, a partir de charges veiculadas pela mídia impressa, contempla não só atividades de produção textual, para a mídia impressa, radiofônica e televisiva, como também atividades de leitura critica de textos verbais e não-verbais. Considerações finais A importância da proposta apresentada pode ser observada a partir das atividades didáticopedagógicas contempladas, correlacionadas, para maior elucidação, aos três níveis de estruturação da charge20. São eles: (1) o nível dos elementos materiais que estruturam a charge, uma vez que é o mundo material que compõe a estrutura-objeto da charge, na proposta em questão, as personalidades políticas atuais; (2) o nível do sistema de referência ao qual a charge recorre; o que afirma a necessidade da contextualização da charge, na proposta em questão, a situação política vigente; e (3) o nível dos sistemas de reações psicológicas provocadas pelo desenho, que podem ser de rítmo, som, enredo e ideologia, na proposta em questão, o aspecto ideológico deve assumir importância cabal. De igual importância é reservar à charge o patamar de agente de transformações sociais, tal qual está explicitado na citação inframencionada: 20 Cf. Agostinho (1993, p. 227). A charge só se justifica quando é apreendida em sua forma-conteúdo, ou seja, quando, além de agradável objeto estético, consegue ser um instrumento crítico. Seu reconhecimento resultou dos significativos avanços da ciência e da tecnologia, que inquietaram a alma humana e levou-a às grandes transformações sociais. (Agostinho, 1993, p. 227) Pelas considerações acima expostas, ficou patente que a proposta em pauta, CHARGE E ENSINO DO TEXTO JORNALÍSTICO, assume significativa importância, à medida que o professor, ao levar, para a sala de aula, as discussões aqui discorridas, estará pensando no ensino como agente transformador, justamente, por discutir um gênero jornalístico, verdadeiro instrumento crítico, tantas vezes, pouco compreendido, principalmente, na sua acepção mais significativa para um futuro jornalista. É certo que, ao desvelar as funções da charge e os seus desdobramentos, observados na extensão dos textos verbais, veiculados pela mídia impressa, radiofônica e televisada, o professor poderá contar com dois componentes de extrema valia para a consecução de textos opinativos, sob a angulação das possíveis leituras decorrentes do risível acoplado ao ideológico. É bem verdade também que, com o desenvolvimento de atividades que contemplem, simultaneamente, o binômio indissociável leitura crítica e construção textual opinativa, o professor estará, paulatinamente, minimizando a problemática de situações artificiais em sala de aula e, ao mesmo tempo, trabalhando a criticidade do aluno, em termos do cenário político atual e, com isso, contribuindo para que este aluno, agente ativo, assuma seu verdadeiro papel de cidadania. Bibliografia AGOSTINHO, A.T. - A charge. Tese de Doutoramento. Exemplar xerocopiado. ECA, USP, São Paulo, 1993. BELMONTE - Caricatura dos tempos. 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Rio de Janeiro: Agora Comunicação Integrada Ltda, mar. 94. SILVA, M. A. da. Caricata República: Zé Povo e o Brasil. São Paulo: Marco Zero / CNPq, 1990. TEIXEIRA, Luciana Eliza. O papel da charge na mídia impressa.: Projeto de Iniciação Científica financiado pelo CNPq e defendido como Projeto Experimental, Exemplar xerocopiado, FAAC, Unesp, Bauru, SP, 1994. VANOYE, Francis. Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita (trad. adapt. Clarisse Madureira Sabóia et alli). 8ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.