Guardanapos
Cristiano Menezes
Guardanapos
© 2014 Cristiano Menezes
Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico
da Língua Portuguesa de 1990, adotado no Brasil em 2009.
Coordenação editorial
Isadora Travassos
Produção editorial
Cristina Parga
Eduardo Süssekind
Rodrigo Fontoura
Sofia Soter
Verônica Montezuma
Victoria Rabello
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
M51g
Menezes, Cristiano
Guardanapos / Cristiano Menezes. - 1. ed. - Rio de Janeiro : 7Letras, 2014.
ISBN 978-85-421-0274-1
1. Poesia brasileira. I. Título.
14-13537CDD: 869.91
CDU: 821.134.3(81)-1
2014
Viveiros de Castro Editora Ltda.
Rua Visconde de Pirajá, 580/sl. 320 – Ipanema
Rio de Janeiro – rj – cep 22410-902
Tel. (21) 2540-0076
[email protected] – www.7letras.com.br
sumário
Guardanapos de poesia (prefácio)
Bairro S.A.
Estação primeira
Nitidez
Lobo do mar
Enfim
Sempre
Palavras
Circunstâncias
Comigo mesmo
Pessoa
Na boa...
Papo cabeça
Zeus é grande
Na pista
Ou bola ou búlica
Na cadência
Fio da meada
Playboy rabo de peixe
Princípio de Eisehower... Alzeinhower...
Férias
Petrópolis
Portugal
Sumiço
Coração de kimono
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Bêbaduino
Ciclos
Clarão
Criação
Santa Tereza
Correio elegante
Nuances
Adeus
Frio
Desce uma
Zé fini
Vida que segue
Setor sos s/nº
Prestenção
PT saudações
Mais valia ou valia mais...
Fronteiras
Movimento
Par ou ímpar
Metrô
Octa poeta
Aos meus filhos
Fim
Quanta poema
Curriculum vitae
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guardanapos de poesia
Cristiano tinha um piston e pinta de poeta. Soprava pelas quebradas do Rio de Janeiro até que um dia, com sua voz radiofônica foi botar a boca no trombone na Rádio Roquete Pinto,
com o programa Panos e Molambos. Fez lá as primeiras crônicas
poéticas e musicais daqueles anos 70 carregados de chumbo. Fez
vibrar no ar os compositores proibidos, os clássicos da mpb, os
jovens músicos e artistas que despontavam naquele momento
e nunca mais parou. Afinal sempre foi um poeta locutor, programador e produtor. Certamente já guardava no baú seus primeiros poemas concebidos na solidão geométrica de Brasília,
na modernidade de concreto e vidro. Agora vem surpreender
mais uma vez e descartar talvez a síntese de todos estes anos,
com seu primeiro livro de poemas: Guardanapos
Um memorial de seu próprio itinerário, claro como um
texto para rádio, radioativo em seu conteúdo existencial, onde
o humor e a afetividade transbordam nos cenários urbanos do
Rio de Janeiro, seu território de origem. Sim, está na Capital
Federal e Portugal em alguns momentos , mas sustenta o
balanço carioca, a mesa de bar, os balcões de boteco, os amigos de sempre e os da hora, os romances reais e imaginários,
as paixões ocultas nas noites, dias e madrugadas, nas fronhas
dos apartamentos, no perambulatório ofício de estar em muitos lugares ao mesmo tempo, certamente onde registra um
relâmpago de palavras, como se caíssem em um guardanapo.
Também não lhe escapa o suplício da burocracia das tramas de
seu ofício e a angústia de ter que conviver com a mediocridade,
o silêncio e a falta de ousadia.
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Sua poesia é urbana e cosmopolita, se identifica com todo
personagem que frequenta a boemia, trabalha no dia seguinte
ou no mesmo dia, toma o metrô, o bonde de Santa Tereza, vai
ao Maracanã, se dedica aos filhos e some num bloco de carnaval transbordado na folia. Reclama das transformações urbanas que desmancham a história e a poesia do Rio, infestado
de anúncios luminosos, bugigangas eletrônicas, desfigurações,
quinquilharias. Percebe que um pouco de si se desmorona
assim a cada instante mas que os cenários em seu coração permanecerão para sempre. O poeta Cristiano escreve quase como
se fala, sem artifício, como se atirasse numa pauta musical livre
de cinco linhas. Deve ser o piston, ou a noite, o samba, o jazz, a
canção, os amores, as luzes da cidade.
Xico Chaves
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bairro s.a.
Nas ruas do Rio
as casas singelas
tornaram-se consultórios
empresas, laboratórios
Dói ver suas fachadas
ofuscadas por lâmpadas profanas
placas intrusas
avisos de que o apreço
mudou de endereço
Ainda tenho acesas na lembrança
as luzes amareladas
que das casas emanavam
por entre cortinas rendadas
Ainda sinto o calor dos abajures
ouço o som dos pianos, vitrolas
conversas e risadas
que vazavam como acordes abafados
da sinfonia das intimidades
Embora vivesse mais nos bares
bebia em segredo
o aconchego dos lares
Silencioso e furtivo
caminhava pelos bairros
alimentava-me de jasmins
embriagava-me com jardins
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Imagino os corredores invadidos
quartos violados
transformados em departamentos
computadores e secretárias
nas salas de jantar
Copas e cozinhas
como depósitos, almoxarifados
recantos desnudados
interiores destituídos
do encanto dos abrigos
Como é difícil aceitar
aquele entra e sai
de gente que nada sabe
do significado dos portões
e que por eles passam, bovinos,
mascando a relva das ruínas
pastando inocentes
no tesouro de tantas lembranças
Não é o novo que choro
mas a ausência do antigo
a história que morre comigo
Agora, já não Rio
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estação primeira
O louco motivo
que me conduz
não segue trilhos
apenas a luz
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nitidez
Para ver melhor
meus contornos
entre o espelho
e o papel
escolho escrever
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lobo do mar
Errava, até surgir a palavra certa. Então jogava a âncora,
escolhia um bar, fazia amigos e dizia o poema.
E no porto ficava até que a palavra, já incerta, levava-o
novamente a errar. E partia à busca de novos versos.
Palavras aqui, ali, palavras ao léu resvalavam nas ondas,
tão longe das praias, distantes do céu.
Até que, no horizonte, percebia a linha para a agulha do
seu norte, a costura de nova sorte.
E assim vivia. A cada partida, logo se perdia no imenso de
todas as possibilidades.
E errava, até surgir a palavra certa.
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enfim
Que vida é essa
que vivo
como se não fosse minha
essa vida
Como ousa
atrevida
viver em mim
o que não sou
dizer por aí
o que não sinto
Que vida é essa
invasora
que me deixa acuado
enquanto exuberante
evolui em festas
jantares
de gente que nem conheço
Que vida é essa
manipuladora
que impõe alto preço
pelo que sequer desejo
Que vida é essa
estelionatária
que assina por mim
o que não autorizo
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Que vida é essa
impostora
que com pose
se anuncia
como se eu fosse
Que vida é essa
mera bijuteria
que se pretende
joia rara
mas pobre fantasia
enfim se desmascara
Pois então
mesmo que tarde
dou por mim
invento a manhã
e o que seria fim
torna-se começo
da vida que agora reconheço
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sempre
Às vezes me afogo
no fundo de um pouco
até que um afago
me faz menos louco
Às vezes me afobo
com a pressa que não sinto
até que me acalma
um velho e bom tinto
Às vezes me acho
tão longe do perto
até que um susto
me faz mais esperto
Às vezes falo
e não digo palavra
até que me calo
e prossigo na lavra
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palavras
Que não nos faltem as palavras
palavras faladas
ou no papel
palavras ao léu
palavras
contato
Palavras sem tato
palavras claras
fanhas
loucas
ou roucas
Palavras aflitas
palavras medidas
palavras soltas
nas línguas ferinas
ou afogadas no batom
de bocas carnudas
Palavras confete,
desnudas
envoltas em serpentinas
palavras purpurina
na festa da carne
palavras sapecas
atrevidas
cintilando
nas rimas do meu samba na avenida
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Palavras signos
do código que nos decifra
alegorias dos enredos
marolas do rio
que me leva ao mar
São as palavras que me fazem amar
ou brigar
Palavras excitam
palavras hesitam
e me lançam
como flecha
nos corações desavisados
Palavras
que não nos faltem as palavras
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circunstâncias
Quando me foge a certeza
só me resta a leveza
Aí fico balão
corro o risco dos ventos
me esqueço do chão
me aceno como um lenço
E não penso no que duvido
muito menos onde pousar
Mas quando tenho a certeza
sou âncora tatuada
nos braços dos mares
namoro as baías
me exibo nos bares
E ao sabor dos vinhos
vencendo a todos os moinhos
festejo
entro na dança
e com Sancho
encho a pança
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