Colisões – M.F.B, 2004 Física 1 – 2004/2 – turma IFA AULA 2 Objetivo: discutir processos de colisão entre partículas. Assuntos: colisões elásticas e inelásticas O que você deve ser capaz ao final desta aula: ! obter as velocidades finais de duas partículas após uma colisão elástica unidimensional; ! resolver problemas gerais de colisões 1. Introdução: classificação das colisões segundo a variação na energia Nos processos de colisão entre duas partículas, o momento linear é conservado se a resultante das forças externas for nula (o que é sempre verdade se o sistema é isolado). Mas a energia cinética do sistema pode variar, pela realização de trabalhos. E estes trabalhos podem ser realizados tanto pelas forças externas quanto pelas forças internas ao sistema. Voltemos ao exemplo 1 da aula anterior, os dois carrinhos sobre o trilho de ar, presos inicialmente por um fio que comprime um elástico. As forças externas agindo sobre cada um dos carrinhos são peso e normal – e nenhuma das duas realiza trabalho, por serem perpendiculares aos deslocamentos dos carrinhos. As forças internas sobre r r cada um dos carrinhos são as forças elásticas da mola: F1EL sobre o carrinho 1, F2EL sobre o carrinho 2. Essas duas forças realizam trabalho: em um pequeno trecho da r r r r trajetória, W1INT = F1EL • dr1 > 0 e W2INT = F2EL • dr2 > 0 . Portanto, o trabalho das forças internas não vai se cancelar e a mola está fornecendo energia cinética aos carrinhos (e perdendo sua energia potencial elástica). antes 1 2 durante r F1EL r F2EL depois r p1f r p 2f r r dr1 dr2 As forças internas somadas se anulam, não provocando nenhuma alteração na quantidade de movimento do sistema. Mas seu trabalho não se anula neste caso, provocando uma alteração na energia cinética do sistema. Se a força interna fosse de outro tipo, seu trabalho seria diferente e a alteração na energia cinética seria outra – e portanto os momentos (e velocidades) dos carrinhos após a colisão seriam diferentes. Assim, o sistema sente, através do que acontece com a energia, o efeito das forças internas, não é indiferente ao tipo da interação... Se é este o caso, podemos então classificar as colisões dependendo do que acontece com a energia cinética. 1 Colisões – M.F.B, 2004 tente conectar esta definição com a do ensino médio (“coeficientes de restituição”) ! COLISÕES ELÁSTICAS são as colisões em que a energia cinética do sistema não muda, e ! COLISÕES INELÁSTICAS são as colisões em que a energia cinética do sistema muda. Se uma colisão é elástica podemos escrever duas equações: a da conservação do momento e a da conservação da energia cinética: p2 p2 p2 p2 r r r r p 1i + p 2i = p 1f + p 2f , K 1i + K 2i = K 1f + K 2f ⇒ 1i + 2i = 1f + 2f 2m 1 2m 2 2m 1 2m 2 Se uma colisão é inelástica, podemos escrever apenas a equação de conservação de momento e a equação para a variação da energia cinética p 12f p 22f r r r r p 1i + p 2i = p 1f + p 2f , ∆K = K f − K i = + 2m 2m 2 1 p 12i p 22i − + 2m 2m 2 1 Um caso de colisão inelástica foi discutido na aula passada: o caso da colisão totalmente inelástica, em que as duas partículas ao final da colisão ficam com a mesma velocidade. Verificamos que a velocidade final comum às duas partículas do sistema é a velocidade do centro de massa do sistema antes da colisão. Vamos então discutir algumas outras possibilidades e ver se é possível, e como, obter as velocidades finais a partir do conhecimento das velocidades iniciais. 2. Colisões elásticas em duas dimensões Consideremos duas partículas de massas m 1 e m 2 apoiadas sobre uma mesa de r r ar horizontal. As duas partículas têm velocidades iniciais v 1 e v 2 e seus momentos lineares antes da colisão são r r r r p 1i = m 1 v 1 , p 2i = m 2 v 2 r r Após a colisão, as velocidades das partículas finais são escritas como u 1 e u 2 , e os momentos finais r r r r p 1f = m 1u 1 , p 2f = m 2 u 2 m1 r v1 m2 r v2 situação inicial situação final r m1 u1 m2 r u2 2 Colisões – M.F.B, 2004 O momento linear é conservado (a resultante das forças externas sobre as partículas é nula) e a energia cinética é constante (a colisão é elástica): r r r r p 1i + p 2i = p 1f + p 2f K 1i + K 2i = K 1f + K 2f p 12i p 22i p 12f p 22f ⇒ + = + 2m 1 2m 2 2m 1 2m 2 Estas duas equações relacionam as grandezas iniciais e finais do movimento. Se temos conhecimento pleno da situação inicial, isto é, se conhecemos os momentos iniciais das partículas, e queremos conhecer a situação final, queremos obter os valores de quatro incógnitas: as duas componentes do vetor momento linear final de cada partícula, pois o problema é bidimensional. A equação da conservação do momento nos fornece duas equações, uma para cada componente, e a equação para a energia cinética nos fornece mais uma. Assim, temos quatro incógnitas e três equações. Portanto, o problema não estará completamente “resolvido” (não poderemos obter todas as informações sobre a situação final) neste caso. Estas duas equações constituem um sistema de equações não lineares; na segunda, os termos aparecem elevados ao quadrado. Ou seja, sua solução talvez possa ser um pouco mais complicada em termos algébricos do que o habitual. Podemos porém “rearrumar” os termos das duas equações, agrupando o que se refere à primeira partícula de um lado das equações e o que se refere à segunda do outro lado: r r r r r r p 1f − p 1i = −p 2 f + p 2 i = − (p 2 f − p 2i ) ( ) ( 1 1 p 12f − p 12i = − p 22f − p 22i 2m 1 2m 2 ) Na primeira equação, vemos que o momento perdido pela primeira partícula é igual a menos o momento perdido pela segunda partícula, ou seja, igual ao momento ganho pela segunda partícula. A segunda equação continua com quadrados de momento. Mas há uma simplificação (pr 1f − pr 1i ) • (pr 1f + pr 1i ) = pr 12f − pr 12i , escrevemos imediata: como 1 r (p 1f − pr 1i ) • (pr 1f + pr 1i ) = − 1 (pr 2f − pr 2i ) • (pr 2f + pr 2i ) 2m 1 2m 2 e, se não houvesse o símbolo do produto escalar no meio, poderíamos dividir uma equação pela outra... Mais interessante do que continuar esta conta, e escrever expressões grandes e gerais para os momentos e velocidades finais, é aplicar as idéias acima a exemplos específicos. O espírito é claro: importante é ter sempre as leis gerais em mente, para aplicá-las a qualquer problema, do que lembrar resultados grandes que têm algumas particularidades que em geral esquecemos. 3 você seria capaz de pensar uma explicação para isto? Colisões – M.F.B, 2004 Exemplo 1 Duas partículas estão apoiadas sobre uma mesa de ar horizontal. Num certo r instante, uma delas é empurrada, adquirindo uma velocidade v 1 cujos módulo e direção são conhecidos. As partículas colidem elasticamente. Qual a velocidade final de cada uma delas? Sabe-se que a direção final da partícula 1 sofreu um desvio de um ângulo θ1 . situação inicial m1 r v1 r u1 situação final ALVO m2 r v2 =0 m1 θ1 m2 θ2 r u2 PROJÉTIL A resultante das forças externas sobre o sistema constituído pelas duas partículas é nula, e portanto há conservação do momento linear: r r r r r r p 1i = p 1f + p 2f ⇒ m 1 v 1 = m 1u 1 + m 2 u 2 Esta equação pode ser representada graficamente como na figura abaixo. r p1f r p 2f r Pi Como a colisão é elástica (dado do problema!), escrevemos p 12i p2 p2 1 1 1 = 1f + 2f ⇒ m 1 v 12 = m 1u 12 + m 2 u 22 2m 1 2m 1 2m 2 2 2 2 Na figura, vemos que esta equação basicamente representa o ângulo que os vetores r r r r 2 r r p 1f e p 2f fazem entre si, pois p 12i = (p 1f + p 2 f ) = p 12f + p 22 f + 2p 1f • p 2 f . Visto de outra forma, temos novamente um sistema com três equações e duas incógnitas. Portanto, falta alguma informação para que seja possível resolver o problema... Esta informação corresponde à última frase do enunciado, “desvio de um ângulo...”. A solução geral deste problema encontra-se na seção 9.6.b do livro texto. Leia-a atentamente. 4 Colisões – M.F.B, 2004 Exemplo 2 Mostre que em uma colisão elástica não frontal entre duas esferas idênticas, em que uma delas está em repouso, o ângulo formado pelas direções finais das duas esferas é sempre 90o. (Exercício 13.36) A situação está representada na figura. As massas das duas partículas são r iguais a m , o momento inicial da primeira é p ο e os momentos finais são r r respectivamente p 1 e p 2 . m r u1 r vο m r pο r u2 r r r A conservação do momento pode ser escrita como p 0 = p 1 + p 2 . Esta expressão pode ser representada graficamente pela figura a seguir. r p1 ϕ α r p2 r pο A conservação da energia cinética é dada por p o2 p 12 p 22 = + ⇒ p 02 = p 12 + p 22 2m 2m 2m Ora, a equação de conservação do momento, elevada ao quadrado, é r r 2 r r p o2 = (p1 + p 2 ) = p12 + p 22 + 2p1 • p 2 = p12 + p 22 + 2p1p 2 cos α , r r onde cos α = cos(180° − ϕ) = − cos ϕ ( α é o ângulo entre p1 e p 2 , o complemento de ϕ ). Comparando esta equação com a equação de conservação de energia, concluimos que 2p 1p 2 cos ϕ = 0 ⇒ cos ϕ = 0 ⇒ ϕ = π / 2 e portanto o ângulo – APENAS NO CASO EM QUE AS MASSAS SÃO IGUAIS – entre as velocidades finais numa colisão elástica em que o alvo está em repouso é 90o. 5 Colisões – M.F.B, 2004 3. Colisões elásticas unidimensionais No laboratório de física experimental, você faz uma série de experimentos com colisões, todas em uma dimensão, sobre um trilho de ar. Vamos então considerar uma colisão elástica em uma dimensão. r No caso geral, duas partículas de massas m 1 e m 2 com velocidades iniciais v 1 e r r r v 2 colidem e passam a ter velocidades u 1 e u 2 respectivamente. depois da colisão antes da colisão r v1 r u1 r v2 m2 m1 m1 r Pi r u2 m2 r Pf As leis de conservação da quantidade de movimento e de energia podem ser escritas como r r r r p 1i + p 2 i = p 1f + p 2f ⇒ p 1ix + p 2 ix = p 1fx + p 2fx ⇒ m 1 v 1x + m 2 v 2 x =m 1 u 1x + m 2 u 2 x p 12i p2 p2 p2 + 2 i = 1f + 2f 2m 1 2m 2 2m 1 2m 2 ⇒ m 1 v 2 1x + m 2 v 2 2 x =m 1 u 2 1x + m 2 u 2 2 x Veja que este problema está “completamente resolvido”: se conhecemos as velocidades iniciais, conhecemos as velocidades finais, pois temos duas incógnitas ( u 1x e u 2 x ) e duas equações. Podemos resolver o sistema: reescrevendo a primeira equação como p 1ix − p 1fx = p 2fx − p 2 ix e a segunda como ( ) ( 1 1 p 12i − p 12f = p 22f − p 22 i 2m 1 2m 2 ) ⇒ (p 1i − p 1f )(p 1i + p 1f ) = − m1 (p 2i − p 2f )(p 2i + p 2f ) m2 lembrando que p 1ix ≠ p 1fx e p 2fx ≠ p 2 ix (se fossem iguais, não teria ocorrido troca de momento no processo), dividimos a segunda equação pela primeira e montamos agora um sistema de equações com duas equações lineares: p 1ix − p 1fx = p 2fx − p 2 ix p 1ix + p 1fx = − m1 (p 2fx − p 2ix ) m2 Você pode resolver simplesmente estas duas equações: confira se elas estão corretas e obtenha os valores dos momentos finais das duas partículas. 6 Colisões – M.F.B, 2004 Exercício 3 Escreva a expressão para a velocidade final da partícula 1 e para a velocidade final da partícula 2 no caso de uma colisão elástica unidimensional. Represente graficamente os resultados obtidos por você (desenhe a situação antes e depois da colisão) em cada um dos casos abaixo: a) as duas massas são iguais; b) as duas massas são iguais, e no início a segunda partícula está parada; c) a massa da primeira partícula é muito grande comparada com a da segunda, e a segunda está inicialmente em repouso; d) a massa da segunda partícula é muito grande comparada à da primeira, e a segunda partícula está inicialmente em repouso. 4. Finalização da aula 2 Chegamos ao final desta discussão. O que temos: se a resultante das forças externas é nula, num processo de colisão o momento linear do sistema é conservado. As colisões são chamadas de elásticas quando neste processo há também conservação de energia interna. Isto significa que no processo de colisão o trabalho global das forças internas é nulo (por exemplo, se há um elástico entre os dois carrinhos num trilho de ar, durante a colisão a energia cinética dos carrinhos é transformada em energia elástica, mas à medida que o sistema evolui o elástico devolve para o sistema a energia armazenada nele). Num processo inelástico, há perda de energia (ou ganho, no caso de um processo de explosão). Esta perda corresponde à dissipação de energia por processos internos (por exemplo, deformação). A pergunta que vamos responder na próxima aula é: será que existe um limite para a quantidade de energia que pode ser perdida numa colisão? Exercício 4 Resolva o exercício 39 da lista de exercícios 13. 7