O fotógrafo infalível Uma fotografia vale pelo que nela vemos e pelo que nela (re)conhecemos, pelo que nela está representado e pelo que sabemos ou não das coisas nela representadas. Estas fotografias ganham, junto dos observadores portugueses, uma dimensão específica. É que, o conjunto que constitui este corpo de trabalho foi tirado em Goa. Ao serem precedidas de uma palavra tão carregada de sentidos como esta poderia parecer escusado olhar para qualquer imagem “real” – na medida em que, de facto, os portugueses têm já de Goa uma imagem “mental”, construída pela história de uma presença-ausência que o tempo resolveu e justificou em melancolia e esboroamento, poesia e persistência. Ora, o mais importante deste trabalho de António Júlio Duarte é obrigar-nos a olhar para imagens onde não reconhecemos a tranquila ilustração do já conhecido. E fá-lo com uma faca de dois gumes. Esta não é a Goa das recordações pós-coloniais; não identificamos nem a bela tristeza dos que ficam, olhando-nos como referente, nem a bela decadência daquilo que se deixou ao partir. Estas imagens, contêm em si mesmas (sem necessitarem de qualquer designação) um poderoso espírito de lugar: e é um lugar social, económica e psicologicamente devastado, que abre fendas (por onde entram homens e animais), que é invadido pela natureza vegetal e pela construção humana, que colhe bolores e lixos, humidade e pobreza. O objectivo de António Júlio Duarte é contrariar (dificultar), com o que dá a ver, o que o observador julga que sabe. Estas fotos valem por si mesmas, e não pela designação que transportam, criam o seu lugar (uma topografia própria), são ontológicas, não são testemunhos de uma situação histórica, não são documentais. Estando, porém, marcadas por um nome devemos tomá-lo como programa e considerar ainda a série em que se inserem. Assim, “Goa”, passa a designação abstracta e universal. E, “Jesus Never Fails”, é lema que o fotógrafo toma para si mesmo. Munido dessa certeza irónica António Júlio Duarte expõe em toda a sua crueza tudo aquilo que falhou: regista poses animais que se copiam para nada, encontra seres humanos que coincidem com formas vegetais como se lhes faltasse também ânimo, estabelece pares de volumes que se repetem sem estabelecerem equilíbrios e harmonias, encontra linhas construtivas onde os elementos, arrumados de modo aleatório, tornam inútil qualquer disciplina. © João Pinharanda Lisboa, Dezembro 2008