Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 156 EUROPA EXÓTICA O lado verde e selvagem da Europa Com 60% de seu território tomado por florestas, o pequeno país reúne um preservado passado medieval e paisagens que vão de montanhas alpinas a praias no Mar Adriático O Lago Bled, nos Alpes Julianos, é a paisagem mais conhecida da Eslovênia 156 VIAJE MAIS SHUTTERSTOCK Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 157 POR E D UA R D O V E S S O N I terra distante, verde e selvagem até parece cenário de alguma saga medieval. Castelo encravado entre paredões rochosos que serviu de refúgio para um cavaleiro fugitivo, cavernas escondidas que inspiraram Dante Alighieri em trecho do clássico A Divina Comédia, salões naturais onde formações geológicas pontiagudas repousam há 3 milhões de anos, uma igreja do século 17 construída em uma ilha dentro de um lago de origem glacial e um recanto à beira-mar que tem semelhanças com Veneza. A Eslovênia consegue reunir em um mesmo território uma variedade geográfica impensável para um país com modestos 20 mil km² de área. A VIAJE MAIS 157 EDUARDO VESSONI SHUTTERSTOCK Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 158 Parece pouco, mas essas pequenas dimensões guardam cenários alpinos, vilarejos mediterrâneos, vales e planícies que se estendem aos países balcânicos vizinhos. Os eslovenos se orgulham de viver num lugar em que é possível sentir o frescor da neve dos Alpes e a brisa marinha do Adriático. E o que se sente e o que se vê naquelas terras são capazes de fazer qualquer viajante esquecer a fama e as facilidades de outros destinos europeus mais badalados. Liubliana quase não convence 158 que é uma capital. Em poucos minutos de caminhada já é possível sentir o clima de interior desta urbe de menos de 300 mil habitantes bem no centro do país. A cidade é compacta e dois dias bem aproveitados são suficientes para conhecer e se apaixonar por ela. CIDADE DO DRAGÃO Dividida pelo Rio Liublianica, a capital eslovena é marcada pelas várias pontes que recortam o setor histórico, como a Tromostovje (Ponte Tripla), três pontes paralelas VIAJE MAIS entre a Praça Preserem e o Centro Velho; a Zmajski Most (Ponte do Dragão), construção de 1900 que guarda estátuas de dragão, o símbolo da cidade; e a mais recente Mesarski Most (Ponte do Açougueiro), que tem parte do chão de vidro e é decorada com esculturas. Por lá dizem que a Europa se encontra em Liubliana. Basta apontar os olhos para qualquer esquina para ver uma sequência de construções erguidas em estilos medieval, barroco e, a partir da virada do século 20, art noveau, Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 159 que deu à cidade ares arquitetônicos inovadores. O Mercado Central, uma das principais atrações locais, foi erguido na década de 1940 com colunas na fachada que remetem ao passado romano da cidade. Atualmente, é um agitado ponto gastronômico que atrai moradores e turistas ao redor de mesas e balcões ao ar livre. Do lado de fora, um colorido comércio de verduras, frutas e suvenires, de segunda a sábado, movimenta ruas antigas que cos- tumam silenciar-se logo após o pôr do sol. Eis o ponto mais pulsante de Liubliana, pois dali para a frente a cidade volta ao ritmo de uma capital que preserva clima de interior. Outra visita a ser feita é ao Castelo de Liubliana, construção medieval com prováveis origens no século 90, embora as estruturas atuais sejam remanescentes dos séculos 16 e 17, quando o local funcionou como fortaleza e prisão. Situado sobre uma colina com vista panorâmica do centro histórico, o castelo pode ser alcançaVIAJE MAIS O Mercado Central (na pág. ao lado) é um centro gastronômico de Liubliana, a capital, cortada pelo Rio Liublianica (acima) do em uma viagem rápida a bordo de um funicular que sobe quase 70 metros. No alto, é possível visitar a torre de pedra, de 1845, o museu dedicado à história da Eslovênia e antigas salas. De resto, o melhor roteiro é perder-se pelas estreitas ruas de pedras da cidade e descobrir qual próxima surpresa histórica irá aparecer. 159 Eslovenia_R2 feita:Layout 1 01/06/2012 20:49 Página 160 EUROPA EXÓTICA Eslovênia ALPES JULIANOS Se cada cidade da Eslovênia transporta o visitante para um passado distante, as estradas com limite de velocidade que chega a 130 km/h não levam ninguém para muito longe. Nenhum destino é distante nesta nação com 248 km de leste a oeste, cujos deslocamentos de carro não ultrapassam duas horas de viagem, como ao extremo nordeste, fronteira com a Hungria. A apenas 57 km da capital, Bled é um dos cartões-postais mais famosos do país. É neste destino dos Alpes Julianos, região do norte com nome que homenageia o imperador Júlio César, por ali ter fundado uma cidade em 57 a.C., que está a igreja barroca erguida em uma ilha situada no 160 meio do Lago Bled. O pequeno município com apenas 8 mil habitantes, que chega a dobrar durante o verão, ficou famoso pelo centro de cura criado por um médico cujo tratamento incluía caminhadas de até cinco horas ao nascer do dia, banhos nas águas termais do lago com propriedades terapêuticas e uma rigorosa dieta vegetariana. Reconstruída diversas vezes devido à ação de terremotos, a versão atual da Igreja da Assumpção é do século 17, cujo acesso se dá a partir de um breve deslocamento em pequenas embarcações de madeira conhecidas como pletna, um silencioso barco de madeira que cruza as águas do lago até o início da escadaria de VIAJE MAIS pedras com 99 degraus. O sino do século 15 é um ícone local, pois, embora tenha testemunhado diversas reformas após terremotos e até destruição provocada por um raio, ainda protagoniza uma lenda que diz que quem tocá-lo terá o desejo realizado. CASTELO QUE ENCANTA Da única ilha em todo o país é possível avistar outro marco: o Castelo de Bled, situado sobre uma colina a 130 metros do lago e considerado o mais antigo da Eslovênia. A primeira menção que se faz a uma construção no mesmo local data dos primeiros anos do século 11, quando havia apenas algumas torres românicas que, ao longo dos anos, foram ganhando SHUTTERSTOCK Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 161 O Castelo de Bled foi erguido sobre um paredão de pedra a 130 metros das margens do lago VIAJE MAIS 161 Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 162 EUROPA EXÓTICA Eslovênia A Igreja da Assumpção ocupa uma pequena ilha no Lago Bled e foi reconstruída várias vezes; a sua versão atual é do século 17 novas construções, como outras torres, fortificações e arcos góticos. Embora não tenha sido casa de reis ou rainhas, o castelo preservou ao longo dos séculos o ar imponente, sobretudo por conta da administração que esteve sob cuidados de padres e bispos. Atualmente, um museu funciona em antigas salas com exposição permanente sobre a história da região e objetos de época. Porém, é quase impossível prestar atenção em detalhes históricos. O efeito visual causado por aquela construção quase milenar e imponente, que parece flutuar sobre a cidade, é capaz de encantar qualquer viajante que, em dias de céu claro, ainda con162 segue ver a cadeia montanhosa de Karavanka, na fronteira com a Áustria. Dali de cima fica mais fácil entender por que o castelo é a segunda atração mais visitada na Eslovênia. JOIA MEDIEVAL A vizinha Radovljica, a cerca de 7 km de distância de Bled, também causa encantamento. A Praça Linhart, no centro do povoado, abriga construções como a Sivec House, considerada um dos melhores exemplos arquitetônicos do período medieval na Eslovênia; uma antiga taverna do século 15, onde padres vendiam vinhos após a missa em um espaço de dimensões claustrofóbicas, VIAJE MAIS decorado com desenhos nas paredes feitos com a própria bebida; e a Capela de Edith Stein, bunker da Segunda Guerra transformado em capela em homenagem a essa mulher de origem judaica que se converteu ao catolicismo e se tornou freira. A pequena Radovljica abriga também um restaurante que funciona há quase dois séculos em uma construção de mais de 500 anos. É no porão da Casa Lectar que funciona o simpático Museu do Pão de Gengibre, espaço cenográfico dedicado ao doce local feito com especiarias e enfeitado com uma cuidadosa decoração, que transformou o produto em suvenir não consumido. No Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 163 Eslovena em trajes do período medieval (ao lado) produz o típico pão de gengibre, em um restaurante de Radovljica, que tem quase 200 anos (abaixo) passado, o pão era comercializado para presentear a pessoa amada – daí o hábito de fazê-lo em forma de coração –, enfeitado com um espelho ou dado de brinquedo para as crianças. A cenografia do museu inclui a simulação de uma antiga casa medieval, na qual mulheres com trajes típicos demonstram diversas etapas de preparação do produto e chegam a produzir, diariamente, cem unidades cada uma. Radovljica é conhecida também pela apicultura, o que deu à cidade um simpático museu dedicado ao assunto, onde é possível conhecer métodos artesanais de produção de mel e a fama de produtos regionais, como o licor de mel. A alta temporada local é bem marcada e tem início após a Páscoa e termina no final de outubro. Nos outros meses do ano, o destino é um cenário de ares serenos cujo único movimento é o de alguns raros viajantes interessados em sua arquitetura particular. SHOW DA NATUREZA FOTOS: EDUARDO VESSONI A Eslovênia reserva algo especial além de belas construções antigas: a natureza. Com quase 60% do território ocupado por matas, é considerada a segunda nação europeia com a maior área florestal. O orgulho natural é o Parque Nacional Triglav, um dos mais antigos da Europa e o único do país. Criado em 1906 ao redor da região dos lagos de Triglav e ampliado em 1981, o parque ocupa hoje todo o território dos Alpes Julianos, região com 880 km² de extensão. Nem a construção de uma estação de esqui, em Bohinj, conVIAJE MAIS 163 SHUTTERSTOCK Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 164 As águas do Rio Mostnica que cortam um cânion formando gargantas são uma das atrações do Parque Nacional Triglav seguiu alterar o lado selvagem da região. O centro de entretimento Vogel, no interior do parque, parece ser a única marca de civilização naquelas terras. O local pode ser acessado por um teleférico, que sobe a 1.537 metros e de onde se tem uma das vistas panorâmicas mais impactantes do Lago Bohinj, de origem glacial, e da montanha Triglav, cujos 2.864 metros marcam o ponto mais alto do país. Um dos destinos mais populares, e ainda assim com um elevado nível de preservação e isolamento, é a Cachoeira Savica, duas quedas-d’água com 25 e 51 metros de altura cada uma. A caminhada de 25 minutos até o local exige 164 preparo físico para encarar as centenas de degraus esculpidos em pedra e, por questões de segurança, o atrativo se encontra isolado por um portão. Contudo, do alto de um mirante coberto, tem-se um exemplo da importância que aquelas águas de origem glacial exercem sobre o território exageradamente verde. Os mais aventureiros preferem as diversas trilhas que começam às margens do Rio Mostnica, no Vale de Voje. Com opções que variam de pequenos deslocamentos a até sete horas de caminhada, a região abriga atrações como gargantas com até 20 metros de altura, curiosas rochas esculpidas por esse VIAJE MAIS rio de águas geladas, com temperaturas que nunca ultrapassam os 10 0 C, e uma coleção de belas pontes que vão cortando o leito agitado que rasga o cânion. O parque preserva áreas ainda mais isoladas, como Tolmin, município que também serve como porta de entrada para o parque nacional. O cenário selvagem, que mais parece a descrição de algum conto surreal, abriga as Gargantas de Tolmin, declaradas o ponto mais baixo e mais ao sul do Parque Nacional Triglav, e águas termais que chegam a atingir temperaturas superiores a 20 0C, ainda que as águas do Rio Tolminka variem entre 5 e 9 0C. EDUARDO VESSONI Eslovenia_R2 feita:Layout 1 01/06/2012 20:50 Página 165 Passarelas naturais beiram o Rio Tolminka e levam os visitantes para dentro do Cânion Zadlascica, em área mais isolada do parque A Caverna Zadlaska, no Parque NacioNal Triglav, teria inspirado o escritor DaNTe alighieri a rascunhar o capítulo Inferno de seu poema épico e clássico a DiviNa coméDia O excesso de umidade e o clima quente mediterrâneo garantem a proliferação de uma variada vegetação, a qual forma um tapete verde que cresce sobre o terreno rochoso, como a Medvedova Glava, rocha em forma de cabeça de urso que se encontra presa em um ponto mais estreito do Cânion Zadlascica. Embora irregular e com alguns trechos escorregadios, o local abriga passarelas naturais que beiram o Tolminka e servem de passagem para os visitantes. Esse cenário de paisagens sublimes e poéticas serviram até para Dante Alighieri escrever uma das obras mais importantes da literatura mundial. Divulga-se por lá que a Caverna Zadlaska, coVIAJE MAIS nhecida também como Caverna de Dante, foi inspiração para o escritor italiano rascunhar o capítulo “Inferno” do poema épico A Divina Comédia, durante uma visita à região a convite do patriarca Pagano della Torre. Aberto apenas para os mais arrojados e acompanhados de guias especializados, o complexo de corredores subterrâneos possui 1.140 metros de extensão e mais de 40 metros de profundidade, onde se es condem três salões principais. CASTELO NA ROCHA A Eslovênia parece ter talento para reunir cenários antagônicos a tão poucos quilômetros de dis165 Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 166 EUROPA EXÓTICA Eslovênia O Castelo de Predjama, em Postojna, foi construído a partir do século 12 colado a uma imensa fenda na rocha tância. Em Postojna, o Castelo de Predjama é uma das visões mais marcantes do país. Encravado em uma imensa rocha, é um exemplar bem preservado da engenharia do período medieval. Acredita-se que o primeiro castelo ali construído date do século 12, mas a versão histórica mais difundida é da segunda metade do século 13, quando o bravo cavaleiro Erasmo de Predjama se refugiou 166 naquela construção ainda por terminar para fugir da ordem de decapitação dada pelo rei húngaro Matija Korvin, que tivera um parente assassinado por ele. Vivendo de forma rústica e isolada, o fugitivo pensava ter encontrado um lugar seguro para evitar a sentença. Mas foi vítima de suas próprias pegadas deixadas na neve. Foi capturado e morto em 1484. O interior com várias salas VIAJE MAIS simples e as rochas esculpidas pela ação da erosão e do constante gotejamento pouco impressionam os visitantes diante da monumentalidade do castelo, que parece colado em uma imensa fenda rochosa. O formato atual é de 1570 e a última restauração ocorreu em 1990. A visita inclui a ponte levadiça de acesso, o pátio onde se guardavam os cavalos, o oratório, quartos, a sala de príncipes usada FOTOS: EDUARDO VESSONI Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 167 A Caverna de Postojna tem 20 km de vias em seu interior e é a maior atração do país como área de segurança no final do século 19 e a galeria situada no interior da rocha, que serviu como refúgio para Erasmo, de onde uma janela propiciada por um corte natural lhe garantia vistas estratégicas do lado de fora. É o ponto máximo do passeio pelo interior do castelo. Sob aquele penhasco de 123 metros de altura, um mundo paralelo corre silencioso. O castelocaverna, como é conhecido na Eslovênia, abriga uma rede de galerias subterrâneas interligadas com 13 km de extensão. Usada por Erasmo como caminho seguro para saídas, a área tem vestígios de presença humana do período da Idade da Pedra. INVASÃO DAS CAVERNAS Já que a regra é surpreender, a próxima parada fica a 9 km do castelo. É a atração mais visitada VIAJE MAIS da Eslovênia. Conhecido como Caverna de Postojna, o local abriga 20 km de vias secas e alagadas formadas por impressionantes salões com formações naturais de desenhos particulares. A vista daquele mundo subterrâneo esculpido em rochas calcárias há mais de 3 milhões de anos inclui um passeio de trem, que percorre 2 km de caverna, cortando salas decoradas com 167 SHUTTERSTOCK Eslovenia_R2 feita:Layout 1 30/05/2012 19:37 Página 168 A pequena Piran fica em uma península banhada pelo Mar Adriático, na fronteira com a Itália, e é chamada de Veneza eslovena formações típicas de grutas, como estalactites, estalagmites e cortinas. Depois, os visitantes seguem caminhando por mais 1 km. O que se vê é uma sucessão de cenários que, por muito pouco, não fazem os visitantes pensarem que aquilo é irreal e que se trata de cenografia de cinema. Com temperatura natural de 10 0C e uma escuridão quebrada apenas pela iluminação artificial que destaca os desenhos mais impressionantes, o ambiente guarda blocos que despencaram do teto há milhões de anos, estalactites em forma de espaguete que formam a Galeria dos Órgãos de Tubos, salão com 3 mil m² com capacidade para abrigar até dez mil pessoas e propriedade de 168 ressonância que faz com que um eco dure seis segundos. Infelizmente, a fama do local acarretou também na massificação da atração e, atualmente, uma enxurrada de visitantes lota os tours guiados, única maneira permitida para conhecer as cavernas – os grupos chegam a ter cem pessoas sob os cuidados de apenas um guia. Em alguns momentos do passeio, tem-se a impressão de estar em algum parque de diversão lotado de adolescentes animados e falantes que não combinam com aquela geografia silenciosa sob a terra. Para fugir do incômodo, procure acompanhar os grupos em outros idiomas menos procurados por visitantes, como franVIAJE MAIS cês, alemão ou italiano. Se o inglês for a sua única opção, permaneça no final do grupo para evitar a massa de turistas e o excesso de falta de humor com o qual alguns guias costumam receber aquela onda de gente que desembarca na caverna mais visitada da Europa. PEQUENO GRANDE PAÍS Bastam alguns dias em território esloveno para o viajante se dar conta de que tamanho não é documento. É constante a sensação de ter deixado algo para trás. Na geografia deste pequeno país ainda cabe Piran, península banhada pelas águas do Mar Adriático considerada a Veneza da Eslovênia – não somente pela proximidade