INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO
LITERATURA PORTUGUESA II
AVALIAÇÃO I
VALOR: 2,0 PONTOS
Instruções: A avaliação contém três questões, mas você deve responder a apenas duas. Faça a sua escolha. Ao
desenvolver os seus textos, não use qualquer tipo de estrutura de tópicos. Organize-os em parágrafos. Ao citar
qualquer material utilizado para consulta, não se esqueça de fazer uso das aspas, indicando a sua fonte, sempre
que possível, segundo o modelo: (MOISÉS, 2003, p. 117). A prova pode ser feita à caneta ou a lápis. Para a
atribuição de nota, será feita uma espécie de sorteio, determinando-se a qual das duas questões desenvolvidas
será atribuída a nota.
QUESTÃO 1
Camões, o poema narrativo de Almeida Garrett que marca a introdução do Romantismo em Portugal,
com a sua publicação, em 1825, é acompanhado de um prefácio, do próprio Garrett, em que este diz o seguinte,
em determinada passagem:
“A índole deste poema é absolutamente nova: e assim não tive exemplar a que me arrimasse, nem norte
que seguisse Por mares nunca dantes navegados.
Conheço que ele está fora das regras; e que se pelos princípios clássicos o quiserem julgar, não
encontrarão aí senão irregularidades e defeitos. Porém declaro desde já que não olhei a regras nem a princípios,
que não consultei Horácio nem Aristóteles, mas fui insensivelmente depós o coração e os sentimentos da
natureza, que não pelos cálculos da arte e operações combinadas do espírito.” (GARRETT apud MOISÉS, 2003,
p. 112).
Em Um auto de Gil Vicente, a primeira peça de teatro de Garrett, encenada em 1838, há um diálogo,
entre Chatel e Pêro, no qual se observa algo do que pensava o autor a respeito dos valores da arte e da literatura,
em consonância com o que se via no prefácio acima citado. Eis o diálogo em questão:
“CHATEL – Ah!, também admite o canto o teatro português! Verdadeiramente não se imagina em
Itália, nem em França, como os Portugueses estão adiantados nas artes. O vosso Gil Vicente é um prodígio:
prodígio natural – e também pouco cultivado. Se ele conhecesse os clássicos; se, como o nosso Ariosto, soubesse
imitar Terêncio e Aristófanes; se aprendesse as regras de arte!...
PÊRO – Havia de ser um sensaborão insulso e insípido segundo a arte; havia de marcar seu engenho
natural, e...” (GARRETT, 2007, p. 110).
Tendo em vista os dois trechos citados, o do prefácio de Camões e o de Um auto de Gil Vicente,
discorra sobre os pontos que aproximam os dois textos, no que diz respeito ao que neles se evidencia acerca dos
valores tipicamente românticos, os quais, segundo Massaud Moisés, incluem, entre outras coisas, o repúdio aos
clássicos, a revolta “contra as regras, os modelos, as normas” e a defesa da “total liberdade na criação artística”
(MOISÉS, 2003, p. 116).
QUESTÃO 2
A diferença entre o modo como os românticos concebiam o passado e o modo como os realistas o
faziam é algo que merece destaque, na comparação entre os dois movimentos literários, em particular, no espaço
português. Com relação a isto, é digna de nota a diferença na maneira como a figura de Camões era vista por
Almeida Garrett, que dele faz um herói nacional, e a forma como viam o criador de Os lusíadas autores como
Eça de Queirós e Antero de Quental, que o tomariam, segundo Maria Aparecida Ribeiro, “como emblema de um
passado cuja tentativa de ressurreição [...] constitui um factor negativo” (RIBEIRO, 1994, p. 78). Alguns traços
da postura que os românticos adotavam em relação ao passado ficam evidentes no trecho que se segue, de
Massaud Moisés:
“[...] Velhos castelos medievais de repente se tornam ponto de atração, ruínas de monumentos grecolatinos passam a ser visitadas e apreciadas pelo que evocam de melancolia e tristeza na lembrança dum tempo
morto para sempre: mesmo aspectos da paisagem nacional, ricos de conteúdo evocativo, são de súbito
descobertos e visitados como em peregrinação.” (MOISÉS, 2003, p. 119).
Antero de Quental, visto como “figura tutelar” (RIBEIRO, 1994, p. 77) do Realismo português, por seu
turno, assim se expressava sobre a necessidade de Portugal e Espanha retomarem o seu lugar na marcha da
história:
“Que é pois necessário para readquirirmos o nosso lugar na civilização? para entrarmos outra vez na
comunhão da Europa culta? É necessário um esforço viril, um esforço supremo: quebrar resolutamente com o
passado. Respeitemos a memória dos nossos avós: memoremos piedosamente os actos deles: mas não os
imitemos. Não sejamos, à luz do século XIX, espectros a que dá uma vida emprestada o espírito do século XVI.
A esse espírito mortal oponhamos francamente o espírito moderno.” (QUENTAL, 1994, p. 88).
Considerando esta posição dos realistas, e, em particular, de Antero, a respeito do passado, redija um
texto demonstrando e explicando como ela se manifesta nas seguintes estâncias do poema que o autor das Odes
modernas intitulou “Tentanda via”. Em sua dissertação, não deixe de valorizar as palavras do poema.
“[...]
São os tristes suspiros do Passado
Que se erguem d’esse chão, por toda a parte...
É a saudade, que nos rói e mina
E gasta, como a pedra a gota d’água...
Depois, a compaixão, a íntima mágoa
De olhar essa tristíssima ruína...
Tristíssimas ruínas! Entristece
E causa dó olhá-las – a vontade
Amolece nas águas da piedade,
E, em meio do lutar, treme e falece.
Cada pedra, que cai dos muros lassos
Do trêmulo castelo do passado,
Deixa um peito partido, arruinado,
E um coração aberto em dois pedaços!
[...]
Ah! via dolorosa é esta via!
Onde uma Lei terrível nos domina!
Onde é força marchar pela neblina...
Quem só tem olhos para a luz do dia!
[...]
Sim! Que é preciso caminhar avante!
Andar! passar por cima dos soluços!
Como quem n’uma mina vai de bruços,
Olhar apenas uma luz distante!
É preciso passar sobre ruínas,
Como quem vai pisando um chão de flores!
[...].
[...]
E, quando, sem temor e sem saudade,
Poderdes, d’entre o pó d’essa ruína,
Erguer o olhar à cúpula divina,
Heis de então ver a nova-claridade!
Heis de então ver, ao descerrar do escuro,
Bem como o cumprimento de um agouro,
Abrir-se, como grandes portas de ouro,
As imensas auroras do Futuro! (QUENTAL, 1875, p. 79-83).
QUESTÃO 3
Em “Singularidades de uma rapariga loura”, de Eça de Queirós, chama a atenção o contraste entre a
maneira como Macário, antes do desfecho da narrativa, vê Luísa, e o modo como o narrador a descreve, em
certas passagens. A perspectiva de Macário se evidencia, exemplarmente, quando assim se descreve a sua reação
a um encontro de olhares, no momento em que Luísa e a mãe visitam a loja em que trabalha o jovem: “E a loura
ergueu para ele o seu olhar azul, e foi como se Macário se sentisse envolvido na doçura de um céu.” (QUEIRÓS,
1962, p. 397). Já o modo como o narrador descreve a moça pode ser observado no seguinte trecho:
“Tinha o caráter louro como o cabelo – se é certo que o louro é uma cor fraca e desbotada; falava
pouco, sorria sempre com os seus brancos dentinhos, dizia a tudo pois sim; era muito simples, quase indiferente,
cheia de transigências. Amava de certo Macário, mas com todo o amor que podia dar a sua natureza débil,
aguada, nula. Era como uma estriga de linho; fiava-se como se queria; e às vezes, naqueles encontros noturnos,
tinha sono.” (QUEIRÓS, 1962, p. 405).
Para além dos contrastes do conto, seria possível também notar o que afasta a personagem feminina aí
representada e uma figura como a Paula, de Almeida Garrett, personagem de destaque em Um auto de Gil
Vicente. Eis um trecho da peça em que se pode ver um pouco do caráter da moça:
“PAULA VICENTE – [...] Amo-o; e já não é possível que eu ame outro homem senão ele. Amo-o; e
assim me empenho em seus amores com outra – com uma rival que devia detestar e não detesto – quero-lhe
antes, sirvo-a, deixo caluniar a minha para salvar a sua honra!... [...].” (GARRETT, 2007, p. 150).
Com o foco nos traços que constituiriam os caracteres das duas personagens, aos quais se associam os
seus dilemas e destinos, discorra sobre o que, na constituição do caráter de cada uma delas, revelaria, por parte
dos autores que as criam, a adesão ou o afastamento em relação a valores do Romantismo, tais como a ênfase nas
“razões do coração” (MOISÉS, 2003, p. 117) e ideias como a de “pureza”, a de “inocência” e a de “nobreza”
(MOISÉS, 2003, p. 120).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GARRETT, Almeida. Um auto de Gil Vicente. In: ABRANCHES, António Joaquim da Silva; GARRETT,
Almeida; LEAL, José da Silva Mendes; LOBO, António Maria de Sousa. Teatro romântico português: o drama
histórico. Prefácio, selecção e notas de Luiz Francisco Rebello. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda,
2007. p. 99-162.
MOISÉS, Massaud. Romantismo (1825-1865). In: ______. A literatura portuguesa. 32. ed. São Paulo: Cultrix,
2003. p. 111-120.
QUEIRÓS, Eça de. “Singularidades de uma rapariga loura”. In: ______. O crime do padre Amaro e contos. Belo
Horizonte: Itatiaia, 1962. p. 391-413.
QUENTAL, Antero de. Causas da decadência dos povos peninsulares. In: RIBEIRO, Maria Aparecida; REIS,
Carlos. História crítica da literatura portuguesa, v. 6 [Realismo e Naturalismo]. Lisboa: Verbo, 1994. p. 86-89.
______. Odes modernas. 2. ed. Porto: Chardron, 1875. p. 77-83.
RIBEIRO, Maria Aparecida. Introdução. In: RIBEIRO, Maria Aparecida; REIS, Carlos. História crítica da
literatura portuguesa, v. 6 [Realismo e Naturalismo]. Lisboa: Verbo, 1994. p. 75-81.
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