Literatura Portuguesa Prof. Augusto SarmentoPantoja Aula 01 T R O V A D O R I S M O 1 Idade Média A Queda do Império Romano tem pelo menos uma conseqüência negativa : a Europa torna-se um continente militarmente desprotegido, ou seja, propício às invasões bárbaras por ele sofridas a partir de então ( a arquitetura da época confirma isso). A difusão da filosofia cristã foi tão intensa na Europa após a morte de Jesus Cristo que, já no início da Idade Média, o Cristianismo é a religião oficial do continente europeu; ao contrário do que aconteceu na Antigüidade, aquele2 que não é cristão é BÁRBARO e é Assim, desde o início da Idade Média (476-1453), os europeus ocupam-se com a GUERRAS DE RECONQUISTA, expulsão dos povos bárbaros - principalmente dos MOUROS (muçulmanos, adoradores de Maomé) que instalam-se em grande número na PENÍNSULA IBÉRICA. Nessa época, a Europa é um conjunto de REINOS. Por exemplo: no século XI, o território que atualmente faz parte de Portugal, do Rio Mondego para o Sul, ainda estava ocupado pelos sarracenos, e desse rio para o Norte havia o reino de Leão. Ainda não existia a nação portuguesa. 3 O Feudalismo Cada feudo possui um administrador com plenos poderes: o SENHOR FEUDAL. Assim, no sistema feudal, o poder do rei é descentralizado para os feudos, para os senhores feudais. A atividade econômica principal na Europa medieval é a AGRICULTURA: o senhor feudal ARRENDA as terras do feudo aos agricultores - seus SERVOS ou VASSALOS - que pagam o arrendamento com produtos nela4 cultivados e colhidos; quase toda a O senhor feudal, por sua vez, "presta contas" ao rei de "tudo" que diz respeito ao feudo que administra, além de ser seu cavaleiro, seu companheiro e defensor nas guerras: ele é vassalo do rei. Além dos servos, os feudos contam ainda com os cavaleiros do senhor feudal e com os artesãos, aqueles que elaboram manualmente as roupas, os calçados, os utensílios e todos os objetos consumidos pela 5 sociedade. O século XII é o de lutas mais intensas entre cristãos e mouros, que vão cedendo terreno pouco a pouco ante a vigorosa ofensiva dos leoneses. Afonso VI é o rei de Leão e chega para reforçar a luta contra os mouros, o nobre francês Henrique de Borgonha. Sua empreitada rendeu-lhe a mão da filha do rei e o governo de um dos seus melhores condados: o de Porto-Cale; pouco tempo depois, o Conde Henrique anexa ao seu domínio o condado de Coimbra e tem um herdeiro: o futuro rei Dom6 Afonso Henriques. Ao completar 18 anos, D. Afonso Henriques assume o governo e entra em guerra contra os mouros e contra o então rei de Leão - Afonso VII - sagrando-se sempre vencedor; aos Condados de Porto Cale e Coimbra é anexado todo o reino de Leão: todo esse território forma a nação portuguesa, cujo fundador, D. Afonso Henriques, é reconhecido como seu rei inclusive pelo derrotado e ex-rei de Leão - Afonso VII. Como resultado de suas vitórias sobre os mouros que ocupavam muitas cidades portuguesas, D. Afonso Henriques7 recebe a alcunha de "o O Trovadorismo É das palavras TROVA e TROVADOR ( poeta nobre que faz trovas) que deriva o nome mais comum que se dá a toda Literatura Portuguesa elaborada na Idade Média: TROVADORISMO. As primeiras cantigas ou trovas medievais portuguesas são inspiradas nas cantigas que há muito tempo já eram feitas em Provença, no sul da França. 8 Cantigas Quanto à forma • Cantiga de Maestria: sete versos em cada estrofe, sem refrão, mais difíceis e sofisticadas. • Cantiga de Refrão: quatro versos em cada estrofe com repetição de um deles (refrão) no final, mais populares. • Cantiga Paralelística: há versos encadeados que repetem a mesma estrutura, com pequenas variações, em pares consecutivos, 9 com rimas. Tipos de Cantiga • Cantiga de Amor • Cantiga de Amigo • Cantiga de Escárnio • Cantiga de Maldizer 1 0 Cantiga de Amor “Contém a confissão amorosa do trovador, que padece por requestar uma dama inacessível, inacessível em consequência de sua condição social privilegiada ou de ele desdenhar a sua posse, impedido pelo sentimento espiritualizante que o domina.” (MOISÉS, 1993, p. 16) • o homem revela seu amor platônico; • a amada é sempre idealizada,1 1 • no relacionamento amoroso o homem finge-se inferior a ela, atitude de Vassalagem. As cantigas de amor, portanto, apresentam um conteúdo que expressa tristeza, solidão, amor platônico, desejos não realizados, etc, ou seja, possui "tom" triste: pertencem ao GÊNERO LÍRICO e , pelo conteúdo melancólico, se aproximam bastante com às ELEGIAS. 1 2 “Cantiga da Ribeirinha” No mundo non me sei parelha, mentre me for como me vai, ca já moiro por vós – e ai! mia senhor branca e vermelha, queredes que vos retráia quando eu vos vi em saia! Mau dia me levantei, que vos enton non vi fea! 1 3 E, mia senhor, dês aquel di’, ai! me foi a mi mui mal, e vós, filha de don Paai Moniz, e bem vos semelha d’haver eu por vós guarvaia, pois eu, minha senhor, d’alfaia nunca de vós houve nen hei valia d’ua correa. (MOISÉS, 1993, p. 16-17) 1 4 Cantigas de Amigo “Contém a confissão amorosa da mulher, geralmente do povo (...). Sua coita nasce de entreter amores com um trovador que a abandonou, demora para chegar, ou está no serviço militar (...). A moça dirigi-se à mãe, às amigas, aos pássaros (...), mas quem compõe ainda é o trovador. Ao invés do idealismo das cantigas de amor, a de amigo respira realismo em toda a sua extensão; daí o1 vocábulo amigo significar5 Tipos de Cantiga de Amigo • Romaria • Marinha Barcarola ou • Bailada Bailia ou • Alba Alvorada ou • Serranilha • Pastorela 1 6 Romaria Pois nossas madres van a San Simon de Val de Prados candeas queimar, nós, as meninas, punhemos de andar con nossas madres, e eles enton queimen candeas por nós e por si e nós, meninas, bailaremos i. Nossos amigos todos iran por nos veer, e andaremos nós bailand' ant' eles, fremosas em cós 1 7 e nossas madres pois que alá van queimen candeas por nós e por si e nós, meninas, bailaremos i. Nossos amigos iran por cousir como bailamos, e podem veer bailar moças de bon parecer e nossas madres, pois lá queren ir, queimen candeas por nós e por si e nós, meninas, bailaremos i. "Pois nossas madres vam a San Simion" Pero Viviaez (CV 336/CBN 735) 1 8 Serranilha En Arouca a casa faria; atant’ ei gran sabor de a fazer, que já mais custa non recearia nen ar daria ren por meu aver, ca ei pedreiros e pedra e cal; e desta casa non mi míngua al se non madeira nova, que queria. 1 9 E quen mi a desse, sempr’ o serviria, ca mi faria i mui gran prazer de mi fazer madeira nova aver, en que lavrass’ a peça do dia, e pois ir logo a casa madeirar e telhá-la; e, pois que a telhar, dormir en ela de noit’ e de dia. 2 0 E, meus amigos, par Santa Maria, se madeira nova podess’ aver, logu’ esta casa iria fazer e cobri-la; e descobri-la-ia e revolvê-la, se fosse mester; e se mi a mi a abadessa der madeira nova, esto lhi faria. 2 1 Pastorela Ai flores, ai flores do verde pino, e sabedes novas do meu amigo! i Deus, e u é? Ai flores, ai flores do verde ramo, Se sabedes novas do meu amado! Ai Deus, e u é? Se sabedes novas do meu amigo, Aquel que mentiu do que pôs comigo! Ai Deus, e u é? 2 2 Se sabedes novas do meu amado, Aquel que mentiu do que mi á jurado! Ai Deus, e u é? - Vós me perguntades polo voss' amigo, E eu ben vos digo que é san e vivo. Ai Deus, e u é? - Vós me perguntades polo voss' amado, E eu ben vos digo que é viv' e sano. Ai Deus, e u é? 2 3 E eu ben vos digo que é san' e vivo E seerá vosc' ant' o prazo saído. Ai Deus, e u é? E eu ben vos digo que é viv' e sano E seerá voac' ant' o prazo passado. Ai Deus, e u é? "Ai flores, ai flores do verde pino," D. Dinis (CV 171/CBN 568) 2 4 Marinha ou Barcarola Ondas do mar de vigo, se vistes meu amigo! E ai Deus, se verrá cedo! Ondas do mar levado, se vistes meu amado! Se vistes meu amigo! e por que eu sospiro! E ai Deus, se verrá cedo! Se vistes meu amado! e por que el gran cuidado! e ai Deus, se verrá cedo! 2 5 Bailia ou Bailada Bailemos nós já todas tres, ai amigas, so aquestas avelaneiras frolidas e quem for velida como nós, velidas, se amigo amar, so aquestas avelaneiras frolidas verrá bailar. Bailemos nós já todas tres, ai irmanas, so aqueste rarno destas avelanas, e quem for louçana como nós, louçanas, 2 6 se amigo arnar, so aqueste rarno destas avelanas verrá bailar. Por Deus, ai amigas, mentr' al non fazemos, so aquesto rarno frolido bailemos, e quen ben parecer, corno nós parecemos, se amigo amar, so aqueste ramo so' l que nós bailemos verrá bailar. 2 "Bailemos nós já todas três…" 7 Alba ou Alvorada Levad’, amigo, que dormides as manhãas frias; todalas aves do mundo d’amor dizian: leda m’and’eu! Levad’, amigo, que dormide’-las frias manhãas; todalas aves do mundo d’amor cantavan: leda m’and’eu! 2 8 Todalas aves do mundo d’amor dizian: do meu amor e do voss’em ment’avian: leda m’and’eu! Todalas aves do cantavan: do meu amor enmentavan: leda m’and’eu! Do meu amor mundo e e do do d’amor voss’i voss’em2 9 Do meu amor e do voss’i enmentavan: vós lhi secastes os ramos en que bevian: leda m’and’eu! vós lhi tolhestes os ramos que siian: e lhi secastes as fontes em que bevian: leda m’and’eu! vós lhi secastes os ramos en que bevian: 3 e lhi secastes as fontes u se0 Cantiga de Escárnio “Cantiga de escárnio conteria sátira indireta, realizada por intermédio do sarcasmo, a zombaria e uma linguagem de sentido ambíguo” (MOISÉS, 1993, p. 27) 3 1 Cantiga de Escárnio Mort’ é Don Martins Marcos, ai Deus, se é verdade? Sei ca se el é morto, morta é torpidade, morta é baviequia e morta neiciidade, morta é covardia e morta é maldade. Se Don Martinh’ é morto, sen prez e sen bondade, ôi mais, maos costumes, outro senhor catade; 3 2 pero um cavaleiro sei eu, par caridade, que vos ajudaria a tolher d’el soidade; mais (queredes) que vos diga ende ben verdade?: non é rei nen conde, mais é-x’outra podestade, que non direi, que direi, que non direi... 3 3 Cantiga de Maldizer “A cantiga de Maldizer encerraria sátira direta, agressiva contundente, e lançaria mão duma linguagem objetiva e sem disfarce algum.” (MOISÉS, 1993, p 27) A maior parte das cantigas satíricas eram de maldizer, no entanto costumeiramente tendemos a confundi-las por 3 sua proximidade temática. 4 Cantiga de Maldizer Traj’ agora Marinha Sabugal a velha que adusse de sa terra, a que quer ben, e ela lhi quer mal; e faz-lh’ algo, pero que muito lh’ erra; mais ora quer ir moiros guerreiar e quer consigo a velha levar, mais a velha non é doita da guerra. 3 5