EDITORIAL
Palazzo del Bó e o teatro anatômico
Mauri José Piazza1
No ano 1088 d.C., em Bolonha, conforme estudos e análise de Gisoè Carducci (1835–1907)
teriam sido iniciadas as atividades acadêmicas na Alma Mater Studiorum, que se tornou a primeira
universidade no mundo.
Por sua vez, em 1222 d.C., na cidade de Padova, no norte da Itália foi estruturado o Gymnasium
Omnium Disciplinarum, que foi o início da universidade padovana, publicamente conhecida
também como Universa Universis Patavina Libertas.
O êxodo de professores e estudantes, que se afastaram de Bolonha, descontentes com a falta de
liberdade acadêmica e a inobservância de privilégios garantidos a docentes e discentes, também
contribuiu também para o inicio da Universidade de Padova. Nesta fase inicial, a Universidade
Patavina, no século XIII, foi mantida pela Senhoria dos Carraresi, família dominante em Padova
e na sequência, o foi durante quatro séculos (XV a XVIII) pela República de Veneza.
Desde 1399 existiram como que duas universidades.
A primeira, Universitas Iuristarum, onde eram prelecionados o Direito Canônico, o
Direito Civil e Teologia.
A segunda era a Universitas Artistarum, onde eram prelecionadas Medicina, Filosofia, Gramática,
Dialética, Retórica e Astronomia.
Dos anos 1400 e nos três séculos consecutivos, na Universidade de Padova, foi registrado
um período de grande esplendor e desenvolvimento, assemelhando-se assim às universidades
de Bolonha, Paris, Oxford, Cambridge e Montpelier.
Nessa época houve um grande desenvolvimento de escolas com pensamentos filosóficos diversos, bem
como as grandes escolas de Anatomia e Medicina em todas as demais universidades do mundo.
As diferentes “escolas” em Padova que funcionavam em diversos “bairros”, foram agregadas
a partir de 1493 em um único local, o Palazzo del Bó, situado no centro de Padova — Via Oito
de Janeiro, 2 — que deverá ser um direcionamento a quem se propuser a visitar Padova.
O Palazzo del Bó, que é a sede histórica da universidade Patavina (Padum-Pó, do latim,
significaria rio profundo), primeiramente foi cedido à comuna de Verona e daí à universidade.
Nos seus três andares é possível visitar diferentes salas e já no seu acesso se contempla a estátua
de Elena Lucrezia Piscopia (1646–1684), que foi a primeira mulher no mundo a obter a láurea
em filosofia, em 25 de julho 1678.
A origem do nome Palazzo del Bó deveu-se à existência, na sua entrada, de uma escultura
da cabeça de um boi, pois este edifício pertencera anteriormente a um açougueiro.
Professor Titular de Ginecologia do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Curitiba (PR), Brasil.
Endereço para correspondência: Mauri J. Piazza – Rua Padre Agostinho, 1.923, apto. 701 – CEP: 80710-000 – Curitiba (PR), Brasil –
E-mail: [email protected]
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Outra sala muito interessante é a Sala dos 40, contendo a cátedra de Galileo
Galilei (1564–1642), onde o mesmo lecionou e foi o catedrático de Matemática
por 18 anos (1592–1610).
No entanto, em área específica, pode-se visitar o primeiro teatro anatômico.
Era hábito, desde 1533, construir para cada curso de Anatomia, um novo teatro
anatômico que fosse conveniente às dissecções anatômicas.
Em 1543, Andrea Vesalio (1514–1564), que se laureara em Padova em 1537 e que
publicara De Humani Corporis Fabrica, fora o responsável pela cátedra de Anatomia e
Cirurgia. Posteriormente, foi sucedido nesta cátedra de Anatomia por Realdo Colombo,
Gabriele Falópio (1551) e Girolamo Fabrici D’Acquapendente.
Foi Girolamo Fabrici D’Acquapendente (1537–1619) que às suas expensas fez
construir o primeiro teatro anatômico permanente. O projeto do Frei Paolo Sarpi
(1552–1623) tem a forma de um cone invertido, diz-se como um ”olho de boi”, contém
seis fileiras concêntricas que se abrem superiormente e foi construído em 1594. Possui
também uma abertura no seu teto para permitir a saída de maus odores provenientes
da mesa de dissecção anatômica. O teatro tem capacidade de 300 lugares e pela sua
grande altura permitia uma ampla observação desde cima para a mesa anatômica. Esta
era situada no piso de base, sendo iluminada até 1844 por 2 castiçais e por 8 velas que
eram seguradas pelos alunos sentados concentricamente.
Inicialmente, as aulas de Anatomia deveriam ser pagas pelos alunos, mas conforme
decreto do Sereníssimo Doge Marino Grimani (1532–1605) de Veneza, em 24 de
setembro de 1596, as sessões tornaram-se gratuitas.
Também existiam auxiliares do curso, geralmente dois estudantes eleitos para ajudar
os professores, e que eram os responsáveis pela distribuição dos lugares, descobrir e
arrumar os cadáveres e acompanhar as pessoas de maior projeção que estivessem presentes. Estes dois estudantes já deveriam ter cursado por dois anos o curso de Medicina
e eram conhecidos como massari.
No centro da mesa anatômica era disposto o cadáver que estava sempre coberto
por um pano negro e a sua cabeça deveria permanecer coberta durante a dissecção. Os
corpos eram geralmente coletados daqueles que sofriam a pena máxima.
No final da aula, os corpos ou os restos anatômicos poderiam ser atirados num rio
que passava sob o edifício por uma abertura existente na mesa anatômica. Estes cursos
sempre eram realizados entre os meses de novembro e fevereiro, em época de inverno,
que permitia uma menor decomposição do cadáver.
Junto a este local há uma inscrição latina que diz: “Hic est locus ubi mors gaudet
succurrere vitae”, ou seja, “É este lugar aonde a morte vem socorrer a vida”.
Configura-se aqui que a Igreja Católica tinha ciência de que neste local sucediam
a dissecções anatômicas e que as mesmas não eram proibidas pela Santa Inquisição,
apesar de uma Bula Papal, de Bonifácio VIII de 1300, que as proibia.
Este primeiro teatro anatômico Padovano permitiu aos estudiosos da anatomia
humana um maior desenvolvimento, pois sempre a curiosidade foi marcante e na
sequência dos séculos com os conhecimentos adequados de anatomia cirúrgica pôde
a medicina desenvolver-se mais e mais.
Em vista disto, ir à Padova não é só conhecer seus pontos turísticos e rezar na Igreja
de Santo Antônio de Padova-Lisboa, mas também visitar e admirar, no Palazzo del
Bó, o seu Teatro Anatômico e as demais salas da Academia.
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FEMINA | Setembro/Outubro 2012 | vol 40 | nº 5
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