IV Reunião Equatorial de Antropologia
XIII Reunião de Antropólogos do Norte e Nordeste
04 a 07 de agosto de 2013
Fortaleza-CE
GT 27. Grupo de Trabalho: Religiões de matriz Africana no Brasil:
memórias, narrativas e símbolos de religiosidade.
"Pembele à nação angola." Memórias, histórias e construção do mundo
mágico-religioso do Candomblé Angola em Belém (PA).
Marilu Márcia Campelo
[email protected]
Universidade Federal do Pará
"Pembele à nação angola." Memórias, histórias e construção do mundo
mágico-religioso do Candomblé Angola em Belém (PA).
Um pouco da memória candomblecista em Belém1
O Candomblé surge em Belém como um grupo organizado, nos anos de
1970, dividindo e reorganizando o campo afro-religioso e, é claro, trazendo
temas novos: a afirmação da identidade religiosa e o discurso da identidade e
da cultura negra. Até aquele momento, a identidade religiosa era legitimada
pelo critério antiguidade, ou os mais antigos ou aqueles que chegaram primeiro
(LUCA, 1999). Havia, e ainda há um discurso que justificava as perseguições e
o preconceito pelo fato destas práticas religiosas serem equiparadas a
feitiçarias praticadas por pessoas de baixa renda. O fato de serem práticas de
origem africana é colocado como uma ideia de segunda mão. A questão racial
foi diluída durante anos na ideia do sincretismo e da mestiçagem e da
morenidade. Isto não quer dizer que não há racismo na cidade, pelo contrário,
são constantes denuncias na Delegacia de Crimes Raciais e a existência, na
OAB, de uma comissão que procura discutir a equidade racial e uma
Coordenaria na Secretaria Estadual de Educação (COPIR) encarregada de
divulgar as culturas afro-brasileiras e promover uma educação anti-racista. Do
mesmo modo, são constantes conflitos e atos de intolerância religiosa
envolvendo os praticantes de alguma modalidade de religião de matriz africana.
A partir do final dos anos 70 e inicio dos anos 80 do século passado,
tendo como pano de fundo o processo de redemocratização no país, alguns
homens e mulheres trazem para Belém, propostas de organização que
pudesse combater o racismo que sofriam. Entre várias escolhas e discussões
apontam as religiões afro-brasileiras como sendo privilegiadas, elegendo o
Candomblé porta-voz.
1
O presente trabalho, é um extrato do “Projeto Memórias Sagradas. Um estudo sobre o
Candomblé Angola na Amazônia” (2011-2013),e de estudos que venho desenvolvendo à dez
anos na capital paraense (2006;2008;2009), através da minha inserção nas redes afroreligiosas, trabalhos e parcerias realizadas com os principais sacerdotes na cidade, frequência
a festas e cerimônias diversas, bem como entrevistas que vão sendo realizadas e arquivadas
esperando um futuro trato acadêmico, e troca de informações entre pesquisadores.
O Candomblé foi introduzido em Belém por intermédio de dois
movimentos: o primeiro por iniciativa pessoal de alguns paraenses que foram à
Salvador fazer o santo e, o segundo, foi a importação de pais e mães de santo
que vieram para região iniciar filhos e acabaram instalando-se na cidade,
passando a fazer parte da memória afro-religiosa na região (CAMPELO,
2001;2008;2009).
Esses candomblecistas eram praticantes de Linha de Cura (chamada
pelos pesquisadores de Pajelança), umbandistas (que surge na capital
paraense por volta dos anos 30) e mineiros (uma variação do Tambor de Mina
presente na região desde o fim do século XIX) foram buscar a feitura na Bahia.
Suas narrativas remetem a outras tradições e terreiros fora do Pará, como por
exemplo: Bate-Folhas, Tumbajunçara, Gantois, ou por pessoas específicas tais
Manuel Rufino de Souza, Jirolando de Oliveira, entre outros, tendo suas falas
permeadas por nomes de pessoas desconhecidos até então na história das
religiões afro-paraenses. Mais recentemente outras casas foram abertas em
Belém através da formação das redes de famílias de santo. As novas
lideranças religiosas emergentes na cidade deixam aos poucos a invisibilidade
e lutam para consolidarem-se numa região onde tradicionalmente a Mina, a
Umbanda e a Pajelança são predominantes na cultura do lugar.
A história do Candomblé em Belém é, em parte, a história de vida
desses sacerdotes. Esse grupo é formado por pessoas que possuem uma
memória seletiva e qualitativa. A história do culto é contada com a preocupação
em afirmar a legitimidade candomblecista dos seus dois modelos ou nações:
ketu e angola, e de seus sacerdotes, e mais recentemente por grupos que se
identificam como jejês. Prosseguem incorporando um vasto relato sobre suas
próprias vidas e emitindo opiniões sobre aqueles que consideram importantes.
A feitura é extremamente valorizada mesmo que a pessoa já fosse um
sacerdote reconhecido e com grande clientela em Belém.
No seu conjunto, essas pessoas construíram um discurso, que tem
como marco divisor do campo religioso paraense de um lado: ser feito, ou seja,
iniciado em Salvador ou pelos menos por um sacerdote baiano que tenha vindo
para Belém com esta finalidade. E de outro, a construção inicial de dois grupos
de lideranças: ketu e o angola, que procuram manter variações internas que
marcam a construção de suas identidades, contudo lutam por melhores
condições para a realização de seus cultos e por políticas públicas.
A expansão do Candomblé é constatada então pela visibilidade de seus
terreiros, pela formação de uma cúpula e pela inserção numa rede social onde
são possíveis as trocas e as mediações dentro do campo religioso paraense.
No
processo
de
afirmação
das
identidades
afroreligiosas,
os
candomblecistas são vistos como um bloco único cuja ritualística está voltada
para o culto dos orixás. Contudo, há um processo interno de diferenciação, e
para sustentar este argumento, os angoleiros afirmam que:
a) Foram os primeiros a chegar na região;
b) Seria a nação mais antiga no país;
c) Inkisse não é orixá e para isso tentam resgatar uma mitologia
praticamente desconhecida no país;
d) a festa de Bombogira, um tipo de exu feminino2, que vista como uma
linguagem comum aos terreiros umbandistas e mineiros, na noite de
Tranca Rua.
e) a presença do Caboclo tornou-se um constante em todos os terreiros.
A história do Candomblé na região amazônica esta intimamente ligada a
história de um homem, o Sr. Astianax Gomes Barreiro, mais conhecido como
Prego, iniciado em 1952, em Salvador por Manuel Rufino de Souza, no antigo
bairro do Beiru, hoje Tancredo Neves, para o orixá Oxumarê. Ele passou 10
anos vivendo entre Salvador e Rio de Janeiro e só retornou à Belém em 1968,
começando sua jornada na tentativa de implantar o novo culto. Não logrou
êxito, mas ganhou um lugar de destaque na memória religiosa de todo
candomblecista paraense tornando-se uma referência obrigatória à história
desse movimento religioso.
Há um respeito velado a seu papel nessa história, pois mesmo criticado
por não ter tido pulso forte para implantar o Candomblé em Belém, é o ponto
2
No Candomblé exu é considerado o primeiro orixá do panteão ketu e ao mesmo tempo um
princípio individualizador, sendo pois tratado como um deus e não como um espírito tal como
na Mina e na Umbanda.
de partida para qualquer genealogia que tente recuperar a memória dos pais e
mães de santo belemenses, principalmente em se tratando de uma liderança
“angoleira”.
O Candomblé Angola
O Candomble na sua organização seguiu modelos de ritos que foram
denominados de nação, termo sem conotação étnica ou política, referindo-se
apenas à organização ritual, simbólica e representativa da identidade religiosa
do grupo de culto (identidade grupal como nos antigos reinos africanos).
Embora os africanos escravizados trazidos para o Brasil tenham vindo
em sua grande maioria de grupos bantos, foram os iorubanos e jejes que
forneceram ao Candomblé sua infra-estrutura de organização. Concentrados
em núcleos urbanos desenvoleram um projeto político no final do século XIX
que resultaram em dois modelos de culto: os ritos jeê-nagô e o angola (SILVA,
2005; PARES, 2006).
Os pesquisadores da religiões afro-brasileiras acabaram por tomar este
modelo como sendo um paradigma para classificar os africanos escravizados e
seus processos culturais (RODRIGUES, 1977; CARNEIRO, 1984; BASTIDE,
1985). Nestas obras os bantos e, portanto, sua produção cultural e religiosa,
são classificadas como inferiores, sincretizadas. Nina Rodrigues deu início à
etnografia do Candomblé e privilegiou, em seus estudos, o modelo jêje-nagô,
rito que lhe parecia mais evoluído que o rito bantu. A bibliografia antropológica
não foi generosa com esta modalidade de culto, como foram com os jejesnagôs, produzindo uma escassez de estudos sobre as tradições e culturas
bantos no Brasil (LOPES, 2004).
Segundo
Renato
Botão
(2008:2), “Por conta
desse
“privilégio”
dispensado à nação ketu, a nação angola-congo (e outras nações) que cultua
os jinkisi ainda é pouco estudada. Devido a toda essa trajetória de ostracismo
acadêmico, não é de estranhar que a luta e o processo de (re)africanização
das religiões afrobrasileiras tenham sido iniciadas por adeptos da nação ketu.
O termo (re)africanização, em sua acepção atual, no Brasil, foi pensado por
cientistas sociais (Brown, 1994; Prandi, 1991; Silva, 1995 e outros), para
designar um conjunto de medidas que se caracterizam pela intenção de
resgatar os mitos, os rituais e outros elementos que vinham e vêm perdendo o
significado no interior do candomblé. Contudo, mesmo com a disseminação
dessa religião em todo o país, a “hegemonia nagô” ou “nagocracia” persiste.
Por isso, concordamos com Braga (1988, p. 85), quando ele diz que “[...] essa
reafricanização deveria ser chamada, com mais propriedade, de nigerianização
e em menor escala de beninização [...]”. E completa dizendo: A reafricanização
ou pelo menos a tentativa de reafricanização dos cultos afro-brasileiros, pelas
razões históricas e até mesmo políticas, foi profundamente prejudicial ao
conhecimento de outros povos africanos, tais como os Bantos, que legaram ao
Brasil muito da sua concepção de vida, de hábitos e costumes, hoje plasmados
na totalidade do ethos brasileiro. A reafricanização pouco serviu aos interesses
dos candomblés Angola, Congo e Congoangola, e tantos outros grupos
religiosos. Ao contrário, ficaram de alguma forma estigmatizados, quase órfãos
de uma matriz à qual pudessem eventualmente recorrer. É como se a cultura
religiosa africana se limitasse exclusivamente à religião dos Orixás. Em
síntese, a reaproximação com a África tem sido pouco expressiva em relação
ao conhecimento dos países de língua portuguesa, ironia da história, os menos
estudados e muito pouco visitados por pesquisadores e gente de santo.”
(BRAGA, 1988, p. 88).
Concordo, portanto, com o autor que considera que a questão que os
pesquisadores das religiões afro-brasileiras devem se defrontar, “além da
escassez frente aos estudos sobre a tradição e as culturas bantu no Brasil – é
o de saber como se dá a (re)africanização no interior dessa nação, fato ainda
não pensado pelos estudiosos das religiões afro-brasileiras. Como os
angoleiros, nome pelo qual são conhecidos, percebem a (re)africanização, em
que aonde (Angola?, Congo?, nos livros?, eventos?) eles vão buscar esses
conhecimentos, porque a fazem e até que ponto é possível empreendê-la. [...]
Nossas reflexões finais apontam para o fato de que não existe apenas um tipo
de (re)africanização e de que, tem havido uma nova relação entre paulistas e
baianos, quando se discute o resgate de mitos e ritos no interior da nação
angola-congo”. (BOTÃO, 2008:2)
Os defensores da memória banto junto com os pais e mães de santo
que desejam valorizar o angola, atestam uma “sequência de eventos que vai
do primeiro desembarque português no Rio Congo, em 1482, até o início da
colonização do Brasil e de Luanda, no século XVI, determinou a precedência
dos africanos bantos na formação da civilização brasileira”. Assim, é fácil intuir
que, bem antes de orixás, voduns e bonçus – divindades específicas da região
do golfo da Guiné –, os baculos (antepassados) e inkisses bantos (nome que
designa espécies de forças sobrenaturais e também os objetos que as
contêm) já seriam cultuados no Brasil.
O Candomblé certamente surgiu da reorganização, no Brasil, de grupos
atingidos por guerras devastadoras na África Ocidental, na passagem para o
século XIX. Sob essa influência, praticantes de cultos bantos (de Angola e
Congo), cujas expressões religiosas já estavam presentes no Brasil desde o
início da colonização, foram moldando o que depois se chamou “candomblé
angola”. Este, então, se estruturou a partir do candomblé jeje-nagô (da região
Benim/Nigéria). Seus líderes fundadores associaram aos seus fundamentos
bantos muitos dos elementos trazidos pelos jeje-nagôs daquela outra parte da
África. Aparentemente, só conservaram o idioma ritual, dando nomes bantos
(das línguas quimbundo e quicongo) até mesmo aos orixás jeje-nagôs. Zaze,
por exemplo, corresponde a Xangô, e Matamba, a Iansã. Contudo de formos
buscar as referencias reais, muitas lacunas irão surgir, pois no caso, Matamba,
era o nome de um porto e não de uma deusa local, como afirma um
entrevistado.
Os sistemas religiosos chegados aqui com a escravidão sofreram
aclimatações e adaptações. Os ancestrais têm íntima ligação com a terra
natal, o território comunitário, e, em terra estranha, isso só foi possível manter
simbolicamente. Mesmo assim, quatro séculos depois, as diversas formas
religiosas africanas, de várias origens, conservam fundamentos comuns, como
a crença em um princípio criador de todas as coisas, o culto a espíritos e
gênios da natureza e a reverência aos antepassados.
A mais antiga descrição pormenorizada de uma celebração de um
calundu – denominação genérica dos cultos africanos, de qualquer origem,
antes do surgimento do vocábulo "candomblé" – no Brasil foi feita em 1646,
segundo Renato Silveira em O candomblé da Barroquinha (2006). O ritual
aconteceu na capitania de São Jorge dos Ilhéus, sob a direção do liberto
Domingos Umbata, certamente um membro do subgrupo congo Mbata,
localizado no território da atual Angola. O termo certamente se origina do
vocábulo kilundu, do idioma quimbundo, de Angola, cuja tradução é “ancestral,
espírito de pessoa que viveu em época remota”, e também é “parte da
feitiçaria”, como afirmou o jurista e escritor Antônio Joaquim de Macedo Soares
(1838-1905). No Brasil, o significado mais conhecido da palavra é o de mau
estado de ânimo. Estar “de calundu” ou “com os seus calundus” é estar uma
pessoa irritada e de mau humor, por conta da suposta presença, em seu
quadro espiritual, de ancestrais insatisfeitos, cobrando atenção e reverência
(SILVA, 2005)
Já os rituais da Cabula – forma religiosa tipicamente banta (congoangolana) e certamente mais próxima das Macumbas do Sudeste brasileiro, e
não do candomblé desenvolvido a partir do eixo Pernambuco-Bahia – foram
objeto de descrição detalhada do bispo D. João Correa Nery, reproduzida por
Nina Rodrigues no clássico Os africanos no Brasil, escrito antes de 1906
(1935). Neste relato, a expressão “cabula” configura efetivamente uma religião,
com hierarquia sacerdotal, liturgia e um corpo de doutrina; e que ela foi, talvez,
a célula a partir da qual se estruturaram as antigas macumbas do Sudeste e,
mais tarde, a umbanda, a quimbanda (uma linha da umbanda voltada mais
para a magia maléfica) e a reação reafricanizante do omolocô (forma religiosa
nascida no universo da umbanda, mas que se denomina pretensamente mais
africana), na década de 1940 (CAPONE, 2004).
Entre os mais antigos Tatas dos candomblés bantos no Brasil destacamse os nomes de Gregório Maqüende e Roberto Barros Reis. Gregório, líder da
nação Congo que viveu na Bahia de 1874 a 1934, nasceu em Angola e fundou
sua comunidade religiosa. Já Roberto, mencionado como liberto e originário da
região angolana de Cabinda, teria sido o fundador, por volta de 1850, do
terreiro Inzo Tumbensi, provavelmente a primeira comunidade de culto banto
com estrutura de templo no Brasil. Falecido por volta de 1909, Barros Reis foi o
iniciador de outra grande personalidade dos primórdios dos candomblés
bantos, a venerável sacerdotisa Maria Genoveva do Bonfim, “Maria Neném”,
falecida na Bahia em 1945, com cerca de 80 anos. Dois de seus filhos de
santo, Manuel Bernardino da Paixão, chefe do candomblé do Bate-Folha,
fundado em 1916 – com sucursal no Rio desde 1938 –, e Manuel Ciríaco de
Jesus, do Tumbajunçara, fundado em 1919, foram também Tatas importantes,
líderes fundadores de linhagens rituais, em comunidades que existem até hoje.
Roger Bastide (1985) observava que os candomblés bantos teriam
copiado as sequências rituais e a organização eclesiástica do candomblé nagô,
mantendo diferenças apenas na linguagem ritual utilizada e na denominação
das entidades espirituais, “como se existisse um dicionário permitindo passar
de uma religião a outra”. Mas o que parece certo é que esse fenômeno, mais
do que assimilar, configurou a negociação e o intercâmbio de práticas e
procedimentos rituais. Afinal, como nem só de banto se faz o angola, nem tudo
é iorubá no candomblé, como comprovam as etimologias de muitos termos de
uso geral. E até mesmo o seu nome, Candomblé, tem origem congo-angolana,
e não iorubana como afirma Nei Lopes (LOPES, 2004; 2005).
Os Primeiros Angoleiros:
Pai Astianax (O Prego) – Tat’etu Angorense Benssevi. Filho de Bessen, é
considerado o precursor do Candomblé em Belém é o primeiro iniciado nesta
modalidade de culto na cidade. Foi iniciado no Terreiro do Bate-Folhas de
Manuel Rufino de Souza, em 1952. Ficou por Salvador e Rio de Janeiro por 10
anos retornando a Belém no inicio dos anos 60, quando tentou implantar o
novo culto. Não teve êxito, mas está na memória e na genealogia de todos os
candomblecistas da cidade. Ele é ícone da memória do Candomblé no Pará.
Faleceu em 2003.
Manoel da Joia – Tat’etu Amazeluangu. Filho de Oxum Apará, foi iniciado,
em 1974, por José de Mocotó, do Portão de Miritiba, Praia Grande, Salvador,
conforme ele mesmo nos informou numa rápida conversa, porém outros pais
de santo dizem que ele é filho de Neli da Baixa do Sapateiro. Este, embora
tenha um terreiro aberto e seja o primeiro a fazer um assentamento de
Candomblé, não deu continuidade ao mesmo. Sua casa, hoje, grande para os
padrões locais, situa-se no bairro da Utinga, perto da reserva florestal da
Aeronáutica, e está fechada para toques e quaisquer outros rituais. É
reconhecido como o primeiro terreiro assentado nos fundamentos do
Candomblé, mas o ritual que ele utiliza é o da Mina. Nome do terreiro Tata Dy
Inkyce Ladê Luanda. Hoje, é o mais velho de todos
Tat’etu Walter Torodê – Rundembo Axe ti Jacinluango. Walter de Ogum
teria sido iniciado na década de 70 na nação angola por Mãe Branca, oriunda
do Rio de Janeiro. Depois de sua morte, sua mulher, Cléia também iniciada
deu continuidade ao terreiro que ainda existe no bairro da Pedreira. O terreiro
continua sendo comandado por Edson Santana ou o Edson do Grupo Batuque,
seu filho de sangue, que é ogã e mantém a casa para manter viva a herança
de seu pai e mãe. Professor universitário, da Escola de Música da
Universidade Federal, mantém a casa, mas não é o pai de santo. Uma
peculiaridade: sua festa de Ogum, dia 13 de junho, o que se diferencia do
calendário local onde a festa de Ogum é comemorada em abril.
Mãe Cléia de Iansã. Cleonice Santa Cordeiro, também iniciada na década de
70 na Mina Nagô, passou depois para o angola, sendo iniciada por Aluisio
Talauassê, deu continuidade a expansão da nação em Belém. Seu terreiro
Rudembo Axé Di Jacilungo é uma das casas angoleiras respeitada e admirada
na Federação.
Pai Roberto do Satélite Mutateci. Roberto Saraiva, filho de Oxossi, também é
considerado um pai de santo antigo em Belém com 30 anos de feito, conheceu
Pai Astianax e o início da formação da Federação. Iniciado por Ida Carmem, foi
à Salvador complementar sua formação, com o falecido Adailton de Oxalá, de
nação keto, retornando a Belém com o deká na mão. É reconhecido como
sendo de nação angola. Em Belém, deu sua obrigação de 14 anos com
Jiorlando de Oliveira. Nome de seu terreiro Abassá Gongobira.
Mãe Ida Carmem. Ida Carmem é uma mãe de santo controversa. Tem um
terreiro no bairro da Pedreira cujo nome é Abassa Afro-Brasileiro Noxi D’Otá,
hoje, registrado como de nação angola. Surge na Federação como uma
mineira iniciada no Candomblé no Axé Opô Afonjá e é em cima desta filiação
religiosa que construiu sua legitimidade. Porém, a política de investigação que
alguns membros da Federação faziam com seus sócios, descobre a não
iniciação neste terreiro. Na verdade Ida Carmem foi uma mineira cujo terreiro
foi inaugurado em 1964 e foi raspada por Wilsinho de Oxossi, em terreiro de
angola em Belém. Depois desse conflito afastou-se definitivamente do cenário
religioso. Embora seu terreiro ainda exista, não mais realiza festas, iniciações
mantendo apenas o jogo de búzios e de cartas. Pessoa arredia a entrevista,
sua história foi assim registrada. Em 1973, Ida Carmem foi uma das mães de
santo entrevistada pelo folclorista Pedro Tupinambá. Este estudioso fez uma
descrição minuciosa de seu terreiro, de seus rituais e um breve histórico de sua
vida. Segundo ele, Ida Carmem, descendente de sírios, e proveniente de uma
classe social mais alta, foi iniciada em 1938 em Salvador, tendo passado nove
anos na casa. Frequentou na década de 60 (1960 a 1963) o terreiro de
Raimundo Silva, um dos “mineiros” mais influentes de Belém. Porém, fazia
questão de afirmar que não era “umbandista” e sim de candomblé e estava ali
apenas para ajudar. Exercia as funções de secretária desse pai de santo
(Tupinambá, 1973:31-32). Uma hipótese pode ser levantada. Seria Ida
Carmem filha de Pai Astianax? Teria sido ele, o responsável pela introdução
dos rituais do candomblé de angola nesta casa, uma vez que o terreiro já
existia desde 1964? O certo é que, sempre que havia batuque em seu terreiro,
Pai Astianax era chamado para auxiliar em sua organização e ele mesmo teria
iniciado algumas pessoas em sua casa. Sendo inclusive, nas suas próprias
palavras, chamado a sucedê-la na direção do terreiro.
Dona Orlandina Gomes da Paixão. Iniciada por Jiorlando de Oliveira, quando
este veio fazer a iniciação de Mãe Ester.
Mãe Ester de Iansã. Francisca Ester de Oliveira foi iniciada na década de 70,
provavelmente no ano de 77. Sua história é um pouco confusa pois Ester iria
ser iniciada por Pai Astianax mas quando ela e Nanjetu foram a Salvador,
conhecem outros pais de santo (Lídio Mascarenhas e Jiorlando de Oliveira)
mudando o rumo de sua história. Elas tinham ido a capital baiana com duas
finalidades: buscar os santos de Pai Astianax na casa de Manuel Rufino e
comprar o material necessário para uma iniciação em Belém. Antes era mãe de
santo de Umbanda, quando então congregava várias pessoas que depois
foram iniciadas no Candomblé, entre elas Nanjetu e Mercedes. Iniciada para
Iansã, o nome de seu terreiro é Ilê Axé Oya Beci.
Mãe Mercedes de Xangô. Mercedes era filha de santo da Ester quando esta
praticava umbanda. Foi iniciada no mesmo barco por Lídio Mascarenhas.
Possui um terreiro fora dos limites do município de Belém, na rodovia que leva
ao distrito municipal de Icoaraci. Nome do terreiro Ilê Ashé Opô Inam Oxé.
Mam’tu Nanjetu – sacerdotisa do terreiro Mansu Mansubando Keke Neta.
Oneide Monteiro Rodrigues foi iniciada em 1970, por Jiorlando de Oliveira
Souza em Belém. Filha de Mãe Ester, chegou a ir a Salvador pegar os santos
de Pai Astianax e tentar sua iniciação lá. Trouxe os santos, mas não foi
iniciada. Seu pai de santo preferiu fazer todo o ritual em Belém trazendo
pessoas, folhas e ogãs. Com quase 30 anos de iniciada, Mãe Nanjetu, como é
mais conhecida, é hoje uma liderança de peso entre os candomblecistas
angoleiros que pela coesão e organização da religião.
Mam’etu Muagile, Beth de Bamburucema (Elizabeth Pantoja) – terreiro
Rudenbo Ngunzo ti Bamburucema. Elizabeth Pantoja, filha de Tat’etu Walter
Torodê, mais conhecido como Walter do Ogum da Pedreira ou Maracatu. Sua
família de santo é misturada com o Bate-Folhas e o Tumbanjunsara, de onde
vem o seu princípio religioso.
Mam’etu
Kaianileji,
Katia
Haddad-
terreiro
Abassá
Afro-Brasileiro
Konzenzala de Kafungê. Katia Andrade de Haddad considera a religião um
ponto de equilíbrio. Vem de uma descendência em efon. Sua avó era de
Mavambo, porém iniciada dentro de uma casa de matriz efon no Rio de Janeiro
– Axé do Pantanal. Reintera que sua cultura, sua raiz é angola – raiz do
Tumbajunsara, que vem sendo mantida desde 1985. Sua família biológica já
era de santo, sua mãe biológica era Kamuxi Mona Xikola, da casa de sua avó –
iniciada para Nkisi Kavungo. Katia foi iniciada para Nksi Mikai/nkosi e recebeu
seu cargo com três anos de iniciada, se tornando Mama Ndenge da
Konzenzala. Hoje é Kutala da Casa de Kavungo e está à frente de seu terreiro,
depois da morte de sua mãe no ano de 2008. Mantêm na casa as tradições
herdadas da família e tenta mantê-las sem misturar as práticas. Sua mãe é
uma das fundadoras do Festival de Iemanjá, uma das principais festividades do
calendário local, realizado no dia 08 de dezembro.
Um homem-símbolo
Negro, magro e muito alto para o padrão físico local, Pai Astianax, vulgo
Prego (macaco-prego) sobressaia-se na multidão. Solteiro e paraense da
capital; foi o primeiro paraense a iniciar-se no Candomblé. Antes de sua morte
morava de favor, na casa de uma mãe de santo mineira (Mãe Guiomar) no
bairro da Pedreira, onde estava introduzindo pequenas modificações nos rituais
da casa, embora negasse que estivesse dirigindo ou agindo nos rituais da
casa.
Sem profissão definida, Pai Astianax sempre viveu do santo e, vivia de
uma mirrada aposentadoria do INSS e do que ganhava com o jogo de búzios.
Foi iniciado em Salvador por volta do ano de 1952, quanto tinha 23 anos de
idade, por Manuel Rufino de Souza, da nação angola, no antigo bairro do Beiru
(hoje Tancredo Neves) para o Orixá Oxumarê. Foi o pioneiro, porém, nunca
chegou a ter um terreiro efetivamente instalado na capital paraense. Ao voltar à
Belém, dez anos depois em condições escusas, conforme ele mesmo revelou,
consolidou seu prestígio como candomblecista associado a Federação3.
Relações estas rompidas depois. Iniciou alguns filhos em seus próprios
terreiros ou em terreiros de pais e mães de santo onde tivesse trânsito livre.
Tentou por três vezes abrir seu próprio terreiro, mas não logrou sucesso.
O que teria acontecido? Os pais de santo entrevistados são unânimes em
afirmar que Pai Astianax foi primeiro. Não há dúvidas a respeito, porém,
quando tentam explicar o seu fracasso em abrir uma casa, ora referem-se a
uma possível “praga” lançada pelo seu pai de santo que o teria impedido de
progredir na vida; ora, ironizam esta estória, pois o malogro de suas atividades
é visto como problemas pessoais do próprio Astianax: bebida, distração, falta
de cuidado. Embora o feitiço seja a base deste universo, a acusação de
feitiçaria como prova de fracasso, tal como entre os Azande, nem sempre é
3
Federação Espírita, Umbandistas e dos Cultos Afro-Brasileiros do Pará – FEUCABEP.
bem vista aos olhos da comunidade (EVANS-PRITCHARD, 1976). Há ainda,
quem afirme que o motivo para o não sucesso deva-se ao fato dele ter
“misturado” os dois cultos e não abandonado suas entidades da Mina, que não
gostam de Candomblé: “Foi verdade, ele era muito impetuoso, paraense para
variar, paraense não tem disciplina e foi fazer o santo na Bahia. Quando foi pra
Bahia ele não foi pra fazer o santo, foi por outro motivo qualquer que eu não sei
qual. E aconteceu de bolar na casa desse senhor. Tava jovem ainda, isso uns
50 anos mais ou menos e fez santo. Só que esse homem era briguento, parece
... esse homem era de dar na cara dos outros, era de jogar coisa em cima. Só
que o Astianax, como paraense, não levava desaforo. Paraense não atura
desaforo, não sabe ser humilde. E este homem parece que deu um tapa no
Astianax. E o Astianax deu de chinelo na cara do homem. E o que aconteceu?
O homem fez o que tinha que fazer, e fez muito bem feito. Eu fazia duas vezes
pior. E o Astianax nunca mais na vida levanta a cabeça. Fica nisso. O homem
já morreu, foi verdade, não foi mentira não. Abusar do que não conhece é o
que dá. Isso é hierarquia, isso é militarismo puro, é militarismo. Não obedece ...
mas ele tá bem, entre aspas, ele tá vivinho!!! Tá vivo, tá alegre, divertido, não
se lamenta de nada, leva tudo bem. Ele se acomodou parece assim que ele
não tem ânimo pra montar o negócio dele. Eu acho que não tem mal que nunca
acabe. Se bem acaba, imagine mal. O homem até já se foi. Já era pra ele ter
feito outra casa. Até dei um incentivo nele: “Astianax aluga uma casa, faz
alguma coisa. Vai jogar um búzio. Não quer tá fazendo matança, então, vai
jogar um búzio, pra viver melhor.” Mas não, ele se acostumou, fica na casa de
fulano, fica na casa de sicrano. Tem uma aposentadoria pequenina, aquela
aposentadoria complementa alguma coisa. Ele nem liga, leva na esportiva mas
ele é capacitado. Espraguejado, isso aí quantos não são? ... Mas a dele é uma
praga braba que até hoje ainda tá fazendo efeito.” (Pai Hyder, pai de santo de
ketu, entrevista dia 15/09/2000, falecido em 2010).
Embora tenha uma trajetória sinuosa no campo religioso - é iniciado em
uma terreiro reconhecidamente de nação angola mas atuava na cidade junto
aos mineiros. É um ícone fundador de tal forma que a festa de sua obrigação
de 50 anos de santo foi vivamente documentada e congregou representantes
dos principais terreiros da cidade.
Nas palavras do velho pai de santo, o seu mito pessoal retratava uma
odisseia típica dos pioneiros e precursores:
“A minha história é a seguinte: eu viajei daqui março de 1952
porque as pessoas assim, “vai embora pra Salvadô que o seu
santo, seu Vodun, seu Orixá, não é daqui”. (...) Eu estava
dançando a Mina, porque aqui no Pará é Mina, no terreiro de um
amigo meu por nome Marcos. Lá no beco do Piquiá. Mas aí minha
senhora, eu olhei assim tinha um bocado de sordado do 19 BC da
Bahia. Eles me chamaram, né. Eu fiquei assim (faz um ar
irreverente e sutil ao mesmo tempo) ... mas eu fui atender.
- (os soldados): “Vamos ali no butequim pro Sr. tomar uma
cervejas conosco”.
Aí que disseram: - “Olhe o seu pé de dança não é daqui do Pará,
procure imbora pra Bahia, que o Sr. tá se perdendo.”
Então, com todo sacrifício, viajei pra Salvadô, em 1952. Foi no dia
14 de maurço de 1952. Viajei pra Salvadô sem destino porque eu
não conhecia ninguém lá, né. Foi então que num conhecia a
Bahia, num conhecia o santo da Bahia, nem nada, inda vem com
essas coisas toda. Aí deu daqui, dacolá e com todo sacrifício eu
viajei. Mas minhas senhora, que cheguei ... Salvador fiz assim
pra podê chegar onde cheguei. Penei muito. Até que um dia fui
parar na casa do falecido João da Goméia, da Goméia da Bahia.
Eu estava lá andava dia e noite assim na rua com minha sacola ...
Eu estava lá quando uma filha-de-santo me viu. Ah! A criatura
botou a boca no mundo, me anarquizou, me humilhou ... adiante
morava a que foi minha rombona, Cauiza, filha de santo, a
primeira filha de santo de meu pai.
- Ela disse: “aí, mas roubou? Que isso?”.
- (a outra) Ah, este homem, não sei se é ladrão ...”
Aí que fui conversar com ela, ela me levou pra casa dela.
- Disse: “amanhã de manhã vou lhe levá pra roça do meu pai-desanto”;pra gente conhecer meu pai-de-santo, Manuel Rufino de
Souza, que era o pai-de-santo dela e ela era rombona da casa,
primeiro santo que meu pai tinha raspado: Cauiza d’Ogum. Daí eu
fui pra lá, mas, minha filha (!), penei muito até eu entrar pro
candomblé, lá pra sala, pro sacrifício.
Então, virei, mexi, sofri um pouco até que me levaram pra roça do
homem que, conheci meu pai-de-santo, Manuel Rufino de Souza,
iabá da Oxum, já falecido. Então, eu lá, tinham organizado uma
festa, um candomblé, né, pra minha rainha, mãe Oxum, primeiro
essa festa eu estava no santo ... lá eu bolei, nessa bolada eu
fiquei. Isso foi em maurço de 1952, quando acordei de mim foi
em janeiro do outro ano de 1953. Eu estava com santo feito,
preparado já. Onde eu passei mais de dez meses sem saber do
mundo. Na camarinha só entrava meu pai-de-santo, a minha mãepequena e ajibonã. E quando foi 14 de dezembro de 1952, é que
meu santo sai prá dá o nome, se chama orunkó do santo. Mais aí
então nós temos uma grande, uma grande formalidade, que nós
usamos um adereço no pescoço, tipo um colar, que é a aliança do
santo, chamado kelê. Esse kelê, então, eu fui tira com quase um
ano. Ali então eu estava sujeito a tudo que o pai-de-santo
quisesse, que eu era escravo de santo e ... então, Rufino disse
assim: “meu filho, você é paraense”.
- Eu disse: sou, sim sinhô.
- (Rufino) “Então você vai ficar aqui. Vai demora mais um pouco o
seu kelê, quando você vai tirar o seu kelê antes de ir, você vai
embora prá Belém.” Mas não foi assim, Quando eu tirei o kelê, eu
fiquei na roça pra pagá, trabalhando pra pagá o santo que eu
tinha feito de graça. (fiquei) dez anos na mesma casa.
Quando eu me acordei definitivamente, meu pai-de-santo me
chamou, ainda de kelê, com a aliança do santo, me explicou tudo
o que eu tinha passado, tudo tintim por tintim. Onde ele me disse:
“agora o seu grande trato, você vai trabalhar aqui na roça pra
pagá o santo que você fez de graça”. Eu fui trabalhar, carregar
balde, cozinhar pra ele, lavar roupa dos filhos dele ... Todo esse
sacrifício mas eu fazia isso em função do santo que eu raspei. Eu
tinha raspado ... e são quase 50 anos, mais de 40 anos de santo.
Depois que ele me liberou, né, eu procurei a minha vida. Tirei meu
irmão-de-santo, meu conhecimento... Então fui morar na casa de
um irmão-de-santo meu, que tinha uma roça no alto da
Federação, próximo do Gantois da grande Menininha. Dez anos
da minha vida ... até que consegui alugar uma casa ... Então fui
viver minha vida, trabalhando com negócio de búzios, fazendo
serviços, até Deus me levar.
Mas meu pai-de-santo tinha um dogma com ele. Ele dizia assim:
“enquanto vida eu tive, filho de santo meu não levanta a cabeça”.
E justamente, quando eu tava assim .... e assim eram todos! Nós
só viemos levantar, ser alguém depois que ele rufou (gestos) mas
eu já estava aqui. Tinha feito meu santo, fazido meu santo,
minhas coisas todas. Vim me embora, fugido!Fugido. Que ele não
... Tinha que ficar lá, escravizado, até paga, até tirá meu último sei
lá como é que se podia dizê. Aí, então eu fugi, vim embora pra
Belém. Só voltei lá quando ele, Quando veio a notícia que ele
tinha corpado, ele tinha morrido, foi que eu fui aí trouxe minhas
coisas. Tá tudo aqui ... Olhe, meu pai-de-santo era de nação de
amuraxó, uma nação que não existe mais, depois então ele
passou pro angola. Ele é do amuraxó que foi a nação que foi feito
do meu avô, finado Miguelassã, que era filho da finada Maria
Neném, uma grande mãe de santo, que era de Iansã, de nome
Quissanga, que era angola. E meu avô-de-santo, que era o paide-santo do meu pai, era da nação dele, era tatuio. Já não existe
mais estas nações. Aí meu pai, fez o tatuio e quando o meu avô
partiu, rufou, ele passou pro angolano. Mas eu fiz santo na casa
de angola mas meu santo é queto. Oxumarê, o arco-íris. É rei do
queto, Oxumarê. São três. No angola é Angorô, no queto é
Oxumarê, no jeje é Bessem. Ainda tem uma nação aí. Eles
chamam Cobra Cauã.” (Entrevistas concedidas 27/07/2000,
29/07/00e 28/10/2001)
Dados coletados por outra pesquisadora (VERGOLINO e SILVA,
1976:60-62) me deram um perfil um pouco mais amplo sobre esse homem. Em
outro depoimento, Pai Astianax aparece com um filho problemático (“a ovelha
negra”) de um jornalista e que todos seus irmãos tiveram profissão definida.
Seus problemas religiosos e sua opção sexual (homossexual assumido) o
levou à um afastamento progressivo da família. Sem ajuda financeira e sem
apoio, procurou uma mãe de santo que se recusou a ajudá-lo, afirmando que
não poderia fazer nada por ele. A proposta para ir à Salvador, neste sentido,
apresentou-se tentadora.
Uma vez na Bahia, não teve apoio de seus amigos militares, de quem se
distanciou, mas conheceu muita gente de santo com quem morou e brigou
sucessivamente. Depois de sua iniciação andou um pouco pela cidade de
Salvador, morando com seus irmãos de santo, até que recebeu a indicação
para ir para o Rio de Janeiro, tentar a vida. Lá, afirma ter conhecido muita
gente importante no meio religioso (Tancredo Neves, Átila Nunes, Tancredo
Oliveira e José Ribeiro, com quem teria viajado para a África) e dançou nos
maiores candomblés. Passou um tempo viajando entre Rio de Janeiro e Belém.
No último retorno a cidade, em 1968, conheceu a mãe de santo Ida Carmem e
a ajudou a abrir seu terreiro. Afirma: “quem botou tudo lá fui eu. Tudo, desde as
armas, as zans em tudo, na cumieira”.
Atuou durante muito tempo no terreiro de Mãe Ida Carmem, acredita-se
mesmo que era ele quem de fato dirigia a casa., já que ela escondia sua
identidade mineir”, afirmando ser iniciada no Axé Opô Afonjá. Pai Astianax teria
sido responsável, de fato, pela estruturação do Abassá Afro-Brasileiro Noxi
d’Otá, no qual ele e a iyalorixá desenvolviam suas atividades e mantiveram
boas relações até conflitos internos abalarem amizade: “Um dia, François4 teve
uma desavença com uma “filha de santo” e nessa desavença Clotilde tomou
partido da “filha” e desprestigiando François. O conflito resultou em relações de
assuntos particulares das pessoas envolvidas na briga. Houve denúncias e
registros de queixas na Polícia contra François, que foi preso e que passou
uma dia e uma noite no xadrez da cadeia. “Não posso negar isso tudo mundo
4
Pseudônimo utilizado pela autora VERGOLINO e SILVA (1976) para referir-se a Pai Astianax
e Mãe Ida Carmem.
sabe disso, o jornal rasgou ... eu me aborreci, e quando saí da prisão às três
horas de tarde viajei para Manaus. François, que sempre tivera desejo de
possuir sua própria casa de culto, ao voltar de Manaus decidiu: “Vou ter
vergonha na minha cara e vou abrir minha casa de candomblé. Foi então que
eu abri minha casa lá na Vila São Gabriel, na Duque de Caxias (VERGOLINO e
SILVA, 1976: 62).”
Ciente de sua importância no contexto religioso se queixava do
“esquecimento” que a Federação e seu Presidente lhe relegaram, revelando
para nós, os entrevistadores, apenas os dados que falam de sua vida religiosa
e das boas relações com os “mineiros”. Contudo aceitava de bom grado o lugar
que os candomblecistas interessados em um memória lhe dava. Mas
independente de brigas pessoais, seu nome está gravado na memória da
Instituição e uma placa logo na entrada da sede da Federação lhe rende as
devidas homenagens.
Pai Astianax foi Vice-Presidente desta Federação na gestão de Maria
Júlia Gaia, mãe de santo mineira mais conhecida como Mãe Nenê Gaia, no
final da década de 80 (entre 1976-1978). Afirma ter sido escolhido por votação,
pois não se candidatara a nenhum cargo na instituição. Foi nessa época, que
Pai Astianax tirou um yao na Federação com a ajuda de Pai Hyder, Pai
Guilherme e Pai Haroldo (pais de santo de keto). Sua saída da Federação é um
mistério relacionado a desentendimentos pessoais entre ele e o tesoureiro da
época que depois se tornou presidente da mesma por muitos anos.
Independente de gostarem ou não de Pai Astianax o que pude observar
é um respeito velado a seu papel nessa história, pois mesmo criticado por não
ter tido pulso forte para implantar o Candomblé em Belém é o ponto de partida
para qualquer genealogia que tente recuperar a memória dos pais e mãe de
santo belemense. (Cartografia Social, 2012).
Esses depoimentos me sugerem a idéia de que a história de vida de um
homem como Pai Astianax deve ser considerada como instrumento de
reconstrução de identidade religiosa e não apenas relatos factuais. Através
desse trabalho de reconstrução de si mesmo por Pai Astianax e por seus
contemporâneos, posso definir seu lugar na história da expansão do
candomblé em Belém e seu papel nas redes sociais que engendram as
comunidades candomblecistas. Até a sua morte era presença constante nas
festas públicas e nos rituais privados importantes que ocorriam nas casas de
algumas lideranças de Belém. O seu reconhecimento transpôs as fronteiras da
cidade, pois por diversas vezes, foi convidado para presidir rituais em terreiros
maranhenses na casa de Pai Euclydes (Ferretti, 1993).
Mas como toda a história de precursores tem o seu lado mágico, não
podemos esquecer um aspecto fundamental da iniciação de Pai Astianax. Pai
Astianax, como o próprio Besssem/Oxumarê, é o filho que não fica em lugar
nenhum e, na ordem das redes sociais, é o ponto de partida para o Candomblé
paraense. Se Oxumarê – ouroboro -, eternamente segura o mundo mordendo
sua cauda, Pai Astianax é o ícone frágil da formação das comunidades
candomblecistas; ele segura esse pequeno mundo para que ele tenha uma raiz
onde possa dizer: essa é a nossa história. Não é à toa que ele é o ponto de
partida tanto para a construção das genealogias tanto dos representantes das
nações ketu como angola. Diversas combinações são aí possíveis.
E por fim, não posso deixar de lado a importância do imaginário da cobra
na cultura paraense: cobras grandes ou boiúnas habitam em vários espaços da
cidade e fazem parte do panteão das “encantarias”. É significativo que o
primeiro iniciado do Candomblé paraense seja filho de um deus cujo símbolo é
a serpente-arco-íris. Oxumaré é o ouroboro que sustenta o mundo e cujo
movimento a continuidade, e permanência. A cobra grande apresenta uma
grande variação quanto a sua origem: ora é um ser representativo do mal, ora
é um ser “encantado” e que carrega a forma de ofídio por sina, até que alguém
o desencante. Em várias cidades, vilas e povoados amazônicos, existe a
crença de que as mesmas estão situadas sobre a casa de uma cobra: se ela se
mexer, a terra estremece; se ela resolver sair do lugar, a cidade afunda, e
todos os seus habitantes serão tragados pelo rio.
Pai Astianax, morto em 2003, tornou-se de fato a memória do
Candomblé paraense. Ele é um ícone, é memória, é um ancestral reverenciado
pelos angoleiros.
Nós estamos mantendo a tradição
Em Belém, atualmente pode-se afirmar que o projeto de uma nação
angoleira está nas mãos de três mulheres: Mametu Nanjetu, Mametu Katia
Hadad e Mametu Bete de Bamburucema. E é a trajetória de vida e ações que
estas mulheres desenvolvem em seus terreiros e rede de relações que está
sendo mapeada no momento.
O elemento forte em Mametu Nanjetu é o fato de ser uma grande
liderança local com projeção nacional. Ela faz parte de todas as redes
nacionais que demandam ações para os terreiros no país: Mulheres de Axé,
Segurança Alimentar, Povos Tradicionais de Terreiros, Rede Saúde, Meio
Ambiente, Políticas Públicas, Igualdade Racial e Cultura Afro-brasileira. E ao
mesmo tempo está inserida nas redes locais. Filha de Zumbaranda (análoga a
Nanã) chama para si a responsabilidade de uma grande mãe provedora e
criadora do mundo. É o ponto de equilíbrio.
Mametu Katia Hadad tem o que pode ser denominado um perfil mais
local.
Ela não faz parte das redes nacionais, mas é um importante nas
relações entre os outros candomblecistas, os umbandistas e os mineiros, pela
sua história singular uma pessoa nascida e criada dentro do mundo dos
terreiros, e grande conhecedora da memória local. Ela é articuladora,
negociadora e polêmica ao mesmo tempo. Sua atuação esta centrada entre a
Federação, o INTECAB e o Conselho Interreligioso da cidade e sua boa
relação com políticos locais. Mametu Kátia traz consigo a marca do movimento
intempestuoso das águas. Filha de Mikaiá (Yemanjá) reverencia Kavungo
(deus associado à terra, semelhante a Obaluaiê). É o ponto de transformação.
Mametu Bete de Bamburucema tem um perfil que pode ser considerado
no momento de consenso. Ela está trilhando os caminhos de Mametu Nanjetu
entrando nas redes nacionais e locais: Cultura afro-brasileira e Segurança
Alimentar. Passa no seu discurso a ideia da importância em manter a tradição,
de formar o sua sucessora. Filha de Bamburucema (associada a Yansã) traz
consigo a promessa de uma guerreira poderosa que está se preparando para
mais uma batalha. É a liderança do futuro.
Todas elas e outros sacerdotes e sacerdotisas também estão nesta luta
por uma construção de uma identidade, memória e respeito à liberdade
religiosa. E principalmente para os angoleiros é necessário conhecer as folhas,
o banto, os inkisses (que não são orixás), o ingoroci. É necessário manter a
tradição, não misturar os cultos, ter consciência de passar os conhecimentos
para os mais novos.
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- iv rea | xiii abanne