Relato de Experiência Consultoria Organizacional como Dispositivo Clínico As demandas das organizações são variadas, múltiplas, mas entre as mais comuns estão a de selecionar o melhor profissional, contratar e desenvolver a melhor equipe de vendas, continuar a centralização de poder das decisões nas mãos de quem já tem este poder, atingir mudanças e melhorias a curtíssimo prazo e sem muito esforço, consertar ou solucionar problemas, realizar práticas de normatização das pessoas etc. E, quando nós somos tentados a atender estas demandas caímos na armadilha de realizar práticas ditas aqui como tradicionais, completamente fragmentadas, limitantes e reducionistas, calcadas na concepção unilateral do funcionamento do trabalho nas organizações, dissociando aspectos emocionais e subjetivos. Nesta concepção o consultor é colocado como dispositivo para adaptação, calcado na consciência e na racionalidade técnica. Saindo dos limites que a prática tradicional, em muitas situações nos impõe, quis experimentar uma outra prática, um outro olhar, uma outra postura dentro das organizações, a de ser uma consultora analista. Foi então que fui buscar os referenciais da psicologia social e institucional e da filosofia da diferença, com o intuito de analisar, de interrogar, de lançar perguntas, de experimentar uma outra forma de fazer psicologia. Abaixo apresento três recortes que exemplificam essa prática. No primeiro exemplo, numa empresa de grande porte, onde não existia Departamento de Recursos Humanos, e este funcionava como Departamento Pessoal em seu aspecto mais burocrático e antigo, percebi que na admissão dos novos funcionários, não existia nenhuma forma de integração. Estes não recebiam nenhum tipo de informação sobre a empresa, sobre os setores, funcionamento, etc. Realizei, então, um projeto de reestruturação da área de RH, onde planejamos transformar toda a parte de recrutamento, seleção, contratação e acompanhamento dos novos funcionários. Para isto, foram colhidas informações teóricas e práticas de como poderíamos realizar este processo de mudança. Foi um trabalho grandioso, de meses de reuniões com a diretoria, com a chefia do departamento de pessoal, com outras pessoas envolvidas dentro da matriz e até em outras filiais. Foi quando o trabalho emperrou na execução do “manual de integração”, especialmente na parte que se propunha a contar alguns fatos que marcaram a história daquela organização. Quando percebi esta dificuldade por parte da empresa, comecei a realizar entrevistas com uma das diretoras, que se apresentava com maior abertura para aquela proposta. Só aí pude começar a entender o que estava ocorrendo. Realizamos um processo de historização daquela empresa familiar, onde apareceram fatos do passado, de dissolução de sociedade, e outras histórias de família que não poderiam aparecer naquele informativo. A partir daí, o processo desemperrou, e o manual foi realizado com a ajuda também de outras pessoas que se empenharam em concluí-lo. O trabalho pôde ser ampliado e esta diretora decidiu assumir a área de Recursos Humanos desta empresa, que tomou um outro rumo dentro do funcionamento desta organização. Antes, RH era totalmente desprezado e até ignorado, e após o trabalho que foi realizado com ela, de escuta, questionamentos, sugestões de cursos de qualificação, atividades de RH realizadas conjuntamente, tornou-se mais fortalecido e respeitado. No segundo exemplo, numa empresa de pequeno porte, com vinte funcionários, havia dois empresários que competiam muito entre si. E, a demanda deles era de que eu, e todos que conviviam com eles, assumisse o lado de um, ou de outro. Realizei um trabalho individual e grupal com eles. No individual, o trabalho era de auto-conhecimento. No grupal, o trabalho voltou-se para o resgate da história da empresa, o entendimento do que eles construíram juntos, a delimitação das atividades de cada um, a conscientização de que a competitividade deles seria mais eficaz se voltasse para o mercado, etc. Já no início do trabalho, eles começaram a delimitar o espaço de cada um, criar um território, centrando-se mais em suas atividades profissionais. As primeiras mudanças foram no ambiente, eles dividiram a sala onde trabalhavam, criando e definindo o espaço de cada um. As outras mudanças foram com os funcionários. A relação era de muita desconfiança, tiveram a ideia de instalar câmeras na fábrica, o que, com o desenrolar do trabalho, não ocorreu. No terceiro exemplo, numa empresa de médio porte (com um produto conhecido e reconhecido no mercado), esta possuía uma boa estrutura física, mas as pessoas estavam completamente desintegradas. Assim, fiz a devolução do diagnóstico realizado e plano de ação proposto para aquela empresa. A proposta foi aceita pelo empresário. Os setores funcionavam de forma independente, nunca realizavam reuniões, não se conheciam e isto acarretava diversos problemas. Comecei, então, um trabalho com o grupo de gerentes, e, paralelamente com o empresário. Com o grupo, realizei atividades de auto-gestão, eles realizaram um auto-diagnóstico da organização, com alternativas de soluções para os problemas levantados, propostas por eles. Foi também realizado um trabalho individual com cada gerente. Com o empresário, foi trabalhado a forma como este funcionava, altamente centralizadora, não dando espaço para os gerentes atuarem, boicotando suas ações e o que isto gerava para os resultados organizacionais. Os gerentes puderam conquistar um espaço, que antes não havia, sendo que o que eles propuseram, pôde ser implantado. Nos exemplos citados, a consultoria se propôs a gerar consciência e aprendizagem dos processos que estavam ali em jogo, fazendo com que as pessoas se apropriassem do conhecimento e do resultado que ia sendo gerado. As intervenções tiveram o objetivo de produzir desvios, crítica do que estava sendo demandado com relação à queixa ou à tarefa que estava sendo solicitada. Acredito que esta forma de intervenção abre no campo da psicologia, um outro lugar para o psicólogo no mundo do trabalho. Assim, esta convoca a clínica para o universo laboral, ao invés de alimentar a segmentação deste. Como também, potencializa espaços dentro das organizações para desconstruir as lógicas de pensamento vigentes e para inventar novas práticas. Miriam Corso Minotto Psicóloga Organizacional, assessora em desenvolvimento de Recursos Humanos. É coordenadora do GT Psicologia do Trabalho, participa do GT de História e da Comissão Gestora da Subsede Serra do CRPRS.