“O INFERNO SÃO VOCÊS”
Décimo Tratamento: 03/11/2005
Um roteiro
de
Rafael Leal
inspirado pela obra de
Domingos Oliveira
Copyright  2005 by Rafael Leal.
Todos os direitos reservados.
Tel. (55 21) 9922.9050
[email protected]
“O INFERNO SÃO VOCÊS”
FADE IN:
1
QUARTO DE MENINA – INT./DIA
PRISCILA, 18, estuda música com seu violoncelo
partituras, tentando compreender um acorde complexo.
2
e
suas
SALA DE AULA – CAMPUS DO GRAGOATÁ – INT./DIA
EDUARDO, 30, um jovem professor substituto, dá aula a uma
turma entediada.
EDUARDO
O homem é aquilo que ele faz de si
mesmo.
Se
você
está
no
supermercado
e
tem
vontade
de
pegar um chocolate e decide pegar,
no meio do seu turbilhão você teve
algum motivo para fazer isso. Os
outros é que te rotulam, te chamam
de ladrão! Os outros é que te
julgam.
3
BAR – INT./NOITE
EDUARDO conversa com SERRA, 65. Um garçom chega com bebidas.
EDUARDO
Não sei mais o que fazer... Logo
que conheci essa menina, eu vi que
era
uma
mulher
sensual,
experiente, vivida.
4
IPANEMA, RUA – EXT./DIA
PRISCILA faz compras com LÍVIA, 40.
PRISCILA
1
Ele é maravilhoso para mim, mas eu
acho que ele esperava de mim uma
mulher muito mais experiente do
que eu era.
5
CORREDOR DE SALAS DE AULA – INT./DIA
EDUARDO está saindo de sua aula carregado de papéis e livros. No
sentido contrário, vem caminhando PRISCILA. A certa altura,
descobre-se que eles estão em corredores diferentes. Ela vira
para alcançar o elevador, ele vira e chama o elevador, um andar
abaixo. Quando o elevador chega ao andar dele, as portas se
abrem e eles se cruzam. Ela sai acompanhada de duas amigas,
enquanto ele hesita entrar, eles se olham longamente. Ele quebra
o gelo sem jeito.
EDUARDO
Você não foi minha aluna período
passado?
PRISCILA
Não, eu não fiz nenhuma matéria de
filosofia.
EDUARDO
Como você sabe que eu dou aula de
filosofia?
6
IPANEMA, RUA – EXT./DIA
PRISCILA e LÍVIA param para ver uma vitrine.
PRISCILA
Eu percebi na hora que ele era um
homem de verdade, um sátiro. Eu me
arrepiei toda quando ele me olhou
no fundo dos olhos e me chamou
para sair.
7
BAR – INT./NOITE
EDUARDO e SERRA conversam enquanto bebem whisky. EDUARDO fuma
muito.
EDUARDO
Trepamos
logo
encontro.
Eu
no
primeiro
tenho
pouca
2
experiência
sexual,
sou
extremamente tímido. Mas aquela
mulher me possuía de um jeito...
o que me levou automaticamente a
um comportamento sexual frio e
calculado. Eu não podia deixá-la
perceber minha inexperiência.
8
IPANEMA, RUA – EXT./DIA
PRISCILA e LÍVIA seguem por uma perpendicular rumo à praia.
PRISCILA
Os movimentos dele eram lentos,
intensos, tudo nele mostrava uma
grande
segurança,
sabia
o
que
estava
fazendo.
Eu
não
tive
escolha, tive que me comportar
como uma puta... ou melhor, como
eu achava que uma puta devia se
comportar. E olha que a coisa mais
excitante que eu faço normalmente
é tocar violoncelo.
9
CAMPUS DO GRAGOATÁ – EXT./DIA
EDUARDO e PRISCILA caminham pela via que leva à Biblioteca,
conversando. Ele ainda está carregado de papéis e livros.
EDUARDO
Um Quarteto de Cordas?
PRISCILA
Amanhã tem um concerto na Gávea.
Você bem podia ir me ver.
EDUARDO
Só se você prometer que sai comigo
depois do concerto...
PRISCILA dá um sorriso e sobe a escada. Um grupo de alunas
que chega chama por Eduardo, que olha, mas acompanha PRISCILA
com o olhar. Ao topo da escada, ela se vira e sorri a ele.
10
BAR – INT./NOITE
3
EDUARDO, mais embriagado e desarrumado, com o cinzeiro mais
cheio, desabafa com SERRA.
EDUARDO
Quando a transa acabou, eu quis
saber tudo sobre ela, e ela disse
o que eu esperava. Que era uma
mulher
de
muitos
amores,
uma
devassa, viciada em sexo, ainda
disse que tinha segredos que ela
não podia revelar. Aí eu exigi que
ela me contasse os tais segredos.
Achei que assim eu ia corresponder
à imagem que ela tinha de mim.
11
PRAIA DE IPANEMA, CALÇADÃO – EXT./DIA
PRISCILA e LÍVIA compram água-de-coco num quiosque na praia.
PRISCILA
Estou
muito
assustada
com
os
caminhos que nossa relação está
tomando. Ele cada dia me exige
mais. E eu cada dia invento mais
barbaridades. Às vezes eu acabo
acreditando em algumas histórias
que invento. Eu estou sentindo, a
gente logo vai chegar à agressão
física, e aí... acho que a coisa
não terá limites!
12
QUARTO DE MENINA – INT./NOITE
Já com a roupa do concerto, Priscila termina de se maquiar,
guarda seu violoncelo na case e prepara-se para sair.
13
SALA DE AULA – INT.-/NOITE
Eduardo dá aula. Nos seus pertences, sobre a mesa, há alguns
livros e um convite para o concerto.
EDUARDO
Segundo Sartre, nós estamos sempre
tentando
nos
defender
uns
dos
outros.
(cont.)
4
14
INSTITUTO MOREIRA SALLES, GÁVEA – EXT.-/NOITE
Na calçada do IMS, EDUARDO constata seu atraso em seu relógio
de pulso, apaga seu cigarro e entra no Instituto. Lê-se um
cartaz, num aparador, indicando o concerto.
CORTA PARA:
Decorridos alguns segundos de concerto, entra EDUARDO, que
procura um lugar. EDUARDO visualiza PRISCILA. Ela retribui o
olhar. Segue o concerto.
EDUARDO
(V.O.)
(cont’d.)
Uma das estratégias consiste em
ignorar o outro, fingir que ele
não existe, que é só um corpo e
mais
nada.
A
esse
sentimento,
chamamos
sadismo.
A
outra
estratégia consiste em evitar o
poder
do
outro,
anulando-se
inteiramente.
Sou
o
que
você
quiser que eu seja, assim você não
pode me julgar ou rotular. A isso,
chamamos masoquismo.
15
PRAIA DE IPANEMA, AREIA – EXT./DIA
PRISCILA e LÍVIA conversam caminhando pela areia, lambidas
pelo vento.
PRISCILA
Nós
estamos
cada
vez
mais
apaixonados um pelo outro e nosso
sexo é cada vez mais intenso.
16
BAR – INT./NOITE
EDUARDO e SERRA conversam. EDUARDO está arrasadíssimo.
EDUARDO
Não posso mais viver sem ela, mas
é insuportável viver com ela.
17
APARTAMENTO – INT./NOITE
5
DESCE a MÚSICA. PRISCILA está servindo-se
geladeira. EDUARDO chega na porta.
de
um
suco
na
EDUARDO
Eu quero que você me conte tudo.
PRISCILA
Meu pecado é te amar, só esse...
EDUARDO
Você
é
culpada
e
jamais
conseguir provar o contrário.
vai
PRISCILA
(contornando-o rumo à sala)
Eu não agüento mais sua raiva, o
que você quer de mim?
EDUARDO
Eu quero saber tudo o que você
fez. E o que pretende fazer. E não
apenas isso, quero saber o que
você
pensa.
Se
você
me
ama,
confesse.
PRISCILA
Pensei que hoje a gente não ia
discutir. Ontem ficamos até de
madrugada, anteontem também, estou
exausta.
EDUARDO
Se você não me contar tudo, nossa
história acaba hoje mesmo.
PRISCILA
(abraçando-o)
Não, pelo amor de Deus!
EDUARDO
(tirando-a)
Então
confessa
tudo,
abra
as
veias. Pelo menos uma vez na vida,
tenha essa dignidade!
PRISCILA
6
Mas eu já contei tudo!
EDUARDO
Quero ouvir de novo. Com mais
detalhes. É nos detalhes que os
sentimentos se mostram!
PRISCILA
(com ódio)
Me
ofereci
a
um
homem
por
dinheiro, mas o dinheiro nem me
importava.
Eu
queria
ter
uma
experiência sórdida, quanto mais
humilhante melhor.
EDUARDO vai até o bar e pega seu copo de whisky. Senta-se em
uma poltrona, bebe um grande gole e ouve o relato.
EDUARDO
(excitado)
Muito bem. Continue.
PRISCILA
Me vesti como um travesti
para um bar da Praça Mauá.
e
fui
INSERT 01: BAR NA PRAÇA MAUÁ – EXT./DIA:
PRISCILA, vestida vulgarmente, entra e pede uma cachaça, que
bebe virando. Chega um homem com aparência suja, balbucia
algumas palavras, a pega pelo braço e leva-a do bar.
CORTA PARA:
INSERT 02: QUARTO DE MOTEL – INT./DIA:
PRISCILA entra no quarto do motel com o homem.
PRISCILA
(V.O.)
Logo
chegou
um
homem,
ele
resmungou alguma merda, me pegou
forte no meu braço e me levou para
um hotel imundo ali perto. Ele
estava
suado,
mal
dormido.
Me
bateu, depois me enrabou sem dizer
nenhuma palavra, como se aquilo
fosse a coisa mais natural do
mundo. Eu gritei, mas ele fechou
7
minha boca com a mão, eu não podia
nem respirar direito. Depois pegou
minha cabeça e me forçou a chupar
seu pau até eu engasgar...
VOLTA À CENA.
EDUARDO
Você está fugindo do assunto.
PRISCILA
Você quer saber o que eu senti? Eu
senti nojo... e prazer. Uma dor
intensa, um prazer inundado de
nojo e culpa...
EDUARDO
Não foge do assunto!
asfixia...
O
homem,
a
INSERT 03 – QUARTO DE MOTEL – INT./DIA:
PRISCILA está deitada, arrasada, enquanto o homem se veste.
Ele vai embora batendo a porta.
PRISCILA
(V.O.)
Ali, esmagada por aquele corpo,
naquele quarto escuro que cheirava
a sexo e cigarro, ele gemia igual
a um animal, e eu também gemia...
VOLTA À CENA.
EDUARDO
Sua puta, vagab...
PRISCILA
(cortando)
Espera, hoje você vai ouvir tudo,
até o final! Eu faço qualquer
coisa, contanto que você não me
abandone!
EDUARDO
Te abandonar? Seria fácil demais!
Que castigo você acha que merece,
depois disso tudo? Responde!
8
PRISCILA
O único castigo para mim é você ir
embora.
EDUARDO
Mentira! Seria um alívio se eu me
afastasse. Então, ficarei ao seu
lado para sempre! Se você me
contar tudo, é claro. Você tem um
segredo que não me contou... e
esta noite é sua última chance.
Longo silêncio. EDUARDO levanta-se para servir outra dose de
whisky. PRISCILA vai até o som, bota um jazz sensual, apaga
as luzes, abraça-o por trás, falando sensualmente ao pé do
ouvido.
PRISCILA
Meu último segredo é que eu te amo
sem limites. Eu não sou ninguém,
sou
quem
você
quiser
que
eu
seja... Você hoje está me batendo
pesado. O que isso quer dizer? Que
está me amando mais?
EDUARDO
Cuidado, porque talvez você não
suporte tanto amor. Qual é o seu
limite? Até onde eu posso avançar?
PRISCILA
Quando de joelhos eu pedir para
você
parar
de
me
agredir,
implorar, dizer que não agüento
mais, que vou estourar, que vou
enlouquecer...
não
pare,
não
acredite. Continue, mais agressivo
ainda.
Meus
olhos
vão
estar
injetados,
as
minhas
veias
saltadas, mas ainda não estarei no
meu
limite.
Pode
acreditar,
suporto muito mais. Minha vingança
é esta: você nunca saberá o meu
limite.
9
EDUARDO e PRISCILA beijam-se com grande desejo, com fúria.
Este beijo evolui sensualmente para o puff, onde começam a
transar, suados, com ódio.
PRISCILA
Você nunca vai
segredos.
saber
os
meus
FADE OUT.
FIM.
10
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“O INFERNO SÃO VOCÊS” Décimo Tratamento: 03/11/2005 Um