Luna Halabi Belchior; Luisa Rauter Pereira; Sérgio Ricardo da Mata (orgs) Anais do
7º. Seminário Brasileiro de História da Historiografia – Teoria da história e
história da historiografia: diálogos Brasil-Alemanha. Ouro Preto: EdUFOP, 2013.
(ISBN: 978-85-288-0326-6)
Espiando um percurso: as cartas de Cecília Westphalen à Altiva Pilatti Balhana
(1958-1959)
Daiane Machado 1
Este texto analisa as cartas enviadas por Cecília Westphalen (1927-2004) à Altiva
Pilatti Balhana (1928-2009), entre 1958 e 1959. Trata-se de duas colegas de ofício, ambas
foram professoras de História na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e amigas de longa
data, confidentes, que mantiveram através da correspondência intensos diálogos. No decorrer
daqueles anos, Balhana estava em Curitiba escrevendo sua tese para o concurso de Cátedra de
História da América na UFPR, já Westphalen estava experienciando novos ares acadêmicos.
Ela partiu para realizar especializações em História Moderna e Contemporânea na
Universidade de Colônia, na então Alemanha Ocidental, e, na VIª. Seção da École Pratique
des Hautes Études, em Paris. O itinerário de viagem de Westphalen foi construído visando
abarcar sua participação em dois eventos sobre Carlos V, seu objeto de estudo na tese de
Cátedra de História Moderna e Contemporânea. O primeiro evento teve lugar em Madri, um
Congresso inserido nas Comemorações Oficiais do IV Centenário de Morte do Imperador. O
outro, menor do que o espanhol, se deu na Universidade de Colônia e reuniu cerca de 26
estudiosos sobre o assunto.
Acompanhar as cartas enviadas à Balhana possibilita surpreender o momento de uma
inflexão no percurso intelectual (DOSSE, 2009) de Westphalen. Com a vivência acadêmica
francesa aconteceu uma modificação em seus planos de pesquisa, o projeto Carlos V, por
orientação de Fernand Braudel, deu lugar a outra pesquisa: estudo dos navios e mercadorias
no Porto de Paranaguá.
As correspondências são brechas por onde espiamos as suas experiências de viajem e
observamos a sinuosidade do seu percurso intelectual, marcado por decepções, escolhas e
descobertas, projetos que se criam, recriam e se moldam. Dessa feita, o foco deste trabalho é
analisar a formação da pesquisadora, explorar os rumos de uma vida e de uma pesquisa no
contato estabelecido com outras culturas historiográficas.
1
Este texto consiste nas primeiras reflexões de minha pesquisa de doutorado intitulada Por uma “ciência
histórica”: o percurso intelectual de Cecília Westphalen, 1950-1998, orientada pela Drª. Karina Anhezini
docente na UNESP/Assis. Pesquisa financiada pela FAPESP.
“O Carlos V tem aberto as portas”
[...] O capítulo do Império Espanhol na América é o novo e o mais fraco, quero que
você me auxilie com sugestões; [...] Tudo que você achar ruim, fraco, tico-tico, sem
entender, etc. assinale; [...] Meu bem, quero que você leia com atenção, é a única
pessoa que lerá o meu trabalho antes de impresso, antes do que eu mesmo, não o fiz
ainda (WESTPHALEN, 18 mai. 1954, grifo da autora).
Esse é o trecho de uma carta que Cecília Westphalen enviou para Altiva Balhana em
1954, quando esta estava na Itália. A situação é inversa, quem partiu para fazer pesquisas e
especializações foi Balhana e quem ficou redigindo tese para concurso de cátedra foi
Westphalen. O fragmento indica o companheirismo de duas mulheres que partilham as facetas
da produção intelectual. Entre elas não há receio em pedir auxílio, em expor as dúvidas de
conteúdo e compreensão, em denunciar, até mesmo, a fragilidade na apresentação textual.
A tese, Carlos V, 1500/1558: seu império universal, é uma biografia linear, centrada
no político, com uma escrita que transparece a vontade de fazer com que o leitor visualize os
cenários. Não há inovação no que tange ao traçado do texto, porém há um nítido esforço em
abarcar a literatura mais atual, nacional e estrangeira, sobre a figura do Imperador e seu
contexto histórico. Procedimento que foi reconhecido nas “Notes Brèves” do Bulletin
Hispanique, escrita por Ricard Robert, professor da Universidade de Sorbonne. Segundo ele,
apesar de Westphalen não ter realizado uma pesquisa original, de o texto conter alguns erros
ou lapsos de detalhe, a partir do conhecimento que se dispunha no momento ela deu “un récit
et un tableau du règne de Charles-Quint qui se lit avec agrément” (ROBERT, 1958:564).2
A nota foi publicada em 1958, ano que se conheceram. Em carta escrita de Madri, nos
dias de realização do III Congresso de Cooperação Intelectual, Westphalen relata para
Balhana que o “Prof. Ricard, catedrático da Sorbonne, andava com o Carlos V, de baixo para
cima, lendo. Trouxe 14 exemplares e não tenho mais” (WESTPHALEN, 15 out. 1958). O
reencontro aconteceu em Colônia durante o Colloquium sobre Carlos V, quando o próprio
Robert lhe disse “que leu o livro de cabo a rabo e o achou muito bom, havendo feito resenha
bibliográfica para a Revista Hispânica” (WESTPHALEN, 29 nov. 1958, grifo da autora).
Eventos deste tipo são espaços privilegiados para divulgação de trabalhos e construção
de redes de contato, Westphalen soube aproveitar essa oportunidade levando e distribuindo
seus 14 exemplares da tese. A note brève, escrita por um catedrático de uma notável
2
“uma narrativa e um quadro do reino de Carlos-Quinto que se lê com prazer” (ROBERT, 1958:564, tradução
nossa).
instituição francesa em uma das principais revistas de estudos hispânicos, surgiu graças à
visibilidade que os encontros proporcionaram ao seu trabalho.
No que concerne ao âmbito mais restrito do campo acadêmico, a análise de
Westphalen nos faz crer que o evento realizado na Universidade de Colônia teve um
direcionamento mais crítico do que o espanhol, representado sobretudo pela participação de
Braudel.
Na ocasião, Westphalen contou que,
Ele deu uma chacoalhada em todo mundo, inclusive em mim, dizendo que a História
dos evénements da época de Carlos V estava feita com Brandi, que ninguém o
ultrapassará tão cedo e facilmente; que é preciso deixarmos êste resumo da história
dos acontecimentos para entrarmos na história social, na história de todo dia, história
da realidade tal como é, não como parece ser, e por aí a fora (WESTPHALEN, 29 nov.
1958).
Imperativas, as palavras de Braudel entusiasmaram a jovem pesquisadora, “creio que
se for a Paris e puder conversar bem com êle, eu resolverei êste problema que me angustia e
também ao Brasil [Pinheiro Machado], da conceituação da História” (WESTPHALEN, 29
nov. 1958). A expectativa em torno do encontro e do aprendizado com o historiador tornou-se
uma constante, todavia antes de mudarmos de cultura historiográfica, irmos à Paris, vamos
explorar a vida acadêmica de Westphalen na Universidade de Colônia.
Na Universidade de Colônia
Ansiosa por relatar sua vivência universitária em Colônia e ávida por notícias do
cotidiano da UFPR, Cecília Westphalen não deu trégua à Altiva Balhana. Em uma perspectiva
relacional ela comparou postura de professores, didática das aulas, estrutura física e
organizacional das duas instituições. E, considerando-se já versada nas disputas internas do
espaço acadêmico, mostrou-se vigilante na orientação da conduta profissional de Balhana na
UFPR.
A preocupação com o êxito da tese de Balhana, por exemplo, lhe tirava o sono, “só
tenho pensando em tua Tese e ardentemente desejado que ela esteja saindo bem ao teu gôsto”
(WESTPHALEN, 3 nov. 1958). A candidata deveria mostrar-se atualizada e tudo conhecer,
pois o catedrático deveria ter completo domínio sobre sua disciplina. Para ajudá-la
Westphalen enviava livros que, se desconhecidos pelos concorrentes de concurso, poderiam
ser uma carta na manga.
Terminada a escrita da tese, “acho que você não deve exibi-la muito, e nem dar a
ninguém” (WESTPHALEN, 18 nov. 1958). Este cuidado era estratégico para Westphalen que
percebia os apoios como cambiantes, e explicava que conforme mudavam os interesses os
sujeitos se moviam e podiam trocar de lugar. E, nesse terreno escorregadio, muitas vezes,
mais produtivo era saber as inimizades que se devia evitar: “este período que antecede o
Concurso deve ser da maior harmonia entre o candidato e o Diretor que tudo pode entravar.
Procure ser gentil com êle” (WESTPHALEN, 16 fev. 1959). O diretor detinha o poder de
nomeação, de salvaguardar para ela um lugar a partir do qual poderia progredir no ofício.
Vemos que a ascensão na carreira estava permeada por jogos e regras implícitos que a colega
de ofício tentava explicitar à Balhana.
Em Colônia as percepções são diferentes, lá ela oscila entre o papel de aluna e
professora, mas não tem acesso aos bastidores departamentais. Conta que o que mais lhe
chamou atenção foi a estrutura universitária, principalmente o modelo de Seminários em
substituição as aulas tradicionais, uma forma de tentar dinamizar e aliar o ensino à pesquisa.
Entre os Seminários que visitou o que mais lhe agradou foi o de História Econômica da
Faculdade de Ciências Econômicas. Impressionou-se com o volume de livros, mapas e
documentos disponíveis no acervo do Seminário (WESTPHALEN, 5 dez. 1958). Sua
excitação denunciava que tal grandiosidade e fartura de material não era algo usual para uma
professora no Brasil.
O Seminário de História Econômica, intitulado “Fontes, Métodos e Ferramentas da
História Econômica”, foi um dos seminários que cursou. A escolha foi balizada por um
interesse futuro, que naquele momento foi manifesto com certo desdém, “você sabe que eu
tenho planos sôbre este assunto, se outros mais altos falharem (WESTPHALEN, 3 nov.
1958).
Westphalen estudava em um dos mais antigos redutos da temática econômica, porém
com contorno analítico da história tradicional. As aulas foram classificadas como monótonas
e cansativas, chegou a confessar à Balhana ter “preguiça de ir porque não é bom”
(WESTPHALEN, 28 jan. 1959). O desinteresse foi tanto que o professor nem sequer foi
nominado, era “apenas um Assistente” (WESTPHALEN, 13 nov. 1958).
Além disso, este não foi o seu único descontentamento como aluna, ela contou sua
experiência em dois outros Seminários: “Alexander von Humboldt e a América” e “História
Geral da Época dos Estados Nacionais e do Imperialismo (1870-1914)”.
Este último foi ministrado por Theodor Schieder, apresentado à Westphalen como “o
maior Professor de História no momento na Alemanha” (WESTHALEN, 6 nov. 1958). No
campo historiográfico seu nome está ligado à “história estrutural” (Strukturgeschichte), “uma
modalidade propriamente alemã, após 1945, de investir nos objetos ‘sociais’ como a
economia, o trabalho, a agricultura, a demografia, rejeitando o marxismo e integrando uma
parte da herança do historicismo” (DELACROIX, 2010: 426). Essa abordagem logo
progrediu para a “marca registrada da inovação historiográfica alemã do século 20: a história
social” (MARTINS, 2007:53).
Westphalen, sem ainda saber, estava vivenciando um período de renovação nos
estudos históricos da Alemanha Ocidental, que se fariam mais visíveis a partir de 1960. Mas
naquele momento, a lembrança que registrou de Schieder foi a de um professor didaticamente
pouco compreensivo, que lia “durante a hora inteira um maço de papéis” e nunca olhava para
os alunos (WESTPHALEN, 6 de nov. 1958).
Sua experiência com Schieder em sala de aula não foi das melhores e pelo que relatou
parece não ter conseguido estabelecer um diálogo mais próximo com ele. Relação diferente
ocorreu com o professor Richard Konetzke, responsável pelo Seminário sobre Humboldt e a
América.
Westphalen conta que ele parecia muito honrado com a sua presença “pensando que
sei muito de História do Brasil e possa ser lhe útil” (WESTPHALEN, 3 nov. 1958). Konetzke,
estudioso da história social da América colonial espanhola e interessado na América Latina,
viu na estadia de uma brasileira oportunidade de conhecer mais sobre os estudos
historiográficos realizados no país.
Apesar de suas aulas terem sido marcadas por equívocos históricos e geográficos
(WESTPHALEN, 10 nov. 1958), Westphalen parece ter se ambientado muito bem no
Instituto de História Ibérica e Latino-americana dirigido por ele. Ela mediou contatos para o
professor, escreveu cartas para o IHGB e pesquisadores, como Eulália Lobo. Com a ajuda de
Balhana, Westphalen providenciou o enviou para o Instituto alemão de alguns números da
revista do IHGB, do Círculo (ela não completa, mas supomos ser do Círculo de Estudos
Bandeirantes de Curitiba) e sobre a floresta amazônica. Elaborou uma lista bibliográfica com
obras fundamentais sobre História do Brasil e indicou lugares tracionais onde poderia
encontrá-las (WESTPHALEN, 28 jan. 1959). Graças à investimentos deste tipo, a biblioteca
do Instituto de Konetzke foi considerada uma das mais importantes na Europa
(RODRIGUES, 1976:206)3 e um dos principais legados de Konetzke (KAHLE, 1981).
Entre eles, laços acadêmicos começaram a se delinear e uma brecha foi aberta para
que os favores fossem academicamente retribuídos. Assim encerrou-se o curso de inverno e a
experiência alemã.
3
Konetzke ocupou a primeira cadeira alemã de História Ibérica e Latino-americana, criada na Universidade de
Colônia em 1961 (RODRIGUES, 1976:206).
“Agora já estou ansiosa para ir a Paris, isto é, ao Braudel”
Desde Madri, Westphalen nutre a expectativa de conhecer Braudel, o encontro, como
já mencionamos, se realizou em Colônia, foi a primeira vez que estiveram tête-à-tête:
Foi simpatisíssimo comigo. Gostei desde o primeiro momento, creio que iremos nos
dar bem. Não é muito velho, uns 60 anos, cabeleira branca, bem cuidada, e fala um
português melhor do que eu! Só queria falar em português pois diz êle que não é
sempre que o pode (WESTPHALEN, 29 nov. 1958).
O senhor simpático de cabelos brancos conhecia bem o Brasil. O professor Braudel,
quando ainda estava em início de carreira, integrou a chamada “missão francesa” de
professores contratados para ajudar a construir e consolidar o curso de História e Geografia da
Universidade de São Paulo (1934). Ele ocupou a cadeira de História das Civilizações entre
1935 e 1937, retornando em 1948, como professor visitante (ROIZ, 2012:43).
Em Colônia, Westphalen trocou cartas com ele para acertar questões burocráticas para
sua partida: “Recebi resposta do Braudel dizendo que tudo estará em ordem na Cité e que
logo receberei uma confirmação mais precisa. Ele não me trata mais como chèrie collegue,
mas como chèrie amie, é confiado que só vendo” (WESTPHALEN, 28 jan. 1959).
Nesses seus comentários divertidos sobre Braudel, repercute a ideia da proximidade
que vinham criando, ou que ela achava que estava se estabelecendo e com alegria contava à
Balhana. Nas cartas enviadas de Colônia confessava o quanto estava ansiosa para “ir ao
Braudel” e estudar no “Centre de Recherches Historiques” (WESTPHALEN, 19 fev. 1959).
O lugar onde Westphalen desejava estudar, o Centro de Pesquisas Históricas (CRH),
transformara-se em importante espaço de pesquisa da história econômica do mundo ocidental
- foi criado por Lucien Febvre e Braudel na VIª. Seção da École Pratique des Hautes Études,
em 1949 (AYMARD, 2003:15). O Braudel que ela iria encontrar já havia alcançado
notoriedade científica com a publicação de sua tese sobre o Mediterrâneo na época de Felipe
II (1949). Desde 1956, com o falecimento de Febvre, dirigia sozinho a Annales. O artigo La
longue durée (1958), que indicava um novo direcionamento para as pesquisas em História, já
havia sido publicado e, além de significar uma defesa da História contra os ataques da
antropologia estrutural de Claude Lévi-Strauss, representou para a historiadora brasileira uma
abertura de perspectivas de pesquisa.
Uma das maiores lições resultantes desse encontro com Braudel e sua concepção de
História foi a visita, acompanhada por Jean Glenisson, aos Arquivos Nacionais, em Paris. A
experiência com o arquivo era nova para Westphalen. Ensinada numa estrutura em que
predominava a formação do professor para o ensino secundário, ela nunca havia sido “levada
a um arquivo durante o curso”, pois “a pesquisa, quando exigida, era apenas bibliográfica”
(WESTPHALEN, 1985:34). Essa foi a primeira tarefa que Braudel deu a Westphalen, ir a um
lugar repleto de histórias. Vinculada a essa orientação estava a indicação para estudar temas
brasileiros, explorando assim o material que estava ao seu alcance.
Tamanha foi a reviravolta em seu pensamento, que Carlos V transformou-se em “erro
da juventude”, uma ingênua “ambição européia” (WESTPHALEN, 1985:36). Com o
conhecimento da prática historiográfica braudeliana e os projetos desenvolvidos no CRH
afirmou ter tomado “consciência do nada que poderia fazer, no Brasil, como historiadora do
século XVI europeu, e do quanto poderia fazer como historiadora do Brasil, sobretudo de
minha região [...]” (WESTPHALEN, 1985:36-37).
O caminho escolhido foi o Atlântico, ela inseriu-se num projeto maior dedicado ao
“conhecimento das estruturas do Atlântico e do mundo atlântico”. Westphalen, então, entrou
em contato com outras formas de escrita da história e propôs uma nova abordagem aos
estudos regionais. O projeto Carlos V cedeu lugar ao estudo das relações comerciais no Porto
de Paranaguá, enfatizando as técnicas da história quantitativa e a longa duração
(WESTPHALEN apud CARDOSO 2004:17). Projeto que se institucionalizou na UFPR. Mas
essa já é outra história, e ela se passa fora das margens do Mediterrâneo.
De volta ao Atlântico
Cecília Westphalen retornou em 1959, estava renovada e queria contribuir para a
renovação dos estudos em História do Brasil. Interessada nos progressos da disciplina, ela
integrou o grupo de professores reunidos na Faculdade de Filosofia de Marília, em 1961, que
tinha como principal objetivo discutir o currículo de graduação em História, considerado
insuficiente para a formação do futuro professor e do pesquisador (FALCON, 2011:2). Apesar
dos poucos resultados desta reunião, nela surgiu a ideia de criação de uma associação de
professores universitários de História, a atual Anpuh (Associação Nacional de História).
A criação da Anpuh é um sinal de amadurecimento em relação ao fomento, a feitura e
a divulgação da produção acadêmica, ainda muito iniciante entre os próprios docentes
(FALCON, 2011:17). Tanto em Colônia quanto em Paris, Westphalen deparou-se com um
sistema organizado de Institutos, Centros de Pesquisa e eventos destinados à pesquisa. Sua
experiência recente certamente contribuiu para liderar a Comissão Executiva do “II
Simpósio”, realizado na UFPR em 1962.
No discurso de abertura, Westphalen afirma que a nova associação tem o papel de
orientadora dos estudos históricos e a missão de salvar a História do desprestígio, seja dentro
da própria Universidade pelo predomínio das ditas “ciências práticas e objetivas”, seja
socialmente pela ínfima atuação na formação da cultural nacional (WESTPHALEN,
1962:22).
A linguagem de Westphalen é notadamente braudeliana, sua análise parte das três
temporalidades e reforça o compromisso da História com os problemas do presente, herança
de Lucien Febvre e Marc Bloch. O tema-problema assumido pelo segundo simpósio foi “A
propriedade e o uso da terra”, em torno dele organizaram-se sessões de estudos com a
exposição oral de trabalhos.
Mesmo com uma organização hierarquizada, que dava voz apenas a um pequeno
grupo de eleitos para apresentar nas sessões,4 sem dúvida esta associação foi um marco na
autonomização da disciplina. Tanto assim, que os encontros tornaram-se, para Westphalen,
num dos principais locais de divulgação dos progressos que realizava com a pesquisa sobre o
Porto de Paranaguá, assim como dos projetos que desenvolvia com os colegas do
Departamento de História da UFPR.
Logo em seu retorno à instituição, Westphalen propôs uma reunião para organizar um
plano de trabalho que estimulasse a reflexão sobre os problemas da “ciência histórica”, assim
sugeriu a criação de um Seminário de História, um centro de estudos e pesquisas nos moldes
daquele que vivenciou na Universidade de Colônia. Como não havia equivalente na estrutura
da Faculdade de Filosofia, então no Curso de História e Geografia criou-se um Departamento
de História que reunia todas as cadeiras de História que por sua vez dividiam-se em três
seções de estudos: Ensino da História, Pesquisa Histórica e Teoria da História”
(WESTPALEN, 2009:289).
Assim, a experiência de Colônia e Paris, narrados a Balhana por meio das cartas,
permitiu compreender o quão decisivos foram para a visão de Westphalen do que deveria ser
a universidade, um espaço de enfrentamento dos “problemas da ciência histórica”, de ensino,
escrita da história e diálogo social.
Considerações finais
4
De acordo com Artigo 2.º do Título II “Cada núcleo regional da A.P.U.H. deverá apresentar o mínimo de 1
(um) e o máximo de 3 (três) comunicações sôbre o tema proposto, cujos autores serão designados pela Diretoria
do núcleo, entre os seus associados” (APUH, 1962:19).
Neste texto, acompanhamos Cecília Westphalen em diferentes ambientes acadêmicos
e historiográficos por meio das cartas trocadas com sua companheira intelectual, Altiva
Balhana. Da catedrática que tudo sabia sobre Carlos V em Madri e Colônia à estudante que,
em Paris, entrava pela primeira vez em um arquivo, acontecimento que a fez questionar sua
própria identidade como pesquisadora. Foi preciso ir ao Mediterrâneo para perceber o
Atlântico e assim sentir as limitações de sua tese para o seu espaço social, o Paraná. A
historiadora que retorna se transforma em uma espécie de missionária, ela quer “levar a boa
nova” às Faculdades de Filosofia do país, ou seja, quer divulgar o que aprendeu com Braudel
quanto à concepção de história, e com a estrutura acadêmica da Universidade de Colônia.
Nesse percurso, as cartas trocadas entre Westphalen e Balhana foram também nosso
guia na busca de outras fontes. Obras, artigos publicados em jornais, discursos, atas, anais e
tantos outros textos foram selecionados na tentativa de compreender o trânsito turbulento
entre Curitiba, Madri, Colônia e Paris, e os impactos da travessia da autora e que,
consequentemente, incentivam a continuidade deste estudo.
Referências
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______. Carta à Altiva Pilatti Balhana, Köln, 16 fev. 1959.
______. Carta à Altiva Pilatti Balhana, Köln, 19 fev. 1959.
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