Viver sem censura
Andréa Jotta
Nossa geração brigou tanto pela queda da censura, mas esqueceu que crescemos dentro de
seus limites, ou seja, dentro dos limites que nos foram impostos de “fora para dentro”.
Mas, e agora? Como enfrentar as dificuldades de educar as futuras gerações, uma vez que
parece caber às famílias, aos pais, aos amigos essa criação interna de limites? Como fazer
para expressar de maneira coerente, saudável e principalmente baseada no bom senso, esses
limites, em um mundo onde parece que “tudo pode”?
Quem tem coragem de dizer: “não”? Ou então: “isso não é para sua idade”? Ou ainda de
afirmar: “ok, entendo sua frustração de não poder à tal ou tal lugar, de ter que esperar a idade
apropriada... é chato mesmo!”.
Cadê a coragem de crescer? De assumir o papel que antes foi do seu pai ou sua mãe, muitas
vezes agindo igual a eles e repetindo comportamentos que você próprio odiava?
Assumir essa função exige a coragem de ver que, enquanto nossos filhos crescem, nós
envelhecemos, no mesmo percurso. E que ok, tomamos consciência de que se nossos pais
hoje, são avós, abriu-se um espaço, e educar faz parte dos prazeres e desventuras desse
papel de pais e responsáveis pelos jovens.
É mesmo complicado quando nossas crianças crescem e entram em contato com outras
famílias, que hoje em dia são cada uma de um jeito. O que então, poderá ser permitido que as
crianças assistam na televisão ou nos seus acessos à internet? Ninguém mais proíbe nada
nesse mundo? Parece que não...
O contemporâneo, assim como a internet, é um mundo livre. As proibições são internas, devem
provir das nossas regras subjetivas e, em última instância, da nossa ética e do nosso caráter.
Mas, e as crianças?
A princípio a regra é clara, sem muito “psicologuês” e vale para tudo, desde filmes em vídeo ou
TV, games violentos ou sites de internet, ou seja, para saber se são ou não adequados os
nossos filhos, podemos consultar a sua “classificação etária”. Essa opção pode parecer tão
simples que, muitas vezes, quanto mais "descolados" e “amigos” os responsáveis querem ser
dos seus filhos, mais descolados da realidade eles podem acabar se tornando.
Porém, muitas vezes, o ato de recorrer ao básico, ao que funciona para a maioria das pessoas
mais simples, pode trazer à tona nosso próprio senso de realidade, que se torna um apoio mais
saudável para essas relações.
Algumas das diferenças dos modos de criação de cada família podem levar os responsáveis
pelas crianças a influenciar até negativamente suas opções de amizade. Isto, sim, pode trazer
alguma repercussão emocional mais significativa para esta ou aquela criança. Traduzindo: as
mães podem querer evitar o contato, ou rejeitar convites dessa ou daquela família, por
considerar que assumem posturas não condizentes com o que acham adequado para a
educação de seus rebentos, esquecendo que a criança em questão, nesse momento em que
ainda é pequena, tem tanta responsabilidade pela escolha do filme, ou do programa, quanto
seus amiguinhos. Mas no mundo restrito das crianças, onde tudo é começo, afastar
amiguinhos sem motivos que pareçam relevantes para eles, pode sim, ser bem mais
significativo que, por exemplo, permitir que assistam a um filme ou um conteúdo da web, que
provavelmente nem entenderiam muito bem.
Voltando para soluções concretas, muitas vezes vale ficar no básico.
No estatuto da criança e do adolescente existe uma classificação etária dessas atividades e
uma explicação do porque da sua elaboração. E lembremos, de como essas leis e estatutos
são desenvolvidos, e do quanto de estudos e pesquisas em diversas áreas eles envolvem.
Psicologicamente falando, as classificações existem por motivos plausíveis, e de fácil
consideração e não visam apenas inocentar a empresa desenvolvedora do conteúdo de futuros
problemas, caso aja alguma consequência legal, embora não devamos ignorar a existência
desse fato.
No caso das crianças, elas conseguem compreender e apreender a realidade à sua volta a
partir do seu amadurecimento, que em parte é pessoal, individual, e em outra parte é
decorrente do meio onde vivem. No país em que vivemos, onde importamos patologias, às
vezes, é preciso relativizar as coisas. Por exemplo, falar que uma criança do morro, aliciada
pelo tráfico, é violenta por conta dos games, pode chegar à beira do ridículo.
No caso de crianças, normalmente um filme, uma cena, um dia, uma festa, podem facilmente
passar despercebidos, ou criarem alguma curiosidade que, se respondida com sinceridade, só
venha a fazer nexo na cabecinha deles, daqui a alguns anos.
São as experiências mais comuns, quase diárias, cotidianas, com certa regularidade, que
acabam sendo, como chamamos "introjetadas". É a influencia da novela das oito, assistida com
a família, com a empregada ou sozinha, todos os dias. A música ouvida com frequência, as
brigas ou discussões, por conta do comportamento dos pais, em relação a seus parceiros
dentro e/ou fora do casamento, via Whatsapp ou Tinder. Os xingamentos e / ou preconceitos
pelo Facebook, e outros tantos comportamentos desse tipo, que podem influenciar o
desenvolvimento dos pequenos e trazer consequências emocionais e comportamentais para
nossas crianças.
Voltando às classificações etárias, o estatuto da criança e do adolescente é bem didático na
sua exposição:
Livre - Não expõe crianças a conteúdos potencialmente prejudiciais.
Não recomendado para menores de 10 anos - Conteúdo violento ou linguagem inapropriada
para crianças, mesmo em menor intensidade.
Não recomendado para menores de 12 anos - As cenas podem conter agressão física,
consumo de drogas e insinuação sexual.
Não recomendado para menores de 14 anos - Conteúdos mais violentos e/ou de linguagem
sexual mais acentuada.
Não recomendado para menores de 16 anos - Conteúdos mais violentos ou com conteúdo
sexual mais intenso, com cenas de tortura, suicídio, estupro ou nudez total.
Não recomendado para menores de 18 anos - Conteúdos violentos e sexuais extremos. Cenas
de sexo, incesto ou atos repetidos de tortura, mutilação ou abuso sexual.
Ou seja, muitas vezes discutir, em assembleias ou reuniões de pais (sem “caça às bruxas”) as
informações mais básicas, como essa classificação, podem trazer informações e reflexões, que
façam sentido às mães, pais ou responsáveis, sem que se rotulem o externo como "repressor",
mas sirvam de base para seus posicionamentos frente aos pequenos. Afinal repressão foi tudo
aquilo pelo qual lutamos contra, não é mesmo?
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Viver sem censura Andréa Jotta Nossa geração brigou - PUC-SP