EFEITOS DA UTILIZAÇÃO DE UM PROGRAMA INFORMATIZADO DE LEITURA NA ALFABETIZAÇÃO DE ALUNOS COM NECESSIDADES ESPECIAIS EM ESCOLA REGULAR E ESPECIAL Camila Graciella Santos Gomes Universidade Federal de São Carlos Thaize de Souza Reis Universidade Federal de São Carlos Deisy das Graças de Souza Universidade Federal de São Carlos Graziela Nunes Santana Universidade FUMEC Silvana Conceição Leite Carvalho Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais Avenida Álvares Cabral, 1030, sala 506. Bairro: Lourdes Cep: 30.170-001 Belo Horizonte - MG (31) 9947-2571 [email protected] Leitura e escrita são repertórios de grande importância para os indivíduos. Dentre os motivos que os tornam tão relevantes estão o fato de permearem a aquisição do conhecimento e a ampla utilização na vida diária. No caso de um estudante em fase de alfabetização, a aprendizagem destas habilidades adquire uma importância adicional, pois o domínio delas é crucial para sua permanência no processo educacional escolar. Isto ocorre em função do fato destes repertórios serem prérequisitos para a maioria das aprendizagens programadas pela escola (DE ROSE, 1999). Ainda que sejam cruciais e pareçam muito naturais para qualquer leitor proficiente, leitura e escrita são habilidades bastante complexas e exigem do aprendiz uma série de pré-requisitos. Isso ocorre porque esses repertórios se configuram como uma rede de relações entre estímulos e entre estímulos e respostas que são inicialmente independentes, mas que podem se tornar relacionadas por meio de ensino (SKINNER, 1957). Procedimentos de ensino baseados no paradigma de equivalência de estímulos têm sido bastante efetivos em promover a interdependência entre os estímulos e as respostas envolvidos nos repertórios de leitura e escrita. O programa para o ensino de leitura desenvolvido por de Rose e colaboradores é um exemplo desse tipo de procedimento (DE ROSE et al., 1989; DE ROSE; DE SOUZA; HANNA, 1996). Denominado Aprendendo a ler e a escrever em pequenos passos, o programa tem como objetivo auxiliar pessoas que apresentam dificuldades em aprender a ler e a escrever com outros métodos de ensino. Pesquisas que empregaram este programa de ensino com as mais variadas populações (pré-escolares, alunos das séries iniciais com dificuldades na alfabetização, indivíduos com atraso de desenvolvimento, adultos analfabeto) mostraram que, de um modo geral, os participantes aprenderam as tarefas ensinadas com bastante precisão (DE ROSE et al, 1989; DE SOUZA et al., 2004; MELCHIORI; DE SOUZA; DE ROSE, 2000). Além disso, os participantes também passam a ser capazes de desempenhar tarefas para as quais não foram diretamente ensinados como emparelhar palavras impressas a figuras e vice-versa, nomear palavras impressas (tanto aquelas ensinadas diretamente quanto as de generalização, compostas pela recombinação das sílabas ensinadas) e realizar ditados, porém com índices menores de acertos, principalmente no caso das palavras de generalização. Diante dos resultados positivos que vêm sendo demonstrados com a aplicação desse programa, a presente pesquisa teve como objetivo verificar a viabilidade de sua utilização em instituições educacionais de ensino regular e especial como recurso suplementar no processo de alfabetização de alunos com necessidades educacionais especiais de ensino. Pretendeu-se investigar especificamente, variáveis ambientais que favoreçam a implementação e a utilização sistemática do programa, assim como o efeito desse recurso no desempenho dos alunos em tarefas de leitura e escrita. MÉTODO Participantes Participaram do estudo um aluno com deficiência mental de uma escola especial privada e um aluno com autismo de uma escola regular privada. Os alunos foram convidados a participar da pesquisa como voluntárias mediante autorização por escrito dos pais e de acordo com os termos da Resolução 196/1996 do Ministério da Saúde, sobre pesquisa envolvendo seres humanos. Os dados desses participantes serão descritos a seguir sob a forma de estudos de caso. CASO 1 Participante Participou do estudo um adolescente de dezenove anos de idade, aluno de uma instituição educacional especializada para adolescentes e adultos com deficiência mental, que apresentava o diagnóstico de Síndrome Down, realizado previamente por médico especializado. Situação e Materiais O programa informatizado de leitura foi instalado em um computador da sala de informática da escola especializada. O aluno realizava as sessões do programa durante o horário determinado pela escola para a aula de informática e era acompanhado por uma educadora da instituição. Os materiais utilizados foram: um computador com mouse, equipado com o software Aprendendo a Ler e a Escrever em Pequena Passos (ROSA FILHO et al., 1998) para a aplicação do programa de ensino e registro dos dados produzidos. Além disso, utilizou-se também protocolos em papel para registro das datas em que as sessões do programa foram realizadas e anotações de observações da educadora. Procedimentos O repertório inicial do participante foi avaliado por meio de tarefas informatizadas que além de leitura e escrita avaliaram também outras habilidades consideradas prérequisitos para o desenvolvimento dos repertórios alvo. A avaliação era composta por 16 tipos de tarefas que envolveram seleção de estímulos, leitura, ditado e cópia. Os estímulos empregados foram palavras ditadas, figuras e estímulos impressos (palavras, sílabas e letras). As palavras avaliadas eram tanto as que foram ensinadas no programa quanto palavras novas (compostas por recombinações das sílabas das palavras ensinadas). Após a avaliação do repertório inicial, o participante passou a realizar as sessões de ensino do programa de leitura. Foi utilizado o Módulo 1 do programa, que ensina 51 palavras de duas a três sílabas simples do tipo consoante-vogal. As tarefas ensinadas ao longo do programa foram de dois tipos: emparelhamento palavra impressa – palavra ditada e cópia. Na tarefa de emparelhamento, uma palavra era ditada e duas palavras impressas eram apresentadas na tela do computador. O participante deveria selecionar a palavra impressa correspondente à palavra ditada. Em caso de acerto, eram apresentadas frases do tipo “Ótimo”, “Muito bom”. Em caso de erro, era apresentada a frase “Não, não é” e a tentativa era repetida. Uma variante dessa tarefa foi o emparelhamento sílaba impressa–sílaba ditada. A estrutura da tentativa era a mesma, no entanto, no lugar de palavras eram apresentadas sílabas. Essa tarefa tinha o objetivo de desenvolver o controle pelas unidades que compõem a palavra. Na tarefa de cópia, uma palavra impressa era apresentada na parte superior da tela; na parte inferior letras (ou sílabas) eram disponibilizadas. O participante deveria selecionar entre as letras apresentadas aquelas que eram necessárias para compor uma palavra idêntica ao modelo. As 51 palavras estavam organizadas em 17 passos de ensino. Cada passo apresentava, portanto, três palavras. Os 17 passos, por sua vez, foram distribuídos em quatro unidades. No início e no final de cada de cada unidade, todas as palavras ensinadas eram avaliadas. Portanto, ao longo de todo o programa foram realizadas avaliações para acompanhar o progresso do aluno. Após o programa para o ensino de leitura, as tarefas da avaliação inicial foram novamente aplicadas para efeito de comparação com o desempenho anterior à exposição ao programa. A educadora que acompanhava o aluno foi treinada a utilizar o programa e a fazer registros diários das sessões. Ela era responsável por: abrir o programa; colocar no passo que o aluno deveria realizar; acompanhar o aluno e auxiliá-lo em possíveis dificuldades ou dúvidas; registrar diariamente em um protocolo de papel a data, o passo que aluno realizou, o passo que ele deveria fazer na próxima aula de informática e quaisquer outras observações relevantes. Supervisões semanais eram realizadas por uma pesquisadora que: orientava a educadora da instituição na maneira adequada de utilizar o programa; analisava os registros realizados nos protocolos; analisava os dados registrados pelo programa informatizado; realizava sessões de avaliação com o participante. É importante ressaltar que a educadora da escola especializada realizava com o aluno apenas os passos de treino e os passos de avaliação previstos pelo programa eram realizados pela pesquisadora. Esse critério foi tomado porque os passos de avaliação exigem cuidados ao serem aplicados, pois devem ser realizados sem qualquer tipo de dicas, ajudas ou conseqüências diferenciais para erros do participante. Resultados A Figura 1 apresenta o desempenho do adolescente antes e após a realização do programa informatizado de leitura. Na avaliação inicial o participante emparelhou figuras e palavras idênticas com porcentagem de acertos acima de 80%. Em relação à nomeação, apresentou desempenho entre 80 e 100% de acertos na nomeação de figuras, vogais, letras e sílabas, porém na leitura oral de palavras, a porcentagem de acertos foi de 26%. Nas tarefas de identificação de figuras, palavras e tarefas de leitura compreensiva, o aluno apresentou cerca de 80% de acertos. Nas tarefas de escrita obteve 80% nas tentativas de cópia com resposta construída e cópia manuscrita, porém nas tentativas de ditado, obteve cerca de 50% e 40% de acertos nas tentativas de ditado com resposta construída e ditado manuscrito respectivamente. Foram realizadas no total trinta e três sessões, a partir da avaliação inicial até a avaliação final, num período de onze meses de trabalho, que incluiu duas paradas em período de férias (julho e janeiro). Na avaliação aplicada após a realização do programa informatizado de leitura o participante emparelhou figuras e palavras idênticas com 100% de acertos. Em relação à nomeação, apresentou desempenho acima de 90% de acertos na nomeação de figuras, vogais, letras e sílabas. Na leitura oral de palavras, a porcentagem de acertos que era 26% na avaliação inicial subiu para 100% na avaliação final. Nas tarefas de identificação de figuras, palavras e tarefas de leitura compreensiva, o aluno apresentou desempenho superior a 90% de acertos. Nas tarefas de escrita obteve 100% nas tentativas de cópia com resposta construída e cópia manuscrita. Nas tarefas de ditado, nas quais obteve cerca de 50% e 40% de acertos nas tentativas de ditado com resposta construída e ditado manuscrito na avaliação inicial, apresentou na avaliação final 100% e 93% de acertos respectivamente. CASO 2 Participante Participou do estudo uma criança de seis anos e cinco meses, aluno de uma escola regular, que apresentava o diagnóstico de autismo, realizado previamente por médico especializado. O menino freqüentava série correspondente a idade cronológica, porém vinha apresentando dificuldades e atraso no processo de aquisição de leitura e escrita. Situações, Materiais e Procedimentos O programa informatizado de leitura foi instalado em um computador da sala de informática da escola. O aluno realizava as sessões do programa após o horário escolar e era acompanhado por uma estagiária de pedagogia. Os materiais e procedimentos utilizados foram os mesmos descritos no Caso 1. Resultados A Figura 2 apresenta o desempenho da criança antes e após a realização do programa informatizado de leitura. Na avaliação inicial o participante emparelhou figuras e palavras idênticas com porcentagem de acertos entre 70% e 80%. Em relação à nomeação, apresentou 86% acertos na nomeação de figuras, 70% em vogais, 43% em letras, 80% em sílabas e nenhum acerto na leitura oral de palavras. Nas tarefas de identificação de figuras a porcentagem de acertos foi de 100%, porém na identificação de palavras impressas obteve 20% de acertos. Nas tarefas de leitura compreensiva, o aluno apresentou acertos abaixo de 20%. Nas tarefas de escrita o participante não apresentou acertos nas tentativas de cópia e ditado. Foram realizadas no total sessenta e duas sessões, a partir da avaliação inicial até a avaliação final, num período de seis meses de trabalho, que incluiu uma parada em período de férias (julho). Na avaliação após a realização do programa informatizado de leitura, o participante emparelhou figuras e palavras idênticas com 100% de acertos. Em relação à nomeação, apresentou 80% acertos na nomeação de figuras, 100% em vogais, 82% em letras e 90% em sílabas. Na leitura oral de palavras, a criança que não apresentou acertos na avaliação inicial, obteve na avaliação final 73% de acertos. Nas tarefas de identificação de figuras, palavras e tentativas de leitura compreensiva, o aluno apresentou 100% de acertos. Nas tarefas de escrita obteve 100% nas tentativas de cópia com resposta construída e cópia manuscrita, porém nas tentativas de ditado obteve 27% de acertos no ditado com resposta construída e nenhum acerto no ditado manuscrito. CONCLUSÕES A pesquisa está em andamento e outros participantes ainda estão realizando o programa informatizado de ensino de leitura. Os dados preliminares indicam, de forma geral, a viabilidade da utilização do programa de leitura nas instituições educacionais de ensino regular e especial, como recurso suplementar ao processo de alfabetização dos alunos. Os dados indicam também a melhora no desempenho dos participantes em habilidades relacionadas à leitura e a escrita, após serem expostos ao programa. No primeiro caso, a melhora no desempenho ocorreu principalmente na leitura oral de palavras e na escrita de palavras em tarefas de ditado. No segundo caso, a melhora ocorreu especialmente na leitura oral de palavras, na identificação de palavras, na leitura compreensiva e na cópia, porém não houve efeito significativo no desempenho da criança em tarefas de escrita envolvendo ditado. Identidade Nomeação Identificação 100 Leitura compreensiva Escrita 60 40 20 C B C F C co F m m p A F an . u AF co s. m m p. an us . BC AC AB D B v D C oga D C le is D tr C sí as D la pa ba la s vr as C C C 0 BB Porcentagem 80 Identidade Nomeação Leitura compreensiva Identificação Escrita 100 Porcentagem 80 60 40 20 C B C F C co F m m p A F an . u AF co s. m m p. an us . BC AC AB C D B v D C oga D is C le D C sí tras D la pa ba la s vr as C C BB 0 Figura 1: Porcentagem de acertos do adolescente na avaliação realizada antes (gráfico superior) e após (gráfico inferior) a execução do programa de leitura nas tarefas de: emparelhamento por identidade entre figuras (BB) e palavras impressas (CC); nomeação de figuras (BD), vogais, letras, sílabas e palavras (CD); identificação de figuras (AB) e palavras (AC); relação entre figuras e palavras (BC) e palavras e figuras (CB); cópia com resposta construída e manuscrita (CF) e ditado com resposta construída e manuscrito (AF). Identidade Nomeação Identificação Leitura compreensiva Escrita 100 60 40 20 C F C co F m m p A F an . u AF co s. m m p. an us . B C BC AC AB D B v D C oga D i C le s D C sí tras D la pa ba la s vr as C C C 0 BB Porcentagem 80 Identidade Nomeação Identificação Leitura compreensiva Escrita 100 Porcentagem 80 60 40 20 C B C F C co F m m p A F an . u AF co s. m m p. an us . BC AC AB C D B v D C oga D i C le s D C sí tras D la pa ba la s vr as C C BB 0 Figura 2: Porcentagem de acertos da criança na avaliação realizada antes (gráfico superior) e após (gráfico inferior) a execução do programa de leitura nas tarefas de: emparelhamento por identidade entre figuras (BB) e palavras impressas (CC); nomeação de figuras (BD), vogais, letras, sílabas e palavras (CD); identificação de figuras (AB) e palavras (AC); relação entre figuras e palavras (BC) e palavras e figuras (CB); cópia com resposta construída e manuscrita (CF) e ditado com resposta construída e manuscrito (AF). REFERÊNCIAS DE ROSE, J. C. Explorando a relação entre ensino eficaz e manutenção da disciplina. In: F. P. SOBRINHO, F. P.; DA CUNHA, A. C. B. (Org.) Dos problemas disciplinares aos distúrbios de conduta: práticas e reflexões, Rio de Janeiro: Dunya, 1999, pp. 123. DE ROSE, J. C.; SOUZA, D. G.; HANNA, E. S. Teaching reading and spelling: Exclusion and stimulus equivalence. Journal of Applied Behavior Analysis, 29 (4), 451-469, 1996. DE ROSE, J. C. et al. Aquisição de leitura após historia de fracasso escolar: Equivalência de estímulos e generalização. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 5, 325346, 1989. DE SOUZA et. al. Análise comportamental da aprendizagem de leitura e escrita e a construção de um currículo suplementar. In: HÜBNER, M. M. C.; MARINOTTI, M. Análise do comportamento para a educação: contribuições recentes. Santo André: Esetec, 2004, pp. 177-204. MELCHIORI, L. E.; DE SOUZA, D. G.; DE ROSE, J. C. C. Reading, equivalence and recombination of units: A replication with students with different learning histories. Journal of Applied Behavior Analysis, 33, 97-100, 2000. ROSA FILHO et al. Aprendendo a ler e escrever em pequenos passos. Software para pesquisa, 1998. SKINNER, B. F. Verbal Behavior. New York: Appleton-Century-Crofts, 1957.