Esercizio di Lingua David Barros Sessão Dia 19 de Junho às 18h Ficha técnica Portugal // 2009 // 20’ // Beta SP Realização e argumento: David Barros Fotografia: Joana Rodrigues Montagem: Joana Rodrigues e David Barros Música: João Rodrigues (Virtus) Produção: Joana Rodrigues Intérpretes: Luca Zerbo, Inês Ramalhete, Emília Pinto de Almeida, António Rocha, Debora Ricci, Joana Rodrigues Ante-estreia: 20 de Abril de 2010 na Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema Sinopse Um jovem português estudante de italiano, tendo por objectivo a prática do idioma, decide realizar um pequeno filme com actores não profissionais. Frustrado com a fraca qualidade linguística do material, acaba por cair na tentação de fazer um exercício fílmico com um intuito puramente estético, no qual as únicas palavras pronunciadas são universalmente reconhecíveis. Crítica Esercizio di Lingua (já veremos o porquê do título original em italiano), primeira incursão no cinema real de David Barros, que assina argumento e realização, ergue-se a partir de duas partes distintas e é como que um falso “faux raccord”, e falso porque a aparente descontinuidade ou heterogeneidade entre essas duas partes constitui a própria unidade do enredo, a unidade da ideia mesma do filme. A primeira parte, que, portanto, faz plenamente parte do argumento global, da “ficção” ou da história contada pelo filme, é uma espécie de explicação do projecto pelo realizador e, ao mesmo tempo, um documentário da sua rodagem, da rodagem de um filme que supostamente ficou por acabar, que não chegou a existir. Porém, este (também falso) documentário é ele próprio uma parte do guião, ou seja, da ficção, do filme. Isto é: Esercizio di Lingua enquanto ficção apresenta-se em parte - nesta primeira parte - como um documentário acerca de si mesmo e da sua produção, lançando-nos, desde o início, num jogo de fingimentos, de desdobramentos, enfim, num jogo de espelhos entre (pretensa) realidade e ficção, num jogo em que nada é o que parece, ou seja, numa comédia de enganos que o filme formalmente é. Não por acaso, o realizador que nessa primeira parte “documental” surge a expor o seu projecto - um estudante português de línguas que para aperfeiçoar a sua aprendizagem do italiano decide rodar um filme falado nessa língua com amigos também portugueses por actores - é ele próprio uma ficção, uma personagem “dentro” do filme, que, por isso, tem e não tem o nome do realizador deste Esercizio di Lingua: tem o mesmo nome próprio (David) mas não o mesmo apelido (Rodrigues em vez de Barros). Impossível, pois, não pensar no 8½ de Fellini por, tal como este, ser um filme que nada mais mostra, de certo modo, do que os seus próprios impasses durante a sua produção: os problemas incontornáveis (neste caso linguísticos) com os actores, as interrupções geradas por esses problemas, os expedientes criados pela personagem do realizador para resolver a questão (aqui as lições de italiano dos actores, a dobragem das vozes) e, por fim, o próprio filme como resultado supostamente falhado do projecto. Por sua vez, a segunda parte não é senão o que pretensamente resta do filme falhado aludido na primeira, as imagens sobrantes, já não faladas em italiano, já quase sem palavras, ou com raras palavras - táxi, Maria, spa, jacuzzi, eureka - que já não são italianas, que já não são propriamente de língua nenhuma, porque são de certa maneira universais. Assim, se a primeira parte de Esercizio di Lingua exibe os problemas de rodagem do filme ou, mais exactamente, “o” problema (a linguagem do filme, neste caso, o italiano), a segunda parte revela a solução, a verdadeira solução: o próprio cinema como linguagem (visual-sonora) universal, o cinema como “matéria” semântica auto-suficiente, linguagem para lá de todas as linguagens. Se “as palavras depõem contra o coração / que não quer dizer nada / nem ouvir nada”, como se diz num poema de Manuel António Pina, que tal falar “sem que palavras”, como também se lê nesse mesmo poema? Na verdade, quando o autor-personagem de Esercizio di Lingua abdica da confusão da linguagem, reduzindo-a a uma espécie de esperanto lacónico, encontra as imagens, isto é, o cinema, isto é, o milagre. Elas provam que o “esercizio di lingua” era, afinal, um “esercizio di cine”. Eureka! Álvaro Magalhães