CURSO SEQÜENCIAL DE FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM MECATRÔNICA Mikhail Polonskii Universidade de Passo Fundo, Faculdade de Engenharia e Arquitetura, São José, 99001-970 – Passo Fundo – RS mailto:[email protected] Resumo. O trabalho apresenta o Curso Seqüencial de Formação Específica em Mecatrônica implantado na Universidade de Passo Fundo (UPF), RS. O público alvo precisa ter concluído o ensino médio (2o grau) e a seleção é feita através de entrevista e análise do currículo do candidato. A primeira turma, de quarenta alunos, começou os estudos em abril de 2001. O Curso tem uma duração de quatro semestres, totalizando uma carga horária de 1680 horas, sendo 1005 horas de aulas teóricas e 675 horas de aulas práticas. O elenco das disciplinas do Curso inclui: Matemática, Mecânica, Segurança do Trabalho, Matérias de Construção Mecânica, Introdução à Informática Industrial, Eletricidade e Eletrotécnica, Eletrônica Analógica, Eletrônica Digital, Programação em Linguagem C, Máquinas Elétricas, Resistência dos Materiais, AutoCAD, Metrologia, Eletrônica de Potência, Microprocessadores, Controle Automático, Elementos de Máquinas, Cinemática dos Mecanismos, Sistemas Hidráulicos e Pneumáticos, CLP, Robótica e Automação Industrial, Processos Mecânicos de Fabricação, Projeto Mecânico, Projeto Mecatrônico e Fabricação Assistida por Computador. O programa do Curso foi elaborado visando fornecer conhecimentos para que os formados, em dois anos, possam atuar no mercado de trabalho, principalmente, nas áreas de automação e manutenção. Palavras-chave: Mecatrônica, Cursos Seqüenciais CSQ - 6 1. INTRODUÇÃO O termo Mecatrônica foi sugerido há 25 anos por Ko Kikuchi, posteriormente presidente da Yashkawa Electric Company, Tóquio, Japão ( http://www.elec-eng.leeds.ac.uk/ ). Os avanços da microeletrônica durante as duas últimas décadas possibilitaram fabricar bilhões de microprocessadores e microcontroladores, tornando a realização de controle digital viável não apenas para grandes sistemas, mas também para eletrodomésticos, eletro-eletrônicos e até brinquedos. Durante este período foram desenvolvidos componentes eletrônicos de potência, chips de memória de alta capacidade, processadores com arquitetura avançada, etc. Tudo isso deu a impressão de que, talvez, tivesse surgido uma nova disciplina ou até uma nova tecnologia. A Mecatrônica tornou-se, então, um método de análise e consideração de produtos e processos. Respondendo a esta exigência do mercado, Universidades nos países desenvolvidos começaram a implantar cursos de Mecatrônica, tanto de graduação como de pós-graduação. No Brasil várias Universidades renomadas também oferecem ensino de Mecatrônica que foi viabilizado após a aprovação da Portaria 1694, de 5 de dezembro de 1994 do MEC. Recentemente pelo Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia foi adotada a resolução 427, de 5 de março de 1999, que forneceu uma discriminação de Engenharia de Controle e Automação. Os dois documentos normativos citados acima definem essa área como Engenharia de Controle e Automação e não Mecatrônica. Por uma questão de marketing, nas Universidades brasileiras, os nomes dos cursos referentes a essa área contém a palavra mecatrônica entre parênteses. Além disso, os programas desses cursos incluem, conforme os documentos normativos, blocos de disciplinas tais como Sistemas Industriais e Administração de Sistemas de Produção. Essa situação colocou de fato o símbolo de igualdade entre Mecatrônica de um lado e Automação Industrial e até FMS (Flexible Manufacturing System) de outro, o que não reflete as tendências atuais na Indústria. 2. ASPECTOS PRÁTICOS DA ABORDAGEM MECATRÔNICA Para que os novos produtos e processos possam competir no mercado moderno, as equipes de projetistas compostas de especialistas tradicionais, têm que adotar a abordagem de Mecatrônica a longo prazo. Esta abordagem sugere novas soluções para problemas antigos e garante que novos produtos possam conquistar seu espaço no mercado atual Das várias definições de Mecatrônica existentes, consideramos a mais adequada a definição dada pelo Industrial Research and Development Advisory Committee of the European Community (http://www.engr.colostate.edu/~dga/mechatronics/definitions.html): “Mecatrônica é uma combinação sinergética de engenharia de precisão, controle eletrônico e pensamento sistemático para projeto de produtos e processos de fabricação”. Da análise das definições que estão sendo veiculadas, conclui-se que os componentes principais da Mecatrônica são: Mecânica, Controle, Eletrônica e Informática. É importante ressaltar que a combinação desses componentes caracteriza-se como uma união sinergética. A palavra “sinergética” significa que os componentes fortalecem uns aos outros e o resultado final, ou seja, o produto ou processo desta união é melhor que uma simples soma de contribuições de cada componente. Mais uma observação importante é que a Mecatrônica deve se concentrar em projetos de produtos e processos e deixar as questões de fabricação e produção para a Engenharia de Produção. Historicamente, as empresas que atuam na área de eletro-mecânica possuem uma organização departamental, com departamentos de mecânica, eletrônica e informática. Especialistas com uma formação tradicional, após a sua admissão, começam a trabalhar de acordo com sua capacidade, qualificação e “regras do jogo”. Estas últimas representam a realidade da empresa do ponto de vista burocrático. O desenvolvimento de um novo produto, além da especificação e elaboração do cronograma de execução, vai depender muito da nomeação do chefe do projeto. Se admitirmos a existência dos três departamentos mencionados anteriormente, o chefe pode ser do departamento de mecânica, informática ou eletrônica. Seja quem for o nomeado, os demais segmentos do projeto vão enfrentar barreiras burocráticas e os especialistas dos três principais departamentos envolvidos poderão não se entender. Cada departamento tem sua própria política e suas metas táticas, o que nem sempre coincide com o objetivo estratégico, isto é, projetar um bom produto ou processo e conquistar o mercado. Não vamos discutir aqui mais barreiras burocráticas existentes nas empresas da área. Consideremos o mal entendido que atrapalha a cooperação entre os departamentos. Na nossa visão, o problema principal é que os especialistas dos diferentes departamentos possuem uma formação diferente. É de conhecimento, que se um especialista em controle automático discutir problemas técnicos com um especialista em eletrotécnica, ele logo vai enfrentar este fenômeno de mal entendido. Por exemplo, a terminologia utilizada na área de controle automático é diferente. O especialista em eletrotécnica até chegou a conhecer algumas coisas básicas na área de controle, mas isso aconteceu há 5, 10 ou 15 anos atrás. Por outro lado, ele não considera sua área menos importante do que a teoria de controle e vai tentar discutir com o seu adversário (eles facilmente se tornam adversários!) oferecendo sua visão de problema. Esta situação é típica, embora as áreas destes dois especialistas não sejam muito distantes. Podemos imaginar a discussão entre um programador de computadores e um engenheiro mecânico. Por isso, para evitar este tipo de dificuldades e agilizar o desenvolvimento de projetos, é indispensável ter um coordenador que entenda todos os problemas e, além disso, é preciso quebrar barreiras burocráticas. A abordagem Mecatrônica consiste exatamente nisso, que é em primeiro lugar uma medida organizacional. É preciso trabalhar em grupo e este grupo tem que unir todos os CSQ - 7 especialistas envolvidos no projeto. Em segundo lugar, esses especialistas devem estar habituados a trabalhar em grupo e possuir uma formação adequada. 3. QUAL É A FORMAÇÃO ADEQUADA? Este é um grande problema do ensino superior hoje em dia. Os profissionais da área levam este problema tão a sério que organizaram uma instituição internacional, denominada Mechatronics Forum, que trata esta questão em nível mundial. Na Universidade Politécnica da Califórnia (EUA), uma organização que se chama Synthesis Coalition (http://synthesis.org/Mechatronics-Workshop/), se encarrega de elaborar os novos currículos das disciplinas “integradas”, dentre elas a Mecatrônica. Para escolher uma estratégia de ensino de Mecatrônica, foram analisados os currículos dos cursos já existentes no Brasil e no exterior. Assim, no nível de graduação, foram analisados os currículos de algumas universidades brasileiras, como os da UNICAMP, da UnB (Brasília), da UFSC e da PUC-RS; das Universidades no exterior, no nível de graduação, foram analisados os currículos da University of California (EUA), California Polytech (EUA), City University of Hong Kong, University of Linz (Áustria), University of Berkeley (EUA), University of Adelaide (Austrália) entre outras. No nível de pós-graduação, foram analisados os currículos da Lancaster University (Reino Unido), University of Hull (Reino Unido) e National University of Singapore; No caso ideal, o profissional em Mecatrônica deve dominar suficientemente todas as áreas de conhecimento que compõem a base da Mecatrônica, isto é, Controle Automático Digital, Mecânica, Eletrônica e Informática. Mas, na prática, é impossível formar especialista elaborando um currículo com a simples soma dos quatro currículos dessas áreas, porque um curso desse tipo duraria entre 10 e 12 anos. Por outro lado, supondo que esse especialista tenha sido formado, ele não vai conseguir exercer simultaneamente todas as quatro profissões e a mudança periódica de área de concentração parece uma idéia fora da realidade. Por exemplo, hoje este especialista hipotético trabalharia com controladores digitais e amanha começaria a projetar uma estrutura mecânica com base no método de elementos finitos. Obviamente, nenhum especialista real trabalharia deste modo. Levando em consideração todos estes argumentos, podemos adotar um outro objetivo, ou seja, não formar um especialista universal que possua conhecimentos sólidos nas quatro áreas básicas, mas sim um especialista que possua conhecimentos necessários e suficientes para participar em grupos de projetos. Adotando esta filosofia, a tarefa de formação se tornaria viável e se reduziria a elaboração de um currículo adequado. A idéia principal é formar profissionais que possam no futuro atuar como líderes de equipes de projetos ou como participantes de equipes, aprofundando-se cada vez mais numa das áreas básicas. É claro que, o graduado em Mecatrônica, com esta filosofia, poderá trabalhar não apenas no desenvolvimento de projetos, mas, também, nas áreas de testes e manutenção. Podemos apontar quatro modos da formação de profissionais de nível superior na área de Mecatrônica: 1) curso seqüencial de formação específica; 2) curso de graduação; 3) curso de pós-graduação - especialização para engenheiros mecânicos; 4) curso de pós-graduação - especialização para engenheiros eletricistas. Obviamente, que para cada um desses cursos deve ser elaborado um currículo especial. Atualmente, a UPF oferece as três primeiras modalidades de cursos superiores de Mecatrônica. A seguir será apresentado o Curso Seqüencial de Formação Específica em Mecatrônica da UPF. 4. CURSO SEQÜENCIAL DE FORMAÇÃO ESPECÍFICA EM MECATRÔNICA DA UPF O objetivo do Curso Seqüencial de Formação Especifica em Mecatrônica é capacitar o aluno a exercer atividades na área, tanto a nível de projeto como de instalação e manutenção, aplicando conhecimentos teórico-práticos de dispositivos básicos, circuitos, equipamentos eletroeletrônicos, hardware e software. É preciso ressaltar que, ao contrário de cursos de graduação e pós-graduação em nível de especialização, o curso seqüencial não objetiva a formação de líderes de grupos de projetos. A UPF, acompanhando a forte característica de dinamismo da área de Eletrônica, Telecomunicações e Microinformática e as tendências mercadológicas em direção à automação, implantou o Curso Seqüencial em Mecatrônica, visando suprir a procura do mercado de trabalho por profissionais altamente capacitados e reduzindo o prazo de formação em até dois anos. Os formados pelo Curso deverão demonstrar conhecimentos teóricos e práticos consistentes nas áreas de conhecimento envolvidas, a saber, em Eletrônica, Mecânica, Controle Automático e Informática Industrial. Deverão desenvolver habilidade para trabalhar como projetistas em grupos de projetos, especializando-se numa das áreas citadas acima, exercer atividades de manutenção e supervisão de funcionamento de equipamentos de automação ou, ainda, acompanhar projetos de automação executados por empresas especializadas. A estrutura curricular do Curso é mostrada e seguir: CSQ - 8 Nível I DISCIPLINA CRÉDITOS Matemática Aplicada à Mecatrônica (MAT) 6 Mecânica Aplicada à Mecatrônica (FAM) 4 Introdução à Informática Industrial (INI) 6 Eletricidade e Eletrotécnica (ELE) 4 Segurança de Trabalho (SEG) 2 Materiais de Construção Mecânica (MCM) 4 Laboratório de Eletrotécnica (LET) 2 Total PRÉ-REQUISITOS Fazer ELE 28 Nível II DISCIPLINA CRÉDITOS PRÉ-REQUISITOS Eletrônica Analógica (EAN) 4 ELE Eletrônica Digital (EDI) 4 ELE Programação Aplicada à Mecatrônica (PRC) 4 INI Máquinas Elétricas (MAE) 2 ELE Desenho Técnico Assistido por Computador I (DES1) 2 INI Metrologia e Qualidade (METR) 2 Resistência dos Materiais (RES) 4 FAM Laboratório de Máquinas Elétricas (LAM) 2 Fazer MAE Laboratório de Eletrônica Analógica (LEA) 2 Fazer EAN Laboratório de Eletrônica Digital (LED) 2 Fazer EDI Total 28 Nível III DISCIPLINA CRÉDITOS PRÉ-REQUISITOS Eletrônica de Potência (ELP) 2 EAN Microprocessadores (MCP) 2 EDI Controle Automático de Processos (COM) 4 MAT, FAM, ELE Elementos de Máquinas (ELM) 4 RES Cinemática dos Mecanismos (CIN) 4 FAM Desenho Técnico Assistido por Computador II (DES2) 2 DES1 Laboratório de Microprocessador (LAMP) 4 Fazer MCP Laboratório de Controle Automático (LCON) 4 Fazer COM Laboratório de Eletrônica de Potência (LEP) 2 Fazer ELP Total: 28 Nível IV DISCIPLINA CRÉDITOS Sistemas Hidráulicos e Pneumáticos (SHP) 2 CSQ - 9 PRÉ-REQUISITOS FAM, MAT Controladores Lógicos Programáveis (CLP) 2 PRC, MCP, EDI Robótica e Automação Industrial (IAR) 4 MAT, FAM, ELE Processos Mecânicos de Fabricação (PMF) 6 MCM Projeto Mecânico (PRM) 4 CIN, DES 2, ELM Fabricação Assistida por Computador (FAC) 2 DES2 Projeto Mecatrônico (PME) 4 MCP, COM, CIN Laboratório de CLP (LCLP) 2 Fazer CLP Laboratório de Sistemas Hidráulicos e Pneumáticos (LHP) 2 Fazer SHP 28 Total: A carga horária do Curso, cuja duração é de 4 semestres, totaliza 112 créditos ou 1680 horas. A primeira turma começou os estudos em abril de 2001. Dos 68 inscritos, através de um processo seletivo, que incluiu a analise do currículo do candidato e uma entrevista, foram selecionados 40 alunos. Para as aulas práticas a turma é dividida em dois grupos de 20 alunos. 5. EMENTAS DAS DISCIPLINAS DO CURSO A maioria das disciplinas do Curso são as típicas para os Cursos de Graduação em Engenharia Elétrica ou Engenharia Mecânica, tendo seus conteúdos adequados para uma carga horária reduzida. As disciplinas novas são Introdução à Informática Industrial, Programação Aplicada à Mecatrônica e Projeto Mecatrônico. A disciplina Introdução à Informática Industrial (1o nível, 90 horas) introduz os conceitos básicos de computação e algoritmos, utilizando MATLAB como ferramenta principal. Além de conhecerem os comandos do MATLAB, os alunos aprendem a programação em MATLAB resolvendo tarefas práticas de Matemática e de Eletricidade e Eletrotécnica. A disciplina Programação Aplicada à Mecatrônica (2o nível, 60 horas) trata da programação de sistemas de controle em linguagem C. São discutidos as estruturas de dados e os comandos da linguagem C, além de noções de programação de hardware de PC e programação do tempo real através dessa linguagem. O conhecimento da linguagem C será utilizado, posteriormente, nas disciplinas Microprocessadores e Laboratório de Microprocessador. A disciplina projeto Mecatrônico (4o nível, 60 horas) faz a sinergia das demais disciplinas do Curso. Aqui é introduzida uma metodologia de projeto de produtos e processos mecatrônicos e são feitos vários estudos de casos como, por exemplo, robôs didáticos, cadeira de balanço com acionamento elétrico, impressoras. 6. ANDAMENTO DO CURSO Embora o Curso tenha começado apenas em abril de 2001, podemos identificar algumas dificuldades. Primeiramente, como o curso é novo, as ementas das disciplinas ainda não foram ajustadas o suficiente para que, por um lado, o Curso continue sendo curso superior, e por outro lado, corresponda às capacidades e necessidades dos alunos. Além disso, como as normas estabelecidas pelo MEC para o processo seletivo não incluem uma prova específica envolvendo conteúdos de ensino médio, a turma selecionada é bastante heterogênea em termos de conhecimento, No entanto, a avaliação feita pelo grupo de professores que está atuando no curso revelou que os alunos estão encarando o curso com muita seriedade, interesse e motivação É preciso acrescentar, que o problema de reprovação ainda não foi resolvido de modo absolutamente satisfatório, pois a única maneira viável de recuperação de disciplinas é por acompanhamento, nas férias. 7. CONCLUSÕES Considerando que, em nível do Brasil, mecatrônica é uma das áreas emergentes da engenharia, o desenvolvimento de um curso seqüencial de formação específica traz consigo muitas expectativas, tanto para a universidade como para a sociedade de um modo geral, Especificamente, em relação ao curso seqüencial implementado na UPF, a partir de 2001, podemos afirmar que o mesmo poderá trazer contribuições para o desenvolvimento da indústria na região de abrangência da universidade. Neste sentido, consideramos que, para compor a primeira turma, a procura foi bastante significativa. Além disso, durante esse primeiro semestre do curso muitas pessoas continuaram buscando informações e questionando sobre a formação de uma nova turma. Um dos pontos positivos desse tipo de curso é que, em um período de, em média, dois anos os alunos estarão habilitados a atuar profissionalmente na área de mecatrônica. CSQ - 10