O RELACIONAMENTO DOS ASSENTADOS DO “12 DE OUTUBRO” (HORTO VERGEL), MOGI MIRIM, SP, COM FLORESTAS E AGROFLORESTAS* 1 2 Lívia Atauri Miranda , Maristela Simões do Carmo Engenheira Florestal, mestre em Engenharia Agrícola, pela FEAGRI/UNICAMP, email 2 a a [email protected], Prof Adjunta da FCA/UNESP - Botucatu e Prof Colaboradora do Programa de Pós-Graduação da FEAGRI/UNICAMP, [email protected]; [email protected] 1 RESUMO Este trabalho objetivou contribuir à percepção sobre os usos dos recursos florestais e agroflorestais pelos agricultores familiares no assentamento de reforma agrária 12 de outubro (Horto Vergel) em Mogi-Mirim, Estado de São Paulo. A metodologia escolhida teve como ferramenta entrevistas semiestruturadas, que propiciaram discussões, reflexões e a interação com o entrevistado, além de identificar vocações para a adoção e desenvolvimento de Sistemas Agroflorestais (SAFs). Os dados foram levantados em 2007, por meio de uma amostra representativa de cerca de 48% dos assentados. Os resultados indicaram que a grande maioria dos agricultores entrevistados não utiliza os recursos florestais como forma de reprodução econômica, social e ambiental. Tais recursos ainda são vistos como coadjuvantes dentre as possibilidades estratégicas para a permanência no lote. Entretanto, embora os conhecimentos sobre SAFs sejam poucos, foi alto o número de interessados (72,1%) em discutir o assunto, demonstrando uma situação paradoxal entre o relacionamento e uso atual dos recursos com a percepção das possibilidades antevistas pelos assentados para sua reprodução sócio-econômica. Palavras-chave: recursos florestais, assentamentos rurais, agricultura familiar, sistemas agroflorestais, percepção 1. INTRODUÇÃO O Brasil é um país onde a área coberta por florestas representa 56,8% do território nacional, entre florestas naturais (56,1%) e plantadas (0,7%). É o segundo País no mundo em cobertura florestal, ultrapassado apenas pela Rússia (SBS, 2006). Entretanto desde sua colonização, o país é marcado pela ação antrópica sobre as suas florestas em um cenário onde elementos como a derrubada extensiva da cobertura florestal, extração e venda ilegal de madeira (MAY, 2006), expansão de monocultivos em larga escala, entre outros, contam uma história de séculos de destruição e uso indevido dos recursos naturais. O objetivo principal foi oferecer uma contribuição à discussão sobre como se dá o relacionamento e a utilização dos recursos florestais e da agrofloresta por agricultores familiares em um assentamento de reforma agrária, no caso o assentamento Horto Vergel em Mogi-Mirim, Estado de São Paulo. A partir de uma proposta de diagnosticar o uso, ocupação do solo e a utilização dos recursos florestais pelos agricultores familiares, pôde-se identificar suas percepções sobre estes recursos e os interesses relativos aos Sistemas Agroflorestais (SAFs). 2. O ASSENTAMENTO 12 DE OUTUBRO O início do Assentamento do Horto Vergel, como é mais conhecido, se deu em 1996 com o planejamento da ocupação da área que pertencia à FEPASA (Ferrovia Paulista SA) e estava em processo de privatização. As famílias que se mobilizaram para ocupar o Horto Florestal vinham de zonas urbanas e rurais tanto de Mogi-Mirim como das cidades vizinhas da região. Em 12 de outubro de 1997 (daí a data nome do assentamento) aconteceu a ocupação do Horto Florestal Vergel, e foi elaborada uma comissão de coordenadores que organizaram a manutenção das famílias, buscando também o apoio de outros movimentos. Apenas dois anos depois da data de ocupação, em 1999, foram iniciados os trabalhos de assessoria pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP) e no mesmo ano iniciou-se a destoca de eucaliptos dos lotes e o cadastramento das famílias. O assentamento 12 de Outubro está localizado na região de Horto Vergel no município de Mogi Mirim. Uma das principais vias de acesso é a rodovia Engenheiro João Tosello (SP 147), km 50, entre MogiMirim e Itapira. Os agricultores são ligados, em sua maioria, aos programas de reforma agrária e agricultura familiar, como o PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) e beneficiários do programa Bolsa Família (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome), parceiros da CONAB (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) e do Programa Mesa * Este artigo é parte da dissertação de mestrado da primeira autora defendida na Faculdade de Engenharia Agrícola (FEAGRI) da UNICAMP em 2008. Brasil. Em sua grande maioria são de baixa escolaridade, sendo que poucos concluíram o ensino fundamental. Encontram-se em faixas etárias dos 30 aos 60 anos de idade. 3. METODOLOGIA Bergamasco & Norder, 1996, definem assentamentos rurais como “...a criação de novas unidades de produção agrícola, por meio de políticas governamentais visando o reordenamento do uso da terra, em benefício de trabalhadores rurais sem terra ou com pouca terra”. [...] “Representam uma importante iniciativa no sentido de gerar empregos diretos e indiretos a baixo custo e para estabelecer um modelo de desenvolvimento agrícola em bases sociais mais eqüitativas” (págs 7-8). A partir desse escopo foram feitas visitas preliminares ao assentamento para a familiarização com o local e contatos com os agricultores. O primeiro contato, ainda informal, foi realizado com uma das lideranças, explicando a proposta do trabalho, uma conversa necessária para obter o apoio dos lideres locais, espécie de um “carimbo” para o trânsito livre pelo assentamento. A amostra de famílias assentadas envolvidas no levantamento das informações foi de caráter aleatório. Pensou-se em restringir a pesquisa aos interessados em desenvolver atividades agroflorestais no lote. Entretanto, como poderia se deixar de lado possíveis futuros interessados? A intenção foi então, não apenas de entender a percepção e o relacionamento a partir daqueles que já mobilizavam algum recurso florestal, mas também fomentar novos agricultores a utilizarem estes recursos. As entrevistas foram realizadas em 2007 com 43 famílias de um universo de 90 famílias assentadas, correspondendo, portanto a 47,78% do total. Foi utilizado um questionário de formato semi-estruturado para permitir maior interação com o entrevistado. As entrevistas semi-estruturadas são consideradas instrumentais de uma metodologia participativa no processo investigatório, onde o ponto de vista e a fala do sujeito são privilegiados. O diálogo que se estabelece é parte fundamental no processo de sensibilização do entrevistado sobre a problemática estudada e de seu papel, no caso dessa pesquisa, como sujeito direto no manejo dos recursos florestais e do ambiente local, manutenção e renovação destes recursos. Outro ponto importante é o de que a participação é um processo de intervenção ativa na construção de tomadas de decisões e de atividades sociais, em todos os níveis, e não uma recepção passiva de benefícios. No método participativo o processo reafirma o desenvolvimento da auto-estima com a valorização das experiências e conhecimentos locais (GEILFUS, 1997). Vivan (2000) define o saber dos agricultores como saber ecológico, o qual é formado pelas diferentes percepções dentro de um processo de interação e constituem parâmetros de tomadas de decisão em suas atividades agrícolas rotineiras. Por esta razão, a percepção dos agricultores foi considerada como fonte relevante de saber no esforço de entender os motivos que os fazem, ou não, mobilizar determinados recursos e tomar determinadas decisões. Assim, procurou-se perceber quais os anseios da comunidade em relação aos recursos florestais e seus interesses na mobilização de florestas ou agroflorestas, para produtos madeireiros ou não madeireiros. Aspectos sobre a percepção ambiental e florestal, tanto de áreas de RL (Reserva Legal) e APPs (Áreas de Preservação Permanente), quanto de áreas já plantadas, ou residuais de eucalipto presentes no lote também foram abordados.O questionário também identificou possíveis interessados em SAFs. 4. RESULTADOS Os entrevistados, ao responderem sobre as áreas de floresta nativa, em sua grande maioria, 83,7%, afirmaram que elas não atrapalham o desenvolvimento e produção de culturas, e 72, 1% disseram que não prejudica o lote. Em relação da influência dos eucaliptos no lote, 74,4% afirmaram que os mesmos atrapalham o desenvolvimento e produção de culturas. Também 79,1% asseguraram que prejudica o lote, contudo 62,8% disseram que é uma fonte de recurso madeireiro. Os agricultores quando perguntados sobre suas percepções sobre se as áreas florestais nativas atrapalham o desenvolvimento da produção das culturas no lote, responderam: -“Não atrapalha, sabendo cuidar não deixando invadir a área de plantio”. -“Ajuda a manter a umidade do solo”. -“A floresta ajuda, os pássaros se alimentam lá”. - “A sombra e a raiz atrapalham”. -“Não atrapalha, porque não tem no lote, está longe”. -“Depende onde está”. -“Embelezamento do lote”. -“Não dá para plantar”. -“È melhor plantar no meio da mata”. -“Tem que se preservar”. -“É bom ter floresta e fauna por perto”. -“É a saúde do lote”. A percepção sobre o perigo de se manter as áreas de mata nativa no lote... - “Tenho medo dos animais, e pessoas ruins”. -“Onça, bicho preguiça, tucano, capivara, macaco”. - “Não é perigosa, por ser pouca”. -“Incêndio”. - “Não, porque está em equilíbrio e produz sombra”. - “Se estiver afastada da casa não é perigoso”. A percepção sobre a mata nativa como fonte de madeira... -“É fonte de madeira, mas dá sombra”.-“Não pode”. - “Tem madeira que não presta para queimar”. - “A madeira comum não traz alimento”. -“Produz alimento para os pássaros, os inocentes”. -“A floresta apenas tem cipó, que não dá madeira”. -“Não tem madeira que presta”. A percepção se a área de eucalipto atrapalha o desenvolvimento da produção de culturas no lote... -“Suga muita água”. -“Puxa a água e seca a terra”. -“Suga a água e resseca a terra”. -“Depende onde está”. -“Prejudica o plantio”. -“Toma o espaço”. -“Não se pode plantar perto porque não nasce nada”. A percepção sobre as áreas de eucalipto como fonte de madeira... -“É bom ter uma reserva pra poder usar”. -“Toma a força da terra”. As percepções sobre se o eucalipto prejudica o lote... -“Prejudica onde está sem destocar, mas para o uso não prejudica”. -“Acidifica a terra”. -“É muito quente, nem os animais conseguem ficar dentro”. -“Suga a água e vitaminas do solo”. -“Não deixa a plantação desenvolver”. -“Ás vezes ajuda o lote”. A percepção sobre o perigo de se manter as áreas de eucalipto no lote... -“Durante ventanias pode cair”. -“Tenho medo de cobra”. -“As áreas com as leiras são mais perigosas que as matas, têm muito escorpião”. -“Não é perigoso manter os eucaliptos”. Sobre a agrofloresta apenas um pouco mais da metade dos entrevistados 53,3% já ouviram falar sobre o sistema de produção, no entanto 72,1% dos indivíduos entrevistados mostraram interêsse em saber mais sobre a agrofloresta. Sobre a concepção de agrofloresta... -“Reflorestar onde foi desmatado. Gosto de mato”. -“ Não tenho idéia”. - “O cafezal no meio da mata nativa”. -“Plantar árvores e outras coisas em baixo, como melancia e abacaxi”. -“Conservar a água”. -“Reflorestamento é importante”. -“Plantar junto”. Sobre o interesse em fazer SAFs... - “Onde eu morava tinha de tudo, nunca comprei uma fruta”. -“Se a terra fosse destocada”. -“Plantar árvore demora muito tempo”. -“Quero formas de produzir mais por metro quadrado”. -“Considero que já faço”. -“Teria interesse em fazer nas áreas de reserva, mas aqui no lote não”. -“Apenas dá dinheiro se tiver eucalipto plantado”. -“Tenho interesse, mas tem que ter capital”. -“Sinceramente, é difícil produzir sem água”. -“A área é pequena, a paciência é curta”. -“No meio do eucalipto não sai nada”. -“Gostaria de desenvolver no meio do eucalipto”. 5.CONCLUSÕES Detectou-se certa confusão relacionada ao conceito do que fosse um SAF ou uma agrofloresta, em relação aos seus aspectos técnicos, filosóficos, de manejo e viabilidade econômica, entre tantos outros elementos pertinentes a qualquer sistema cultural considerado “novo”. Um sistema tão antigo, e tão próprio aos meios tradicionais, foi condicionado aos moldes científicos, e com uma nova roupagem tornou-se uma tecnologia distante, desapropriada destas populações, impondo regras e perdendo-se do conhecimento popular. Hoje, vários agricultores que tiveram uma passagem anterior pelo rural, apenas guardam na lembrança a forma em que seus pais produziam, e ao se depararem com conversas sobre como funciona, essa tal de agrofloresta, reportam-se, carinhosamente, a uma memória do passado, das formas de sua infância. A falta de informações básicas sobre conceitos simples do que seria uma agrofloresta pode também ser parte desse desconhecimento. Entre as conclusões obtidas está a confirmação de que os agricultores familiares do assentamento 12 de outubro não utilizam os recursos florestais como forma de reprodução econômica, social e ambiental. Os recursos florestais são vistos como coadjuvantes entre as possibilidades de utilização com potencial de ajuda de permanência no lote. No entanto, embora os conhecimentos sobre SAFs ainda sejam poucos entre os agricultores, foi alto o número de interessados em discutir o assunto, o que é primordial para a difusão deste sistema de produção, e a busca de alternativas estratégicas de reprodução dos assentados. Ademais, no emprego dessas alternativas é possível a melhoria do meio ambiente, especialmente no que se refere ao planejamento espacial do assentamento quanto às exigências legais de instalação e recuperação de APPs RLs, podendo, inclusive, atender às demandas de utilização dessas áreas como aporte para otimização do aproveitamento da área de produção. As percepções e o relacionamento dos agricultores com os recursos florestais naturais, áreas de eucalipto presentes nos lotes e agrofloresta, indicaram a necessidade e a utilização de fontes madeireiras como algo importante e fundamental na sua reprodução econômica. Confirmou-se a possibilidade de emprego de SAFs como fator catalisador na construção de alternativas para a utilização de recursos florestais, voltados ao desenvolvimento sócio-econômico e ambiental dos assentados e do assentamento 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERGAMASCO, Sônia Maria Pessoa Pereira; NORDER, Luiz Cabello. O que são assentamentos rurais? 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1996. 87 p. GEILFUS, Frans. 80 herramientas para el desarrollo participativo: diagnóstico, planificación, monitoreo, evaluación. Prochalate – IICA, San Salvados, El Salvador. 1997. MAY, Peter. Forest Certification in Brazil. Report Number 8 U.S.A: Yale F&es Publication Series, 2006. 337-362 p. Disponível em: <www.yale.edu/environment/publications>. Acesso em: 15 out. 2007. SBS (SOCIEDADE BRASILEIRA DE SILVICULTURA). Fatos e Números do Brasil Florestal. São Paulo, 2006. Disponível em: <www.sbs.org>. Acesso em: 07 nov. 2007. VIVAN, Jorge Luiz. Saber Ecológico e Sistemas Agroflorestais: um estudo de caso na Floresta Atlântica do litoral norte do RS, Brasil.. 2000. 98 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2000. <http://www.pronaf.gov.br/dater/index.php?sccid=703>. Acesso em: 05 abr. 2007.