Contos: dos mitos e lendas aos quadrinhos Contos: dos mitos e lendas aos quadrinhos Conto: dos mitos e lendas aos quadrinhos Amanda M. M. Giacopini Daniela S. Menali Juliana C. Fernandes Melissa C. Forato Alunas do curso de Licenciatura em Letras do IEL (Instituto de Estudos da Linguagem) / Unicamp. Estágio Supervisionado Orientadora: Prof.ª Drª Orna Messer Levin 1 2 Agradecimento Agradecemos ao amigo Sergio Ricardo Mazzolani que gentilmente criou a capa de nosso fascículo didático. Agradecemos também a professora Orna por sua dedicação e paciência no decorrer deste trabalho. 3 4 Apresentação Este fascículo foi pensado especialmente para você, aluno, que vive uma realidade escolar às vezes por demais tradicional. Este trabalho é o resultado de um ano nosso como autoras e estudantes, que nos dedicamos para a construção de uma educação mais produtiva e diversificada. Os temas dos capítulos foram pensados de forma que a leitura se torne mais interessante e próxima de seu dia-adia. Esperamos que você se divirta enquanto aprende, de forma a conhecer o mundo literário com novas cores e matizes. Procuramos propor atividades interessantes e diferentes, para que note como a literatura não está distante de sua realidade, mas a integra de uma tal forma que você muitas vezes nem se dá conta. Não pense que existem respostas prontas: o que mais vale nesta leitura são as suas reflexões que, aliadas a este breve livro, o levarão por novos e insuspeitos caminhos. Desejamos a você que a leitura seja uma passagem agradável de se percorrer, e que você encontre no mundo dos contos inspiração para novas leituras, conhecimentos e crescimento pessoal. As autoras 5 6 ÍNDICE Capítulo 1: Mitos, contos e lendas..................................................... 09 Capítulo 2: Qualquer história é um conto?.......................................27 Capítulo 3: O conto contemporâneo.................................................. 41 Capítulo 4: Uma nova face para o conto contemporâneo............ 51 Capítulo 5: HQ – Um novo formato para o conto........................... 63 Anexo 1: O burro juiz........................ .................................................80 Bibliografia...............................................................................................81 7 8 Mitos, contos e lendas O começo de um conto V ocê já pode ter se perguntado: de onde vem o conto? Quem o inventou? Ele já nasceu escrito? Hoje se sabe que não há forma de definir exatamente quando os contos começaram a ser “contados”. Isto ocorre porque o ato de contar é um hábito milenar. Existem hipóteses de que os contos orais mais antigos sejam os egípcios, datados de 4.000 a.C. Mas é na cultura árabe que podemos encontrar o registro escrito mais remoto de histórias: As mil e uma noites, no qual Sherazade conquista o rei por meio da arte de contar histórias. Você conhece o enredo desta obra? A história de As mil e uma noites tem início quando Charchair, o rei da Pérsia, amargurado e desiludido pela traição da rainha, decide consolidar um plano cruel para castigar as mulheres do reino. Após matar sua primeira esposa, ele decide desposar uma jovem diferente a cada dia e, tendo passado a noite de núpcias dava ordens para que essa nova esposa fosse executada. Mas depois de ser desposada pelo rei, a jovem Sherazade o envolve com a narrativa de um conto. Com a chegada da manhã, Charchair se vê obrigado a cuidar de seus afazeres sem ter tido tempo de ouvir o final do relato que Sherazade lhe contara. Assim, tomado pela curiosidade, o rei poupa a vida da nova esposa por aquele dia. E deste modo, munida de sua criatividade e destreza, a nova rainha vê passarem-se 1001 noites sem que o rei mandasse executar sua morte. Assim chegou até nós esta coletânea de narrativas do Antigo Oriente. Nela foram incluídos contos belos e exóticos da cultura árabe, a qual não por coincidência é o berço da escrita. 9 Antes do registro escrito dos contos, estes eram transmitidos oralmente. Deste modo, a narrativa oral foi a forma primitiva do conto, presente nas noites de lua em que os antigos se reuniam e, para passar o tempo, narravam histórias de bichos, lendas populares e mitos. Estas reuniões eram muito comuns em tribos, sendo que nestas ocasiões era eleito um contador responsável por transmitir a tradição, lições de moral, etc. Com o tempo, este hábito foi incorporado como uma prática familiar. Imaginemos a cena: a família agrupada ao redor do dono da fala, o contador de histórias, repositório de Uma das figuras mais populares de contadores que conhecemos hoje no Brasil é a Dona Benta de Monteiro Lobato, uma senhora que contava histórias fabulosas para Narizinho, Pedrinho e Emília, a boneca falante. Muitas das histórias narradas por Dona Benta são lendas folclóricas do Brasil, como as lendas do Saci e da sereia Iara que passaram de geração a geração. Mitos e lendas Não há uma divisão precisa a respeito do que é conto, mito ou lenda. Estes termos referem-se a narrativas com diferenças tênues. A respeito destas nomenclaturas, observe o que a Grande Enciclopédia Portuguesa Brasileira Volume XIV (p.926) aponta: Entre a lenda e o mito há de comum a porção de sobrenatural e irracional que uma e outra contém. Diferem, porém, no grau de transcendência do significado e no recuo do tempo. O mito situa-se nos tempos ante-históricos e representa em um ser ou episódio sobrenaturais, quer acontecimento que por sua excepcional grandeza e alcance houvesse profundamente impressionado os homens (e, por exemplo, a utilização do fogo, representada no mito de Prometeu, indo arrebatá-lo do Céu), quer fenômeno natural e normal, como o renascer anual da Primavera (...). Tal transcendente significado, relacionado com as origens das coisas e traduzindo em dramas de deuses e heróis mistérios religiosos ou fenômenos cósmicos, não o têm as lendas ou contos populares, cuja ação se move neste mundo, entre os homens e não recua para além das origens dos povos cristãos. Por isso, se a lenda é mito pelo que encerra de sobrenatural e irracional – e até pelo que possa conter de sobrevivência mística – chama-lhe Max Muller Mitologia Moderna e A. Langhi Mitologia Romanesca restringindo por tais epítetos a transcendência de significado do substantivo. (grifos nossos) 10 http://www.novomilenio.inf.br/santos/lendas/h0182be.jpg lendas e histórias e possuidor da arte de narrar. Como você pôde ver, mitos e lendas se diferem com relação à sua face transcendental. Isto ocorre porque o mito ultrapassa os limites de nosso tempo e espaço, criando um mundo sobrenatural de deuses e heróis existente antes mesmo dos homens. Já as lendas, restringem-se ao nosso mundo, numa co-habitação de deuses e homens, envolvendo fenômenos naturais tais como o surgimento da noite, que veremos a seguir. A tribo indígena Tupi, na tentativa de explicar o surgimento da noite criou uma lenda muito interessante, reproduzida para leitura atenta logo abaixo: Como a noite apareceu Intitulado por Couto de Magalhães http://www.arara.fr/BBTUCU MA.html "No princípio não havia noite; havia dia somente em todo tempo. A noite esteve adormecida no fundo das águas. Não havia animais: todas as coisas falavam. A filha da Cobra Grande, contam, casara-se com um moço. Este moço tinha três fâmulos fiéis. Um dia chamou ele os três fâmulos e lhes disse: "Ide passear, porque minha mulher não quer dormir comigo." Os fâmulos foram-se, e então ele chamou sua mulher para dormir com ele. A filha da Cobra Grande respondeu-lhe: "Ainda não é noite". O moço disse-lhe: "Não há noite, somente há dia." A moça falou: "Meu pai tem noite". Se queres dormir comigo, manda buscá-la, lá pelo grande rio." O moço chamou os três fâmulos; a moça mandouos à casa de seu pai para trazerem um caroço de tucumã. Os fâmulos foram, chegaram à casa da Cobra Grande, esta lhes entregou um caroço de tucumã muito bem fechado e disse-lhes: "Aqui está; levai-o. Eia! não o abrais, senão todas as coisas se perderão." Os fâmulos foram-se, estavam ouvindo barulho dentro do coco de tucumã, assim: ten, ten, len...xi...era o barulho dos grilos e dos sapinhos que cantam de noite. Quando já estavam longe, um dos fâmulos disse a seus companheiros: "Vamos ver que barulho será este." O piloto disse: "Não, do contrário nos perderemos. Vamos embora, eia, rema!" Eles foram e continuaram a ouvir aquele barulho dentro do coco de tucumã e não sabiam que barulho era. Quando já estavam muito longe, ajuntaram-se no meio da canoa, acenderam fogo, derreteram o breu que fechava o coco, e o abriram. De repente tudo escureceu. O piloto então disse: "Nós estamos perdidos; e a moça, em sua casa, já sabe que nós abrimos o coco de tucumã!" Eles seguiram viagem. A moça, em sua casa, disse então a seu marido: "Eles soltaram a noite; vamos esperar a manhã." Então todas as coisas que estavam espalhadas pelo bosque, se transformaram em animais e em pássaros. As coisas que estavam espalhadas pelo rio, se transformaram em patos e em peixes. Do paneiro gerou-se a onça; o pescador e sua canoa se transformaram em pato. A filha da Cobra Grande, quando viu a http://pro.corbis.com/search/searchFrame.aspx www.klickeducacao.com.br estrela-dalva, disse a seu marido: "A madrugada vem rompendo. Vou dividir o dia da noite." Então ela enrolou um fio, e disse-lhe: "Tu serás cujubim." Assim, ela fez o cujubim, pintou a cabeça do cujubim de branco, com tabatinga, pintou-lhe as pernas de vermelho com urucum, e então disse-lhe: "Cantarás para todo o sempre, quando a manhã vier raiando." Ela enrolou o fio, sacudiu cinza em cima dele, e disse: "Tu serás inambu, para cantar nos diversos tempos da noite, e de madrugada." De então para cá todos os pássaros cantaram em seus tempos, e de madrugada para alegrar o princípio do dia. Inambu 1Quando os três fâmulos chegaram, o moço disse-lhes: "Não fostes fiéis; abristes o caroço de tucumã, 11 Inambu 2 soltastes a noite e todas as coisas se perderam, e vós também que vos metamorfoseastes em macacos, andareis para todo o sempre pelos galhos de paus." A boca preta, e a risca amarela que eles têm no braço, dizem que é ainda o sinal do breu que fechava o caroço de tucumã, que escorreu sobre eles quando o derreteram." ROMERO, Sílvio. Contos Populares do Brasil. 2. ed. São Paulo: Landy, 2002. 363 p. O texto acima expressa a forma com a qual os tupis encaravam o surgimento da noite e a criação dos animais. Tudo na história se concentra no caroço de tucumã, um fruto típico do local onde a tribo tupi habita. Desta forma, podemos entender que a lenda, além de trazer uma visão primitiva de como a noite poderia ter surgido, expressa um forte tom local dessa cultura, já que esta lenda só faz sentido para esta tribo por conhecerem o tucumã. Assim, a composição das lendas é repleta de fatores locais. Além disso, há também uma porção de extraordinário nesta lenda, cuja característica também é recorrente nos mitos, pela presença do ente sobrenatural Cobra Grande, que é o protetor do tucumã e, portanto, detentor da noite. Os gregos acreditavam que na criação do mundo, os deuses do Olimpo escolheram dois valorosos titãs para distribuírem dons às criaturas. Assim, Prometeu e Epimeteu distribuíram dons, talentos e instintos a todas as criaturas. Porém, ao chegar a vez do homem, não lhes restava mais nada. Compadecendo-se da raça humana, Prometeu invadiu secretamente o Olimpo e roubou uma chama do fogo sagrado, dotando os homens da capacidade de dominar o fogo e assim subjugar as outras criaturas. Ao descobrirem o seu pecado, os deuses do Olimpo o condenaram a ficar pendurado em um penhasco enquanto um repugnante abutre devorava seu fígado. Quanto a Epimeteu, os deuses lhe enviaram uma formosa donzela chamada Pandora para ser sua esposa. O titã ficou encantado. A moça, porém, detinha uma curiosidade muito aguçada, e sem que Epimeteu percebesse, Pandora abriu a caixa que continha todos os males existentes, libertando todo mal que hoje conhecemos. http://www.eclipsys.blogger.com.br/pand ora.jpg http://www.tipos.com.br/media/705/20070 110_tela_prometeu.jpg Curiosidade: Mito de Prometeu e Pandora *Titã = gigante 12 Há também muitos exemplos de mitos presentes no que chamamos de mitologias grega e romana. Quem nunca ouviu sobre o mito de Cupido, o deus do Amor, ou o mito de Hércules? E de Zeus, o deus do Monte Olimpo? Os mitos fizeram parte da religião dos povos antigos no Período Clássico, iniciando-se com os gregos por volta dos séculos VI a IV a.C. Estas crenças inspiraram diversos artistas e até hoje são bastante conhecidas, pois nos dizem muito sobre a visão de mundo da cultura a qual pertencem. Mas o que mitos e lendas têm em comum com o conto? O início do registro destas narrativas existentes na cultura dos povos e tribos antigos foi a semente para o surgimento dos contos modernos. O imaginário coletivo, ao ser registrado sob a forma escrita, permitiu aos compiladores acrescentarem a estas histórias um estilo próprio, fixando uma versão particular da narrativa registrada. Com o tempo as pessoas deixaram de registrar histórias contadas pelos outros para criarem suas próprias narrativas, de forma que a autoria tornou-se fator primordial dos escritores das sociedades mais contemporâneas. Para exemplificar, podemos pensar em dois tipos de texto: os de nossa infância, como Branca de Neve ou Os três porquinhos, ou textos mais reconhecidos pela literatura canônica, como A cartomante de Machado de Assis ou Uma Galinha, de Clarice Lispector. Observe que o primeiro tipo de contos é muito divulgado, mas pouco se sabe sobre sua autoria, como é o caso da maioria dos contos de fadas. A expressão “contos de fadas” é usada para se referir às histórias anônimas que foram e vêm sendo reelaboradas, compostas por fragmentos de outras histórias, sofrendo acréscimos, supressões, mesclando-se até chegar aos nossos ouvidos. Daí a expressão tão conhecida: quem conta um conto, aumenta um ponto. Segundo Maria de Luzia (1992), “Em língua portuguesa o termo „conto‟ serve para designar a forma popular, folclórica, criação coletiva da linguagem e daí a não-propriedade de um único criador, e, ao mesmo tempo, a forma artística atributo exclusivo de um estilo peculiar, individual”. Ou seja, são considerados contos tanto os textos dos quais sabemos o autor quanto os textos dos quais pouco se conhece a origem. 13 http://www.rosanevolpatto.trd.br/frigg.jpg Curiosidade: Freia, a rainha dos deuses nórdicos Algumas narrativas foram transmitidas oralmente por tanto tempo que as versões mais conhecidas hoje acabaram por carregar muito pouco da versão original. É o caso desta figura da cultura nórdica. Freia, “A Amada”, era para os nórdicos a esposa de Odin, o Pai-de-Tudo. Ela sentava-se em seu trono celestial e tecia as nuvens que amenizam o calor do sol. Por meio de artimanhas femininas, ela conseguia de Odin a realização dos desejos dos guerreiros que a ela recorriam. Era a protetora dos que navegavam os mares e a guardiã das crianças. Porém, com o advento do cristianismo, Freia foi transformada numa figura diabólica, uma líder dentre as bruxas. Os gatos, que antes puxavam seu carro e eram vistos como seres gentis, passaram a ser criaturas satânicas que a acompanhavam, e até hoje são relacionados com contos de bruxaria. conto popular nas lendas urbanas, relatos de cunho ficcional que são amplamente divulgados oralmente, através de e-mails ou pela própria imprensa. Quem não conhece a história da Loira do banheiro? Embora não seja um exemplo clássico como o Saci Pererê, a história da loira do banheiro é conhecida principalmente nos meios escolares. Vejamos uma das mais conhecidas lendas http://www.reporterdiario.com.br/blogs/ocor vo/wp-content/uploads/2007/11/saci.gif Atualmente, podemos dizer que ainda há um resquício do urbanas da região Sudeste. A loira do banheiro moscatonta.wordpress.com Esta história é muito contada em escolas da rede pública na cidade de São Paulo. Sua fama é muito grande entre os alunos. 14 Uma garota muito bonita de cabelos loiros com aproximadamente 15 anos sempre planejava maneiras de matar aula. Uma delas era ficar ao banheiro da escola esperando o tempo passar. Porém um dia, um acidente terrível aconteceu. A loira escorregou no piso molhado do banheiro e bateu sua cabeça no chão. Ficou em coma e pouco tempo depois veio a falecer. A menina não se conformou com seu fim trágico e prematuro. Sua alma não quis descansar em paz e passou a assombrar os banheiros das escolas. Muitos alunos juram terem visto a famosa loira do banheiro, pálida e com algodão no nariz para evitar que o sangue escorresse. Você pode encontrar estas e outras versões (da boca do povo) no site: http://ifolclore.vilabol.uol.com.br/lendas/sd/sd_loira01.htm. Pode ainda conhecer diferentes versões, nos diferentes estados brasileiros: http://www.e-farsas.com/lendas_loira.htm É possível citar ainda diversas lendas urbanas que as pessoas comentam com freqüência: A Loira da Estrada, Elvis Não Morreu, o Roubo dos Rins, enfim, um repertório significativo presente na imaginação da sociedade. Para concluir Da incrível Sherazade e suas mil e uma noites até as histórias de Edgar Alan Poe (falaremos sobre ele no próximo capítulo), o conto tornou-se senão o mais popular, um dos mais populares estilos literários. Você já se arriscou a escrever algum? Você já tentou definir o que é conto? Conhecemos na nossa literatura brasileira alguém que tentou. O escritor Mário de Andrade afirmou: “Conto será sempre aquilo que seu autor batizou de conto”. Você concorda? O que você aprendeu O que você aprendeu: Neste capítulo foi possível conhecer ou rever: A origem do conto Enfim,. Diferentes mitos e lendas e sua relação com o conto As lendas urbanas Enfim, você pôde perceber a importância cultural do conto, hoje considerado uma forma literária. V ale a pena conferir! 15 Filmes de histórias remontadas ou às avessas Como está tudo programado no mundo dos contos de fada para que haja um final feliz, o Mago, responsável pelo equilíbrio entre as forças do bem e do mal, decide sair em férias. Ele deixa seus assistentes, Mambo e Manco, cuidando de tudo. Porém um erro faz com que Frieda, a madrasta da Cinderela, tenha a posse do cajado mágico. Seu objetivo é tomar o controle do mundo de contos de fada, fazendo com que os vilões vençam e que os finais das histórias jamais sejam felizes novamente. Isto faz com que Cinderela, mais conhecida como Ella entre os amigos, tenha que encontrar um meio de, a madrasta da Cinderela, tenha a posse do cajado mágico. Seu o deter Frieda, contando com a ajuda de Rick, Manco, Mambo e um exército composto de fadas e anões. http://www.adorocinema.com.br/filmes/deu-a-louca-na-cinderela/deu-a-louca-na-cinderela.asp O filme conta a história da bela princesa Giselle que é banida por uma rainha malvada de seu mundo animado mágico e musical e vai parar na dura realidade das ruas de Manhattan dos dias de hoje. Em choque no novo e estranho ambiente que não funciona na base do "e viveram felizes para sempre", Giselle está agora à deriva em um mundo caótico e que necessita urgentemente de encantamento. Mas quando Giselle começa a se apaixonar por um advogado divorciado e charmoso que vem em seu auxílio - ela, mesmo estando prometida a um perfeito príncipe encantado de contos de fadas em sua terra, se pergunta: será que a perspectiva de romance de um livro de histórias é capaz de sobreviver no mundo real? http://www.choveu.net/cinema/cinema.aspx?keyfilme=MTMzODk= v 16 A tranqüilidade da vida na floresta é alterada quando um livro de receitas é roubado. Os suspeitos do crime são Chapeuzinho Vermelho, o Lobo Mau, o Lenhador e a Vovó, mas cada um deles conta uma história diferente sobre o ocorrido. Cabe então ao inspetor Nick Pirueta investigar o caso e descobrir a verdade. http://www.adorocinema.com/filmes/deu-a-louca-na-chapeuzinho/deu-a-louca-nachapeuzinho.asp Em um pântano distante vive Shrek, um ogro solitário que vê, sem mais nem menos, sua vida ser invadida por uma série de personagens de contos de fada, como três ratos cegos, um grande e malvado lobo e ainda três porcos que não têm um lugar onde morar. Todos eles foram expulsos de seus lares pelo maligno Lorde Farquaad. Determinado a recuperar a tranqüilidade de antes, Shrek resolve encontrar Farquaad e com ele faz um acordo: todos os personagens poderão retornar aos seus lares se ele e seu amigo Burro resgatarem uma bela princesa, que é prisioneira de um dragão. Porém, quando Shrek e o Burro enfim conseguem resgatar a princesa logo eles descobrem que seus problemas estão apenas começando. http://www.adorocinema.com.br/filmes/shrek/shrek.asp 17 Atividades Atividade 1 Responda às questões com base no conto sobre surgimento da noite apresentado neste capítulo. http://pt.wikipedia.org/wiki/A_Noite_Estrelada a) Há contos, mitos e lendas que explicam o surgimento de outros elementos da natureza. Reúna-se com seus colegas de classe (vocês podem ir à biblioteca, pesquisar na Internet ou mesmo perguntar aos professores e familiares) e pesquise sobre esses outros textos. Faça uma lista e compare com os outros grupos de sua sala. b) Pudemos perceber que no mito indígena o surgimento da noite é explicado conforme a crença do povo Tupi, ou seja, trata-se de uma explicação que não é científica. De acordo com o mito lido, conte como surgiu a noite. Descreva, em termos científicos, por que a noite surge. Para isso, é relevante lembrar das aulas de geografia, onde o professor explicou os movimentos de translação e rotação da Terra. c) A noite pode suscitar diferentes sensações nas pessoas, em algumas pode provocar melancolia, em outras, romantismo, e ainda há aquelas que vêem a noite como algo que representa medo e mistério. Qual é a sua visão a respeito da noite? Na pintura acima, obra de Vincent van Gogh “Noite Estrelada”, a noite foi pintada de memória e não a partir de uma paisagem real. Acredita-se que este seja o motivo pelo qual essa obra cause um impacto ao espectador. Como você acha que o artista sentiu a noite? Que impressão este quadro causou em você? Respostas esperadas a) Espera-se que o aluno tenha um contato prático dentro e fora de sala de aula com alguns veículos de pesquisa para que aprofunde seus conhecimentos a respeito de contos, mitos e lendas. b) Trata-se de uma atividade interdisciplinar de compreensão do mito e refacção do surgimento da noite com base no conhecimento científico. 18 c) Esta atividade permitirá com que o aluno associe o tema do texto lido à obra de Vincent van Gogh. É um exercício subjetivo que visa trazer à tona certas emoções por meio da expressão artística e assim demonstrar que a arte sempre sugere algum tipo de emoção. Atividade 2 Beowulf, o guerreiro dos geats A história de Beowulf foi trazida para a Grã-Bretanha pelos vikings. Hrothgar era rei da Dinamarca e construiu em seu reino um poderoso palácio. No entanto, seu povo era afligido pelo monstro Grendel, que todas as noites invadia o salão e devorava os mais corajosos guerreiros. Sabendo da aflição deste reino, Beowulf partiu da terra dos gueats e foi ao encontro de Hrothgar, ao qual jurou acabar com a criatura. Beowulf e seus homens dormiam no salão do palácio quando o monstro chegou. Beowulf arrancou o braço de Grendel com as próprias mãos, fazendo com que a criatura fugisse para os pântanos para esperar a morte. Todos comemoraram a vitória e dormiram tranqüilos. Mas Grendel foi ao encontro de sua mãe, e quando esta viu a sua dor jurou-lhe vingança, e atacou o reino de Hrothgar, deixando um rastro de morte e destruição. Mais uma vez Beowulf partiu para a luta, e encontrou a horrenda criatura, metade lobo, metade mulher, numa caverna sob a água. Beowulf lutou bravamente com a mãe de Grendel e a derrotou, trazendo novamente a paz para o povo da Dinamarca. Anos mais tarde, quando se tornou rei do povo dos gueats, Beowulf enfrentou um poderoso dragão e conseguiu matálo, mas isto lhe custou a vida. Como recompensa por sua morte, o herói conquistou um gigantesco tesouro para o seu reino e sua fama espalhou-se por toda a Escandinávia. Beowulf, o filme Inspirado em um antigo poema, o filme conta a história do destemido guerreiro escandinavo Beowulf (Ray Winstone), que precisa defender o reino do monarca Hrothgar (Anthony Hopkins) do feroz demônio Grendel (Crispin Glover). Em uma desesperada batalha, Beowulf acaba matando o monstro, atraindo para si a terrível ira de sua impiedosa e sedutora mãe (Angelina Jolie), que decide vingar sua morte. Anos mais tarde, Beowulf irá se deparar com o maior desafio de sua vida, personificado na figura de um poderoso dragão. O filme apresenta importantes acontecimentos da lenda, não deixando, é claro, de acrescentar um toque a mais de ficção na história, que envolve muitos elementos que não estavam presentes na lenda original do guerreiro. Agora é sua vez! Reúna-se com seus amigos e assista a este filme. Releia o resumo da lenda original e discuta com sua classe: o que o filme e a lenda têm em comum? Quais suas diferenças? Porque vocês acham que o diretor alterou a história original? 19 Resposta esperada Através desta atividade pretende-se despertar nos alunos um interesse sobre as diversas versões que uma lenda pode adquirir. Ao ver o filme, eles perceberão que apesar de contar parte essencial da lenda original, o filme traz novos contornos à história. O diretor do filme pode ter alterado a história por diversos motivos: para tornar o filme mais emocionante, para que a história tivesse um clima mais romântico em alguns momentos, etc. Atividade 3 Câmara Cascudo disse que o conto “É um documento vivo, que denuncia costumes, idéias, mentalidades, decisões e julgamentos”. a) Com base nessa afirmação e no que leu até agora, você pode dizer por que o conto é um documento vivo? b) Dê exemplos, com base em suas experiências, de contos, mitos ou lendas que denunciem costumes ou julgamentos. Por exemplo: há contos que defendem que as pessoas boas sempre são recompensadas no final; como no caso da humilde Cinderela, que foi uma boa moça e no fim se casou com o príncipe. Ou ainda. quando Pinocchio contava mentiras, seu nariz crescia, o que demonstrava que era errado contar mentiras. Resposta esperada O aluno deverá notar que o conto é um documento vivo, porque traz registros dos traços culturais de uma determinada sociedade. E é vivo porque é transmitido de geração a geração até chegar aos nossos ouvidos. Além disso, o aluno deverá perceber que, dependendo do contexto histórico, o conto denunciará diferentes costumes. Por exemplo: muitas coisas que não eram aceitas pela sociedade antigamente são tidas hoje como comuns. Atividade 4 Neste capítulo, você aprendeu que os mitos e as lendas muitas vezes são maneiras de explicar fenômenos e/ou acontecimentos de uma forma muito típica de cada sociedade. Nosso país, de grande extensão, abriga os mais diversos tipos de culturas, com costumes, culinária e sotaques bastante diferentes entre si. Isso sem mencionar a quantidade de mitos e lendas. Você já havia pensado nisso? Pesquise com pessoas de outras regiões do Brasil, que porventura você conheça, ou mesmo em livros e na Internet, algum mito ou lenda que não seja conhecido nessa região, ou ainda, que tenha uma versão diferente da que você conhece. Resposta esperada Nesta atividade buscamos aproximar a questão da diversidade cultural através dos mitos e lendas, mostrando que bem próximo a nós, dentro do mesmo país, essa diversidade é grande e bastante rica, estimulando o interesse e respeito pelas diferenças. Aqui o aluno poderá citar a lenda do Boi-Bumbá (Amazonas), a lenda do Famaliá (norte de Minas e Nordeste), a lenda do Negrinho do Pastoreio ou da Salamanca do Jarau (Rio Grande do Sul), etc. 20 Atividade 5 Quem nunca brincou de telefone sem fio? Eis um bom exemplo do que aconteceu com os contos desde o início dos tempos. Faça um círculo em sala, alguém terá que inventar uma pequena história e falará no ouvido do outro e assim sucessivamente até que a história chegue ao ouvido do criador da história. Observação: O aluno que inventou a história deverá anotar a versão inicial e a final. Depois a sala poderá discutir as mudanças e ver na prática o que está sendo abordado neste capítulo. Resposta esperada A atividade tem por objetivo mostrar aos alunos que antes de se ter registro escrito, cada pessoa que contava uma história a modificava conforme seu próprio ponto de vista, ou seja, ressaltava as partes que mais chamavam sua atenção. Atividade 6 Certamente você já deve ter ouvido falar da Loira do banheiro, se não ouviu, acabou de conhecer. Então agora é sua vez de passar esse conto adiante. Reescreva essa lenda urbana, a partir de sua visão. Depois, compartilhe sua versão da história com seus colegas de classe. Essa será uma maneira interessante de perceber como os contos vão sendo modificados quando passam de boca em boca. Resposta esperada Espera-se com essa atividade de produção textual incentivar o aluno a pesquisar lendas urbanas e discutir com seus colegas as diferentes versões de uma mesma lenda. O que prova que os contos, os mitos e as lendas foram modificados com o passar do tempo, pois de boca em boca sempre se modificam. Atividade 7 Leia os quadrinhos e responda: 21 Veja a história completa em: http://www.monica.com.br/comics/banheiro/pag1.htm 22 a) A lenda da Loira do banheiro é o tipo de história que pode gerar julgamentos de valor no que se refere a acreditar ou não. Cebolinha não acredita nessa lenda urbana e você? Você conhece alguma história assim que alguns acreditem e outro não? Ou já foi para alguma cidade pequena de interior que tenha alguma lenda? Ou conhece alguma história de acampamento? Conte para a sala. b) Experimente fazer quadrinhos com a história que contou. Você pode criar personagens conversando sobre o assunto como fez Maurício de Sousa ou então fazer quadrinhos da história em si. A seguir, exponha esses quadrinhos na sala de aula. c) A Mônica disse que tem um ritual para a assombração da loira aparecer. Você sabe o que é um ritual? Será que todos os rituais são voltados para o mal? Pesquise com seu professor a respeito. Respostas esperadas a) O objetivo dessa atividade é desenvolver uma prática oral. O aluno/estudante buscará na memória alguma história do tipo fantástica e contará para a sala. Esperase que ele conte com um tom de suspense como histórias desse âmbito exigem. b) O objetivo é a produção do gênero quadrinhos. Espera-se que o aluno atente para a importância da imagem na produção de significado da história e que perceba que a parte textual deve ser estruturada por meio de diálogos e que o texto tem que ser bem mais sintético devido a essa estrutura. c) (Se necessário o professor pode auxiliar numa discussão sobre este tema). Espera-se que o aluno perceba que ritual é um procedimento realizado para algo acontecer. A pessoa que faz um ritual tem que seguir alguns passos que devem obedecer a alguma ordem. Se modificar a ordem ou fazer algum passo errado, o ritual não dará certo. É uma atividade também que exige uma reflexão. Baseado em seu conhecimento de mundo, o aluno deverá responder se os rituais são voltados somente para o mal. Atividade 8 A Murta que Geme é um personagem dos livros Harry Potter. Ela era uma aluna de Hogwarts* que depois de morta virou um fantasma que assombra o banheiro feminino do segundo andar da escola. Não pára de ter acessos de raiva, inundando o banheiro. Foi morta pelo basilisco* na época em que Tom Riddle estudava em Hogwarts, quando este abriu a Câmara Secreta*. Aparentemente aconteceram vários ataques, mas o de Murta foi o único fatal, e também o último. *Hogwarts: Considerada como a melhor escola para bruxos de toda Europa, foi fundada há mais de 1.000 anos por quatro dos melhores bruxos da época. 23 *Basilisco: uma cobra verde-vivo. Embora tenha um excepcional veneno, seu principal método de matar são seus grandes olhos amarelos, que mata qualquer um que olhar diretamente para eles (e petrifica aqueles que olharem através de alguma interferência). *Tom Riddle: Talvez o mais brilhante estudante que Hogwarts já teve (um personagem do lado do mal). *Câmara Secreta: Lugar criado para bruxos legítimos por um dos bruxos fundadores da escola que achava que somente bruxos legítmos poderiam frequentar Hogwards. Lá ficava o basilisco. http://potterish.com/wiki/index.php/Hogwarts Agora que você pôde ver ou rever a história da Loira do banheiro e da Murta Que Geme de Harry Potter, faça uma comparação, com base no que você já sabe e naquilo que você leu, entre esses personagens e histórias dizendo o que há em comum e as diferenças entre eles. Resposta esperada O aluno deverá dizer o que há em comum nas duas histórias, por exemplo, ambas as meninas foram mortas no banheiro e assombram as pessoas lá; ambas inundam o banheiro. Já algumas diferenças: a loira do banheiro escorregou por acidente no banheiro, bateu a cabeça e morreu, já a Murta foi assassinada pelo basilisco, além disso, não há indícios de que a Murta “cabulava aulas”, como a loira do banheiro. Todas essas semelhanças e diferenças comprovam que há uma idéia comum – a menina que morreu no banheiro e assombra as pessoas lá – e a partir dessa idéia diferentes versões foram desenvolvidas. Atividade 9 Leia o texto abaixo e responda às questões: Conto de fadas (uma versão para adultos) O relógio marcava 16h45 quando Cinderela chegou à casa de chá. Esperando impacientemente lá estava a Bela, batendo os dedos no tampo da mesa. Apesar de não estar atrasada, pois o encontro foi agendado para as 17h, Cinderela se sentiu culpada por fazer a controladora Bela esperar. “Que demora!” – exclamou a Bela, que já nem era tão bela assim, depois de ter se casado com a Fera, tinha engordado uns 15 quilos, para dizer o mínimo. Cinderela sentou-se à mesa e ficou quieta, contou até dez e tentou se concentrar no mantra que seu personal de ioga havia ensinado para quando estivesse muito próxima de explodir. Depois de respirar até dez por cinco seqüências seguidas, Cinderela se acalmou e, só então, conseguiu desfrutar da companhia da amiga. “Branca de Neve ainda não chegou, como sempre”, queixa-se a Bela comendo mais um merengue lambuzado de açúcar. “Ela sempre chega um pouco atrasada”, confirmou Cinderela já refeita da quase explosão de raiva. “Como vão as crianças e o maridão?” – indagou a Bela. “Ah, o Júnior está terrível! A professora disse que ele está aprontando na classe e, pelo jeito, nunca se encaixará no perfil de príncipe encantado, seguindo as pegadas do pai. Eu já nem sei como fazer. Cinderelazinha tem uma agressividade que nem sei como será, ela é 24 toda brutalizada, não gosta de brincar de boneca e sequer usa aquelas roupas lindas cheias de fitinhas e sapatinhos de cristal. Só quer saber de aprender boxes, lutas marciais! Meus filhos não correspondem a nenhum perfil de príncipe e princesa, já não sei o que fazer com estas crianças. Sinceramente, não sei onde eu errei”, disse Cinderela caindo em prantos no meio do salão de chá. Sem saber o que falar, Bela empurra um pedaço de bolo de chocolate dizendo: “Come que logo vai passar. Mas e o príncipe não ajuda em nada? Você tem que se impor, Cinderela! Afinal, a criação dos filhos é de responsabilidade dos dois!” – argumenta indignada a Bela. “Ah, o príncipe já não é mais o mesmo. Sempre me deixa de lado e agora deu para chegar muito tarde. Desconfio que ele tenha um caso com uma das empregadinhas do palácio. Ele vive de cochichos pelos cantos ao celular, agora deu para querer fazer ginástica, determinou que os costureiros reais fizessem um guarda-roupa novinho! Ele está naquela fase da meia-idade que não aceita a velhice. Sabe que ele já marcou consulta com um médico para fazer implante no cabelo? Ele já não me ama mais”, sentenciou Cinderela dando uma grande fungada no fino lencinho bordado que Bela tinha lhe oferecido.(...) http://carlagiffoni.blogspot.com/2008/03/conto-de-fadas-uma-verso-para-adultos.html a) O texto acima faz referência a alguns contos de fadas muito conhecidos mundialmente. Quais são eles? Quais os elementos presentes no texto que podem nos levar a esta conclusão? b) Podemos perceber no texto uma série de elementos que caracterizam problemas de nossa sociedade atual. Identifique-os. c) Meus filhos não correspondem a nenhum perfil de príncipe e princesa, já não sei o que fazer com estas crianças. Cinderela fala esta frase referindo-se ao perfil de príncipe do contexto no qual a história foi inicialmente escrita. Reflita: qual seria o perfil de príncipe/princesa na sociedade de hoje? (Se necessário o professor pode auxiliar numa discussão sobre este tema). Respostas esperadas a) O texto acima faz referência às histórias da Branca de Neve, A Bela e a Fera e Cinderela. Podemos perceber esta relação pelo nome das personagens, pela alusão às figuras do príncipe encantado e da Fera, e às roupas lindas cheias de fitinhas e sapatinhos de cristal. b) São problemas característicos de nossa sociedade atual o desejo das mulheres de perderem peso, a compulsão pela comida, a dificuldade de educar os filhos e os problemas de traição no casamento, que não existiam nas histórias originais destas personagens. c) Esta questão tem o objetivo de gerar nos alunos uma reflexão acerca dos valores que nossa sociedade tem hoje e dos valores que eram válidos na época em que as histórias foram escritas. Assim, o fato de que a filha de Cinderela não deseja 25 usar roupas com fitas e nem sapatos de cristal não seria hoje um empecilho para que ela se tornasse uma “princesa”. Atividade 10 Agora você pode verificar na prática como surge um conto, assistindo ao filme Narradores de Javé (http://pt.wikipedia.org/wiki/Narradores_de_Jav%C3%A9). Após assistir ao filme, discuta com seus colegas de classe, junte as idéias e faça seu próprio conto, utilizando o que aprendeu nesse capítulo. 26 Qualquer história é um conto? “Conto é aquilo que seu autor batizou com o nome de conto”. Mário de Andrade N este capítulo pretendemos tratar do conto no sentido usual do termo, não mais como relato de mitos e lendas, mas como arte literária, tal como você já deve ter lido na escola. Agora, porém, você verá alguns contos que são pouco comuns na sala de aula. É possível que você desconheça alguns dos autores: passaremos por contos da literatura mais recente, que tratam de problemas e situações bastante próximas do nosso dia-a-dia. A partir destes textos, você irá pensar sobre que estrutura permite que determinado texto seja considerado conto e questionar se tal estrutura existe de fato. Para iniciar esta discussão, observaremos neste capítulo algumas definições de conto. Vejamos a definição de um dicionário sobre o assunto: conto1 con.to1 sm (der regressiva de contar) 1 Narração falada ou escrita. 2 História ou historieta imaginadas. 3 Fábula. 4 Patranha inventada para engazopar indivíduos rústicos e geralmente de má-fé. sm pl Embustices, histórias, tretas. C. acumulativo, Folc: brinquedo infantil que consiste no encadeamento de palavras articuladas em série ininterrupta, formando histórias sem fim. C. da carochinha: conto popular para crianças; lenda. Cair no conto: ser iludido. Fonte:http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=português portugues&palavra=conto Observamos que a primeira acepção que o dicionário traz para a palavra está relacionada ao ato de narrar. Pense agora nos contos que você conhece: tratam-se sempre de formas narrativas. Logo, podemos dizer que o conto é essencialmente uma narrativa. Afinal, o conto é uma história narrada por alguém, sendo que seu narrador pode estar em primeira ou terceira pessoa. Só isso, porém, não é suficiente para definir o que é um conto. E por que não? Justamente porque novelas, romances, crônicas e diversos outros gêneros literários possuem este mesmo caráter narrativo. Então como distinguir o conto das demais 27 narrativas? Essa pergunta obteve diversas respostas ao longo da história - vejamos algumas delas. Um grande contista que muito falou sobre a teoria do conto foi Edgar Allan Poe. Ele definiu dois princípios básicos do conto: a extensão e a unidade de efeito. Para Poe um bom conto seria aquele que, diferentemente do romance, pudesse ser lido “numa só assentada”, e que, em um curto espaço de tempo (de meia a duas horas) conseguisse alcançar um efeito, único e intenso, previsto pelo autor. Dessa forma, ele explica que “no conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção, seja ela qual for. Durante a hora de leitura atenta, a alma do leitor está sob o controle do escritor. Não há nenhuma influência externa ou extrínseca que resulte de cansaço ou interrupção”.(p. 20) Quem foi Edgar Allan Poe? Edgar Allan Poe nasceu em Boston, no dia 19 de Janeiro de 1809. Seus pais faleceram pouco tempo depois do nascimento de Rosalie, a filha mais nova do casal. Porém, Poe e sua irmã não ficaram desamparados e foram adotados pelo rico casal John Allan e Frances Keeling Allan. Aos 27 anos casou-se com sua prima, Virgínia Clemn. Em 1847, sofreu com a morte de sua esposa vitimada pela tuberculose. Desiludido, voltou para Richmore. Depois foi para Nova York e entregou-se à bebida. Antes de seguir para a Filadélfia, resolveu encontrar-se com velhos amigos. Na manhã seguinte, Poe foi encontrado por um amigo, inconsciente e moribundo. Morreu na manhã do domingo seguinte, aos 39 anos, em 7 de outubro de 1884. As definições de conto não páram por aí. Elas dizem respeito também ao conteúdo que ele pode ou deve envolver. No livro intitulado “Teoria do Conto”, Nadia Gotlib critica o conto visto como compromisso com a realidade, dizendo que “O conto, no entanto, não se refere só ao acontecido. Não tem compromisso com o evento real. Nele, realidade e ficção não têm limites precisos”. “Um relato, copia-se; um conto, inventa-se”, afirma Raúl Castagnino. “A esta altura, não importa averiguar se há verdade ou falsidade: o que existe é já a ficção, a arte de inventar um modo de 28 representar algo”(p. 8). Então você poderia se perguntar: sobre o quê trata um conto? E talvez a resposta para esta questão ainda não esteja clara. Curiosidades: As teorias de Tchékhov Em muitos pontos coincidiu com o pensamento de Poe. Mas para Tchékhov, a brevidade e efeito do conto não bastavam: o gênero precisaria ainda de força, clareza e compactação. Força dos acontecimentos, prendendo a atenção do leitor, clareza de idéias para uma compreensão imediata da história, e compactação, pois “Quanto mais objetivo, mais forte será o efeito” (Tchékhov). Esta discussão sobre teorias do conto é uma história inacabada. O debate tomou direções tão imprecisas que Mário de Andrade, um dos grandes escritores do século XX, demonstrou sua insatisfação diante desta polêmica afirmando: “Tanto andam agora preocupados em definir o conto que não sei bem se o que vou contar é conto ou não, sei que é verdade” (ANDRADE, Mario. 1956) Para pensar um pouco mais sobre as dificuldades em se definir o gênero, leia atentamente o texto abaixo: Texto 1: Sinhá Secada Vieram tomar o menino da Senhora. Séria, mãe, moça dos olhos grandes, nem sequer era formosa; o filho, abaixo de ano, requeria seus afagos. Não deviam cumprir essa ação, para o marido, homem forçoso. Ela procedera mal, ele estava do lado da honra. Chegavam pelo mandado inconcebíveis pessoas diversas, pegaram em braços o inocente, a Senhora ainda fez menção de entregar algum ter, mas a mulher da cara corpulenta não consentiu; depois andaram a fora, na satisfação da presteza, dita nenhuma desculpa ou palavra. Muitos entravam na casa então, devastada de dono. Cuidavam escutar soluço, do qual mesmo não se percebendo noção. Sentada ela se sucedia, nas veras da alma, enfim enquanto repicada de tremor. Iam lhe dar água e conselhos; ela nem ouvia, inteiramente, por não se descravar de assustada dor. - "Com quê?"- clamou alguém, 29 http://contosdocovil.files.wordpress.com/2008/05/ aut_anton_tchekhov.jpg Também Anton Pavlovitch Tchékhov foi contista. contra as escritas injustiças sem medida nem remédio. Achavam que ela devia renitir, igual onça invencível; queriam não aprovar o desamparo comum, nem ponderar o medo do mundo, da rua constante e triste. Ela continha na mão lembrança de criança, a chupeta seca. - "Uf!"- e a gente se fazendo mal, com dó, com dúvida de Deus em escuros. Do jeito, o fato se endereçou, começador, no certo dia. No lugar, por conta de tudo, mães contemplavam as filhas, expostas ao adiante viver, como o fogo apura e amedronta, o que não se resume. (...) ROSA, João Guimarães. Sinhá Secada. In: BOSI, Alfredo. O Conto Brasileiro Contemporâneo. 11. ed. São Paulo: Cultrix, 1995. p. 61-64. O texto narra o drama de uma mãe solteira que tem seu filho tomado. O autor, Guimarães Rosa, recorre a figuras de linguagem a fim de criar efeitos no texto. Observe a oração: “Muitos entravam na casa então, devastada de dono”. Nela, Rosa brinca com a linguagem: a casa estaria tão repleta de gente estranha, que já não existiria mais um “dono”. O trecho inteiro se passa na casa da mãe desamparada e toda a descrição do cenário gira em torno do que essa mãe sente em relação ao ocorrido. “Ela continha na mão lembrança de criança, a chupeta seca.” – esta oração exprime o que a moça trazia na mão (chupeta seca) em função do que ela trazia em seus sentimentos (lembrança de criança). O texto apresenta, ainda, momentos nos quais o foco do narrador recai sobre os pensamentos da mãe: “o filho, abaixo de ano, requeria seus afagos”. Neste trecho, a fala do narrador expressa um pensamento que pertence à mãe. Dizemos que nestes momentos o narrador é onisciente. Tome Nota! Narrador onisciente é quando a voz do narrador traduz a voz da personagem, de forma que o narrador conhece e expressa os pensamentos, desejos e sentimentos de algum personagem da história. Mas os contos possuem formatos muitos variados. Veja agora um conto moderno: Texto 2: O ciclista Curvado no guidão lá vai ele numa chispa. Na esquina dá com o sinal vermelho e não se perturba – levanta vôo bem na cara do guarda crucificado. No labirinto urbano persegue a morte como trim-trim da campainha: entrega sem derreter sorvete a domicílio. 30 É sua lâmpada de Aladino a bicicleta e, ao sentar-se no selim, liberta o gênio acorrentado ao pedal. Indefeso homem, frágil máquina, arremete impávido colosso, desvia de fininho o poste e o caminhão; o ciclista por muito favor derrubou o boné. Atropela gentilmente e, vespa furiosa que morde, ei-lo defunto ao perder o ferrão. Guerreiros inimigos trituram com chio de pneus o seu diáfano esqueleto. Se não se estrebucha ali mesmo, bate o pó da roupa e – uma perna mais curta – foge por entre nuvens, a bicicleta no ombro. Opõe o peito magro ao pára-choque do ônibus. Salta a poça d´água no asfalto. Num só corpo, touro e toureiro, golpeia ferido o ar nos cornos do guidão. Ao fim do dia, José guarda no canto da casa o pássaro de viagem. Enfrenta o sono trim-trim a pé e, na primeira esquina, avança pelo céu na contramão, trim-trim. TREVISAN, Dalton. O ciclista. In: BOSI, Alfredo. O Conto Brasileiro Contemporâneo. 11. ed. São Paulo: Cultrix, 1995. p. 189. Quem é Dalton Trevisan? Dalton Trevisan nasceu em Curitiba a 14 de junho de 1925. Diplomou-se pela Faculdade de Direito do Paraná. Fundou na sua cidade uma das revistas literárias mais editar os seus contos em folhetos que lembram a literatura de cordel. A partir de 1959, com a publicação das Novelas Nada Exemplares, a sua obra passa a ter repercussão nacional. Atualmente vive em Curitiba e não dá entrevistas: é um autor http://www.cinevideo.com.br/images/e p9_dalton.jpg importantes da década de 40, Joaquim. Começou a que não gosta de publicidade. No conto acima, toda a narrativa acontece em função da forma como o ciclista se comporta – sua forma de pedalar, os riscos que corre quando está na rua, etc. Apesar de ser um conto curto, não deixa de possuir uma ação e personagens bem definidos (o ciclista andando na rua com sua bicicleta). O segredo da brevidade deste conto está no uso constante que seu autor faz de metáforas: “Na esquina dá com o sinal vermelho e não se perturba – levanta vôo bem na cara do guarda crucificado”. 31 Certamente podemos dizer que os dois textos acima são muito diferentes. Apesar dos autores terem nascido em épocas relativamente próximas, observamos que as narrativas diferem muito quanto ao tipo de tema, descrição, tempo narrativo, linguagem, extensão, etc. Apesar de tais diferenças, considera-se que ambos pertencem ao mesmo gênero: o conto. Como pode ser? A estrutura do conto É possível observar nos contos a presença de uma estrutura característica, o que nos colocaria próximos, senão de uma definição precisa, ao menos de um conjunto de princípios aos quais os contos geralmente seguem: são narrativas em prosa, concisas, breves. Por conta disto, há autores que destacam como importante característica do conto a densidade, já que estes reúnem em poucas linhas uma história com início, meio e fim. Consideremos agora um conjunto de propriedades que os contos em geral apresentam. Ressaltemos, contudo, que para serem bons contos não precisam obrigatoriamente apresentar estas propriedades. Você pode fazer um texto que não se encaixe perfeitamente nestes itens que iremos expor, mas que seja um ótimo conto. Vamos apenas revisar estas propriedades que se encontram em muitos dos contos que conhecemos. 1. Narração: sempre está presente, pois um conto é uma forma de narrativa. Pode estar em primeira ou terceira pessoa, não importa. Como há uma preferência pela concisão da história e concentração dos efeitos, a narrativa torna-se curta. 2. Ação: o conto geralmente apresenta um único conflito, já que costuma ser uma história curta que não comportaria conflitos diversos. 3. Tempo: o tempo é limitado, já que as ações são limitadas pela própria brevidade da narrativa. 4. Espaço: a história costuma passar-se em um único espaço, já que não há tempo para mover os personagens por muitos cenários. Isto não quer dizer que o cenário tenha que ser único, mas apenas que sua limitação deve-se às limitações da própria ação. 5. Efeito: A ação do conto converge para causar no leitor um efeito, que geralmente é o objetivo do conto. Pode ser um conto assustador, comédia, romance; não importa. 32 6. Personagens: são poucas, já que isto permite que a narrativa seja mais curta. 7. Descrição: os elementos descritivos costumam ser poucos. A descrição do espaço (ou ambiente) e das personagens pode ser modesta, sendo geralmente voltada para o que é exigido pela ação, ou seja, para o efeito que se deseja alcançar com o conto. Poucas vezes o conto apresenta digressões (retorno para fatos do passado) e extrapolações (inclusão de outras ações além da ação principal), já que costuma ser contido em suas reflexões. Isto, porém, não é uma regra geral, já que os contos contemporâneos muito inovaram em certas características que não eram comuns nos primeiros contos literários. 8. Diálogo: costuma ser muito importante quando se trata de tornar o conto mais dinâmico. O dinamismo do diálogo pode contribuir para que se possa amplificar algum efeito desejado. 9. Linguagem: geralmente é muito objetiva, visando à densidade e condensação da história. O conto pode se despir de abstrações e da preocupação com o rebuscamento, de forma que os fatos predominem na narrativa. É muito comum o uso de metáforas, como uma forma de economia da linguagem, já que através destas construímos imagens repletas de significado. A linguagem é um aspecto do conto que admitiu muitas roupagens ao longo da história, visto que a língua está sempre em transformação. Dessa forma, essa condição se transferiu para o conto, que também apresenta uma linguagem mais ou menos peculiar, de acordo com o período histórico no qual é escrito e conforme os objetivos do autor ao escrever o texto. E isso nos leva ao próximo capítulo. O que você aprendeu: Os contos são muito diferentes entre si. É muito difícil estabelecer uma definição satisfatória. As definições de conto são muito diversas, referindo-se tanto à estrutura do conto quanto a sua linguagem e extensão. O conto possui alguns elementos que o organizam, de forma a caracterizar a estrutura do gênero. 33 V ale a pena conferir! PARA ASSISTIR EM SALA: OS IRMÃOS GRIMM Do aclamado diretor Terry Gilliam, as aventuras dos lendários escritores de Ledger), dois irmãos que viajam através da Europa de Napoleão enfrentando monstros e demônios em troca de dinheiro rápido. Mas, quando as autoridades francesas descobrem seu esquema, os trapaceiros são forçados a enfrentar uma maldição real em uma floresta encantada, onde jovens donzelas continuam a desaparecer sob circunstâncias misteriosas. http://www.cinemacomrapadura.com.br/filmes/imgs/irmaos _grimm_filmes_2005_poster_nacional.jpg contos de fada Will (Matt Damon) e Jake Grimm (Heath Fonte: http://www.europafilmes.com.br/hotsites/osirmaosgrimm/ DICA DE LIVRO: O QUE É CONTO Da coleção primeiros passos, o livro “O que é conto” de Luzia de Maria é um excelente texto para quem deseja iniciar o estudo sobre a teoria do conto. Como possui uma linguagem acessível, pode inclusive ser trabalhado em sala de aula. É uma leitura muito recomendável aos adolescentes, já que além de abordar a origem do conto o livro trata também de suas características e definições. 34 Atividades Atividade 1 Vamos refletir sobre os textos lidos no início do capítulo. Repare no título do primeiro texto: “Sinhá secada”. Levante hipóteses: por que este título foi escolhido para o conto? Leve em consideração o trecho que você leu. Resposta esperada Esta atividade tem por objetivo avaliar a interpretação que o aluno fez do texto, fazendo-o relacionar o texto ao título. O termo “secada” pode ser relacionado ao fato de que tanto chorou a mãe da criança que ela ficou “secada”. Pode-se pensar também no fato de que, ao ter seu filho tomado, a senhora perdeu o sentido de sua vida, ficando seca, ou “secada”, nas palavras do autor. Atividade 2 Os textos das páginas 21 e 22 apresentam muitas semelhanças e diferenças com relação à sua estrutura e linguagem. Vamos pensar um pouco mais sobre estas características. Observe esta oração do texto 1: “Chegavam pelo mandado inconcebíveis pessoas diversas”. Qual o efeito da utilização do adjetivo “inconcebíveis” no texto? Observe agora a oração do texto 2: “Curvado no guidão lá vai ele numa chispa”. Qual o efeito da expressão “numa chispa”? A partir das questões acima, responda: qual figura de linguagem é recorrente nos dois textos? Resposta esperada O termo “inconcebíveis pessoas” pode ser considerada expressão do quão inconcebível era a situação para a mãe ao ter o seu filho tomado. Já o termo “numa chispa” coloca em evidência a rapidez do ciclista. Esta atividade tem o objetivo de fazer o aluno notar a recorrência de metonímias e metáforas como recursos de linguagem presentes no conto. Atividade 3 Observe agora o seguinte trecho, que trata das dificuldades do ciclista em meio à correria do dia-a-dia. O texto apresenta um aspecto interessante quanto à velocidade, expresso pela construção de frases curtas, que surgem no texto como flashes: “Opõe o peito magro ao pára-choque do ônibus. Salta a poça d´água no asfalto. Num só corpo, touro e toureiro, golpeia ferido o ar nos cornos do guidão.” (texto 2) Agora responda: qual o efeito de velocidade que podemos perceber no trecho acima? Em que isso se relaciona com o tema do texto? 35 Resposta esperada No trecho acima, podemos notar que a utilização de frases curtas e em flashes faz com que o texto adquira rapidez em seus acontecimentos. Esta rapidez está relacionada com o tema do ciclista por conta do cotidiano agitado pelo qual este tem que passar, enfrentando a velocidade dos automóveis nas ruas. Atividade 4 O texto abaixo foi retirado de um site da internet. Justifique, através de elementos estruturais, por que o texto abaixo não pode ser considerado um conto. Detentas são flagradas com drogas Adagoberto Baptista / Agência Anhangüera 16/05/2008 - Duas detentas da Penitenciária do São Bernardo, em Campinas, foram flagradas com porções de maconha, no final da tarde de quinta-feira. Elas cumprem penas no presídio e acabaram descobertas pelas agentes penitenciárias. Uma das acusadas, Adriana Amaro do Nascimento, de 22 anos, estava com 13 porções de maconha escondidas na calcinha. A outra presa, Charliene Alves da Silva, de 25 anos, carregava um pacote com a droga a granel. As agentes ainda acharam três bilhetes com diversas anotações com as mulheres. As duas foram levadas para o plantão da Delegacia do 5º Distrito Policial (Jardim Amazonas) e autuadas em flagrante pela acusação de tráfico de entorpecentes. Resposta Esperada O texto não pode ser considerado um conto, pois se trata de um caso verídico, uma notícia de jornal. Este texto não possui o objetivo explícito de causar um efeito em seu leitor, mas sim de informá-lo. Nele, a presença de figuras de linguagem é bastante restrita. Atividade 5 Pensando um pouco sobre o conceito de introspecção, leia atentamente o trecho de conto abaixo. Localize os trechos nos quais o uso de introspecção é evidente. Tome Nota: Introspecção ocorre quando o personagem se volta para seus próprios pensamentos, num ato reflexivo interno. Feliz Aniversário – Clarice Lispector (...) Na cabeceira da mesa, a toalha manchada de coca-cola, o bolo desabado, ela era a mãe. A aniversariante piscou. Eles se mexiam agitados, rindo, a sua família. E ela era a mãe de todos. E se de repente não se ergueu, como um morto se levanta devagar e obriga mudez e terror aos vivos, a aniversariante ficou mais dura na cadeira, e mais alta. Ela era a mãe de todos. E como a presilha a sufocasse, ela era a mãe de todos e, 36 impotente à cadeira, desprezava-os. E olhava-os piscando. Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse. Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração, Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo? Rodrigo com olhar sonolento e intumescido naquela cabecinha ardente, confusa. Aquele seria um homem. Mas, piscando, ela olhava os outros, a aniversariante. Oh o desprezo pela vida que falhava. Como?! Como tendo sido tão forte pudera dar á luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos? Ela, a forte, que casara em hora e tempo devidos com um bom homem a quem, obediente e independente, ela respeitara; a quem respeitara e que lhe fizera filhos e lhe pagara os partos e lhe honrara os resguardos. O tronco fora bom. Mas dera aqueles azedos e infelizes frutos, sem capacidade sequer para uma boa alegria. Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas. Olhou-os com sua cólera de velha. Pareciam ratos se acotovelando, a sua família. Incoercível, virou a cabeça e com força insuspeita cuspiu no chão. (...) http://www.releituras.com/clispector_aniversario.asp Resposta esperada Espera-se que o aluno possa notar a diversidade do gênero conto, já que no caso acima o autor se utiliza da introspecção como forma de situar o leitor com relação aos sentimentos da personagem. Alguns trechos que o aluno pode destacar são: “Todos aqueles seus filhos e netos e bisnetos que não passavam de carne de seu joelho, pensou de repente como se cuspisse.” “Rodrigo, o neto de sete anos, era o único a ser a carne de seu coração, Rodrigo, com aquela carinha dura, viril e despenteada. Cadê Rodrigo?” “Como tendo sido tão forte pudera dar à luz aqueles seres opacos, com braços moles e rostos ansiosos?” “Como pudera ela dar à luz aqueles seres risonhos, fracos, sem austeridade? O rancor roncava no seu peito vazio. Uns comunistas, era o que eram; uns comunistas.” Atividade 6 Pense em algum livro que você leu recentemente. Faça uma lista dos principais acontecimentos do livro. O desafio será transformar essa história em um conto. Para isso, siga corretamente as indicações abaixo: - Sua história deve ter apenas 3 personagens. - A ação deve se passar em um único local. - A ação deverá durar cerca de uma hora. Resposta esperada Esse trabalho de produção textual tem o objetivo de fazer com que o leitor aplique o que foi estudado sobre linguagem, espaço, efeito, densidade, etc. Atividade 7 Os dois textos abaixo não são contos. Por quê? Justifique sua resposta com base nos elementos estudados. 37 Texto 1 http://tiras-snoopy.blogspot.com/ Texto 2 “Médico de atriz global é acusado de erro médico em caso de dengue” O médico foi acusado de erro médico porque demorou a diagnosticar a doença e realizar os devidos procedimentos médicos no combate à doença. Essa poderia ser uma manchete dos jornais desse fim de semana, mas adivinhe: não é! Hoje vemos pessoas em uma jornada subumana em busca de atendimento médico, morrendo nas portas dos hospitais públicos do Rio de Janeiro, quase que implorando por um mínimo de atendimento. O governo federal, como forma de alívio para esse caos, trouxe em caráter de emergência algumas dezenas de médicos de outros estados que nem experiência possui no tratamento à dengue. Então pergunto, pode um cidadão do Rio de Janeiro, com essa demora no diagnóstico da doença, na eterna fila de espera, indo de hospital em hospital, quase que implorando para ser atendido, questionar essa atitude do Estado do Rio? Sinceramente eu acredito que tenha fundamento essa demanda. Agora imagine o caos que seria no judiciário estadual essa enxurrada de ações. Um verdadeiro desastre. Perceba, então, que um dos fatores para o aparecimento desta explosão de litigiosidade é político. No momento em que os legisladores, na criação da Constituição de 1988, massificam o acesso à saúde, dando a todos os direitos ao acesso e impondo ao Estado o dever de prestar este serviço, eles o fazem por uma aspiração social de ter sua dignidade, de ver seu direito como ser humano atendido no que tange a sua saúde. É notável, no entanto, que o Estado universaliza o acesso, mas não cria mecanismos eficazes para a completa prestação de serviço, pois, por diversos motivos se exime da obrigação, deixando a cargo da iniciativa privada a superação das dificuldades. E o que encontramos hoje? Um sistema de Saúde Pública falido e com uma demanda tal que os hospitais da rede pública não conseguem, sequer, absorver para um atendimento inicial. http://direitodomedico.blogspot.com/2008/04/mdico-de-atriz-global-acusado-de-erro.html Resposta esperada Quer-se avaliar se o aluno é capaz de diferenciar os gêneros dos dois textos acima. O primeiro é uma história em quadrinhos que traz um jogo de imagens não reconhecido como característica dos contos. Já o segundo texto trata de fatos verídicos do nosso tempo de forma objetiva, é um texto jornalístico. Ou seja, nenhum dos dois textos acima é um conto. 38 Atividade 8 Você viu que “A ação do conto converge para causar no leitor um efeito, que geralmente é o objetivo do conto”. Segue abaixo um trecho de conto de Allan Poe. Trata-se de um conto de terror, no qual todo o vocabulário foi pensado para criar uma situação de tensão. Identifique no texto quais palavras contribuem para a formação de um clima tenso na história. O Gato Preto – Edgar Allan Poe (...) Durante o dia o animal não me deixava um só momento. De noite, a cada hora, quando despertava dos meus sonhos cheios de indefinível angústia, era para sentir o bafo quente daquela coisa sobre o meu rosto e o seu peso enorme, encarnação de um pesadelo que eu não tinha forças para afastar, pesando-me eternamente sobre o coração. Sob a pressão de tormentos como estes, os fracos resquícios do bem que havia em mim desapareceram. Só os pensamentos pecaminosos me eram familiares - os mais sombrios e os mais infames dos pensamentos. A tristeza do meu temperamento aumentou até se tornar em ódio a tudo e à humanidade inteira. Entretanto, a minha dedicada mulher era a vítima mais usual e paciente das súbitas, freqüentes e incontroláveis explosões de fúria a que então me abandonava cegamente. Um dia acompanhou-me, por qualquer afazer doméstico, à cave do velho edifício onde a nossa pobreza nos forçava a habitar. O gato seguiu-me nas escadas íngremes e quase me derrubou, o que me exasperou até à loucura. Apoderei-me de um machado, e desvanecendo-se na minha fúria o receio infantil que até então tinha detido a minha mão, desferi um golpe sobre o animal, que seria fatal se o tivesse atingido como eu queria. Mas o golpe foi sustido diabolicamente pela mão da minha mulher. Enraivecido pela sua intromissão, libertei o braço da sua mão e enterrei-lhe o machado no crânio. Caiu morta, ali mesmo, sem um queixume. http://www.apocalipse2000.com.br/contos06.htm Resposta esperada Pode-se dizer que contribuem para a formação de um clima tenso as palavras: angústia, encarnação, pesadelo, tormentos, pecaminosos, sombrios, infames, tristeza, ódio, vítima, fúria, pobreza, loucura, golpe, fatal, diabolicamente, enraivecido, crânio e morta. Atividade 9 O texto abaixo é um trecho do livro “Laços de Família”, de Clarice Lispector. Leia-o atentamente e grife os momentos nos quais fica evidente o narrador onisciente. (...) O trem não partia e ambas esperavam sem ter o que dizer. A mãe tirou o espelho da bolsa e examinou-se no seu chapéu novo, comprado no mesmo chapeleiro da filha. Olhava-se compondo um ar excessivamente severo onde não faltava alguma admiração por si mesma. A filha observava divertida. Ninguém mais pode te amar senão eu, pensou a mulher rindo pelos olhos; e o peso da responsabilidade deu-lhe à boca um gosto de sangue. Como se "mãe e filha" fosse vida e repugnância. Não, não se podia dizer que amava sua mãe. Sua mãe lhe doía, era isso. A velha guardara o espelho na bolsa, e fitava-a sorrindo. O rosto usado e ainda bem esperto parecia esforçar-se por dar aos outros alguma impressão, da qual o chapéu faria parte. A campainha da Estação tocou de súbito, houve um movimento geral de ansiedade, várias pessoas correram pensando que o trem já partia: mamãe! disse a mulher. Catarina! disse a velha. Ambas se olhavam espantadas, a mala na cabeça de um carregador interrompeu-lhes a visão e 39 um rapaz correndo segurou de passagem o braço de Catarina, deslocando-lhe a gola do vestido. Quando puderam ver-se de novo, Catarina estava sob a iminência de lhe perguntar se não esquecera de nada... Texto extraído do livro "Laços de Família", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1998, pág. 94. Resposta esperada Pode-se dizer que o narrador onisciente é evidente em orações como: “Olhava-se compondo um ar excessivamente severo onde não faltava alguma admiração por si mesma.” “A filha observava divertida.” “Não, não se podia dizer que amava sua mãe.” “Catarina estava sob a iminência de lhe perguntar se não esquecera de nada.” Atividade 10 Agora você será o autor: Leia o poema abaixo, e pense sobre a história que ele conta. Transforme agora a história do poema em um conto. Atenção! Ele poderá ter no máximo 50 linhas! Procure utilizar as figuras de linguagem que você conhece. Aprende… Tu encontrarás sempre no teu caminho alguém para a lição de que precisas. Aprende, mesmo que não queiras. A boa lição… Alguém sempre a precisar. Feliz é o que aprende. Errar é humano, diz a sabedoria popular. Insistir no erro é obstinação. Pecado contra o Espírito Santo. Aquele que reconhece seu erro, está no caminho da perfeição. Aquele que confessa e se arrepende, caminha para a salvação. Reconhece teu erro. Mesmo que custe muito, ao te orgulho e vaidade. Jamais justifique o errado. “Fulano foi o culpado.” Arrepender e reparar é o caminho certo da Paz espiritual. Um dia, um salteador, condenado ao suplício, reconheceu seus erros, e justificou o inocente. E o que aconteceu com ele? Poema extraído do livro “Vintém de Cobre, Meias Confissões de Aninha”, 4ª edição, editora UFG, p.197 40 O Conto Contemporâneo N os capítulos anteriores pudemos conhecer e entender um pouquinho sobre o surgimento do conto e os principais aspectos estruturais que o diferenciam de uma novela ou mesmo de um romance. Pois bem, neste capítulo, vamos conhecer mais de perto a produção de contos e como o contexto histórico pode influenciar nesta produção. E mais que isso, focalizaremos a nova forma de se fazer contos face à modernidade e o desafio do contista diante desse novo mundo, tecnológico e rápido. No entanto, é importante lembrar que os aspectos do conto que serão discutidos aqui não valem como regra geral, pois não é possível enquadrar os contos contemporâneos num mesmo formato pré-determinado. O conto contemporâneo se diferencia muito dos contos de outras épocas. Isso ocorre porque o foco muda conforme o período histórico e social da escrita dos textos. “Não se cogita mais de produzir (nem de usar como categorias) a Beleza, a Graça, a Simetria, a Harmonia. O que vale é o Impacto, produzido pela habilidade ou a Força. Não se deseja emocionar o leitor nem suscitar contemplação, mas causar choque”. 1 Notaremos no decorrer desta unidade, que nas últimas décadas os autores passaram a buscar maior impacto sobre os leitores por meio de seus contos. E esse impacto, conforme Antônio Cândido, passou a ser produzido por meio de uma habilidade lingüística, que se caracteriza pelo uso mais freqüente de determinadas figuras de linguagem com o objetivo de obter algum efeito. Vamos iniciar nossa reflexão com textos que pertencem mais à nossa contemporaneidade! 1 CÂNDIDO, A. “Os brasileiros e a literatura latino-americana”, in: Novos estudos CEBRAP, SP. vol. 1, dez. 81, p. 67 41 U m pouco de história “De como estrangular um general” O conto “De como estrangular então que aquela era a hora, e que depois um general” conta a história de um cidadão dela nada mais haveria”. comum que em uma determinada situação - Eu te matei noites e noites sente um desejo de estrangular o general. seguidas, no escuro do meu quarto – disse Ele que quando criança admirava e Américo. - Verdade? – resmungou o general respeitava as autoridades militares, agora queria matar o general. Américo, esse era o com voz de escárnio. nome do cidadão, sonhava dias e noites - Sim, verdade – disse preso àquele pesadelo. Finalmente, aquele Américo retirando a faca do bolso e período tortura enterrando-a toda naquela enorme barriga psicológica passa. Américo sente-se mais fofa. Porque o general crescera, pensou feliz. Até que vê na rua o general, não sarcasticamente, e ele não seria nenhum magro como em seus “sonhos”, mas gordo. idiota para julgar-se forte o suficiente para Ele não hesita, troca algumas palavras com matá-lo apenas com as duas fracas e débeis o sarcástico general: “E Américo soube mãos”. de aprisionamento e De como estrangular um general Poderia muito bem sonhar que matava um médico, um jornalista, um deputado, ou até mesmo um senador. Um dia República, mas nunca um general. Porque um general – pensava Américo – é sempre um general. Até que um dia lhe disseram que também o presidente da República era um general. Américo sentiu um calafrio percorrer-lhe a espinha e encolheu-se todo. Aquilo era terrível. Américo era um homem tímido e temeroso, embora grande como um hipopótamo. Suas mãos eram desajeitadas, mas no sonho, dançavam ágeis e jeitosas em torno do pescoço militar. Quando acordava, porém, olhava para estas mãos e algo lhe dizia que as mãos do sonho não eram as suas. 42 http://pro.corbis.com/search/searchFrame.aspx chegou a pensar que poderia esfaquear ou balear o presidente da Mas eram. Eram as suas mãos e um dia talvez ele não pudesse jamais dominá-las. Também isto o torturava. Porque um dia, por exemplo, poderia estar caminhando por uma rua deserta, tranqüilo, quem sabe até assobiando o Hino Nacional Brasileiro. E de repente, o general. Sim, o general, o general bem ali à sua frente, disponível e magro. E então ele avançaria sobre aquela frágil e verde farda. O general abriria muito os olhos, ergueria as mãos frágeis e finas para detê-lo e seria inútil. Porque ele avançaria com seu grande corpo sobre aquela repelente figura verde e, pouco a pouco, suas manzorras descontroladas bailariam ao som de uma vaga música em torno daquele pescoço fino como um lápis. O general tentaria ainda detê-lo com uma ridícula voz de comando, e ele riria muito e apertaria com quase carinho aquele pescoço ridículo. Descansaria ali as suas duas mãos e nada faria, porque o medo que invadiria os olhos do general lhe daria prazer. E só depois, quando o general estivesse suando e tivesse borrado todas as calças ele apertaria as mãos com força. Para partir, de um só golpe, aquele miserável pescoço. EMEDIATO, Luiz Fernando. De como estrangular um general. In: Trevas no Paraíso – histórias de amor e guerra nos anos de chumbo. São Paulo: Geração Editorial, 2004. U m pouco de história “Os Homens que Descobriram as Cadeiras Proibidas” Uma família se reunia em um jantar, convencer o cidadão de que eles nunca quando de repente alguns “homens” entram na estiveram ali. A partir daí o cidadão começa a casa e a vasculham. Os homens encontram questionar e refletir sobre aquela situação, o uma cadeira na cozinha, segundo eles, ela não que acaba por confundir os homens que deveria estar ali. Os homens então intimam o daquela situação nada têm a explicar: Por que dono da casa a ir prestar depoimento em uma estariam ali? Por que o cidadão precisaria delegacia, ao mesmo tempo em que tenta prestar depoimento? COTIDIANO: Os Homens que Descobriam Cadeiras Proibidas Os homens não bateram, porque há muito naquela cidade, ou país, a polícia não precisava bater para entrar. Não traziam mandados judiciais, há muito os mandados tinham perdido a razão de ser. Não havia um estado de direito. Os homens entraram, atravessaram a sala onde a família jantava, até então tranqüilamente. 43 Inspeção de rotina, comunicou o chefe dos homens que Fiquem à vontade, disse o dono da casa, voltando para terminar a sopa, indiferente à súbita invasão. A indiferença significava apenas impotência. Os homens vasculharam a sala, os quartos, o banheiro, o quarto das crianças, a cozinha, a área de serviço e o quarto da http://cartoonices.files.wordpress.com/20 07/05/cadeira-2.jpg tinham entrado. empregada. Quarto? Aqueles cubículos, senzalas que as imobiliárias fazem. Voltaram da cozinha com uma cadeira branca de fórmica. –Vamos levar essa cadeira. Amanhã o senhor apareça para prestar depoimento. –Não sei como ela apareceu aí. Tínhamos vendido. Não queremos saber. A cadeira estava na cozinha. “Talvez eles mesmos tenham trazido e colocado lá”, pensou o homem. Pensou, com medo que o outro percebesse o que ele estava pensando. Os pensamentos estavam proibidos há muito, principalmente pensamentos que colocassem em dúvida, ou em cheque, as ações dos homens. BRANDÃO, Ignácio de Loyola: COTIDIANO: Os Homens que Descobriam Cadeiras Proibidas In: BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Cadeiras Proibidas. 10. Ed. São Paulo: Global, 2003. P. 11-17 A respeito dos textos acima pudemos observar que eles partilham de um mesmo contexto histórico e social de produção: a ditadura militar. Tome Nota O Regime Militar no Brasil foi um governo instaurado em 1964, após um golpe dado pelas Forças Armadas contra o governo do presidente João Goulart. Foi um período marcado por governantes que abusavam do poder e pode ser caracterizado pela violência e censura. Jornalistas, artistas ou pessoas comuns não podiam criticar o governo ou expressar uma opinião contrária, pois se o fizessem sofreriam opressão. Assim, as liberdades individuais foram suprimidas. O momento mais forte desse regime é caracterizado pela instituição do AI5 que permitiu ao governo intervir nos estados sem levar em consideração a Constituição, a cassar mandatos eletivos e a suspender por 10 anos os direitos políticos de qualquer cidadão. Muitos músicos, escritores e demais artistas tiveram que se exilar em outros países ou, caso quisessem permanecer no Brasil, teriam que driblar a censura por meio de uma linguagem camuflada. Esse período da política brasileira perdurou até 1985. http://www.jornallivre.com.br/225524/o-que-foi-a-ditadura-militar-brasileira.html (acesso em 29/09/2008) Observe que os dois contos remetem ao período de repressão característico de um governo ditatorial. Quais elementos observados nos textos podem evidenciar isso? 42 Partindo de princípios semânticos, isto é, das mudanças de significação das palavras no tempo e no espaço, podemos pensar sobre a forma por meio da qual a autoridade é retratada. No primeiro texto isso se dá na figura de um homem com um desejo quase inconsciente de matar um general; no segundo fragmento, autoridades invadem a casa de um cidadão comum, intimando-o a comparecer numa delegacia para prestar depoimento. Podemos dizer que em ambos a autoridade não é vista como algo positivo e respeitoso, mas sim como uma instância abusiva. É possível constatar ainda que a linguagem teve um papel fundamental nos textos do período, pois ela foi o instrumento de expressão dos escritores brasileiros contra a repressão da época. Note que um ponto interessante e comum entre alguns escritores dessa época é que sua forma de expressão não estava propriamente no que era dito, mas sim na maneira como era dito. Geralmente, os contistas lançavam mão das figuras de linguagem para dizer o não dizível, naquele momento, no intuito de burlar a censura. Exemplo retirado do texto de Emediato: “(...) pouco a pouco, suas manzorras* descontroladas bailariam ao som de uma vaga música em torno daquele pescoço fino como um lápis”. * mão grande Neste trecho, você pode notar que o autor fala de um estrangulamento de uma forma quase poética. Isto se dá por meio do eufemismo, uma figura da linguagem que nos permite falar de determinados fatos, geralmente ruins, de forma leve. No caso, descreve-se a morte do general como uma dança. Além disso, compara-se seu pescoço a um lápis como uma forma de evidenciar a fragilidade física do general frente ao narrador, o qual apresenta como sendo “grande como um hipopótamo” (como pode ser visto no texto lido) – figuras de comparação. Nota-se também que a linguagem dos contos pode ser fragmentada, ou seja, a história não obedece necessariamente a uma ordem cronológica, em contraste com certa linearidade e descrição detalhada, minuciosa de outros contos. Além disso, trabalha-se com elipses, supressões, saltos, deixando subentendidos alguns dados e pressupondo a compreensão do leitor que preencherá as lagunas deixadas. Veja um exemplo abaixo: “Ela subiu sem pressa a tortuosa ladeira. À medida que avançava, as casas iam rareando, modestas casas espalhadas sem simetria e ilhadas em terrenos baldios. No meio da rua sem calçamento, coberta aqui e ali por um mato rasteiro, algumas crianças brincavam de roda. A débil cantiga infantil era a única nota viva na quietude da tarde”. 43 TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr do sol. In: TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr do sol e outros contos. 19. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 26. Apesar de Telles ser uma autora do século XX, seu estilo é extremamente descritivo e detalhista, diferindo muito de Emediato e Brandão, autores dos textos lidos no início desta unidade. Enquanto Telles desenvolve seu conto de acordo com a ordem natural dos fatos: a personagem sobe a ladeira e conforme avança, vê as crianças brincando, concluindo que essas crianças eram o único sinal de vida presente na quieta rua, Emediato apresenta a história do homem, que divaga por meio de pensamentos e sonhos, movido pela vontade de matar o general. Ou seja, Américo representa um misto de sonho e realidade que se alternam ao longo do texto. Essa alternância faz com que tenhamos a impressão de uma leitura não linear. Este é um exemplo da diferença entre contos de uma mesma época os quais demonstram que não podemos classificar todos os autores contemporâneos numa mesma “receita”. Para muitos autores o importante é retratar de forma “nua e crua” as sujeiras da sociedade, como foi o caso de alguns contos de Dalton Trevisan, autor do livro O Vampiro de Curitiba. O autor opta por uma precisão total em sua obra ao descrever as “micro-sujeiras” da burguesia curitibana. Assim, a organização do conto contemporâneo pode permanecer a mesma, mas a linguagem se modifica muito, adequando-se ao contexto histórico, social, cultural, etc. E então, você consegue observar como há uma grande variedade na forma de linguagem entre os autores mais recentes? Outro exemplo: “Veja, parou um carro. Ela vai descer. Colocar-me em posição. Ai, querida, não faça isso, eu vi tudo. Disfarce, vem o marido (...) Esse aí é um dos tais? Puxa, que olhar feroz. Alguns preferem é o rapaz, seria capaz de? Deus me livre, beijar outro homem, ainda mais de bigode e catinga de cigarro?” TREVISAN, Dalton. O vampiro de Curitiba. In: Os cem melhores contos brasileiros do século. p. 252-254 Em relação à construção acima, repare que há um intenso diálogo entre as personagens sendo que quase não há marcação nas falas das mesmas: a pontuação é escassa, não havendo parágrafos ou travessões, o que reflete uma situação caótica, de confusão... Esta é uma outra forma de se utilizar a linguagem para obter um determinado efeito. Através do que se poderia chamar de um discurso “direto livre”, no qual não há marcações formais de diálogo, o escritor pôde retratar uma situação de conflito. Vamos refletir mais um pouco: 44 “Na embarcação desconfortável, tosca, apenas quatro passageiros. Uma lanterna nos iluminava com sua luz vacilante: um velho, uma mulher com uma criança e eu.” TELLES, Lygia Fagundes. Natal na barca. In: TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr do sol e outros contos. 19. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 20 Encontramos aqui uma figura de linguagem freqüentemente utilizada por estes escritores: a elipse. Trata-se da omissão de um termo cujo sentido já está subentendido. No caso do exemplo acima podemos notar que o verbo foi omitido, ou seja, a escritora poderia ter escrito: “Na embarcação desconfortável, tosca, havia apenas quatro passageiros (...)”. Você sabe por que ela omitiu o verbo? Vejamos outro exemplo de cortes abruptos e uso de elipses para percebermos isso: “Ter, haver. Uma sombra no chão, um seguro que se desvalorizou, uma gaiola de passarinho. Uma cicatriz de operação na barriga e mais cinco invisíveis, que doem quando chove. Uma lâmpada de cabeceira, um cachorro vermelho, uma colcha e os seus retalhos. Um envelope com fotografias, não aquele álbum. Um canto de sala e o livro marcado”. RAMOS, Ricardo. Circuito Fechado (4). In: BOSI, Alfredo. O Conto Brasileiro Contemporâneo. 11. ed. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 259. A partir desse exemplo, podemos pensar em alguns porquês para o uso da elipse no conto moderno. Muitos consideram a elipse como um elemento importante da construção literária, visto que gera a aceleração do ritmo da linguagem no conto. Além disso, o uso de elipses contribui para uma linguagem mais expressiva e entrecortada, como flashes, já que esta forma de expressão chama a atenção do leitor para a sucessão dos acontecimentos, ao mesmo tempo em que sugere pistas para o significado das seqüências construídas. Como podemos perceber no trecho acima, os verbos “ter” e “haver” que aparecem no início aplicamse a todas as orações que vêm na seqüência. O tamanho do texto é também um motivo significativo para o emprego dessa figura de linguagem, afinal, muitas vezes o escritor terá um espaço relativamente limitado para transmitir ao leitor o efeito desejado, utilizando então a elipse como uma forma de tornar seu texto mais econômico. O mais intrigante é saber que o desafio dos contistas está em fazer com que seus textos transmitam o máximo usando o mínimo de palavras. E será exatamente isso que veremos no próximo capítulo. A busca dos autores pelo enxugamento do texto: o menor e mais completo. 45 O que você aprendeu Os contos contemporâneos tendem causar diferentes efeitos no leitor por meio de uma linguagem: Entrecortada, violenta ou velada (décadas de 60 e 70) Figuras de linguagem – eufemismo, comparação, elipses. A fim de atingir objetivos como precisão (dizer o máximo no mínimo), concisão, ou mesmo causar algum impacto no leitor Os contos contemporâneos abarcam uma grande variedade de estilos. Não há uma receita para ser um autor contemporâneo. http://images.google.com.br V ale a pena conferir – livros sobre contos contemporâneos “Um passeio pela mais deliciosa e contundente ficção curta produzida no Brasil entre 1900 e o fim dos anos 90. Uma antologia capaz de traduzir as mudanças do país e as inquietações de várias gerações de brasileiros, em cem anos de produção literária. A prova de que a arte do gênero não cessa de melhorar em nossa literatura”. http://www.objetiva.com.br/objetiva/cs/?q=node/482 46 Atividades Atividade 01 Agora que você leu os contos, volte ao primeiro deles. Observe atentamente o título dado à história: “De como estrangular um general”. Note que a oração é iniciada por uma preposição (“de”) seguida de uma conjunção (“como”). Levante hipóteses: Qual (ou quais) efeito (s) de sentido traz esta expressão para o texto? Resposta esperada Nesta atividade, pretendemos que o leitor reflita sobre os efeitos de sentido e direcionamento que a elaboração de um título pode acarretar para a leitura de um texto. No caso do conto da atividade, esperamos que o leitor perceba que a expressão “de como” traz um sentido de instrução: como se o tema do conto fosse uma receita que nos ensinasse a estrangular um general. Atividade 02 Agora que você refletiu sobre os possíveis sentidos do título, elabore um texto estabelecendo uma relação entre o título e a história deste conto: de que modo o primeiro reafirma/contradiz o segundo e vice-versa? Resposta esperada É esperado que o leitor perceba a dissonância entre a idéia de método que o título traz e a história do conto em si, que narra o drama de uma personagem que sonha com o estrangulamento de um general, ocorrendo uma mistura do universo racional (título) com o onírico (história). Atividade 03 O conto de Loyola Brandão se inicia pela presença de uma cadeira encontrada por homens na cozinha, que segundo eles não deveria estar ali. A cadeira, no entanto, pode ser apenas uma metáfora... Reflita então o que a cadeira pode estar representando neste conto. Resposta esperada O leitor deverá refletir sobre o que simboliza a cadeira, diante da situação de invasão de propriedade e suspensão dos direitos do cidadão, expressos no conto. A cadeira pode ser qualquer livro, propriedade do cidadão, que represente na visão do governo ditatorial alguma ameaça. Atividade 04 Ao longo do capítulo pudemos notar alguns aspectos da ditadura por meio das análises dos contos que se referem a este contexto. Esta ilustração remete a uma marcante característica do período. Comente tal característica e se preciso recorra ao seu material de história. 47 http://farm1.static.flickr.com/218/4910 26494_12858ca537.jpg Resposta esperada Espera-se que o aluno comente sobre a supressão da liberdade de expressão e a repressão que sofria quem ousasse dizer o que pensava a respeito do regime. Em relação aos olhos tapados, espera-se que se diga que o individuo para não ser apanhado pela censura devia ser um alienado ou fingir/ tentar não ver as atrocidades e o excesso de autoridade da ditadura. Era necessário não ver para não falar mal ou se rebelar. Essa é uma atividade interdisciplinar que visa à pesquisa. Atividade 05 Agora que você conheceu alguns aspectos do conto contemporâneo, identifique quais das características discutidas neste capítulo se encontram presentes no trecho abaixo. Justifique sua resposta com base no que você leu no decorrer do capítulo. Presença da tragédia Se alguém me matasse. Se eu fosse abatido a tiros por uma amante, pelo marido de uma de minhas amantes, por um neurótico pela fama, por um serial killer americano que tivesse vindo ao Brasil, pelo engano de um traficante, por um assaltante num cruzamento, por uma das milhares de balas perdidas que cruzam a cidade, por uma dessas motos enraivecidas que alucinam o trânsito, por um colega de profissão inconformado com a minha fama. Se morresse em uma inundação, atingido por um raio ou por uma árvore derrubada por um vendaval. Por um remédio com data vencida, por uma comida estragada. Uma tragédia noticiada por toda a mídia, alimentada e realimentada, provocando manchetes vorazes, devoradas com prazer pelo público e construindo a minha legenda. Melhor que fosse algo misterioso. O noticiário duraria mais tempo, o caso seria revisto por curiosos dispostos a desvendar enigmas. Provocar a necessidade de uma autópsia, de exumação. Ser o enigma do século seria a minha glória. Se eu tivesse essa certeza, não me incomodaria de estar morto. (9.10.2000) BRANDÃO, Ignácio de Loyola. O Anônimo, Cadernos de Literatura Brasileira - Instituto Moreira Salles - São Paulo, nº. 11, Junho de 2001, pág. 98. Resposta esperada O leitor deverá aplicar em um outro texto os aspectos que conseguiu identificar nos textos lidos nesse capítulo. Algumas vezes, esses aspectos se repetem em outros textos do mesmo período, como é o caso desse conto. 48 Atividade 06 Agora é sua vez! Com base em tudo que você viu até agora sobre o conto, observe essa imagem e faça dela um conto contemporâneo, utilizando todos os recursos vistos que julgar necessário. http://pro.corbis.com/search/searchFr ame.aspx Resposta esperada Através dessa produção textual, o leitor poderá praticar o conteúdo trabalhado no capítulo: as metáforas, elipses, eufemismo, o ritmo da linguagem... Definitivamente esta é uma oportunidade de produção de um gênero diferente. Atividade 07 Vamos pensar mais um pouco a respeito dos autores contemporâneos... Leia o texto abaixo: Ignácio de Loyola Brandão – Entrevista Como você vê o papel do escritor no mundo hoje? O escritor deve escrever. Uns escrevem por escrever, fazendo disso uma arte pela arte. Bonitos e vazios. Outros, colocam a arte também em função de alguma coisa, dando importância ao homem em si. Acho que o escritor deve retratar seu tempo, apontar os furúnculos, tumores e alegrias. E também oferecer divertimento, distração. BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Entrevista. O Homem do Furo na Mão e Outras Histórias. São Paulo: Ática, 1987. p. 5. (Rosa dos Ventos) Agora reflita: qual poderia ser o papel do escritor contemporâneo? Quais temas você considera que seriam interessantes de se trabalhar num conto considerando o contexto histórico e social do nosso tempo? Resposta esperada Essa atividade busca fazer com que o leitor relacione os contos lidos ao seu presente e ao seu próprio contexto social. 49 Atividade 08 Como foi demonstrado nesse capítulo, as figuras de linguagem contribuem com o autor no sentido de atribuírem determinado sentido ao texto ou causarem alguma reação no leitor. Pesquise na biblioteca ou na internet (você encontrará apenas trechos) outros contos que se utilizem desse recurso, a figura de linguagem. Não se limite a contos contemporâneos, você pode e deve buscar contos fantásticos, de terror ou mesmo nos contos de fadas. Esta será uma oportunidade de colocar em prática o que você aprendeu nos capítulos anteriores e conhecer muitos outros contos... Resposta esperada Estimular a pesquisa e a comparação entre diferentes contos e contistas, bem como a possibilidade de trabalho com a linguagem e com os sentidos através do emprego das figuras de linguagem. Muito mais que decorar ou dar nomes, é necessário que se compreenda o por quê da utilização desse recurso. Atividade 09 Reescreva o conto presente no Anexo 1, na página 80, atribuindo-lhe características contemporâneas como as estudadas no capítulo 2. Sinta-se livre para alterar o tamanho do texto ou mesmo o desenrolar da história. Agora, você é o autor. * O conto encontra-se após a atividade 10. Resposta esperada O leitor terá a oportunidade de se colocar no lugar do autor, percebendo que para escrever um conto é necessário muito mais do que inspiração é necessário um grande trabalho com a linguagem. Atividade 10 Geralmente, quando um filme é lançado no cinema podemos ver em jornais e revistas textos falando sobre eles. Algumas pessoas inclusive procuram no jornal para saber se determinado filme é bom ou não. Isso também acontece na literatura, o nome dado para isso é crítica literária. São textos um pouco mais longos, depende do crítico, do que a crítica de cinema, por exemplo, e são muito interessantes para sabermos as opiniões de outras pessoas sobre determinado livro ou conto. Agora é sua vez, escolha um conto contemporâneo, se possível vá à biblioteca ou peça ao professor um conto diferente e leia-o por completo. Escreva um texto criticando ou elogiando o trabalho do autor falando do enredo, do conteúdo, das palavras utilizadas. Dessa vez, você é o crítico literário. Resposta esperada Busca-se que o aluno produza um texto crítico, com base nos conceitos que estudou até agora neste fascículo. Sugestão: a proposta dessa atividade é bem flexível, cada aluno pode avaliar o conto de outro colega feito na atividade anterior, ao invés dos contos literários propriamente ditos. É interessante também que os alunos pesquisem e tragam para discussão em sala alguns exemplos de críticas, para auxiliar na posterior execução dessa atividade. 50 Uma nova face do conto contemporâneo “O conto vence por nocaute” Júlio Cortazar “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”. C omo você definiria a sentença acima? Texto? Frase? Oração? Pois nós lhe afirmamos que quem a concebeu a classificou como conto, por mais incrível que isso possa parecer de início. Ou melhor, como microconto. Este microconto é de autoria de Augusto Monterroso e trata-se do mais famoso microconto do mundo, segundo Marcelino Freire informa em sua coletânea “Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século” – uma clara paródia à famosa coletânea “Os Cem Melhores Contos Brasileiros do Século”, de Ítalo Moriconi, já citada no capítulo 3. http://www.releituras.com/amonterroso_menu.asp http://www.ciudadseva.com/textos/cuento s/esp/monte/am.jpg Augusto Monterroso nasceu em 1921, na Guatemala. Em 1944, mudou-se para o México. Foi agraciado, em 2000, com o Prêmio Príncipe de Astúrias de Letras. Um dos escritores latinos mais notáveis, Monterroso tem predileção por contos e ensaios. "O dinossauro", uma de suas obras mais célebres, é considerado o menor conto da literatura mundial. Augusto Monterroso faleceu em fevereiro de 2003. O advento dos microcontos – ou minicontos, como são também conhecidos – figura dentro do contexto de um movimento maior, denominado Minimalismo, o qual é característico da pósmodernidade. http://www.vitruvius.com.br/arquitextos /arq000/esp435.asp A palavra Minimalismo se refere aos movimentos artísticos e culturais que permearam o século XX que 51 essenciais, de forma que era considerada bela a ausência de acessórios, de ornamentos, e valorizada a manifestação artística por meio de formas básicas e o mais singelas possível. Você compreenderá melhor esse movimento com o auxílio das imagens 8.jpg m.br/revista/165/imagens/467/medium_70 http://www.vaidireto.com.br/im gdin/minimalista.jpg http://www.viverbemonline.co abaixo: http://pt.wikipedia.org/wiki/Mini malismo. prezavam pela expressão artística nas suas formas mais simples e Na música minimalista, uma obra pode resumir-se à execução de apenas duas notas. Em geral, o mesmo som é repetido à exaustão. A música minimalista nasce com a série Composições 1960, criada por La Monte Young (1935-). O destaque é Terry Riley (1935-), autor de “Em Dó”. Fonte: http://www.spiner.com.br/modules.php?name=arteecultura&file=menu/movimentos/minimalismo A primeira imagem mostra uma decoração “carregada”, cheia de móveis (mesa, cadeiras, aparadores, quadros e um grande lustre), na qual quase não há espaço para a locomoção. Já na segunda figura, temos apresentado um ambiente mais livre e espaçoso, com poucos móveis e objetos, característico do ideal minimalista. Essa tendência ao pouco (ou nenhum) detalhamento e à simplicidade de formas não é diferente na literatura. A literatura minimalista é caracterizada pela economia de palavras. Espera-se dos leitores uma participação ainda mais ativa na criação da história, pois eles 52 devem tomar posição com base em dicas e insinuações, ao invés de descrições explícitas na narrativa. O escritor americano Ernest Hemingway, já falecido, ficou conhecido como fundador da Literatura Minimalista, uma vez que seus textos foram pioneiros em prezar pela concisão e pouca adjetivação, garantindo um maior espaço para a interpretação do leitor. Ernest Miller Hemingway nasceu em 1899, em Oak Park, Illinois (EUA). Filho de um médico da zona rural, cresceu em contato com um ambiente pobre e rude, que conheceu ao acompanhar o trabalho do pai na região. Esse ambiente foi descrito em seu livro de contos In Our Time (1925). Trabalhando como repórter, Hemingway alista-se no exército italiano em 1916 e é gravemente ferido na frente de batalha. Ao deixar o hospital, passa a trabalhar como correspondente em Paris. Em 1926, publica O Sol Também Se Levanta, livro que obteria um sucesso surpreendente. Ganhador do Nobel de Literatura (1954), Hemingway suicidouse em sua casa de Ketchum, em Idaho (EUA), em 1961. http://educacao.uol.com.br/biografias/ult1789u117.jhtm http://www.livrariamelhoramentos.com.br/supercart/cgi- bin/supercart.exe/searchID?ok=detalhes_livros.htm¬hing=livros_nada.htm &b=168&id_est=144213&depto=88 Na literatura brasileira, o movimento minimalista incentivou a produção de microcontos. A obra Ah, é?, de subtítulo “Ministórias” de autoria de Dalton Trevisan (1994), é considerada obra-prima do estilo minimalista. A obra é composta por contos curtíssimos e a tensão da narrativa, característica do gênero conto, é valorizada. De acordo com Spalding, um estudioso de microcontos, esta tensão narrativa geralmente é produzida por meio de cortes e elipses, cabendo ao leitor imaginar o que está oculto. Dentre os contos do livro de Trevisan, leia abaixo um dos mais longos: Tarde de verão, é levado ao jardim na cadeira de braços – sobre a palhinha dura a capa de plástico e, apesar do calor, manta xadrez no joelho. Cabeça caída no peito, um fio de baba no queixo. Sozinho, regala-se com o trino da corruíra*, um cacho dourado de giesta* e, ao arrepio da brisa, as 53 folhinhas do chorão faiscando – verde, verde! Primeira vez depois do insulto cerebral aquela ânsia de viver. De novo um homem, não barata leprosa com caspa na sobrancelha – e, a sombra das folhas na cabecinha trêmula, adormece. Gritos: Recolha a roupa. Maria, feche a janela. Prendeu o Nero? Rebenta com fúria o temporal. Aos trancos João ergue o rosto, a chuva escorre na boca torta. Revira em agonia o olho vermelho – é uma coisa, que a família esquece na confusão de recolher a roupa e fechar as janelas? Trevisan, Dalton. In: Ah, é? 1994 hhttp://www.flickr.com/photos/acbc/50 950975/ http://www.flickr.com/photos/acbc/509 50975/ ttp://www.flickr.com/photos/acbc/5095 0975/ *Trino: gorjear, trilar, canto melodioso formado de notas rápidas, emitido por algumas aves, como a andorinha, o rouxinol, o sabiá etc. *Corruíra: nome comum dado as várias espécies de pássaros da família dos trogloditídeos. *Giesta: gênero de plantas ornamentais leguminosas, vassoura de giesta. Vemos aqui personagens, espaço, ação, enfim, todo o necessário para o desenvolvimento da história. E, como Hemingway, o autor deixa a cargo do leitor pensar e compreender o conto, ou seja, o autor não fornece nada pronto; apenas “pistas”, que, unidas por quem lê, formam um todo coerente. Trevisan garante apenas instrumentos para que o leitor tire suas próprias conclusões a respeito da personagem que é levada em uma cadeira para o jardim. Será esta personagem uma coisa? Recolhe-se a roupa, fecha-se a janela, prende-se o cachorro, mas ninguém se lembra da personagem que fora levada ao jardim. A economia na linguagem pode ser notada em passagens como “Prendeu o Nero?”: em momento algum se diz que Nero seria um cachorro, no entanto, o verbo “prender” e o nome próprio incomum em seres humanos fazem com que o leitor infira que se trata de um cão. É interessante notar neste conto, que a narrativa se constrói descrevendo-se um quadro, uma cena. Numa construção não minimalista, provavelmente teríamos algo como: “Numa tarde de verão, ele é levado ao jardim em sua cadeira de braços, e sobre a palhinha dura da mesma, estava a capa de plástico. Apesar do calor, tinha 54 uma manta xadrez sobre o joelho. Estava com a cabeça caída no peito e pendia um fio de baba em seu queixo.” Releia o início do conto de Trevisan e compare com o trecho reescrito que você acaba de ler: quantas palavras foram suprimidas? Muitas, não é mesmo? Porém, a falta dessas palavras, da primeira vez que você leu o conto, atrapalhou o seu entendimento do trecho? Tenho certeza de que não, porque você, como bom leitor, subentendeu-as. Assim, você pode notar o quanto é importante o papel do leitor neste tipo de narrativa extremamente breve. O mais interessante nisso tudo é que o microconto, ainda que tão curto se comparado aos contos de fadas e lendas, por exemplo, exige a atenção do leitor para uma interpretação que não está ali tão clara... Vários microcontos forma obra de Marcelino Freire, http://www.nordesteweb.com/not04_06 04/ne_not_20040424e.htm denominada Os Cem Menores Contos Brasileiros do Século. Para construí-la, o autor “desafiou” (nas palavras do próprio) 100 escritores brasileiros a escreverem contos com, no máximo, 50 letras. Entre eles, participam da coletânea: Millôr Fernandes, Moacyr Scliar, Marçal Aquino, Lygia Fagundes Telles, e muitos outros grandes nomes da Literatura Brasileira Contemporânea. Os microcontos, tal como qualquer outro tipo de narrativa, podem ser construídos nas mais variadas formas. Temos aqui alguns exemplos de microcontos (retirados da Antologia de Marcelino Freire) nos quais podemos notar essas diferentes construções formais. Observe o microconto abaixo: Só Se eu soubesse o que procuro com esse controle remoto... Fernando Bonassi No microconto acima transcrito nota-se uma voz de narrador-personagem – alguém que fala sobre si próprio – marcada pela construção na pessoa verbal; além da presença das reticências, confirmando a não necessidade de mais palavras ou explicações. Nisto está a essência dos microcontos: dizer pouco sugerindo muito. Em relação ao conteúdo, o título 55 “Só” e a cena do homem solitário e indeciso em frente à TV sugerem a falta de sentido e objetivo para a existência humana. Abaixo, veja um outro exemplo com forma distinta: Disque-denúncia -Cabeça? -É. -De quem? -Não sei. O dono não tá junto. Marçal Aquino Aqui o miniconto se estrutura na forma de diálogo, por meio do discurso direto. Não há presença de narrador, nem se explicita quem seriam os personagens. No entanto, é evidente a ação que se desenrola (uma denúncia por telefone) bem como seus personagens são facilmente identificáveis (cidadão/policial). Nesse microconto está clara a questão da crítica à violência nos dias atuais. Caiu da escada e foi para o andar de cima. Adrienne Myrtes No caso do microconto acima, composto por uma única sentença, podemos notar o narrador externo à ação, demonstrado pelo do uso da terceira pessoa. Temos também ação (cair/ir) e uma personagem que não é sequer descrita, o que não interfere na compreensão da narrativa. O uso de figuras de linguagens é um recurso bastante presente nos microcontos, o qual auxilia na concisão da linguagem. Neste caso, Adrienne Myrtes usa o eufemismo “foi para o andar de cima” para expressar a morte da personagem, contrastando com o verbo cair (indica uma única direção possível, ou seja, para baixo) com o ato de ir para o andar de cima. Tome Nota!: O que é Eufemismo?: É a atenuação ou suavização de idéias consideradas desagradáveis, cruéis, imorais, obscenas ou ofensivas. Por exemplo: “Nos fizeram varrer calçadas, limpar o que faz todo o cão...” (Em lugar de fezes) ou mesmo: 56 "Trata-se de um usurpador do bem alheio..." (Em lugar de ladrão) Vê-se, portanto, que muitas são as questões que podem surgir quando pensamos nessa nova maneira de fazer Literatura. Podemos nos perguntar se é possível contarmos uma história em tão poucas palavras... Quem defende os microcontos como gênero literário dirá que sim, e que isto irá depender da habilidade do autor em dizer o mínimo necessário em cada vez menos palavras. Por outro lado, há quem defenda que, para haver narrativas, são necessários personagem, ação e enredo, ou seja, requisitos demais pra uma única sentença. E você, agora que estudou três capítulos sobre contos, o que pensa a respeito desta novidade? O haicai é uma forma de poema japonês, em geral composto por um total de 17 sílabas poéticas, divididas na seqüência de 5, 7 e 5 sílabas. Outra questão de destaque na organização dessa forma de poema é o uso da chamada “palavra de estação”: um termo ou expressão presente no haicai que faz referência a uma estação do ano. Os haicais são construídos dentro de uma temática das estações do ano que, de acordo com a cultura japonesa, além das quatro que conhecemos (primavera, verão, outono e inverno), englobam também o Ano Novo, totalizando, portanto, cinco estações. Abaixo, um exemplo de haicai: Primeiro frio do ano fui feliz se não me engano Paulo Leminski 57 O que você aprendeu: O que é um microconto Movimento minimalista As principais diferenças e semelhanças entre contos e microcontos Consulte o site http://www.nemonox.com/1000portas/projeto.html e conheça outros microcontos. 58 Atividades Atividade 1 Volte agora ao capítulo 2 que trata da estrutura dos contos e responda: quais semelhanças e diferenças você pode encontrar entre os contos e os microcontos? Resposta esperada Sem dúvida maior diferença é a brevidade, pois o tamanho do conto será uma das diferenças mais gritantes. Como semelhanças os alunos poderão citar a presença de um narrador, de um enredo e personagem. Nem sempre os microcontos nos fornecerão um espaço claro, mas a ação estará sempre presente. Além disso, a descrição é escassa e quase ausente nos microcontos – o professor poderá pensar em outras semelhanças e diferenças. Atividade 2 A linguagem literária permite muitas interpretações. Nos microcontos, essa característica é ressaltada pela brevidade, que não permite detalhes. Leia os contos abaixo e apresente tantas interpretações quantas considerar possíveis: ACERTO -Está feito? -Sim -Quem? -O de treze... -É? -Sim. -E agora? -O enterro é às cinco. Francisco de Morais Mendes VIGÍLIA Pronto nos olhos, O pranto só espera a notícia. João Anzanello Carrascoza Resposta esperada Leitura(s) pessoal(ais) do microconto. 59 Atividade 3 Leia o microconto abaixo: MAS O RIO CONTINUA LINDO Pensa o desempregado Ao pular do Corcovado. Antonio Torres Agora reflita e responda: qual o recurso estilístico presente neste microconto que o diferencia dos demais? Qual o efeito provocado pelo uso deste recurso? Resposta esperada O recurso de que se fala é a rima. Espera-se que o aluno veja que, embora estejamos tratando de texto em prosa, a rima aparece conferindo a qualidade de prosa poética ao microconto, ou seja, ainda que não seja poesia, a sonoridade é ressaltada. Atividade 4 Você pôde observar neste capítulo que os microcontos também variam em seu tamanho: podem ser de uma página ou mesmo de uma linha. Use sua criatividade e dê continuidade à narrativa do microconto abaixo, sem, contudo, fazer com que ele deixe de ser um microconto. FUMAÇA Olhou a casa, o ipê florido. Tudo para ela. Suspendeu a mala e foi. Ronaldo Correia de Brito Resposta esperada Produção de texto (microconto). Atividade 5 O microconto transcrito abaixo pode provocar riso. Explique como se dá o efeito cômico. TESTE DE VISTA Ler? Não, senhor. São óculos para descanso. Moacyr Godoy Moreira 60 Resposta esperada Quer-se obter do aluno a explicação de que a comicidade se daria pela ambigüidade do termo “descanso”, quando relacionado à “óculos”, assim, “óculos para descanso” é entendido como “óculos para que não se leia”. Atividade 6 Faça com que o microconto abaixo se transforme num conto comum, como os que você viu nos capítulos anteriores. Para isso, acrescente detalhes, descrições e o que mais lhe parecer conveniente. A DÍVIDA Mata o pai, arromba o cofre, só uma caixa vazia. José Castello Resposta esperada Produção textual de gênero conto. Atividade 7 A Internet é um campo fértil para os microcontos. Atualmente, é grande o número de internautas que escrevem e postam em seus blogs os seus próprios microcontos. Faça uma breve pesquisa na Internet e liste aqui o que você encontrar e considerar interessante a respeito dos microcontos no meio digital. Depois, reflita: essas duas formas de microcontos são diferentes entre si ou se assemelham? O meio de publicação (livro/Internet) interfere na construção do microconto? O que você acha? Resposta esperada Essa é uma questão de pesquisa e reflexão sobre a interferência do meio no gênero. Resposta pessoal. Atividade 8 Ernest Hemingway, escritor já citado no capítulo, tem uma teoria muito famosa a respeito dos contos. Nesta teoria, ele compara o conto a um iceberg. Formesm grupos e pesquisem a respeito dessa comparação. Depois, expliquem a teoria utilizando-se dos microcontos como exemplo. Resposta esperada Espera-se que o aluno pesquise e descubra o porque da comparação dos contos aos icebergs, explicando com base em algum(ns) microconto(s) que, como nos icebergs – os quais tem somente um oitavo do seu volume visível fora d`água - também os contos “escondem” muitos sentidos por detrás de poucas palavras. Atividade 9 Leia os microcontos a seguir e defina um tema comum entre eles. BALA PERDIDA Acorda, levanta, vai ganhar a vida... (Disparos) 61 ...passou tão rápida. Wilson Freire PODE Você pode morrer a qualquer momento. André Sant’anna FIM DE PAPO Na milésima segunda noite, Sherazade degolou o sultão. Antônio Carlos Secchin Uma vida inteira pela frente. O tiro veio por trás. Cíntia Moscovich Morreu de quê? Gastou-se. Eugênia Menezes Resposta esperada Espera-se que o aluno observe que a morte é um dos temas comuns a todos os contos. Alguns falam de assassinato: num Sherazade mata o sultão, noutros ocorrem mortes por tiros... esta não é uma resposta única poderão haver outras possibilidades. Atividade 10 Leia o microconto abaixo de Ivana Arruda Leite, cujo título foi omitido. Qual a sua interpretação a respeito dele? O que ocorre nesse microconto? Confesso. Fui eu que enfiei a faca na barriga desse porco. Releia o microconto agora com o seu título: FEIJOADA Confesso. Fui eu que enfiei a faca na barriga desse porco. Há uma mudança na interpretação desse microconto a partir da leitura de seu título. Explique essa mudança. Resposta esperada Espera-se que o aluno note que o título faz toda a diferença na interpretação, uma vez que direciona novo sentindo para a palavra “porco”, a qual inicialmente poderia ser interpretada como uma referência – insulto – a um ser humano, quando na verdade se trata da alusão ao animal, como fica claro depois que lemos o título. 62 HQ – Um novo formato para os contos “Um belo livro desperta vocação, desperta curiosidade, ler ensina, entrete, desperta curiosidade. Ele é a junção de duas cabeças pensantes: a do autor e a do leitor” (Maurício de Sousa) Agora que você já aprendeu bastante sobre a origem do conto e sua estrutura, analisou alguns contos contemporâneos e conheceu os microcontos, vamos explorar um novo formato do conto: os quadrinhos – ou simplesmente as HQ, como também são conhecidos. Quem não leu quando criança gibis da Turma da Mônica ou Comics da Marvel, como os X-Men e o Super-Homem? Você sabia que existem contos de Machado de Assis, Moacyr Scliar e Lima Barreto, dentre outros, adaptados para os quadrinhos? É isso mesmo, eles estão disponíveis para leitura tanto em forma virtual quanto impressa. Aprendendo um pouco sobre as HQ As histórias em quadrinhos, como qualquer forma de expressão artística, têm uma linguagem característica do gênero, com códigos e regras. São vários os elementos que a compõem. Os principais são: Imagem: elemento fundamental da linguagem dos quadrinhos, a imagem tem importância maior em relação à escrita nos HQs. As HQ se propõem a contar uma história baseada em imagens. Isso não quer dizer que a palavra seja sempre dispensável, mas significa que ela não é o meio primordial de comunicação como na literatura tradicional, sendo, às vezes, desnecessária. Há histórias em quadrinhos que sequer utilizam os balões de fala. As imagens abaixo, por exemplo, não apresentam falas, porém, sua compreensão é perfeitamente possível: 63 http: //www.monica.com.br/cookpage/cookpage.cgi?!pag=comics/tirinhas/tira248 Na imagem ao lado conseguimos observar que a moça está, no mínimo, assustada, sem que para isso ela tenha dito absolutamente nada. Representação do movimento: as histórias em quadrinhos representam movimentos através de imagens, luzes e sombras. Vários recursos são utilizados com esse objetivo: a deformação de folhas e galhos de árvores sob ação do vento, a inclinação de um corpo para indicar que este está correndo, a alteração das dobras das roupas no sentido do deslocamento, dentre outros. Encadeamento de imagens: nas histórias em quadrinhos, o autor decompõe uma ação em um determinado número de imagens colocadas em seqüência. Não há, contudo, um recurso tecnológico digital que reproduza o movimento, como nos 64 desenhos animados, por exemplo. Assim, a ilusão do movimento fica por conta da linguagem visual transmitida ao leitor. Representação dos sons: além da prática comum de colocar dentro dos chamados ―balões‖ a representação escrita das falas das personagens, é freqüente também a utilização da escrita para representações sonoras que não fazem parte da linguagem humana. São, de um modo geral, representações de ruídos. Tais representações se fazem por meio de onomatopéias, como nos exemplos abaixo: http://www.marel.pro.br/onomat.h tm http://www.marel.pro.br/onomat.h tm http://www.marel.pro.br/onomat.h tm Literatura e HQs Tome Nota Como você pode perceber, onomatopéia é a figura de linguagem utilizada para representarmos algo pelo seu som. Empregamos este recurso em expressões tais como: O “cri cri” dos grilos na janela a incomodava. Ou ainda: Eu ia pela rua quando de repente - “cabrum” - começou a chover. ruídos. Dessa forma, a onomatopéia é um modo de representar, através da escrita, os Veja outros exemplos de onomatopéia comumente encontrados nas histórias em quadrinhos: Aaai! – grito de dor Ah! – grito de surpresa, dor, medo ou pavor Ah! Ah! Ah! – risada ou gargalhada Ahhh! – alívio Ahn! – choro Arf! – animal arfando, ofegante Argh! – nojo Eeek! ic! – soluço Er... Ahn ... – indecisão Bah! – desagrado Bam! – tiro de revólver Buá! – choro 65 Além de heróis como o Super-Homem e a Mulher Maravilha, existem também HQs sobre personagens mais próximos da realidade como Calvin, Luluzinha, Turma da Mônica e Popeye. Além disso, há quadrinhos inspirados em personagens literários, porque é cada vez mais comum encontrarmos adaptações de contos e romances. Machado de Assis, Manuel Antonio de Almeida, Lima Barreto e Moacyr Scliar – o qual teve adaptado para os HQs seu conto A orelha de Van Gogh – são alguns exemplos disso. www.escalaeducacional.com.br/paradidalitbras.asp Observe que a adaptação de contos literários para os quadrinhos não é um movimento tão simples. Adaptar uma obra para um outro gênero ou linguagem significa, em certa medida, modificá-la. A mudança é inevitável, e depende do objetivo da adaptação. Vejamos alguns casos. Dom Casmurro em quadrinhos – uma adaptação que deu certo Um caso interessante envolvendo quadrinhos e literatura foi a adaptação baseada no livro Dom Casmurro de Machado de Assis. 66 O jornal Extra, do Rio de Janeiro, publicou em setembro de 2008 uma adaptação em quadrinhos da história da personagem Capitu, na qual ela é inocentada da suspeita de traição em relação a Bentinho. A obra original trata do namoro de Bentinho e Capitu que se deu desde que eram crianças, e posterior casamento. Bentinho, destinado a ser padre devido a uma promessa de sua mãe, conheceu a nova vizinha Capitu, por quem se apaixonou e desistiu de ser seminarista. Com o passar dos anos, Bentinho vai fazendo jus ao seu apelido de casmurro na mesma proporção em que seu ciúme por Capitu cresce. Seu modo rabugento e cismado de ser se agrava com o nascimento de Ezequiel, seu filho. Bentinho começa a desconfiar que o menino é filho do seu melhor amigo, Escobar. Daí surge a pergunta que mais se repete entre os leitores: ―Afinal, Capitu traiu ou não traiu Bentinho?‖ – uma pergunta que o livro não responde, os críticos tentam responder e à qual os leitores ficam sem resposta... Diante de quase cem anos de polêmica, João Arruda e Vinícius Micthell elaboraram uma história em quadrinhos que inocenta Capitu. Eles criaram a narrativa na forma de um tribunal. A história se pauta nos argumentos dos advogados de acusação e de defesa. O final da HQ apresenta uma prova irrefutável da inocência da personagem. Contudo, tal prova é uma reviravolta completa na trama proposta por Machado de Assis, que deixou a dúvida em suspenso. Essa HQ pode ser lida na íntegra no site: http://extra.globo.com/blogs/tirandodeletra/post.asp?t=quadrinhos_do_julgament o_de_capitu&cod_Post=129130&a=506 Veja logo a seguir alguns trechos da HQ selecionados: 67 Esse quadrinho criou um desfecho diferente para o romance Dom Casmurro. Além disso, no romance de Machado de Assis, Bentinho é o narrador, logo, toda a trama é apresentada sob seu ponto de vista. Observe que, no trecho da HQ acima, predomina a fala das personagens participantes, em detrimento da fala do narrador, presente apenas no topo do terceiro quadrinho. Uns Braços em quadrinhos – uma outra adaptação A versão em HQ do conto Uns Braços, de Machado de Assis, traz um texto mais fiel ao original. Nesta adaptação para HQ preservou-se a figura do narrador, tão importante para o conto machadiano. Veja a seguir um trecho da adaptação: 68 Como você pode notar, o narrador está bastante presente nos quadrinhos, representado pela caixa quadrada acima das imagens. Veja agora um trecho da obra original, que corresponde aos quadrinhos retratados acima: Como você pode notar, o narrador está bastante presente nos quadrinhos, representado pela caixa quadrada acima das imagens. Veja agora um trecho da obra original, que corresponde aos quadrinhos retratados acima: Uns Braços (...) Saiu da sala, atravessou rasgadamente o corredor e foi até o quarto do mocinho, cuja porta achou escancarada. D. Severina parou, espiou, deu com ele na rede, dormindo, com o braço para fora e o folheto caído no chão. A cabeça inclinava-se um pouco do lado da porta, deixando ver os olhos fechados, os cabelos revoltos e um grande ar de riso e de beatitude. D. Severina sentiu bater-lhe o coração com veemência e recuou. Sonhara de noite com ele; pode ser que ele estivesse sonhando com ela. Desde madrugada que a figura do mocinho andava-lhe diante dos olhos como uma tentação diabólica. Recuou ainda, depois voltou, olhou dois, três, cinco minutos, ou mais. Parece que o sono dava à adolescência de Inácio uma expressão mais acentuada, quase feminina, quase pueril. "Uma criança!" disse ela a si mesma, naquela língua sem palavras que todos trazemos 69 conosco. E esta idéia abateu-lhe o alvoroço do sangue e dissipou-lhe em parte a turvação dos sentidos. "Uma criança!" http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000259.pdf Nos quadrinhos, um dos efeitos que a preferência pelo uso constante da fala do narrador produz é a preservação da atmosfera reflexiva e ambígua do conto machadiano. Enquanto na HQ de Dom Casmurro observamos uma representação consecutiva de falas, provocando uma leitura mais dramatizada, em Uns Braços notamos uma tendência a preservar o narrador da obra original. O que há, neste caso, é uma inserção de imagens de forma que a adaptação ao gênero dos quadrinhos interfira menos no enredo original. O que é Mangá? Mangá é o nome dado às histórias em quadrinhos de origem japonesa. A palavra surgiu da junção de outros dois vocábulos: man, que significa involuntário, e gá, imagem. Os mangás se diferenciam dos quadrinhos ocidentais não só pela sua origem, mas principalmente por se utilizarem de uma representação gráfica completamente própria. Pra começar, o alfabeto japonês se compõe de ideogramas que não só representam sons, mas também idéias. Assim, em um mangá o texto em geral, mas principalmente as onomatopéias, fazem parte da arte. A ordem de leitura dos mangás também é diferente daquela que estamos acostumados. Um livro japonês começa pelo que seria o fim de uma publicação ocidental. Além disso, o texto é disposto da direita para a esquerda. Outra característica peculiar dos mangás é que eles são publicados em volumes de mais ou menos 200 páginas cada, o que permite aos autores criar histórias mais longas e aprofundadas. Dessa forma, em um mangá é comum ver várias páginas só de imagens, sem diálogos, e também ações que se desenrolam por muitos quadrinhos e abordadas por diferentes pontos de vista. A disposição dos quadrinhos em uma página de mangá é diferente daquela que se costuma ver num comic americano, que costuma ter três ou quatro fileiras de quadrinhos por página. Como os mangakás (nome dado aos autores de mangás) dispõem de um espaço maior para contar sua história, também empregam um número menor de quadrinhos por página – não é difícil ver página até sem quadrinhos, com uma única imagem estourada. Também é característica dos mangás serem feitos completamente em preto-e-branco e em papel jornal, o que torna o produto mais barato e faz com que ele seja consumido por todo tipo de pessoa - no Japão eles são lidos por crianças, estudantes, executivos, donas-de-casa… Esses são apenas alguns pontos que caracterizam os mangás. Só que o principal é a capacidade que eles têm de encantar pessoas do mundo todo. Ler um mangá é uma experiência única. É mergulhar em um mundo próprio. Cheio de ação, emoção, heróis, criaturas mágicas e muita, muita diversão. h h p / / m a n g a b u o o m b / o q u e e m a n g a / httttttp p:::/ // /m ma an ng ga asssjjjb bccc...u uo olll...ccco om m...b brrr/ /o o---q qu ue e---e e---m ma an ng ga a/ / http://img111.imageshack.us/img111/8537/ 19ze3.jpg http://mangasjbc.uol.com.br/samurai-x-56/ http://mangasjbc.uol.com.br/fruits-basket-01/ 70 Conclusão Você pode notar que muitos contos literários tiveram em suas edições algumas ilustrações de seu enredo. Podemos dizer que esta foi a semente para chegarmos às histórias em quadrinhos – um gênero que ocupa um espaço cada vez maior nas estantes das livrarias. É possível afirmar que ―traduzir‖ obras da literatura canônica para a linguagem dos quadrinhos foi uma maneira de aproximar estas histórias de um público leitor mais jovem. Essas adaptações foram, de certa forma, uma modernização de obras da literatura brasileira, que talvez não despertassem tanto interesse nos adolescentes caso fossem apresentadas em seu formato original. Não podemos esquecer, contudo, que transpor um conto literário para quadrinhos significa alterar o gênero inicial da história. Ler um quadrinho de um conto nunca será a mesma coisa do que ler o conto original, pois os quadrinhos sempre trarão uma visão limitada da história. Caberá a você ser um leitor perspicaz, buscando nos quadrinhos toda a riqueza que o mundo das imagens pode nos fornecer, sem se esquecer de que a escrita é também uma forma de comunicação única, a qual traz um mundo de expressões que imagem alguma pode traduzir. . O que você aprendeu: As histórias em quadrinhos têm alguns elementos principais tais como: imagens, representação de movimentos, encadeamento de imagens e representação de sons; Alguns contos literários foram adaptados para a linguagem dos quadrinhos, sendo que esse movimento pode valorizar a história original em maior ou menor grau; As HQs e os contos literários pertencem a gêneros diferentes, sendo que cada um tem uma riqueza própria que não pode ser comparada. 71 http://images.google.com.br/imgres?imgu rl V ale a pena conferir Dicas de leitura Dando seqüência à recente onda de adaptações de textos literários para os quadrinhos feitos por artistas brasileiros, a editora Desiderata divulgou o lançamento de Irmãos Grimm em Quadrinhos A obra traz 14 contos clássicos em versões criadas por diversos quadrinhistas. Os contos dos irmãos Grimm (Jacob e Wilhelm), considerados educativos e até certo ponto moralistas, foram colhidos a partir da tradição oral européia, em especial a alemã e a francesa, em volumes publicados entre 1811 e 1863. As adaptações tentam resgatar os contos como os Grimm os compilaram, sem o conteúdo politicamente correto que surgiu no decorrer dos anos. De acordo com o release da editora, as versões em quadrinhos buscam interpretações para as histórias, com um apelo "pop" e contemporâneo. Fonte: www.universohq.com/.../2007/n17122007_07.cfm 72 Atividades Atividade 1 Você se lembra da lenda urbana da Loira do banheiro que lemos no capítulo 1? Releia os quadrinhos com atenção e compare com o texto em prosa. Que diferenças você pode notar entre as duas formas de contar esta mesma lenda? É possível encontrar semelhanças? Explicite. Resposta esperada Espera-se que o aluno possa dizer que no texto em prosa a forma de contar a lenda é por meio de um texto corrido, sem a presença de diálogos e imagens, enquanto que nos quadrinhos o texto está dentro de balões de fala e há personagens que conversam. Os efeitos que ambos causam também são diferentes, no texto corrido a sensação que se tem é de estar recebendo uma informação, nos quadrinhos, através da fala das personagens, cria-se um clima de suspense. A semelhança está no conteúdo, pois tanto o texto quanto os quadrinhos tratam da lenda da Loira do Banheiro. Atividade 2 Leia a tirinha abaixo. Com base nela redija um conto de, no mínimo, quinze linhas. Lembre-se que a linguagem do conto e da tirinha diferem. Enquanto a tirinha tem uma linguagem sintética e conta com o auxílio de imagens, o conto possui uma voz narrativa que organiza o relato. Quadro 3: É a época de provas. (http: //tirasnacionais.blogspot.com/2008/10/galerinha-do-hc-mb-rosa-duval_28.html) Resposta esperada Nesta atividade espera-se que o aluno recorra à própria criatividade e às informações esclarecidas nos capítulos iniciais sobre as características do conto. Espera-se que ele possa detalhar seu texto recorrendo ao narrador, descrevendo o cenário, as personagens, etc. Atividade 3 Você se lembra do mito Tupi apresentado no capítulo 1? Releia e faça um quadrinho com base neste mito. Você poderá contar com o auxílio da professora de educação artística para aprimorar seus desenhos. Não se esqueça: nos quadrinhos você deverá usar balões de fala e onomatopéias! Resposta esperada 73 Novamente uma proposta interdisciplinar. O aluno deve recorrer às técnicas adquiridas na aula de artes para produzir seus desenhos. Mas o mais importante é que ele saiba adaptar a linguagem textual para os quadrinhos, usando balões de fala, de narração e onomatopéias quando necessário. Atividade 4 As onomatopéias são figuras de linguagem que imitam sons e barulhos. Crie onomatopéias para os quadrinhos abaixo: ______________ _____________ _______________ ________________ _____________ _____________ (http://www.letras.ufmg.br/redigir/HQProf.pdf ) _____________ _________________ Resposta esperada Os alunos devem criar suas onomatopéias e discutir com os colegas a pertinência delas. É importante que eles percebam que, como a maioria das onomatopéias não é uma convenção consolidada na língua, vai haver mais de uma possibilidade para cada caso. Atividade 5 Que efeito as onomatopéias dos quadrinhos abaixo produz: 74 http://lh5.ggpht.com/xcorex2/ReD_61TBTdI/AAAAAAAAABM/JAwMfZE30RA/s288/Peanuts.1953_066.jpg Resposta esperada Espera-se que o aluno diga que o uso dessas onomatopéias contribuiu para um efeito cômico. Para chegar nessa idéia o aluno precisa interpretar os quadrinhos, observar que na primeira cena o garoto e o cão estão se estranhando, na segunda começam a rosnar, na terceira latem ferozmente um para o outro e no último quadrinho saem correndo porque se assustam com o ruído que produziram. Atividade 6 http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/1/1 0/Manga_-_prawidlowy_sposob_czytania.png Observe na figura abaixo como se deve ler um mangá: Volte ao texto do capítulo 5 e releia o Box sobre Mangás e responda: a) Qual a diferença entre os mangás e os Comics americanos? b) Você já leu algum mangá? Há alguém em sua sala que já tenha lido este tipo de quadrinho? Converse com seus amigos e troque experiências. Discuta com eles sobre as diferenças de se ler este tipo de quadrinhos e as HQs ocidentais. Respostas esperadas: a) Os mangás se diferem dos Comics americanos em dois aspectos: no que diz respeito à forma, os mangás são lidos da direita para a esquerda, ao contrário das HQs ocidentais. 75 Com relação ao conteúdo, os mangás têm mais onomatopéias, de forma que grande parte dos quadrinhos serve para expressar momentos de emoção, enquanto que os Comics americanos são mais enxutos. b) --- Atividade 7 (Literatura Brasileira em Quadrinhos: O homem que sabia javanês, Editora Escala Educacional) Para adaptar um conto ao formato de história em quadrinhos, são necessárias algumas alterações. Leia, o trecho abaixo, do conto original, compare com a versão em quadrinhos e responda a questão. Em uma confeitaria, certa vez, ao meu amigo Castro contava eu as partidas que havia pregado às convicções e às respeitabilidades, para poder viver. Houve mesmo uma dada ocasião, quando estive em Manaus, em que fui obrigado a esconder a minha qualidade de bacharel, para mais confiança obter dos clientes, que afluíam ao meu escritório de feiticeiro e adivinho. Contava eu isso. O meu amigo ouvia-me calado, embevecido, gostando daquele meu Gil Blas vivido, até que, em uma pausa da conversa, ao esgotarmos os copos, observou a esmo: — Tens levado uma vida bem engraçada, Castelo! — Só assim se pode viver… Isto de uma ocupação única: sair de casa a certas horas, voltar a outras, aborrece, não achas? Não sei como me tenho agüentado lá, no consulado! — Cansa-se; mas não é isso que me admiro. O que me admira é que tenhas corrido tantas aventuras aqui, neste Brasil imbecil e burocrático. — Qual! Aqui mesmo, meu caro Castro, se podem arranjar belas páginas de vida. Imagina tu que eu já fui professor de javanês? 76 Que alterações você observou? Resposta esperada Espera-se que o aluno observe que não houve alteração do texto nesta adaptação de quadrinhos. A diferença é a inserção de imagens e a disposição do texto original em balões de fala. Atividade 8 Observe o quadrinho e depois leia o trecho de Memórias de um sargento de milícias que o segue. Fora Leonardo algibebe em Lisboa, sua pátria; aborrecera-se, porém do negócio, e viera ao Brasil. Aqui chegando, não se sabe por proteção de quem, alcançou o emprego de que o 77 vemos empossado, e que exercia, como dissemos, desde tempos remotos. Mas viera com ele no mesmo navio, não sei fazer o quê, uma certa Maria da hortaliça, quitandeira das praças de Lisboa, saloia rechonchuda e bonitota. O Leonardo, fazendo-se-lhe justiça, não era nesse tempo de sua mocidade mal apessoado, e, sobretudo era maganão. Ao sair do Tejo, estando a Maria encostada à borda do navio, o Leonardo fingiu que passava distraído por junto dela, e com o ferrado sapatão assentou-lhe uma valente pisadela no pé direito. A Maria, como se já esperasse por aquilo, sorriu-se como envergonhada do gracejo, e deu-lhe também em ar de disfarce um tremendo beliscão nas costas da mão esquerda. Era isto uma declaração em forma, segundo os usos da terra: levaram o resto do dia de namoro cerrado; ao anoitecer passou-se a mesma cena de pisadela e beliscão, com a diferença de serem desta vez um pouco mais fortes; e no dia seguinte estavam os dois amantes tão extremosos e familiares, que pareciam sê-lo de muitos anos. Quando saltaram em terra começou a Maria a sentir certos enojos: foram os dois morar juntos: e daí a um mês manifestaram-se claramente os efeitos da pisadela e do beliscão; sete meses depois teve a Maria um filho, formidável menino de quase três palmos de comprido, gordo e vermelho, cabeludo, esperneador e chorão; o qual, logo depois que nasceu, mamou duas horas seguidas sem largar o peito. E este nascimento é certamente de tudo o que temos dito o que mais nos interessa, porque o menino de quem falamos é o herói desta história. http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=1969 Como na atividade anterior, compare o texto com a adaptação para os quadrinhos e descreva quais foram as alterações. Resposta esperada Espera-se que o aluno observe que diferentemente do que houve na atividade anterior, o texto original não foi simplesmente transposto em balões de fala. Toda a descrição foi suprimida, mas a informação principal foi mantida. Atividade 9 Leia os quadrinhos abaixo e observe atentamente o olhar de Inácio, personagem do conto Uns braços de Machado de Assis. O que você poderia dizer sobre a relação entre texto e a ilustração, considerando apenas os olhos do personagem. Atividade 10 78 Escolha um conto e transforme-o em HQ. Se possível, visite o site http://ideiasemblog.blogspot.com/2008/09/hagqu-criando-quadrinhos-4.htmt e veja como disponibilizá-lo inclusive na Internet. Veja abaixo um pouquinho da proposta pedagógica desse blog: O que é o site “HagáQuê”? Todos conhecem o caráter lúdico das histórias em quadrinhos (HQs) e muitos a consideram uma forma de arte. Além de entreter, as HQs podem auxiliar no processo de ensino-aprendizagem dos mais diversos conteúdos, como geografia, matemática, história, português e idiomas estrangeiros, além de ser uma excelente ferramenta para o trabalho com alunos com necessidades especiais. Baseado nestas características positivas das HQs, surgiu a proposta de desenvolvimento do software HagáQuê, um editor de histórias em quadrinhos com fins pedagógicos. 79 Anexo 1 Capítulo 3 O burro juiz Para quem aprecia o senso de humor de Monteiro Lobato eis uma pequena fábula intitulada O burro juiz. Nossa recomendação: mesmo sendo togado é recomendável não enfiar a carapuça. Disputava a gralha com o sabiá, afirmando que a sua voz valia a dele. Como as outras aves rissem daquela pretensão, a bulhenta matraca de penas, furiosa, disse: — Nada de brincadeiras. Isto é uma questão muito séria, que deve ser decidida por um juiz. Canta o sabiá, canto eu, e a sentença do julgador decidirá quem é o melhor artista. Topam? — Topamos! piaram as aves. Mas quem servirá de juiz? Estavam a debater este ponto, quando zurrou um burro. — Nem de encomenda! exclamou a gralha. Está lá um juiz de primeiríssima para julgamento de música, pois nenhum animal possui maiores orelhas. Convidê-mo-lo. Aceitou o burro o juizado e veio postar-se no centro da roda. — Vamos lá, comecem! ordenou ele. O sabiá deu um pulinho, abriu o bico e cantou. Cantou como só cantam sabiás, garganteando os trinos mais melodiosos e límpidos. Uma pura maravilha, que deixou mergulhado em êxtase o auditório em peso. — Agora eu! disse a gralha, dando um passo à frente. E abrindo a bicanca matraqueou uma grita de romper os ouvidos aos próprios surdos. Terminada a justa, o meritíssimo juiz deu a sentença: — Dou ganho de causa à excelentíssima senhora dona Gralha, porque canta muito mais forte que mestre sabiá. (*) Quem burro nasce, togado ou não, burro morre. (*) A condenação de Monteiro Lobato a uma pena de prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional em 1941 confirmou essa velha fábula. A sentença deu a razão ao que cantava mais forte... De Fábulas, in Obras Completas de Monteiro Lobato, Vol. 15, 17ª edição, 1969. Editora Brasiliense. 80 Bibliografia BRANDÃO, Ignácio de Loyola: COTIDIANO: Os Homens que Descobriam Cadeiras Proibidas In: BRANDÃO, Ignácio de Loyola. Cadeiras Proibidas. 10. ed. São Paulo: Global, 2003. p. 11-17. _________: O Anônimo, Cadernos de Literatura Brasileira - Instituto Moreira Salles - São Paulo, nº. 11, Junho de 2001, p. 98. _________: Entrevista. O Homem do Furo na Mão e Outras Histórias. São Paulo: Ática, 1987. p. 5. (Rosa dos Ventos). CARIOCA, Patrícia C. et al. Uma Viagem pela Poesia. 2007. 56 f. Trabalho de Conclusão de Estágio Supervisionado (Graduação) - Curso de Letras, Departamento de Teoria Literária, Instituto de Estudos da Linguagem, Campinas, 2007. CARTER, Angela. 103 Contos de fadas. São Paulo: Companhia Das Letras, 2007. 499 p. CASCUDO, Luís da Câmara. Contos Tradicionais do Brasil. 11. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1998. 349 p. CHACÓN, Manuela. As mil e uma noites. Retirado de: http://conexaooriente.wordpress.com/2007/09/10/as-mil-e-uma-noites/ CHINELATTO, Thaís. Apontamentos sobre o conto. Retirado de: http://www.facasper.com.br/cultura/site/noticia.php?tabela=noticias&id=398. D’OLIVEIRA, Gêisa Fernandes. Cultura em quadrinhos: reflexões sobre as Histórias em Quadrinhos na perspectiva dos Estudos Culturais. Retirado de: publique.rdc.pucrio.br/revistaalceu/media/alceu_n8_D'Oliveira.pdf Em 17/09/2008. GUIMARÃES, Edgard. Linguagem e metalinguagem na história em quadrinhos. Retirado de:http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2002/Congresso2002_Anais/2002_NP16GUIM ARAES.pdf. Em 17/09/2008. EMEDIATO, Luiz Fernando. De como estrangular um general. In: Trevas no Paraíso – histórias de amor e guerra nos anos de chumbo. São Paulo: Geração Editorial, 2004. LANG, Jean. Mitos Universais – Mitos e Lendas dos povos europeus. Editora Landy. Tradução, adaptação e apresentação de Vilma Maria da Silva. São Paulo, 2003. LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998. __________. Feliz Aniversário. In: Laços de Família, Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1998. MARIA, Luzia de. O que é conto. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1992. 99 p. MEIRELLES, Alexandre. Inácio de Loyola Brandão: vida e obra. (resumo). Retirado de http://pt.shvoong.com/books/biography/1659842-ign%C3%A1cio-loyola-brand%C3%A3ovida-obra/ . 81 MOISÉS, Massuad. Dicionário de Termos Literários. Cultrix –USP, São Paulo, 1974. OBSERVATÓRIO DA IMPRENSA. Histórias de amor e guerra. Retirado de: http://200.226.127.23/artigos.asp?cod=300AZL006. PELLEGRINI, Tania. Gavetas vazias: ficção e política nos anos 70. Campinas: Mercado de Letras; São Carlos: Edufscar, 1996. PESSOA, Alberto Ricardo. Histórias em Quadrinhos: Um meio Intermidiático. Retirado de: www.bocc.ubi.pt/pag/pessoa-alberto-historias-em-quadradinhos.pdf Em 17/09/2008. PORTELA, Graça. Quadrinhos made in Japan. UERJ em dia, Rio de Janeiro, 25.06.07, nº 418, p.2. Retirado de: http://cartumfazescola.zip.net/arch2007-08-19_2007-08-25.html TELLES, Lygia Fagundes. Natal na barca. In: TELLES, Lygia Fagundes. Venha ver o pôr do sol e outros contos. 19. ed. São Paulo: Ática, 2001. p. 20. TREVISAN, Dalton. O vampiro de Curitiba. In: Os cem melhores contos brasileiros do século. p. 252-254). RAMOS, Ricardo. Circuito Fechado (4). In: BOSI, Alfredo. O Conto Brasileiro Contemporâneo. 11. ed. São Paulo: Cultrix, 1997. p. 259. ROMERO, Sílvio (Org.). Contos Populares do Brasil. 2. ed. São Paulo: Landy, 2002. 363 p. SÉRGIO, Ricardo. O conto e sua estrutura tradicional. Retirado de: http://recantodasletras.uol.com.br/teorialiteraria/383103 SPALDING, Marcelo. Fernando Bonassi e a reinvenção do microconto na literatura brasileira contemporânea. Retirado de: http://www.seer.ufrgs.br/index.php/NauLiteraria/article/viewFile/4856/2771 em 04.04.2008 82