Prova de Interpretação - Teatro
DIÁLOGO A DIREITA DE DEUS PAI.
BUENAVENTURA, Enrique. À direita de deus pai. São Paulo, Teatro-escola Célia Helena, 2004, p.47-49.
Segundo ato
DIABO (saindo esbaforido da boca do inferno) – Que contas são essas, seu condenado! (...) As famosas
patacas! Quanto problema armou aquele magrelo!
PERALTA (entrando) – Boa noite, vosmecê. O senhor por aqui?
DIABO – Não se faça de desentendido.
PERALTA – E estas patacas?
DIABO – Pois são daquelas que você andou repartindo para criar encrenca.
PERALTA – Para fazer caridade, vosmecê... Mas, o que trouxe o senhor por este fim de mundo?
DIABO – Você sabe muito bem.
PERALTA – Eu?
DIABO – Diga, onde você prendeu a Morte?
PERALTA – Prendi ali, em um abacateiro do solar. Vosmecê a quer para quê?
DIABO – Você não percebe que você me deixou,com o mordomo e toda a peãozada do inferno, de braços
cruzados? Outro dia, até mandei um olheiro para o caminho do céu, vigiar por aquelas bandas e ver se
todas as almas estavam se salvando... Que salvação que nada, disse São Pedro, isto aqui está se
acabando! Fui averiguar e descobri que era você o culpado de tudo isso.
PERALTA – Veja, vosmecê, eu não posso soltar a Morte, porque o primeiro que ela vai pegar serei eu.
Vamos fazer uma coisa. Aposto a Morte contra qualquer alma de gente dos seus domínios.
DIABO – Você quer jogar comigo? E quem acha que é para se atrever a tanto?
PERALTA – Ninguém, vosmecê.
DIABO – Você não sabe que, desde que sou diabo, ninguém ganhou de mim no jogo?
PERALTA – Deve ser assim, mas sou muito viciado. Gosto de jogar mesmo que acabe perdendo.
DIABO – Feito! Mas com uma condição. Além da Morte, você aposta a sua alminha.
PERALTA – Feito! (jogam) Quatro, ás e três! Esta você não perde, por pior que jogue.
DIABO – O quê? Bom, não fique entusiasmado, só estou dando uma vantagenzinha para você. (Jogam)
Agora sim, vai ser bem diferente!
PERALTA – Tudo bem, lá vou eu... Sete de ouros! Truco ! Pego um ás!
DIABO – Você é cobra criada, ou que demônio?
PERALTA - Cobra dissimulada, vosmecê. Vamos para a desforra.
DIABO – Vamos, mostre.
PERALTA – Agüente um pouquinho.
DIABO – Mostre, já mandei, dissimulado!
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Prova de Interpretação - Teatro
PERALTA – Paciência, vosmecê.
DIABO – Nem paciência nem diabo! Mostre, não agüento mais!
PERALTA – Quatro reis magos. Truco!
DIABO – Por que não consigo trapacear com você, maldito, por quê? Pare de rir, seu magrelo!
PERALTA – Eu não estou rindo, vosmecê.
DIABO – Você não vai me prejudicar. Eu dobro!
PERALTA – Está dobrado, mas aposte algo grande.
DIABO – Tudo por tudo! Aposto, de uma vez por todas, um lote completo de almas contra a Morte... e contra sua.
PERALTA – Quanto é um lote completo?
DIABO – Uma caldeirada. Mais ou menos uns trinta e três bilhões de almas.
PERALTA – Então, vamos lá. (jogam)
DIABO – Está na mão!
PERALTA – Truco! Truco, ladrão!
DIABO (rugindo) – Nem uma trapaçazinha! Não me sai nem uma!
PERALTA – Uma vez vosmecê precisava jogar limpo.
DIABO – Você tem algum poder maligno...
PERALTA – Quatro, ás e três, outra vez; por pior que jogue, você não perde...
DIABO – Você ganhou!
PERALTA – Assim parece, vosmecê.
DIABO – E você fica com a Morte e com as minhas almas.
PERALTA – Foi em um jogo limpo...
DIABO – Você ganhar de mim, do melhor jogador de truco que existe no mundo... Que poderes voce tem, seu
trapaceiro?
PERALTA – Eu? Nenhum, vosmecê.
DIABO – Você arruinou o inferno!
PERALTA – O senhor é que é muito viciado, vosmecê... Mas, se quiser, deu uma desforra...
DIABO – Não! Não jogo mais! Acabou o carvão. (saindo) Você vai me pagar! Agora, você tem ajuda e poderes,
mas vai se desembruxar e quando se desembruxar, veremos, seu dissimulado (sai pela boca do inferno)
PERALTA – Já se cumpriu: “Que o coisa ruim não me trapaceie no jogo”. Tenho a Morte e tenho ainda trinta e três
bilhões de almas. Que escândalo vai se formar no inferno agora, com o coisa-ruim chorando desesperado e o
mordomo e a peãozada do inferno soltando almas a rodo!
(...)
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