NOTÍCIA
ENSAIOS EM TÚNEL DE VENTO E
SIMULAÇÕES COMPUTACIONAIS
MOSTRAM QUE VERTICALIZAÇÃO
PROVOCA MAIS ILHAS DE CALOR
Testes foram feitos por pesquisadores do IPT e demonstraram que a proposta gera má
circulação do ar, pode aumentar temperatura e disseminar contaminantes
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Banco de imagens / MorgueFile
Repleta de pessoas apressadas, circulando por ruas cheias de outdoors para
chegar aos seus escritórios situados
próximos às estações de metrô, a cidade de Nova York é conhecida por seus
milhares de edifícios significativamente altos. Em 2015, a região inaugurou
o maior prédio residencial do hemisfério norte e também do ocidente, o 432
Park Avenue, localizado entre as ruas
56 e 57 de Manhattan, com 96 andares, totalizando 425 metros de altura.
O amor pelas alturas deve-se ao fato
de que quanto maior o edifício, mais
a mobilidade urbana pode ser favorecida. É a partir desse pressuposto
que o novo Plano Diretor Estratégico de São Paulo está se baseando: a
verticalização, um dos aspectos que
o instrumento de desenvolvimento
urbano ressalta. Para averiguar as consequências de algumas características
da proposta foi feito um estudo no IPT
(Instituto de Pesquisas Tecnológicas).
A pesquisa apontou que algumas das
alterações, como a construção de edifícios de múltiplos andares, podem
não trazer resultados positivos no escoamento natural dos ventos.
Resultado de um trabalho de gradua-
Divulgação / IPT
Por Dafne Mazaia
Ensaios realizados em túneis de vento no IPT
ção das estudantes Paula Bregiatto de
Oliveira e Roberta dos Santos para o
curso de Tecnologia em Construção de
Edifícios da Fatec (Faculdade de Tecnologia de São Paulo), a experiência
foi realizada em ensaios no túnel de
vento do IPT e também por meio de
uma simulação computacional, testes
que analisaram as condições de ventilação no entorno de uma unidade da
Fatec, na região do Tatuapé, bairro da
zona leste de São Paulo, em um raio
de 250 metros. A área foi escolhida
por ser topograficamente baixa, pouco arborizada, mas que está sofrendo
processo de verticalização.
A tecnóloga em construção de edifícios
e também bolsista do Laboratório de
Vazão do IPT, Paula Bregiatto de Oliveira explica que a verticalização em
Divulgação / IPT
Banco de imagens / MorgueFile
Testes foram realizados em túneis de vento e em simulações computacionais
e Gabriel Borelli Martins, ambos pesquisadores do órgão.
Segundo Bregiatto, o cenário atual na
região do Tatuapé, local avaliado no
estudo, é preferível em relação aos cenários permitidos de verticalização, por
possibilitar uma boa ventilação, caso
aumente o número de prédios altos, o
calor se intensificaria. “O cenário atual
da região permite, em maior parte, uma
boa ventilação devido à existência de
poucos prédios altos, e estes estão bem
espaçados. A área modelada é composta por dez quarteirões, e atualmente
há apenas sete prédios altos (acima de
oito andares). Porém, hoje mesmo praticamente não verticalizado, o bairro é
quente, pois é topograficamente mais
baixo que outros de São Paulo e pouco
arborizado. A verticalização em grande
escala só intensificaria este evento negativo”, argumenta a tecnóloga.
Aprovado em julho de 2014, o novo Plano Diretor Estratégico pretende humanizar e equilibrar a distância entre moradia e local de trabalho, para erradicar
ou diminuir desigualdades socioterritoriais. Tal como em Nova York e em Paris,
na França, o plano prevê que São Paulo
tenha nos próximos anos, construções
próximas aos meios de transporte público e um espaço maior para moradias
sociais no centro da cidade, fator que a
verticalização poderia proporcionar.
TESTES
O excesso de construções de edifícios de múltiplos andares pode prejudicar a circulação do ar,
segundo estudos realizados no IPT
excesso pode acarretar danos ao local,
como agentes contaminantes. “Verticalização é o processo da construção,
ou substituição de moradias térreas
por edifícios com diversos pavimentos.
Isso permite que um número maior
de pessoas possa viver em um mesmo
lote, melhorando terrenos. Prédios bem
localizados também auxiliam na redução do uso de automóveis para se loco-
mover ao trabalho ou às áreas de lazer.
Porém, a construção exagerada de edifícios pode trazer problemas às regiões
em termos de ventilação e dispersão
de contaminantes. Edifícios se tornam
barreiras, impedindo que o vento escoe
de forma adequada”, discorre. O estudo
foi orientado pelo pesquisador do IPT,
Gilder Nader e também contou com a
participação de Paulo José Saiz Jabardo
Foram simuladas três condições nos ensaios experimentais e nos computacionais. No primeiro teste, os pesquisadores
simularam o contexto atual da região,
com os prédios já existentes. Na segunda experimentação, foram consideradas
as diretrizes estipuladas pelo Plano Diretor, que foi instituído pela lei municipal
13.430/02, com duração de 12 anos, em
que os prédios variam em torno de 40
metros de altura e 15 metros de largura e
comprimento. O terceiro teste seguiu as
normas do novo Plano Diretor, com prédios de 25 metros de altura e 10 metros
de largura e comprimento.
Para o ensaio em túnel de vento, os
pesquisadores modelaram a área seFUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS • 49
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Um dos objetivos do novo Plano Diretor é favorecer a mobilidade urbana, além de aproximar a moradia do paulistano ao seu local de trabalho
Imagens da simulação computacional, feita com a ajuda do software ENVI-met
lecionada em maquetes na escala de
1:500, com testes de saltação de areia
– ensaios comumente feitos para verificar o comportamento de partícu50 • FUNDAÇÕES & OBRAS GEOTÉCNICAS
las de areia sobre uma maquete sob
a ação do vento, algo que auxilia na
compreensão da intensidade do vento
ao redor dos edifícios.
De acordo com Gilder Nader, o estudo
mostrou que o novo Plano Diretor não
deve trazer melhorias significativas
na ventilação no nível do pedestre, se
comparado com o plano anterior. “Os
estudos realizados no IPT, tanto por
modelagem por computador, quanto
por ensaios em modelos reduzidos em
túnel de vento, indicaram que ao realizar uma verticalização homogênea por
edifícios com área construída de quatro
vezes a área do terreno, que corresponde a um coeficiente de aproveitamento
4 do terreno, ou com área construída de
duas vezes área do terreno, não apresentam diferença significativa na ventilação natural no nível do pedestre. O
coeficiente de aproveitamento 4 era o
limite do Plano Diretor Estratégico anterior para várias regiões de São Paulo,
enquanto o coeficiente de aproveitamento 2 é o limite do PDE (Plano Diretor Estratégico) atual, exceto próximo
a corredores de ônibus e estações do
metrô, onde o limite também é de um
coeficiente de aproveitamento 4”, esclarece o pesquisador do IPT.
Na simulação computacional foi utilizado o software ENVI-met, com o uso
de informações ambientais da cidade,
segundo Nader. “O software utilizado foi o ENVI-met, e nele se modelou
a mesma área estudada no túnel de
vento, porém nesse caso a modelagem foi feita na escala real. Nesse
software há necessidade de se inserir
dados ambientais, como por exemplo,
de temperatura ambiente, umidade
relativa e velocidade média do vento,
que foram obtidos a partir da estação
meteorológica de Santana”, destaca.
O ENVI-met foi empregado por ser
um programa gratuito e indicado para
este tipo de estudo. “Esse é um software de modelagem microclimática e que
dá apoio a arquitetos no desenvolvimento de uma arquitetura e cidades
sustentáveis. Ele foi utilizado por ser
gratuito. No entanto, alguns outros
poderiam ter sido utilizados, como
por exemplo, o ANSYS CFX e o OPENFOAM”, acrescenta Nader.
Os dois tipos de ensaios, tanto realizados em túnel de vento, como os simulados computacionais, basearam-se
nas direções dos ventos sul, sudeste
e leste, recorrentes na capital de São
Paulo. Cada ensaio realizado no túnel
de vento foi composto por 11 velocidades diferentes e originou 11 imagens.
Todas as imagens coletadas foram adicionadas e o processamento foi executado em um software programado pela
equipe técnica do IPT, tecnologia que
gerou um mapa de cores de velocidades, com a indicação de regiões com
boa e má circulação de ar. Os resultados dos ensaios demonstraram que
as diretrizes do Plano Diretor de 2014
trazem pequenas melhorias em relação à ventilação em comparação com
o plano de 2002, porém o cenário atual
é melhor, no âmbito da verticalização.
Quando a velocidade máxima do ensaio de saltação de areia foi atingida
(com a configuração do bairro nos dias
de hoje) não sobrou material na maquete, o que indicou uma ventilação
adequada. Ao realizar as duas simulações de verticalização, verificou-se
um acúmulo de areia em vários pontos, isto é, não ocorreu uma ventilação
adequada. Nos cenários de construção
de prédios no limite máximo, estabelecidas nos planos de 2002 e de 2014,
a má ventilação foi vista em diversos
pontos, sobretudo na parte sudoeste
dos modelos reduzidos, onde encontra-se a maior parte das edificações do
local – região com maior incidência de
verticalização, o que indica que esses
pontos poderão ter acúmulo de contaminantes, de acordo com o ensaio.
IMPLICAÇÕES DO NOVO
PLANO DIRETOR
Uma verticalização exagerada pode
gerar mais ilhas de calor – fenômeno
climático que ocorre em zonas urbanas
– para a cidade, além de provocar uma
má circulação de ar em alguns pontos,
possibilitando até mesmo a proliferação de contaminantes e consequentemente, de doenças, como esclarece
Bregiatto. “A má circulação de ar pode
acarretar ilhas de calor e acúmulo de
contaminantes, que podem trazer patologias respiratórias. Atualmente a
cidade de São Paulo tem apresentado
boas condições da qualidade do ar, de
acordo com medições frequentes da
CETESB (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo). No entanto, a cidade
é uma ilha de calor, e em alguns bairros,
como a região central e o Tatuapé, a
temperatura chega a ser até 10ºC superior a de outros bairros menos verticalizados e mais arborizados. Um processo
de verticalização sem controle pode
piorar ainda mais as situações de ilhas
de calor e voltar a agravar as questões
de acúmulo de contaminantes”, afirma
a tecnóloga e bolsista do IPT.
Conhecida como Lei de Zoneamento, a
Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação
do Solo, que normatiza a ação pública e privada sobre as maneiras de uso
do solo do município, pode ser a chave para que os efeitos do novo plano
diretor possam ser mais estudados e
tornar as condições previstas satisfató-
rias para o âmbito ambiental e também
saudável da população. “Os parâmetros
definidos pelo plano diretor podem
fornecer boas condições de ventilação
natural tanto para os moderadores dos
edifícios quanto para os pedestres, porém é recomendável que institutos de
pesquisa e faculdades de arquitetura e
urbanismo, que atuam em pesquisa e
desenvolvimento na área de conforto
ambiental possam dar apoio na elaboração da Lei de Zoneamento. Para isso,
é recomendável que se façam ensaios
em túnel de vento e simulações por
computador, para avaliar as melhores
configurações de adensamento urbano
para o bairro estudado”, analisa Paula
Bregiatto de Oliveira.
O pesquisador do IPT reforça essa visão e acrescenta que é necessário um
estudo aprofundado das direções dos
ventos, assim como averiguar o arranjo das edificações. “A forma como os
bairros serão verticalizados dependerá
da Lei de Zoneamento, ainda em fase
de estudos. É importante estudar as
direções dos ventos preferenciais da
cidade, e também um melhor arranjo
das edificações, como uma combinação alternada de edificações altas com
baixas, por exemplo”, menciona.
Conforme Gilder Nader, os estudos vão
continuar e a equipe planeja agora simular uma modelagem de uma área
maior. “Com a validação da simulação
computacional por meio do ensaio experimental em túnel de vento, pudemos comprovar que o software modela
corretamente as condições do vento
natural e as interações vento/estrutura.
Assim, estamos realizando agora uma
modelagem de uma área maior que a
anterior, e também serão modeladas
ruas arborizadas, para verificar seus
efeitos na temperatura do bairro”, informa o pesquisador. A equipe também
pretende apresentar o estudo para o
Ministério Público, além de estar em
busca de parcerias entre prefeituras,
faculdades de arquitetura, para que a
pesquisa possa ajudar no desenvolvimento de políticas públicas e um melhor desenvolvimento urbano.
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