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Universidade Luterana do Brasil
Centro de Ciências da Saúde
Curso de Psicologia
Kelly Barbosa Barros
Orientadora: Mara Regina Nieckel da Costa
- “Será que elas são tão vítimas assim?” Um estudo sobre a violência contra a mulher
Palavras chave: Violência, mulher, masoquismo.
RESUMO
Este trabalho apresenta uma pesquisa qualitativa de cunho exploratório descritivo, na qual buscou-se,
através de entrevistas com mulheres que sofreram violência por parte de seus companheiros, compreender os
motivos que determinaram a sua submissão à violência doméstica, identificar os motivos pelos quais estas mulheres
procuram relações com parceiros violentos e investigar qual a relação entre a sexualidade e o masoquismo entre
as mulheres dos casos analisados. Foram analisados aspectos da sua infância, os relacionamentos, a sua
permanência neste tipo de relacionamento e a relação com a sexualidade.
INTRODUÇÃO
A violência contra a mulher exercida por seu companheiro está cada vez mais aparente na
sociedade, através dos meios de comunicação, campanhas sociais e de denúncias em locais
autorizados. Muitas mulheres, embora ainda a minoria, não estão mais suportando ficar nesta
situação de violência e estão procurando ajuda, dando um basta nesta relação doentia.
O Ciclo da Violência começa muitas vezes com ataque verbal e psicológico, mas, com o
tempo, a violência física começa a manifestar-se. É quando a situação fica insuportável. A mulher
acaba saindo de casa, mas com os apelos do companheiro, volta para o lar com a promessa de que
estes tratos não vão acontecer mais. Com isto, o ciclo recomeça.
Uma pesquisa realizada pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) destaca que
a violência doméstica incide sobre 25% a 50% das mulheres latino-americanas (ASSUNÇÃO,
1999).
Da mesma forma, a média de registros em Delegacias de Violência e crimes contra a
Mulher, no Brasil, passam de 200 mil ao ano. Deste número de ocorrências, as lesões corporais
são de 26,2% e as ameaças, 16,4% (ASSUNÇÃO, 1999).Este estudo verificou a violência
doméstica contra a mulher e seus fatores psicológicos. Foi analisada a dificuldade das mulheres
em abandonar o parceiro agressor e continuar naquele ambiente de violência. Foram investigados
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os aspectos mais significativos das histórias de vida destas mulheres, desde a sua infância até o
momento presente.
Este estudo buscou, também, os motivos emocionais que levaram estas mulheres a
permanecerem longos períodos de suas vidas com parceiros violentos, e só depois de muito
tempo de convivência é que buscaram ajuda em abrigos ou denunciaram seus parceiros em
delegacias especializadas.
A investigação teve cunho qualitativo e foi realizada através de entrevistas com três
mulheres abrigadas em uma Casa-Abrigo da unidade especializada de uma prefeitura municipal
metropolitana, que tem como objetivo acolher mulheres e seus filhos em situação de risco, isto é,
ameaçadas pelos companheiros, e com isto sendo obrigadas a sair de casa .
Esta pesquisa teve como objetivos identificar os fatores psicológicos relacionados à
violência doméstica contra a mulher, que levam esta a permanecer com o companheiro agressor.
Verificar a percepção das mulheres pesquisadas sobre os motivos que determinaram a sua
submissão à violência doméstica. Buscar identificar os motivos pelos quais estas mulheres
procuram relações com parceiros violentos e investigar qual a relação entre a sexualidade e o
masoquismo entre as mulheres dos casos analisados.
METODOLOGIA
A metodologia executada nesta pesquisa foi caracterizada pela abordagem qualitativa e
pesquisa exploratória.Foram entrevistadas três mulheres com idade acima de 18 anos, que
estejam com o companheiro agressor pelo menos há quatro anos. Estas vítimas de violência
doméstica foram encaminhadas para um abrigo protegido de uma Prefeitura Municipal da Região
Metropolitana, por falta de recurso, ou tiveram que sair de suas casas por não terem outro local
para abrigar-se. As entrevistas foram realizadas no próprio abrigo, com duração de uma hora com
cada entrevistada.Com intuito de manter sigilo quanto à identidade dos sujeitos, todos nomes
utilizados neste estudo são fictícios.
DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
Este estudo vem analisar as razões emocionais relacionadas à violência doméstica contra
a mulher, que levam esta a permanecer com o companheiro agressor. A partir da verbalização de
mulheres que responderam às entrevistas. Os dados coletados foram apresentados e serão
discutidos tendo por base a teoria citada no trabalho.
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O primeiro aspecto a salientar diz respeito às vivências de infância bastante difíceis para
todas as entrevistadas, fazendo com que mais tarde acabem projetando as mesmas situações de
violência em seus relacionamentos amorosos.
Naná e Fafá tiveram uma infância marcada pela violência, em que conviveram em um
ambiente tumultuado e violento.
Segue vinhetas das entrevistadas falando de sua infância:
(...), mas ele (padrasto) me torturou um bom tempo, infernizou, me dava-lhe pau, me
dava de facão às vezes, sabe? Me torturava emocionalmente, pois tinha que mostrar...
Eu fazia comida só de calcinhas, para as crianças verem que eu tinha apanhado, sabe?
Coisas assim, que parecia que era meu marido no caso.(NANA)
A minha infância que eu me lembro é que meu pai brigava muito(...) (FAFÁ).
Estes depoimentos demonstram que as mulheres entrevistadas formaram sua estrutura de
personalidade em ambientes violentos e de abandono, sem saber o significado de uma família
como fonte de afeto. Não souberam o que é amor, respeito, segurança de pai e de mãe e, portanto,
não têm como ter estes sentimentos, pois não foram ensinados na infância.
A violência familiar, com o pai rígido que batia na mãe, era constantemente presenciada
pelas entrevistadas. O medo do pai, a figura masculina internalizada, na qual todo tem que
submeter e obedecer a ele fez com Fafá “fingisse estar” paralítica para defender-se do pai, pois
ele não batia nela porque era doente.
Há famílias em que o pai é violento e a mãe submissa à situação de violência, não se
envolvendo para não entrar em conflito com o marido ou por outros motivos. Na família de Fafá
a mãe era submissa ao seus marido, agüentou toda violência sem reagir até mesmo não intervindo
na violência contra os filhos.
“(...) a minha infância não foi muito boa, foi muito triste, muito triste mesmo, tudo
aquilo que a gente ouvia, ele dava muito na mãe, em mim não batia porque teve uma
parte da vida que eu fiquei paralítica (...). (FAFÁ)
Estes recortes das falas das mulheres entrevistadas mostram suas origens de famílias
totalmente desestruturadas, com isto levando para suas vidas mais tarde uma família como elas
tinham na infância. Os exemplos que as entrevistadas tiveram em suas famílias, acabaram
projetando nos seus relacionamentos amorosos e na criação dos seus filhos no meio daquele
ambiente violento, o mesmo que elas tiveram na infância.
O sofrimento é transportado pelas neuroses que derivam para o masoquismo. Esta neurose
está ligada a pessoas que estão sempre envolvidas em situações críticas, que acabam sendo
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substituídas por outro sofrimento, permanecendo sempre com um grau de sofrimento (FREUD,
1988-a).
Segundo Ballone e Ortolani (2003), pesquisas mostram que parceiras que são agredidas
pelos seus parceiros, em muitos casos, são cúmplices desta situação. As mulheres vítimas de
violência vêm de famílias com histórico de agressões físicas, e assim continuam vivenciando a
violência nas suas relações com seus parceiros violentos, sendo obrigadas a aceitar este tipo de
relação, como era aceito nas suas famílias. A violência está presente na vida delas desde a
infância de várias formas. Tita, que não menciona violência física, fala da mãe que mentiu
dizendo que era sua irmã, não a assumindo como filha.
Lembro que com doze anos, eu descobri que a minha mãe não era a minha mãe, era a
minha avó, a minha irmã era minha mãe. Não tive nenhuma boneca, não sabia o que era
brincar. Porque com oito anos eu cuidava dos meus primos. Tenho irmãos por parte de
pai e de mãe, a única filha do meu pai e da minha mãe sou eu. Conheço o meu pai, mas
descobri depois. Descobri tudo foi assim.(TITA)
No caso de Naná e Fafá, sempre revidaram a violência de seus parceiros com violência
física e psicológica, pois não aceitavam aquela situação e também xingavam, batiam, jogavam
coisas, não admitindo serem espancadas por seus parceiros. Como diz Freud: “[...] o verdadeiro
masoquista sempre oferece a face onde quer que tenha oportunidade de receber um golpe” (1988a, p. 183).
Seguem vinhetas das entrevistadas falando da violência que sofreram de seus parceiros:
Eu dei uma facada nele, ele me dava “lepau”, desmaiava pelos canto,dava-lhe pau,
mas se eu ficava quieta ia ser pior.(NANÁ)
Às vezes eu tocava uma coisa nele, ele tocava outra em mim, aí ele me chamava de um
monte de coisa, aí eu chamava ele de um monte de coisa, assim nós se pegava no
pau.(FAFÁ)
Quanto à forma de reagir à violência, o estudo mostrou que as mulheres geralmente não
conseguem revidar. Tita tinha muito medo do seu companheiro e agüentou tudo sem reagir.
Não tinha como eu sair, ele me trancava dentro de casa. Eu ficava num canto assim
que nem cachorro(TITA)
Os homens tornam-se dominadores de suas companheiras, realizando todos os seus desejos
sexuais às custas de violência, pois se mostram “fortões”, possessivos, ciumentos, dominadores
por possuírem um pênis. Não deixam que suas parceiras tenham a sua liberdade, fazendo com
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que vivam como “escravas”, sem poder manifestar suas vontades de ter uma vida normal e
sofrendo perseguição dos seus parceiros.
Como referem Naná e Fafá:
Eu passava o dia todo trancada dentro de casa, sem mentira nenhuma, ele ia trabalhar
e me deixava trancada no pátio com cadeado no portão, só abria quando ele chegava. Se
eu morria, lá dentro eu morria (NANÁ).
Ai o homem saia e levava a chave, ele me trancava e levava chave. Ele voltava ai eu
dizia: Ai fulano como que tu me deixou trancada(FAFÁ).
Uma das formas de avaliar estes comportamentos, segundo Freud (1988-b), relaciona-se
ao fato dos homens, por serem influenciados pelo Complexo de Édipo, acabam inferiorizando as
mulheres, pois as consideram castradas. Na mulher, o Complexo de Édipo se forma de uma
maneira diferente, ela vê que é castrada e percebe que é inferior ao homem por não ter um pênis.
As mulheres tornam-se passivas diante da violência. Apesar de Naná e Fafá revidarem
às agressões, continuaram dependentes e suportando caladas o tormento físico e emocional dos
seus companheiros. No caso de Naná que sabia que seu companheiro batia em mulher e mesmo
assim aceitou ficar com ele. Ela ficou dependente daquela vida de violência, necessitava daquela
situação de maus tratos contra ela.
O masoquismo significa oferecer a dor ao objeto de desejo. O masoquismo é o mais
rotineiro das perversões, com significados de passivo para o masoquismo e o ativo para o
sadismo (FREUD, 1989).
Como relata Naná:
Eu já conhecia ele antes, eu sabia que ele batia em mulher, pois isso que eu digo, eu já
fui consciente sabendo, que ele batia em mulher, minha vó toca na minha cara isso que eu
sabia “Comprei o peixe sabendo que era podre”. Ele era marido de uma amiga minha,
eu me dava com ele e eu dizia que guri nojento que ta sempre dando nessa guria, sempre
dando, dando que era minha colega de colégio, ela sempre chegava de olho roxo no
colégio. Mas credo se fosse comigo dou-lhe com um pedaço de pau nos corno dele e
nunca mais (NANÁ).
O fato de Naná aceitar toda a violência contra ela corresponde com o masoquismo, que
seria todos os atos passivos diante a vida e ao objeto sexual. Os atos passivos buscam os
extremos, isto é, a pessoa fica dependente da satisfação de ser atormentada de uma dor física ou
psíquica vinda do seu objeto sexual (FREUD, 1989).
Brigas constantes muitas vezes acabam gerando separação do casal. Com Naná e Tita
aconteceram várias vezes, e sempre acabavam aceitando seus parceiros de volta com promessas
falsas de que iam mudar,de que nunca mais iriam bater nelas. E elas acreditavam e acabavam
perdoando-os.
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(...)Daí ele pegava, separava, me cantava de novo, eu voltava para casa, sempre era
assim, sete anos todo foi assim(NANÁ).
No passado quando eu fui parar aqui, que ... ele me chutou, o R. era pequeninho, ele
me deu um pontapé, ai vim para cá. Depois nós fomos na audiência no jurídico. Ai pediu
desculpa, perdão que não ia fazer mais. Mas eu acreditei, acreditei nele(TITA).
Fafá não relata as separações, pois o primeiro companheiro ficava uns tempos fora de casa
e voltava e ela aceitava, e começava tudo novamente.
Ele foi preso, ele não podia ir lá em casa. Mas um dia de noite ele entra lá fez o que
quis comigo, e como ele é homem, eu sou mulher, né ... Ai depois a gente quase se matou
a pau, né! Mas antes fez o que quis, agora, tô grávida. Porque eu era assim, “bateu e
valeu”, eu sabia. Ai fiquei grávida da J.(FAFÁ).
Os relacionamentos das mulheres estudadas têm funcionamento tumultuado, com poucos
momentos de tranqüilidade. Na maioria, a violência prevalecia. É um ciclo sem fim, parece que
todas precisam daquela relação para sobreviver, se não for assim tumultuada, não é bom. É a
“loucura” da mulher que se encontra com a “loucura” do companheiro para sobreviver; em que
precisam estar presentes, a falta de respeito de um pelo outro, o descaso, a humilhação, as brigas,
os xingamentos, a violência física e outros comportamentos mais. E existe uma grande
dificuldade de sair desses relacionamentos, parece uma necessidade daquela relação doentia e por
isto que não conseguem se desvencilhar daquele ambiente.
Como relatam Naná e Tita sobre o seus relacionamentos:
(...) Aí ele pegava, pegava, parecia que tinha tudo voltado ao normal que eu tava de
bem com ele. Mas tu é cínico, hein! (risos) tu me tira fora do sério, mas eu jogava tudo na
cabeça dele mesmo, (risos) uma vez eu quebrei tudo dentro de casa. Eu fiz u teste aqui e
deu que era um amor possessivo também, porque eu tinha um ciúme de tudo, às vezes ele
parava pensando... Eu dizia: O que tu ta pensando sabe! Eu sou meio sádica, sabe, eu
dava nele a cada vez que eu me lembrava eu ia lá e me botava nele de novo (NANÁ).
E briga atrás de briga, depois que a P. nasceu, acalmou um pouco, depois que ele viu a
P. nasceu acalmou um pouco. Mas depois que o R. nasceu foi a gota d’água. Ele já tava
me agarrando a força já, sabe! E mesmo dizendo não, ele me dava em mim, ele fazia o
que tinha que fazer (TITA).
Naná casou sabendo que o companheiro batia na ex-mulher, Ela diz que permaneceu com
ele tanto tempo porque gostava do companheiro. Ele pedia desculpas, se lamentava ela perdoava
porque gostava dele. E foi assim, uma relação de brigas constantes. Parece haver um prazer com
tudo isto, um desejo inconsciente de ter alguém que batesse nela para ela bater também. Quando
fala das brigas com o companheiro.
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Percebe-se que as mulheres apresentam formas de lidar com suas vidas, baseadas no
sofrimento, que está diretamente ligado ao masoquismo.
O masoquismo feminino está ligado diretamente ao masoquismo primário, o erógeno, isto
é, em ter prazer no sofrimento (FREUD, 1988-a).
Como Naná mesmo relata:
Uma vez me deixou, sabe esses fios de vídeo game? (risos) ele me amarrou nos meus
braços que chegou a me tirar o couro, me ato, me deixou atada à noite toda lá. (NANÁ)
Aí passou o natal e nada dele me achar, dia 30/12/03 ele me achou, aí foi quando ele
me deu a facada que ele pediu emplorou pra eu voltar pra ele, disse que não, disse que
não, não dava, pois já tinha outro namorado, aí ele disse então tá e veio pra me abraçar
e me deu uma facada, só que ele tinha levado as crianças lá pra minha sogra. Ele me deu
uma facada. Foi assim e eu fui para o pronto socorro e ele foi preso no mesmo dia. Aí
nunca mais se aplumou nada (NANÁ).
Estes comportamentos remetem a uma postura masoquista diante da vida.
O desejo masoquista é satisfeito indiretamente, por um desvio, isto é, pela escolha de um
objeto amoroso sádico e a indulgência à sua perversão, enquanto satisfação direta é recusada. Por
isso, a colaboradora ativa consagra seus dons intuitivos à obra de seu mestre, e a mulher sensível
não pode abandonar seu brutal marido porque ela o ama apesar (na realidade, por causa de) sua
brutalidade (BRAGHINI, 2000 p. 38).
Fafá buscou o parceiro para sair da vida que levava, morando em lugares precários. No
entanto, acabou buscando um parceiro violento, vivenciando novamente um ambiente de
violência, reeditando a situação vivida por sua mãe.
O masoquismo moral é inconsciente e relaciona-se com o sentimento também
inconsciente de desculpa como um desejo de punição de um domínio paterno. A fantasia de ser
agredida pelo pai significa ter uma relação sexual passiva com o pai, o que está ligado ao
Complexo de Édipo (FREUD, 1988-a).
Fafá diz:
Aí conheci esse homem num baile e pensei, quem sabe não muda a vida! (FAFÁ).
Fafá esteve com o primeiro companheiro por nove anos. Fala que foi mais um parceiro
sexual. Já o segundo, com quem se relacionou por um ano, confessa ter gostado. Ficou com o
segundo para livrar-se do primeiro companheiro, estabelecendo um triângulo amoroso. Nos dois
relacionamentos, entretanto, a violência permaneceu até chegar ao Abrigo. Desejava livrar-se do
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primeiro companheiro, mas não conseguia até arrumar o segundo. Como ela disse: “Tive uma
vida desgraçada com ele”, referindo-se ao primeiro, mas ficou com ele nove anos.
Como Fafá relata:
Esse meu último relacionamento esse ... o tal, não valia nada, esse foi o pior dos
piores, já tinha passado por coisa pior, mas acho que esse foi o pior. Fiquei com ele 9
anos (FAFÁ).
Tita também passou por dificuldades e por não ter onde morar acabou envolvendo-se
com um homem violento. Agüentou tudo sem revidar, foi submissa o tempo todo, e ficava
naquela situação com esperança que ele ia mudar. Segundo ela, ele não era assim no início do
relacionamento e admitiu que ficou com ele porque gostava. Com isto, acomodou-se e não tinha
nenhum tipo de reação. Tita permaneceu no abrigo por duas vezes, mas ao voltar para casa,
voltava para o marido e tudo recomeçava.
Freud (1988-a) em relação ao masoquismo substitui o termo de sofrimento inconsciente de
culpa pelo termo de necessidade de punição, derivado de uma tensão entre o ego e o superego.
Tita relata:
Voltei pra casa. Mas ele não ia ficar lá, mas depois ele voltou e eu aceitei ele de volta.
A segunda vez que eu vim pra cá foi porque ele me bateu com um pedaço de pau, um
taco, mas me deu por tudo, né ! (TITA)
Fafá e Tita comentam que o início dos relacionamentos era bom, e quando não existia
violência, até existia carinho, momentos de harmonia. Apesar de raros, mas existiam. Mas depois
tudo voltava a ser como antes, a violência prevalecia.
Como as entrevistadas relatam:
Aí no começo era bom, depois ele começou a encomodar, não gostava da T. não sei o
porque, ele se encarnava nela, a gente sempre brigava, porque ele dizia as coisas pra T. .
nós sempre tava brigando, o conselho se metendo e a polícia (FAFÁ).
Aí foi as mil maravilhas o primeiro ano, nunca briguemo nada. Aí depois quando a F.
tinha dois anos engravidei da P., ai foi que começou as brigassadas, briga, briga, briga e
briga (TITA).
É importante de verificar o descaso que elas têm por elas mesmas, por não exigirem amor,
afeto, atenção dos companheiros, contentando-se com pouco, deixando predominar a violência.
Parece haver uma necessidade de sofrimento no relacionamento para que sobreviva. Se não tiver
o sofrimento, não se submete ao relacionamento.
As mulheres referem várias explicações para continuar na condição de violência, que elas
justificam dizendo que gostavam de seus parceiros, que têm medo deles, da falta de emprego, ou
da falta de moradia e da falta de apoio familiar. Têm necessidade de ter uma figura masculina ao
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lado para serem mais respeitadas na sociedade. Outro motivo referido para permanecerem nesta
situação são os filhos. Pelas dificuldades de assumi-los sozinhas, desmotivando-as na decisão de
sair de casa. Muitas delas encorajavam-se a tomar atitude, mas com a falta de perspectivas
positivas e a insegurança de si mesmo, acabavam voltando para aquele ambiente de violência
(BRAGHINI, 2000).
Estas mulheres permanecem numa relação em que são infelizes, submissas, enganadas por
homens insensíveis que as maltratam quase todo tempo. Acabam repetindo o mesmo ambiente de
quando eram crianças. Não buscaram uma vida nova de afeto e atenção, “optaram” por uma vida
totalmente desestruturada e doentia.
Pois eu não podia chegar perto dele eu tinha que ficar... Eu me sumia, não chegar
perto dele porque aonde eu chegava ele nem precisava falar nada, ele só me olhava,
parecia imã, aí agora não, eu me lembro das coisas que ele me faz, antes eu não me
lembrava ... (NANÁ).
Dificilmente as mulheres libertam-se destes relacionamentos de violência, pois revelam
um conformismo e uma acomodação. O que aparece é um quadro de abandono de si, negativismo
das coisas, dependência do outro, uma hipótese para o masoquismo (BRAGHINI, 2000).
A autora citada acima fala de um fator importante sobre o masoquismo, que seria a mulher
dependente do homem, isto é, uma dependência escolhida por ela, e não por uma necessidade. A
dependência sexual é importante para a mulher, mas não só isto. Há também a busca de uma
dependência antiga, o comportamento sexual que se mantêm devido a um prazer que liga um ao
outro. Esta posição de dependência está ligada a uma inibição, regressão e culpa que permanece
numa defesa de obrigação de ficar com o parceiro e não ficar com ele por prazer (LUQUETPARAT, 1988).
Elas dizem que não existe mais nenhum sentimento hoje com relação aos seus
companheiros, só sentimento de desprezo, rancor, mágoa, etc.
Como contam Naná e Tita:
Nojo, eu me lembro de tudo que lê faz (NANÁ).
Nada, nada. Sinto pena. Bastante pena dele, eu sinto pena dele (TITA).
A sexualidade é habitualmente comprovada pela quantidade de filhos que elas tiveram com
seus companheiros. Na cama, Fafá admite que era bom, normal, apesar de que algumas situações
que foi forçada a fazer sexo ou fez sexo sem desejo.
Relata Fafá :
Nunca fiz relação sexual com ele porque eu queria. É sempre que ele quis, porque eu
nunca gostei dele. Gostava dele no começo, no começo sim, dois meses que a gente ficou
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junto, ai eu fazia porque eu queria. Ai depois de dois ou três meses não porque ele
começou a “mostrar as unhas” ai não. (FAFÁ)
Percebe-se que quando elas falam de sexo, é como se o assunto ficasse à parte, pois
relatam que eles as agradam na cama, não parecendo que estão falando daqueles mesmos homens
que as espancaram a vida toda em que viveram juntos.
Quando se fala de violência contra a mulher, no primeiro momento, conclui-se que estas
são vitimizadas, indefesas por viverem naquele ambiente violento. Mas o é difícil de ser
entendido é como elas permanecem neste relacionamento. Este estudo buscou explicações nas
entrevistas com mulheres que tiveram a vivência de contextos em que a violência esteve presente
em suas vidas conjugais.
Estas mulheres que passaram toda a sua vida envolvida com a violência doméstica, de
acordo com seus relatos, demonstram, apesar disso, uma dependência emocional de seus
companheiros.
Alguns fatores são relevantes para explicar o fato de permanecerem neste ambiente de
violência. Todas tiveram uma infância difícil, de violência, abandono, falta de afeto,
desconhecendo outra realidade.
Outro aspecto importante é o de que acreditavam na mudança dos companheiros a cada
volta para casa. A promessa de que não aconteceria novamente fazia com que permanecessem
com seus companheiros.
Outro fator a ressaltar importante é a questão da sexualidade. São mulheres sexualizadas,
sedutoras, com uma necessidade sexual bastante aflorada. Isto se percebe mais no relato de duas
das entrevistadas em que o sexo tem uma importância significativa em suas vidas, comprovando
isto com alta motivação para a vida sexual, ainda que pouco saudável e pela quantidade de filhos
que elas têm.
Sugiro que novas pesquisas sejam realizadas explorando melhor se as mulheres
envolvidas com a violência doméstica se acham vitimizadas, frágeis, sem ter coragem de
abandonar aquele ambiente de violência.
Outra sugestão para novos estudos relaciona-se aos sentimentos dos filhos destas
mulheres, que vivem num ambiente de violência também e que acabam sendo vítimas das
próprias mães.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Finalizo dizendo que só quem acabará com a violência contra mulher, são elas
mesmas, no momento em que não admitirem mais a agressão tanto física como psicológica,
denunciando seus companheiros violentos, e se afastando deles isto poderia amenizar a violência.
O título de “vítimas” que mulheres agredidas levam hoje foi adquirido por não
conseguirem sair da situação da violência doméstica. Com isto, não tomando nenhuma atitude,
pois elas na maioria são consideradas “vítimas”, as “coitadas” da situação violência, não
buscando ajuda, não saindo daquele ambiente tumultuado e tudo se acomoda e a violência acaba
permanecendo nos ambientes familiares. Enquanto elas continuarem aceitando as agressões, a
violência nunca acabará.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRAGHINI, Lucélia. Cenas repetitivas de violência doméstica: um impasse entre Eros e
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_____ (1923-1925) O Problema Econômico do Masoquismo. 2 ed. Rio de Janeiro: Imago, 1988a. V. XIX.
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GIDDENS, Anthony. A transformação da intimidade: amor e erotismo nas sociedades modernas.
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LUQUET-PARAT, C. J.. A mudança de objeto. In: CHASSEGUET-SMIRGEL, J. Sexualidade
Feminina: uma abordagem psicanalítica contemporânea. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988.
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Será que elas são tão vítimas assim?