Cliente: IESB
Veículo: Site UAI
Editoria: Saúde Plena
Data: 09.01.15
Generosidade é construída em processo
que envolve emoção e razão
Pesquisa mostra que as crianças desenvolvem o altruísmo por meio de um
processo complexo, que envolve respostas emocionais e elaborações
racionais. Pais podem colaborar fazendo os pequenos refletirem sobre o
comportamento moral dos outros
Quem convive com crianças sabe que uma das lições mais difíceis de ensinar a
elas é a generosidade com relação a objetos. A resistência delas em compartilhar
com amiguinhos ao menos uma parte dos seus valiosos brinquedos é imensa, o
que faz com que muitos vejam os pequenos como naturalmente egoístas. Um
estudo feito por neurocientistas da Universidade de Chicago, nos Estados Unidos,
porém, traz dados interessantes sobre como a disposição de compartilhar bens
com os outros se desenvolve desde cedo nos seres humanos e traz uma
importante recomendação aos pais: estimular o altruísmo não só é fundamental
como traz bons resultados para a formação moral dos filhos.
Segundo Jean Decety, um dos autores do trabalho e pesquisador do Instituto de
Psicologia e Psiquiatria da universidade, estudos recentes têm trazido novas
formas de enxergar a moral infantil. “Há uma abundância de estudos que dão às
crianças uma reputação de serem egoístas, de não serem muito generosas”,
conta o cientista ao Correio. “No entanto, novos trabalhos têm mostrado que até
mesmo os bebês são sensíveis à desigualdade e que as crianças têm a
capacidade de agir em benefício dos outros. À medida que elas crescem, tendem
a mostrar um aumento na generosidade”, acrescenta.
O estudo de Decety e colegas, publicado on-line pela revista especializada
Current Biology e previsto para sair na edição impressa no próximo dia 5, foi o
primeiro a mapear os mecanismos cognitivos por trás da generosidade infantil.
“Quisemos examinar quais mecanismos neurológicos orientavam a expressão do
comportamento de partilha e não há nenhum estudo que aborde isso. Esse é o
primeiro trabalho que fala do neurodesenvolvimento da sensibilidade moral, que
liga diretamente avaliações morais implícitas e o comportamento moral real, e
identifica os marcadores de cada um”, destaca o autor.
Monitoramento
Para isso, os pesquisadores instalaram eletrodos de eletroencefalograma na
cabeça de 57 meninos e meninas de 3 a 5 anos e pediram aos pequenos
voluntários para assistirem a vídeos que mostravam personagens sendo egoístas
ou generosos com os outros. Depois, enquanto ainda eram monitoradas, as
crianças recebiam de presente 10 adesivos e eram perguntadas se elas não
queriam doar alguns deles para um outro pequeno que chegaria em breve e não
teria nenhum brinquedo com o qual se divertir.
Na média, cada criança doou menos de dois dos 10 adesivos que tinha recebido,
e não houve diferença significativa no comportamento de partilha por sexo ou
idade. No entanto, o primeiro ponto observado pelos autores foi que o conteúdo do
vídeo conseguia influenciar na atitude dos participantes. Aqueles que assistiam a
uma história com personagens generosos se mostravam mais dispostos a dividir.
Do ponto de vista cerebral, Decety e colegas notaram que, quando assistiam ao
vídeo, as crianças apresentavam uma resposta imediata, denotando uma reação
mais emocional. Depois, quando tinham de pensar sobre a doação de adesivos,
exibiam um padrão mental semelhante, porém muito mais controlado, indicando a
construção de avaliações morais implícitas, ou seja, depois de reagir
emocionalmente a um determinado exemplo de comportamento moral, as crianças
passam a formular e moldar sua própria forma de agir. “A avaliação moral em
crianças pré-escolares é semelhante à dos adultos. É um processo complexo,
construído a partir tanto da emoção quanto da cognição”, destaca Decety.
Para o pesquisador, o estudo traz uma lição valiosa para os pais. “Esse é o
primeiro estudo sob o ponto de vista do desenvolvimento neural que faz uma
ligação entre avaliação moral implícita e comportamento moral real e identifica os
marcadores neurais específicos de cada um. Esses achados indicam que, se
encorajarmos as crianças a refletirem sobre o comportamento moral dos outros,
nós podemos estimular nelas a generosidade e a disposição de compartilhar”,
completa.
Cultura
Na avaliação de Fauzi Mansur, professor do curso de psicologia do Centro
Universitário Iesb de Brasília, a pesquisa da Universidade de Chicago busca
compreender melhor um conceito bastante complexo. “Quando falamos de
generosidade, a questão cultural está muito envolvida e pode influenciar como
uma pessoa se comporta. O ser humano é feito por construções que são muito
circunstanciais”, destaca o especialista, que não participou do estudo.
Mansur ressalta que a impressão comum de os pequenos não serem muito
generosos se deve à etapa inicial da em que se encontram. “A criança é
egocentrada, o que é até algo positivo, não é considerado um problema. Ela está
pensando primeiro em sua construção para a vida, no que ela precisa para se
desenvolver. Dizer que uma criança está sendo egoísta é um grande erro, pois
agimos como qualquer outro animal, em busca da nossa sobrevivência futura”,
analisa.
O especialista brasileiro concorda com a conclusão do estudo, de que conceitos
como altruísmo são adquiridos com o ensinamento de pessoas próximas. “Valores
se aprendem por meio de ensinamentos, que vem principalmente dos pais, que
estão mais perto das crianças durante seu crescimento. A generosidade precisa
ser ensinada, vem da família e ajuda na formação futura”, afirma.
O professor também frisa a importância de trabalhos como esse, que busca
respostas para o comportamento humano e aponta para formas de transformá-lo.
“Temos duas coisas importantes e que parecem interligadas. A primeira é
descobrir como agimos, o que estimula a pessoa, e a segunda é a mudança desse
comportamento, caso isso seja necessário. Descobrir como fazer isso é mais difícil
e pode levar um tempo maior”, diz Mansur.
A equipe de Chicago pretende continuar com a investigação, descobrindo mais
detalhes ligados ao comportamento de crianças. “Trabalharemos em um estudo
semelhante com voluntários ainda mais jovens, com idades entre 12 e 24 meses,
também usando monitoramento cerebral por meio do eletroencefalograma e
rastreamento ocular para explorar novos marcadores neurais ligados à
generosidade”, adianta Decety.
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Generosidade é construída em processo que envolve emoção