João Ribeiro Santos Nefrologista Cédula profissional n.º 12239 da Ordem dos médicos Exm.º Senhor
Dr. Francisco George
Director-Geral da Saúde
Alameda D. Afonso Henriques, 45
1049-05
LISBOA
C/c: Colégio de Nefrologia da OM
Sociedade Portuguesa de Nefrologia
Lisboa, 03/09/2009
Assunto: Circular Normativa n.º 13/DQS/DGIDI, de 20/08/2009
Exm.º Senhor Director-Geral da Saúde,
Foi, com natural agrado, que tomei conhecimento da Circular Normativa epigrafada.
Com efeito, desde que se iniciou a abordagem do ‘preço compreensivo’, tenho
defendido que, em vez de enunciar definições sobre os exames complementares e
os fármacos incluídos nesta nova modalidade de preço, seria bem mais claro e
inequívoco apresentar a sua listagem – o que esta Circular vem contemplar.
Reconhecendo o mérito desta iniciativa, ela não deixa, porém, de padecer de erros
ou defeitos, sendo minha convicção que uns resultam desta moderna tecnologia
informática – o copy / paste –, mas outros resultarão de assessoria menos atenta ou
mal informada.
Espero que estes meus reparos venham a ser considerados como um contributo
para a melhoria da norma recém-publicada.
1. Preâmbulo
Não vou aqui insistir no equívoco que a expressão “suas intercorrências”
envolve. Com efeito, a listagem dos medicamentos, das análises-tipo e dos
outros exames-tipo integrados no ‘preço compreensivo’ torna claro que a
expressão “suas intercorrências“ pretende reportar-se às complicações da
insuficiência renal crónica. Contudo, é preciso referir que existem múltiplas
patologias (e tomemos como exemplo a hipertensão arterial) que podem ser
causa, comorbilidade, complicação ou intercorrência da (ou na) insuficiência
renal crónica. Assim, melhor seria que a redacção da alínea a) do n.º 2 da
Cláusula 12.ª do Despacho n.º 4325/2008 do Secretário de Estado da Saúde, de
18/01/2008, fosse a seguinte: «(...) assim como os exames, as análises e os
medicamentos constantes dos anexos I, II e III (ou de circular normativa da
Direcção-Geral da Saúde)».
2. Medicamentos-tipo integrados no preço compreensivo
Consultório: Rua Andrade Corvo, 27 – 4.º D.to – Lisboa Tel: 21 3554701 Residência: Rua Tomás Ribeiro, 65 – 5.º D.to – Lisboa TM: 96 9085924 e‐mail: [email protected] [email protected]‐saude.pt João Ribeiro Santos Nefrologista Cédula profissional n.º 12239 da Ordem dos médicos Embora passível de reparo, afigura-se-me irrelevante discutir a distribuição das
especialidades farmacêuticas pelos grupos terapêuticos apresentados. Mais
importante é a apreciação dos fármacos incluídos no ‘preço compreensivo’.
Assim:
a) Aparelho cardiovascular
i.
Entre os medicamentos anti-hipertensores, não faz sentido incluir os
compostos com hidroclorotiazida. Se este componente diurético fosse
eficaz nas doses disponíveis, o doente não necessitaria de terapêutica
dialítica. Podem constar da lista, mas ninguém os prescreverá.
Por outro lado, não é para mim entendível porque se excluíram os ARA,
de grande utilização na actualidade.
Uma forma expedita de resolver o problema, e sem estender ainda mais a
árida listagem apresentada, seria determinar que estão incluídos no
‘preço compreensivo’ os ‘Anti-hipertensores’.
ii.
Não se compreende porque, como antiagregantes plaquetários, a
listagem refira, apenas, o dipiridamol.
Tal como sugeri para os anti-hipertensores, também aqui a referência a
‘Antiagregantes plaquetários’ seria suficientemente clara.
iii. Não se compreende porque a listagem é omissa quanto antidislipidémicos
(bastará referir ‘Antidislipidémicos’).
b) Antianémicos
i.
Tanto quanto temos conhecimento, a apresentação disponível de óxido
férrico sacarosado é para administração intravenosa, pelo que não se
percebe a sua separação de outras formas de ferro para administração
por esta via.
ii.
Possivelmente, o que se pretendia incluir era formas de apresentação de
ferro para administração oral.
iii.
É nossa opinião que se deveria incluir, no que se refere a compostos de
ferro, o hidróxido férrico-dextrano de baixo peso molecular que,
eventualmente, terá particular interesse para administração em doentes
em diálise peritoneal.
iv. Ou referir, incluídos no grupo ‘Antianémicos’, o ácido fólico e o subgrupo
‘Compostos de ferro’ ou ‘Compostos fornecedores de ferro’.
c) Antiácidos
i.
Não se entende a inclusão do fosfato de alumínio dado que o efeito
pretendido nestes doentes não é o de aumentar o pH gástrico, mas sim o
de quelar o fósforo intestinal. Bem mais sentido faria a inclusão, por um
lado, de novos e emergentes quelantes do fósforo e, por outro lado, de
antagonistas dos receptores H2 e de inibidores da bomba de protões.
Aliás, sugiro a supressão deste grupo e a sua substituição por outros dois
que seriam designados como ‘Quelantes do fósforo intestinal’, o primeiro
Consultório: Rua Andrade Corvo, 27 – 4.º D.to – Lisboa Tel: 21 3554701 Residência: Rua Tomás Ribeiro, 65 – 5.º D.to – Lisboa TM: 96 9085924 e‐mail: [email protected] [email protected]‐saude.pt João Ribeiro Santos Nefrologista Cédula profissional n.º 12239 da Ordem dos médicos e, o segundo, ‘Antagonistas dos receptores H2 e inibidores da bomba de
protões’.
d) Terapêutica de infecção
i.
É muito discutível a selecção de antibióticos apresentada.
2. Exames complementares de diagnóstico
A definição, pela Direcção-Geral da Saúde através de uma Circular Normativa,
de periodicidades para os exames complementares (análises clínicas, exames
de imagem e ECG) significa que essas periodicidades deverão ser cumpridas
pelas unidades de diálise.
Como o Exm.º Colega sabe, pelo menos tão bem quanto eu, os médicos, no
exercício da sua actividade profissional, são livres de optar – e por eles são
responsáveis – pelos exames necessários para o diagnóstico e pelos
tratamentos que considera mais adequados para os seus doentes.
É claro que essa liberdade – ou independência médica – é regida pela legis artis
que, actualmente e em múltiplas áreas, se pretende enquadrar em guide lines –
entendidas como linhas de orientação e não como regras impostas – definidas
por especialistas na área correspondente, geralmente escolhidos no seio de
sociedades científicas de âmbito multi ou internacional.
Entre outras, referimos as seguintes guide lines relativas à terapêutica dialítica:
KDOQI, da National Kidney Foundation; KDIGO, da International Society of
Nephrology; EBPG, da UE. Mas elas divergem entre si em relação a múltiplos
aspectos, sendo difícil, se não impossível, eleger a que cientificamente é mais
correcta.
Para além disso, há estruturas nacionais, científicas e técnicas, da especialidade
de nefrologia (Sociedade Portuguesa de Nefrologia e Colégio de Especialidade
de Nefrologia da Ordem dos Médicos) que permanentemente estudam e
divulgam as actualizações no âmbito da especialidade e, inclusivamente, têm
elaborado regras de boas práticas1.
A tudo isto acresce que a independência médica se encontra contemplada no
Estatuto da Ordem dos Médicos, no Código Deontológico dos Médicos e na
diversa regulamentação da actividade das unidades de diálise. E esta
independência não é apenas relativa aos órgãos de gestão: é-o, também, em
relação a qualquer poder, incluindo o do Estado e seus agentes.
Assim, parece-me descabido, atentório da ética médica e, até, com laivos de
insulto impor aos nefrologistas que, para definirem o plano de exames a serem
efectuados aos seus doentes, tenham de ter ao lado uma circular normativa da
D-GS que os “ensina” a fazê-lo e os obriga a cumpri-la – por mais estranha que
seja, como é o caso vertente.
Seria, pois, bem melhor e mais sensato apresentar apenas a listagem das
análises e dos outros exames complementares integrados no preço
compreensivo.
1
A este propósito, estranha‐se que a revisão do Manual de Boas Práticas da Diálise, aprovado pelo Colégio de Nefrologia da OM há cerca de três anos e que introduz alterações relevantes, não tenha sido, ainda, publicado Consultório: Rua Andrade Corvo, 27 – 4.º D.to – Lisboa Tel: 21 3554701 Residência: Rua Tomás Ribeiro, 65 – 5.º D.to – Lisboa TM: 96 9085924 e‐mail: [email protected] [email protected]‐saude.pt João Ribeiro Santos Nefrologista Cédula profissional n.º 12239 da Ordem dos médicos Mas tomo a liberdade de sugerir ao Exm.º Colega que, antes da eventual
correcção da Circular em análise – o que espero venha a acontecer em breve –,
ouça os nefrologistas e, depois, a submeta à sua revisão antes da publicação.
É que a Circular Normativa agora publicada apresenta erros de tal forma
clamorosos que ponho em dúvida a intervenção ou o acolhimento de pareceres
de colegas da especialidade.
Eis alguns desses erros:
A) Análises-tipo
a) A Circular determina que sejam avaliados regularmente os teores
urinários de vários compostos e iões (ureia, glucose, ionograma, cálcio
total, fósforo inorgânico, creatinina, β2-microglobulina, proteínas totais,
ácido úrico e triglicéridos). Ora os doentes em hemodiálise, na sua
maioria, são anúricos, o que inviabiliza a sua realização. Nos restantes,
pela sua insuficiência renal muito avançada, a concentração daqueles
solutos é vestigial e sem qualquer interesse clínico.
Apenas nos doentes em diálise peritoneal com preservação de alguma
função renal se justificará efectuar algumas (poucas) dessas análises.
b) Não vislumbro o interesse de uma determinação mensal da glicémia nos
doentes diabéticos. Importante é, como o Exm.º Colega sabe, a sua
avaliação diária e durante o tratamento hemodialítico.
c) Estranho, também, a exigência da avaliação regular de concentração no
líquor de glucose (mensal nos doentes diabéticos!), de bicarbonato, de
alumínio, de proteínas totais, de ácido úrico e de triglicéridos. Não será
uma violência submeter os doentes a tantas punções lombares? Com que
objectivo? É claro que acredito na culpa do copy / paste. Mas, o que é
facto é que as unidades que não o fizerem cairão em incumprimento do
determinado na Circular Normativa da D-GS.
d) Não se compreende a inclusão da determinação ultra-sensível da
proteína C reactiva.
A proteína C reactiva ultra-sensível é um teste de grande sensibilidade
(como o nome indica) utilizado na determinação de processos
inflamatórios ínfimos. A sua aplicação clínica quase que se resume a ser
um elemento prognóstico independente de doenças cardio-vasculares (<
1,0mg/L – baixo risco; 1,0-2,9mg/L – risco moderado; > 2,9mg/L – alto
risco), sendo desprovido de interesse no diagnóstico e na monitorização
de processos infecciosos.
Como estranho que se pretenda avaliar mensalmente o risco cardiovascular dos doentes em diálise, presumo que a intenção seja a
determinação standard, embora quantitativa, da proreína C reactiva para
o diagnóstico e para a monitorização de patologia infecciosa.
Até porque, como é sabido, a própria insuficiência renal e, sobretudo, a
diálise são, por si só, factores desencadeantes de processo inflamatório,
o que pertubaria a interpretação dos resultados da determinação da
proteína C reactiva ultra-sensível.
Consultório: Rua Andrade Corvo, 27 – 4.º D.to – Lisboa Tel: 21 3554701 Residência: Rua Tomás Ribeiro, 65 – 5.º D.to – Lisboa TM: 96 9085924 e‐mail: [email protected] [email protected]‐saude.pt João Ribeiro Santos Nefrologista Cédula profissional n.º 12239 da Ordem dos médicos e) Também não é para mim claro o interesse em efectuar hemocultura(s) em
doentes com catéter (venoso central ou peritoneal) ou com prótese
vascular se não houver sugestão clínica ou laboratorial de infecção.
Em contrapartida, se houver sugestão clínica ou laboratorial de infecção
bacteriana de outra localização não haverá interesse em efectuar
hemocultura(s)?
f)
Não entendo o alcance da quantificação da α-fetoproteína em todos os
doentes HCV negativos e HBsAg negativos. Não deveria ser ao contrário
e quantificá-la (só no sangue) nos que apresentam positividade para
aqueles marcadores virais?
B) Outros Exames complementares-tipo
a) O RX do esqueleto de rotina nos doentes em diálise tornou-se obsoleto
desde há cerca de uma vintena de anos. Quando muito, é aceitável
efectuar RX do crâneo, das mãos, da coluna vertebral e da bacia.
b) Não compreendo o que se pretende com o “exame directo a fresco”,
incompreensão essa agravada pela a obrigatoriedade de o efectuar
trimestralmente, embora como “procedimento isolado”.
3. O que falta incluir no ‘preço compreensivo’
a)
Análise bacteriológica de urina de colheita asséptica;
b)
Análises químicas e bacteriológicas do dialisado na diálise peritoneal;
c)
Electromiograma e velocidade de condução nervosa;
d)
Transfusão de concentrado eritrocitário. Esta questão, já anteriormente
abordada, urge ser resolvida.
Como o Exm.º Colega promete, esta Circular Normativa será revista sempre que a
evidência científica o aconselhe. Ora asseguro-lhe que a evidência científica e o
bom senso aconselham que seja de imediato revista.
Com os melhores cumprimentos e sempre ao dispor,
João Ribeiro Santos
Consultório: Rua Andrade Corvo, 27 – 4.º D.to – Lisboa Tel: 21 3554701 Residência: Rua Tomás Ribeiro, 65 – 5.º D.to – Lisboa TM: 96 9085924 e‐mail: [email protected] [email protected]‐saude.pt 
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