Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 39, no. 3, de 2010
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0004-2773/10/39 - 03/85
Arquivos Catarinenses de Medicina
ARTIGO DE REVISÃO
Manifestações cardíacas associadas a infecção por vírus influenza.
Cardiac manifestations associated with influenza virus infection.
Roberto Henrique Heinisch¹, Rodrigo dos Santos Moraes².
Resumo
Abstract
O vírus influenza está relacionado com um grande número de hospitalizações e mortes por ano embora em grande parte dos pacientes infectados a doença
seja branda e não ocorra complicação. Um maior risco
tem se mostrado em pacientes idosos e pacientes jovens
com doenças pulmonares ou cardíacas como doença de
base. O influenza tem capacidade de acometer o coração
de forma direta, com mecanismos imuno mediados, ou
descompensando doenças cardíacas como a doença arterial coronariana e a insuficiência cardíaca congestiva.
A vacinação, ainda discutida e necessitando de mais estudos, tem se mostrada efetiva na redução do número de
hospitalizações e mortalidade em pacientes que são dos
grupos de risco.
The influenza virus is associated with a large number of hospitalizations and deaths each year although in
most patients infected with the disease is mild and no
complication occurs. An increased risk has been shown
in elderly patients and young patients with lung disease
or cardiac disease as the underlying. The influenza has
the capacity to affect the heart directly, with immune-mediated mechanisms, or decompensated heart diseases like coronary artery disease and congestive heart
failure. Vaccination yet discussed and in need of further research, has been shown effective in reducing the
number of hospitalizations and mortality in patients
who are at-risk groups.
Key-words:
Descritores:
1. Influenza;
2. Coração;
3. Morbidade e mortalidade;
4. Acometimento cardíaco.
1. Médico, Cardiologista; Professor da Universidade Federal de Santa
Catarina – UFSC.
2. Aluno do quinto ano do curso de graduação de medicina da
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
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1. Influenza;
2. Heart;
3. Morbidity and mortality;
4. Involvement cardiac.
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pacientes, (11,4%) tiveram elevação da concentração de
MLC I mostrando que lesões miocárdicas podem estar
presentes em pacientes com influenza mesmo sem eles
terem sintomas sugestivos de lesão do miocárdio, todos
com ECG normal.10 Já no Reino Unido, em 152 pacientes
recrutados de 60 centros primários de saúde com sorologia comprovada pra infecção por influenza, em 18 deles
foram encontrados níveis elevados de CK.11 No entanto,
nenhum paciente teve evidência clínica de miocardite e
os níveis de CK-MB, troponina I e T estavam dentro dos
limites normais nas medidas dos dias 1, 6 e 21 do seguimento.11 Neste estudo, usando marcadores mais sensíveis
e específicos de lesão miocárdica, demonstraram que a
prevalência da miocardite durante a infecção de gripe
aguda é substancialmente menor do que se pensava, enquanto a lesão do músculo esquelético é relativamente
comum.11 Na Universidade de Virginia, em um estudo
com 30 homens previamente saudáveis com menos de 72
horas de sintomas gripais e teste positivo para o antígeno
influenza, foram avaliados os níveis de CK-MB, o índice
de troponina I e o Eletrocardiograma (ECG).12 Nenhum
dos pacientes teve uma elevação de CK-MB ou de troponina I.12 Eletrocardiogramas anormais foram observados
em 53%, 33%, 27% e 23% dos pacientes nos dias 1, 4,
11 e 28, respectivamente, mas nenhum dos resultados foi
considerado clinicamente significativo.12 Nenhum paciente apresentou alteração relevante na fração de ejeção
ou movimentos anormais da parede.12
É incerto se os danos dos miócitos na fase inicial
do processo da miocardite estão relacionados principalmente à presença do vírus influenza ou se é imunomediado.7 No entanto, é amplamente aceito que a
progressão do processo da doença miocárdica na fase
posterior é sustentada principalmente por mecanismos imunes.7 Citocinas pró-inflamatórias, incluindo
!"#$% &'% (')$#*'% "+,#$!-% ./01234% #$!,% $')#(5')6dos como importantes na iniciação e desenvolvimento da fisiopatologia da cardiomiopatia inflamatória.7
Tem sido demonstrado em estudos em seres humanos
que a infecção do miocárdio com influenza A é as*#)6!&#% )#,% +,% !+,'("#% &!% '78$'**9#% &'%/0123% '%
de seus receptores TNFRI, TNFRII no miocárdio.13
Uma associação entre a função miocárdica deprimida
'%(:;'6*%'-';!&#*%&'%/0123% #6%8$';6!,'("'%&',#(*trada em pacientes com miocardite.14% /0123% 8#&'%
deprimir a contratilidade miocárdica através de uma
série de mecanismos, incluindo mecanismos mediados por monóxido de nitrogênio e através de ações
diretas sobre o manuseamento de cálcio intracelular
no miocárdio.15
Alteração na história natural da doença arterial
coronariana.
Introdução
Um novo vírus da influenza pandêmica H1N1 2009
(H1N1v) originário dos suínos surgiu recentemente como primeira pandemia de gripe do século 21.1 A
pandemia H1N1v é de severidade moderada não sendo
comparável com as pandemias que ocorreram no século
passado, no entanto, ela não é apenas outra gripe sazonal,
sua mortalidade está concentrada numa faixa etária mais
jovem, abaixo dos 30 anos, poupando o grupo dos idosos
que são os mais acometidos pela gripe comum.2
Entre os fatores de risco para ocorrência de complicações por influenza a presença de pelo menos uma comorbidade foi a mais frequente e esses grupos de risco
são semelhantes nos relatos da literatura.3,4,5
Observa-se que o grupo de doenças crônicas respiratórias e doenças cardiovasculares crônicas são as principais comorbidades associadas aos óbitos em Santa
Catarina relacionados ao (H1N1)v.6 Dados nacionais
apontam 41% dos óbitos ligados a pelo menos uma dessas duas doenças de base.6
Embora na maioria dos casos de infecção por influenza não ocorra complicação, ela é responsável por 3 a 5
milhões de casos de doenças graves e até 300 mil mortes por ano.7 Foi observado que durante as epidemias de
gripe houve um aumento das taxas de mortalidade de
causas cardiovasculares, entretanto, em paciente de alto
risco previamente vacinados contra influenza, notou-se o
inverso, uma diminuição na mortalidade cardiovascular.7
Além de exacerbação de doença pulmonar e superinfecção bacteriana, a gripe pode levar a descompensação da
insuficiência cardíaca congestiva8 e, foi estimado, que
ela pode provocar até 92.000 mortes por ano nos EUA
desencadeando infartos agudos do miocárdio.9
O objetivo deste artigo de revisão é tentar responder a
pergunta: por que os pacientes com doenças cardiovasculares têm a morbidade e a mortalidade elevadas quando
são acometidos por gripe causada pelo vírus influenza?
Influenza e aumento da morbidade e mortalidade
cardiovascular:
Comprometimento direto do miocárdio
A frequência de comprometimento do miocárdio
na infecção por influenza é variável, com taxas de até
10% tendo sido relatado na literatura, embora isso seja
dependente dos métodos utilizados para detectar seu
envolvimento.7
Durante a epidemia de gripe A (H3N2) de 98 e 99 no
Japão foram analisados danos miocárdio associados ao
influenza em pacientes assintomáticos para lesão cardíaca medindo os níveis plasmáticos de concentração da cadeia leve de miosina (MLC I).10 Foram estudados 96 pacientes positivos para influenza e sem lesão renal.10 Onze
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Há indícios crescentes que apóiam o papel significativo da infecção por influenza no desenvolvimento
da aterosclerose e desencadeamento de suas complicações.8,17 As epidemias por influenza estão relacionadas
com um aumento significativo nas mortes por causas
cardiovasculares.8,17 O infarto agudo do miocárdio
(IAM) tem seu pico registrado nos meses de inverno,
e a atividade do vírus influenza sugere, para alguns autores, a razão para este índice de IAM durante este período do ano.17
Estudos clínicos mostram que muitos infartos agudos são precedidos por uma infecção do trato respiratório superior, como em 1998, um estudo caso-controle da
General Practice Research Database (GPRD) encontrou
uma associação significativa entre infecção respiratória
recente, mais precisamente em torno de 10 dias, precedendo o IAM.16 O risco foi maior para os primeiros
dias após a infecção e, em seguida caiu, de modo que
não houve excesso de risco observado após cerca de 2
semanas.16 Um estudo investigando o impacto da infecção por influenza e mortes cardiovasculares aconteceu
em St. Petersburgo entre 1993 e 2000.9 Foram realizadas quase 35.000 autopsias em 8 anos de estudos que
mostrou um pico coincidente de mortes por IAM e doença isquêmica cardíaca com a epidemia de influenza e
doença respiratória aguda, mostrando que as epidemias
de influenza aumentam os casos de morte coronariana
confirmada por autopsia.9
O vírus influenza afeta o sistema vascular de diversas
maneiras mas, considerando que a maioria dos agentes
infecciosos desempenha seu papel aterogênico iniciando
ou agravando um processo vascular crônico ou inflamatório sistêmico, o influenza pode ter um papel diferente
desestabilizando as placas vulneráveis já existentes.8,17,19
Foi demonstrado em um estudo que a inoculação de influenza A em modelos animais de aterosclerose (ratos
deficientes de apolipoproteina-E) resulta em infiltração
de placas ateroscleróticas por células inflamatórias (macrófagos e células T), bem como a proliferação das células musculares lisas, deposição de fibrina, agregação
plaquetária e trombose.18 Estas profundas alterações inflamatórias e pró-trombóticas imitam aquelas vistas em
placas coronarianas após um IAM fatal.17
Potenciais mecanismo pelo qual a infecção mediada
por influenza acarreta o IAM estão listados no Quadro I.
Bouwman e cols. mostraram que a infecção de monócitos por influenza diminui o tempo de coagulação em
19%, faz com que os monócitos produzam interleucinas
IL-6 e IL-8 e deixam de produzir a interleucina antiinflamatória IL-10.19 Esta expressão acentuada de citocinas
inflamatórias pode induzir reações inflamatórias locais
e/ou sistêmica, que pode estar associada com a ruptura
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da placa de aterosclerose.19 Foi demonstrado que durante
a infecção por influenza A, o HDL perde suas características antiinflamatórias por alterações nos níveis relativos
de paraoxonase, fator ativador de plaquetas acetilhidrolase, ceruloplasmina e apoJ.17
Descompensação da Insuficiência Cardíaca
Congestiva.
Pacientes com Insuficiência Cardíaca Congestiva
(ICC) representam um grupo de alto risco de complicações por influenza. Um aumento sazonal na admissão e
mortalidade tem sido documentado em pacientes com
ICC com os seus números maiores de casos sendo relatados durantes os meses de inverno quando tipicamente
ocorre o pico de infecção por esse vírus.7
Um estudo realizado na Universidade de McMaster
utilizando 4 critérios distintos para classificar a temporada de influenza, encontrou um aumento no risco de hospitalização associada com a temporada de influenza independente de qual critério de início e fim da temporada
foi estabelecido.20 O risco ajustado de hospitalização foi
8 a 10% maior durante a temporada de influenza comparada com a não-temporada quando as diferentes definições foram usadas.20 O número de internações foi maior
quando a temporada de influenza foi representada por
um maior período de tempo.20 Quando as definições mais
restritas foram utilizadas menos hospitalizações foram
categorizadas como eventos relacionados com a gripe.20
Contudo, a exposição ao influenza não foi consistentemente associada com maior mortalidade quando todas
as definições foram utilizadas.20 Quando as definições
de período de três semanas seguidas com 5% e o com
o primeiro e último casos confirmados foram usados, a
exposição ao vírus esteve associado com um aumento
no risco de morte comparado com os não expostos nesta
população clínica, com este tendo a maior taxa.20
Efeito da vacinação contra Influenza nas complicações cardiovasculares
Diversos estudos observacionais têm sugerido que a
vacinação contra influenza pode estar associada a uma
redução no risco de acometimento cardíaco,9 infarto do
miocárdio21 e eventos cerebrais agudos,22 embora nem
todos tenham encontrado benefícios.23
Naghavi et al. demonstrou em um estudo caso controle com 233 pacientes com IAM prévio, ajustados para as
outras variáveis preditoras, que a vacinação contra gripe
foi associada com uma redução média de 67% no risco de IAM subsequente21 Nichol KL apresentou em seu
estudo observacional que, durante duas temporadas de
influenza, a vacinação de pessoas idosas esteve associada a uma redução substancial no risco de hospitalização
para doenças cardíacas e cerebrovasculares.24 Estudos
prévios tiveram resultados semelhantes. Em uma clíni87
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infecção por vírus influenza.
ca de cardiologia, outro estudo caso-controle com 233
pacientes que tiveram um infarto do miocárdio durante a
temporada de influenza de 1997-1998, a vacinação esteve associada a uma redução de 67% no risco de um IAM
em comparação com indivíduos controle que não haviam
sofrido infarto.21
Desde 2006, as diretrizes da American Heart
Association e da American College of Cardiology recomendam a vacinação contra o vírus da influenza nos
pacientes com doença aterosclerótica em geral. A recomendação é classe I com nível de evidência B. Essa recomendação foi baseada no fato de que pacientes com
doenças isquêmicas do coração estão sob maior risco de
complicações cardiovasculares para a gripe.25
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Conclusão
O vírus influenza causa epidemias mundiais sendo
responsável por um grande número de mortes e internações hospitalares ao redor do mundo. Pacientes com
condições médicas de base como cardiopatias estão mais
sujeitos a sofrerem com a infecção. Diversos estudos
mostraram a relação com o pico da epidemia e o aumento da morbidade e da mortalidade relacionada a eventos
cardiovasculares.
O acometimento cardíaco pode ocorrer de diversas
maneiras, como o envolvimento direto do miocárdio,
descompensação da doença arterial coronariana e da insuficiência cardíaca.
A vacinação, ainda discutida e necessitando de mais
estudos, tem se mostrada efetiva na redução do número
de hospitalizações e mortalidade em pacientes que são
grupos de risco.
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