ESCOLAS DA IMIGRAÇÃO ALEMÃ CATÓLICA E PROCESSO DE
NACIONALIZAÇÃO DO ENSINO
Lúcio Kreutz – UNISINOS/RS
MESA-REDONDA Nº 17 - Eixo temático 6: Educação, Cidadania e
Intercultura
PALAVRAS-CHAVE: nacionalização do ensino; escolas étnicas; igreja católica e
nacionalização do ensino.
INTRODUÇÃO
Nas últimas pesquisas constatei que os períodos de maior tensão na história da
educação do Rio Grande do Sul foram aqueles em que a afirmação do processo étnicoidentitário conflitou com a afirmação e a instituição do Estado/Nação. Grupos étnicos
caracterizavam diversas instâncias da vida coletiva com suas peculiaridades étnicas. A
língua materna era a dimensão mais central, o âmago de seu processo identitário. E em
contraposição aos grupos étnicos, os governantes buscavam implantar um processo
escolar público com o objetivo de formar um povo mais esclarecido, capaz de formar
uma pátria. E para isto seria fundamental que se impusesse também a unidade
lingüística.
O tema da nacionalização do ensino no Brasil foi objeto de várias pesquisas a
partir da década de 1960, destacando-se O´Dalbey (1969), Fiori (1975), Kipper (1979),
Paiva (1984 e 1987), Monteiro (1983), Rambo (1992 e 1994), Kreutz (1991 e 1994),
Hoppen (1991), Altmann (1991). Netas apresentam-se elementos importantes
relacionados com as escolas étnicas e o desconforto que provocavam para governantes
preocupados com a afirmação do Brasil como Estado/Nação. Desde sua vinda ao Brasil,
a partir do século XIX, organizaram escolas. Mas foi a partir de 1900 que criaram toda
uma estrutura de apoio para suas escolas étnicas. Na década de 1930, os imigrantes
alemães tiveram 1579 escolas étnicas, os imigrantes italianos 167 (em 1913 tiveram
396), os imigrantes poloneses 349 e os japoneses 178 (há polêmica relativa aos
números). Estas escolas étnicas nas quais se praticava a língua de origem dos
imigrantes, mantidas pelas comunidades, começaram a ser um desafio para os
governantes especialmente a partir da Primeira Guerra Mundial.
A literatura teuto-brasileira deste período trata freqüentemente da relação entre
processo identitário e nacionalidade. Reivindica para os imigrantes a manutenção de
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especificidades étnico-culturais, reconhecendo e afirmando, no entanto, sua cidadania
brasileira. Sua tradição permitia-lhes desvincular os conceitos de nacionalidade e de
cidadania. Em sua concepção a nacionalidade determinava-se a partir da raça, da etnia,
dos valores e peculiaridades étnicas. Um imigrante poderia ser cidadão no Brasil e ao
mesmo tempo ser de nacionalidade estrangeira, através de sua origem étnico-cultural
(Oliveira, 1990; Seyferth, 1994; Rambo, 1994). A língua era o elemento definidor
central da tradição étnico-cultural. Para os imigrantes alemães a língua sempre foi o
elemento mais central para a afirmação e reafirmação de sua pertinência à nacionalidade
alemã. No entanto, professavam-se cidadãos brasileiros. Não viam incongruência nisto.
Para a tradição luso-brasileira foi difícil entender como os imigrantes podiam
declara-se cidadãos brasileiros e afirmarem simultaneamente sua nacionalidade alemã.
Se o nacionalismo para o imigrante alemão significa principalmente pertencimento
étnico-cultural-lingüístico, para o luso-brasileiro é, em primeiro lugar, compromisso
político com o Estado brasileiro (Rambo, 1994, p. 49). Os imigrantes alemães
questionavam a tradição luso-brasileira como referência, como critério para a
construção da brasilidade. Para eles a nacionalidade era um fenômeno étnico-cultural,
não dependendo de fronteiras geográficas. Nacionalidade era vinculação a um povo e
não a um Estado. A cidadania vinculava o indivíduo a um Estado e expressava
identidade política. A elite política e intelectual brasileira, representada na fala de
Sylvio Romero e Graça Aranha, considerava esta posição dos imigrantes alemães de
intolerável indício de enquistamento, lesivo à soberania nacional (Seyferth, 1994, p.17).
A partir de 1938, as escolas da imigração tiveram que adaptar-se a todo um
conjunto de medidas nacionalizadoras, entre as quais o uso obrigatório do idioma
português, o que gerou clima de forte tensão entre instâncias governamentais e
lideranças das escolas étnicas. No texto, apresento a justificativa dos imigrantes alemães
católicos para a manutenção da língua de origem no processo escolar e seu significado
para a dimensão religiosa, salientando sua reação às medidas de nacionalização
homogeneizadora do currículo. Categorias centrais, na análise, são as de Estado/Nação
e processo identitário étnico, com ênfase na língua. Quanto à primeira categoria,
Hobsbawm (1984 e 1990), Guibernau (1997), Gellner (1988), Anderson (1997),
Oliveira (1990), entre outros, são referência para entender o quanto a dinâmica sóciopolítica e cultural desenvolveu-se em
interrelação com a questão do nacional.
Entendem a nação numa perspectiva dinâmica, sendo que a identidade nacional não se
processa apenas a partir dos governos e agências oficiosas, mas envolve também as
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aspirações e interesses populares. Processa-se no espaço do imaginário, interrelacionada com a dimensão da cultura, da educação, realçando a união de todos em
torno de uma totalidade territorial, política e imaginária. Quanto à segunda categoria,
busquei apoio em Hall (1997) na definição de etnia “pelas características culturais –
língua, religião, costumes, tradição, sentimento de lugar – que são partilhadas por um
povo”. Também Seyferth (1994), Poutignat e Streif-Fenart (1998), entre outros, ajudam
a entender a etnia como processo, com limites múltiplos e instáveis, com tônica maior
no caráter relacional e dinâmico, articulando-se em nível de símbolos e valores. Ainda
recorri a Pujadas (1993), ao realçar que a dimensão do étnico prevalece freqüentemente
sobre a relação de classe, e a Betancourt (1997), ao enfatizar que os processos culturais
são conflitivos, havendo em cada grupo étnico uma história de luta pela determinação
de suas metas e valores. A partir destas referências, analisei os motivos da insistência
dos teuto-brasileiros católicos quanto a escolas étnicas. Realçando sua reação ao
processo de nacionalização, dei especial ênfase à dinâmica das representações, nas quais
se entrecruzava o choque da tradição cultural teuto-brasileira católica com as instâncias
governamentais. Procurei situar-me na perspectiva da história cultural, centrando a
atenção para o lugar social, político e cultural a partir do qual as ações foram
articuladas. As fontes foram as da imprensa da imigração alemã católica relacionada
com seu processo escolar, especialmente o Jornal do Professor (Lehrerzeitung) Católico,
e, ainda, as orientações, leis e decretos das políticas governamentais, relacionadas com a
nacionalização do ensino, de 1900-1941. Limitei o estudo apenas aos imigrantes
alemães católicos do Rio Grande do Sul. Permitiu compreender que o processo de
nacionalização não foi um movimento homogêneo e que a articulação entre escolas
étnicas e a formação do Estado/Nação teve momentos de fortes tensões e
estranhamentos entre imigrantes e poder público, especialmente de 1937 a 1941. O
centro das tensões foi a questão do idioma de origem dos imigrantes, muito significativo
para seu processo religioso.
A ESCOLA COMO ESPAÇO DE DISPUTA ENTRE ESTADO LIBERAL E
IGREJA CATÓLICA DA RESTAURAÇÃO
Os imigrantes alemães católicos vieram ao Brasil com as marcas das
divergências entre Igreja e Estado em relação à competência quanto ao processo escolar.
Na primeira metade do século XIX houve crescente difusão da escola pública na
Alemanha, o que afetou diretamente a Igreja Católica que tinha nas escolas paroquiais
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um importante ponto de apoio para a sua ação pastoral. A Igreja Católica insistia no
princípio de que a questão escolar competia por natureza à Igreja e à família. Ao Estado
competia apenas uma função complementar.
Na perspectiva do Liberalismo, o Estado chamava a si a tarefa da organização do
ensino, considerando a escola um mecanismo privilegiado de formação da cidadania.
Este ideário foi se difundindo de maneira bastante enfática a partir da Revolução
Francesa. O Estado deveria propiciar a generalização do ensino público, laico e gratuito,
como condição para se erigir a nacionalidade. Nas regiões de língua alemã Fichte e
Pestalozzi exerceram forte influência neste sentido.
Chegara-se assim a um confronto de competência entre Estado e Igreja em
relação à questão escolar e às demais instâncias consideradas como meios privilegiados
de formação geral do povo. O Kulturkampf retrata esta questão e os jesuítas foram
expulsos da Alemanha, em 1872, em decorrência deste confronto de competências. Um
número expressivo dos mesmos, acompanhados de outras ordens e congregações
religiosas hostilizadas em países europeus em função do crescente avanço do
liberalismo, instalaram-se nas regiões de imigração, no Brasil. Dedicaram-se aí, à
organização de um processo educacional alicerçado em escolas paroquiais e na
imprensa católica. Seguiam a orientação do Santo Ofício, em sua prescrição de 1875, na
qual se dizia
“É dever de consciência dos pais que enviem seus filhos às escolas
paroquiais. Não pode ter perdão de seus pecados aquele que, tendo
possibilidade, não enviar seus filhos à escola paroquial, privando-os assim da
formação católica” (in LZ, jan. 1923, p.5 e 6).
O papa Leão XIII insistira na mesma linha de orientação afirmando em 1878 que
“um dos maiores crimes é feito pelos pais que deixam seus filhos freqüentarem as
escolas a-religiosas” (in LZ, jan. 1923, p. 5 e 6). O jornal católico teuto-brasileiro
Deutsches Volksblatt afirmou em fevereiro de 1901 que foi com este objetivo que o
papa conclamara os bispos latino-americanos para Roma, em 1899, para o solene
Concílio Latino-Americano em que se concluiu pela necessidade de dar impulso
especial à escola paroquial. Realçava que a missão da Igreja Católica só se realizaria
com a presença significativa e eficiente das escolas e dos professores católicos. O
mesmo princípio geral foi reafirmado na IV Assembléia Geral de Católicos TeutoBrasileiros (Katholikenversammlung) de Santa Cruz, RS, em 1901. Concluiu-se, nesta
Assembléia:.
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“Somente quando família e escola trabalham juntas de maneira enérgica é
que se consegue alguma coisa (...). Para se alcançar os fins religiosos é
fundamental que se conserve e promova a escola paroquial católica na
colonização teuta” (DV, 8 fev. 1901).
Com estas referências a Igreja Católica organizou e animou uma série de
iniciativas vinculadas à escola a ao professor paroquial, aproveitando a tradição escolar
entre teuto-brasileiros para orientar a atividade educacional prioritariamente segundo o
projeto religioso. Os jesuítas exerceram forte liderança neste sentido. Os padres Schupp
(1974), Lutterbeck (1977), Amstad (1924), Rambo (1956) e Rabuske (1974) realçam a
vinculação entre padres jesuítas, projeto religioso e função da escola. A configuração
desta perspectiva dava-se nas escolas paroquiais, amplamente difundidas entre
imigrantes alemães católicos.
No Rio Grande do Sul a polêmica quanto à competência entre Igreja Católica e
Estado também se manifestou. A Igreja Católica chamava a si o direito à organização do
processo escolar que, entre os imigrantes alemães, a partir de 1890, foi tomando cada
vez mais a feição de escolas comunitárias, paroquiais. Instado pela sua própria definição
de competências, na perspectiva liberal, o governo provincial começou, a partir de 1875,
a expansão mais acelerada das escolas públicas. Assim, a partir de 1875 já não se deve a
grande expansão de escolas comunitárias paroquiais ao fato de não haver escolas
públicas – opinião bastante difundida – mas também e principalmente em contraposição
à mesma. A resistência da Igreja Católica à escola pública devia-se ao fato de se temer,
aí, a difusão dos princípios do liberalismo ateu.
ÊNFASE NAS ESCOLAS ÉTNICAS
Possivelmente o aspecto mais peculiar dos imigrantes alemães residia na
compreensão de que era perfeitamente viável conjugar a manutenção de suas
peculiaridades étnico-culturais com o pertencimento ao Estado brasileiro, como
cidadãos. Só poderiam ser bons cidadãos brasileiros se pudessem continuar sua tradição
cultural. Também ligavam a religiosidade com as dimensões culturais. Embora não
fosse posição unânime, a língua e as tradições culturais de origem eram geralmente
enfatizadas como elementos básicos para a vivência da religiosidade. Justificavam esta
concepção em bases filosóficas e religiosas. Na XIII Assembléia Geral de católicos
teuto-brasileiros, em 1929, professavam que
“a par do zelo pela língua da terra, continua a língua materna alemã a base
para a educação no lar e na escola. Seu cultivo e sua preservação representam
um direito natural para nós. Ninguém tem o direito de obrigar os imigrantes e
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seus descendentes a abandonarem a língua materna. A diversidade de línguas
não é fruto do arbítrio humano como não o é a cor da pele para distinguir as
diversas raças. Antes de mais nada, esta diferença se deu na língua materna
que para todos, e em toda a parte, significava uma das mais preciosas dádivas
encontráveis na terra. A língua materna é a língua do coração, na qual a alma
toda, com seus pensamentos, sentimentos e emoções, encontra a sua forma de
expressão” (Anais da XIII Assembléia Geral de Católicos Teuto-Brasileiros,
1929, in Rambo, 1992).
Dava-se especial valor à língua alemã como o idioma no qual o processo escolar
deveria iniciar. Era o idioma com o qual se realizaria de forma mais profunda e eficiente
a formação religiosa católica. É importante lembrar que até a década de 1930 falava-se
quase exclusivamente a língua alemã na família, na igreja e na vida social das
comunidades teuto-brasileiras, acima de mil, bastante isoladas no interior do Rio
Grande do Sul. Nos dois primeiros anos o ensino seria exclusivamente em alemão e a
partir da 3º série continuaria como base, mas o aluno também seria iniciado no
português. Esta orientação valeu como princípio e como programa para a escola. Mas,
na prática, a deficiência do aprendizado do português era grande, seja porque o próprio
professor não o sabia satisfatoriamente, seja porque o ambiente todo (família, igreja,
comunidade) estimulava ao uso do alemão. No entanto, há freqüentes referências na
imprensa teuto-brasileira católica, a partir de 1900, quanto à necessidade de um
aprendizado mais adequado do português nas escolas comunitárias.
Os professores da imigração alemã católica tinham sua Associação de
Professores Teuto-Brasileiros Católicos (Lehrerverein) com um Jornal dos Professores
(Lehrerzeitung), que registrava sua posição. Entre 1900 e 1939 este jornal registra com
muita freqüência a posição da Associação dos Professores em relação ao desafio e ao
tensionamento constante que significava para eles o fato de se reconhecerem e
professorarem como cidadãos brasileiros - pelo menos em sua grande maioria – e ao
mesmo tempo insistirem na importância das escolas étnicas. Havia a opinião de que a fé
e os valores morais estariam vinculados com a manutenção da língua alemã, como foi
expresso na Assembléia Geral dos Católicos Teuto-Brasileiros, em Serro Azul, em
março de 1924.
“A Assembléia Geral de Católicos Teuto-Brasileiros aconselha a todos a
permanecerem fiéis à língua alemã, como fundamento de nosso Volkstum
(peculiaridade étnica) e como o melhor meio para nossa fidelidade na fé. Mas
também sugere que todos ensinem o melhor possível a língua pátria aos
filhos” (LZ; out. 1924. p.9).
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Na sétima Assembléia Geral do Lehrerverein, em 1913, também se concluíra
que o ensino religioso só poderia ser dado na língua materna. Na mesma Assembléia
Geral os professores foram informados que o poder público condicionava a subvenção
às escolas alemãs no estado à prática de duas horas diárias de aula em português. Os
professores, em assembléia, consideravam-no “impossível, inaceitável” (LZ, 1923,
p.25s.). Um ano antes, por ocasião da fundação da Sociedade União Popular
(Volksverein), o jornalista Hugo Metzler de muito ascendência entre imigrantes alemãs
católicos, considerava que
“faz-se necessária uma instituição de ensino em que se formem homens
inteiramente comprometidos com sua condição de cidadãos brasileiros que,
entretanto, não se envergonham de sua ascendência germânica. Homens que,
além da língua do país, dominem perfeitamente a língua materna. Homens
que no relacionamento com seu compatriotas de origem se servem com
prazer da língua alemã. Homens, enfim, que participam de corpo e alma das
boas e das errôneas experiências de sues patrícios” (In: Rambo, 1994, p.84).
Aqui interessa registrar que a questão do bilingüismo na escola teuto-brasileira
estava presente, a partir de 1900, entre os temas prioritários das Assembléias Gerais,
seja dos professores seja dos católicos. Concluía-se em cada Assembléia que havia a
necessidade de um melhor ensino de português na escola, mas simultaneamente se
realçava que fundamental era o alemão. Mas, seria possível alfabetizar simultaneamente
em alemão e português, considerando-se que em toda convivência familiar e social a
criança só praticava o alemão? Na sétima Assembléia Geral dos Professores, em 1913,
concluiu-se que a experiência indicava que apenas se deveria começar o ensino do
português quando o aluno já soubesse ler e escrever em alemão (LZ, 1913. p.25s).
O amor à pátria (entendendo-se o Brasil) foi tema da Assembléia Geral da
Associação de professores em São José do Hortêncio, em 04 e 05 de abril de 1904.
Nesta Assembléia dedicou-se um dia de estudo e debate ao ensino da língua pátria
(português) nas escolas de imigração alemã (ML, 1904, n.3, p.17). Na Assembléia Geral
de Professores Teuto-Brasileiros realizada em 1907, discordava-se da iniciativa do
governo em abrir escolas públicas junto às comunitárias (LZ, 1907, n.5, p.34). E na
Assembléia Geral de 1908, novamente em Estrela, descreveu-se o que usualmente
ocorria no ensino da língua na escola teuto-brasileira.
“nos dois primeiros anos de escolaridade o ensino é dado somente em
alemão, depois do segundo ano o ensino parte para a língua pátria, em que o
peso principal é dado de tal forma que efetivamente aprendam o português,
de modo que possam fazer traduções do alemão para o português e viceversa. E que algumas matérias sejam dadas diretamente em português, tais
como História, geografia e Ciências” (LZ, 1908, n.12, p.117).
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Na Assembléia considerou-se injusta a reclamação de certos pais que afirmavam
que era necessário enviar seus filhos à escola pública para aprenderem o português. E na
mesma Assembléia foi questionado se uma subvenção governamental aos professores
teuto-brasileiros, condicionada à obrigatoriedade do ensino em português, seria
aceitável. Entendia-se que sim se, em decorrência, a fiscalização do governo se
restringisse ao ensino de duas horas diárias em português, não tendo outras ingerências
na escola da imigração (LZ, 1909, n.1, p.9).
No Jornal do Professor as referências continuam freqüentes, nas décadas de
1910 e 1920, quanto ao tensionamento entre o ensino de português e do alemão na
escola teuto-brasileira. Mas na década de 1920 a própria Associação de Professores
incentivou a elaboração de material didático para um ensino mais adequado do
português nas escolas de imigração alemã. Assim, na assembléia comemorativa dos 25
anos da Associação de professores Teuto-brasileiros Católicos, reafirmou-se o princípio
que
“para que a escola paroquial nas colônias alemãs obtenha pleno êxito nos
seus propósitos, é necessário, que assim como a língua alemã deve
permanecer como base do ensino, assim a língua do país deve ser cultivada
com todo o entusiasmo” (LZ, 1923, n.5, p.1).
No Lehrerseminar (Escola Normal) de Novo Hamburgo, centro da discussão
pedagógica para professores teuto-brasileiros católicos, tinha-se o princípio que:
“os professores deverão ser capacitados para transmitir os valores culturais da
língua lema e para compreenderem e conservarem os costumes provenientes
de um tesouro: a alma alemã (...) Porém, os alunos são cidadãos brasileiros,
onde tem seus fundamentos e devem fidelidade ao país (...) sendo melhores
cidadãos na medida em que estiverem profundamente imbuídos dos valores
alemães” (Bericht, 1931. p.26).
(...)
“O Lehrerseminar ensinará os fundamentos da cultura alemã. Mas, na
formação dos professores tem prioridade a cultura brasileira que deve ter um
peso especial na formação dos professores (...) e se dê atenção especial
também para as organizações da vida civil (...) e para isto é recomendável
que os alunos da Escola Normal façam o serviço militar” (Bericht, 1930
p.10).
Este tensionamento foi uma constante, salientando-se sempre a idéia de que só
conseguiriam ser bons brasileiros na medida em que não precisassem abrir mão de suas
referências étnico-culturais. Em Rambo (1994) e Kreutz (1994) apresentamos uma
síntese destas tensões presentes no Jornal do Professor Teuto-brasileiro Católico, de
1900 a 1939. E em Kreutz (1999) mostro como os livros didáticos da imigração alemã,
que eram muitos, vinham permeados por este mesmo tensionamento entre uma forte e
constante profissão da cidadania brasileira e o reconhecimento da importância que esta
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pudesse manter-se conjugada com as dimensões culturais de origem. Os esforços eram
grandes, por parte da Associação de Professores, para encaminhar a proposta curricular
da melhor forma dentro deste quadro de tensionamentos. Testemunha disto é o grande
número de gramáticas e compêndios bilíngües para uso nas escolas da imigração alemã.
Concordo com a avaliação de Willems a este respeito quando diz que:
“é preciso confessar que, principalmente na zona rural, o ensino do vernáculo
em certo número de escolas alemãs foi deficiente porque os professores não
tinham os necessários conhecimentos lingüísticos. Mas é preciso frisar que as
Associações dos Professores e as Escolas Normais trabalharam
constantemente para acabar com estas deficiências, de sorte que, com a
publicação de livros escolares apropriados, tornou-se possível melhorar o
ensino do português” (Willems, 1946. p.410).
O certo é que na questão da língua, a prioridade do alemão, seja na escola seja
na prática cotidiana e nas associações teuto-brasileiras, gerou muita polêmica. Percebi
na literatura percorrida uma tendência e orientação por parte dos dirigentes do Projeto
de Restauração Católica em privilegiar a manutenção e o ensino do alemão nas
comunidades etnicamente homogêneas. O motivo era religioso. A língua materna
facultaria expressar melhor o sentimento religioso. Mas isto não significou adesão
política, a não ser com raras exceções. Esta questão é tratada de modo específico por
César Paiva em Die Deutschschprachigen Schulen in Rio Grande do Sul und die
Nationalisierungspolitik. O autor salienta que os católicos teuto-brasileiros, seja por sua
organização paroquial, seja pela participação de diferentes ordens religiosas, não
favoreceram muito o Deutschtum. Além disto, queriam evitar uma radicalização entre a
Igreja e o Estado. César Paiva também conclui que as escolas teuto-brasileiras estavam
longe de serem um instrumento de fascistização da juventude e que o NSDAP (National
Sozialistiche Deutsche Arbeitspartei) encontrou muitas resistências no estado, desde a
divisão das Igrejas cristãs, a desconfiança dos teuto-brasileiros com os recém-imigrados
até a dificuldade de relacionamento dos colonos com as Associações (Paiva, 1984.
p.186).
A REAÇÃO GOVERNAMENTAL
Para os governantes, de inspiração liberal, positivista, esta vinculação que os
teuto-brasileiros faziam entre etnia e religiosidade, e a distinção entre etnia e cidadania,
foi uma posição incômoda, mas administrável. Por isso recorriam à estratégia de
nacionalização progressiva abrindo escolas públicas nos núcleos teuto-brasileiros para
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concorrerem com as escolas étnicas. Condicionavam qualquer apoio a estas ao ensino
sistemático do português.
Segundo Paiva (1987, p.19-20) o Rio Grande do Sul foi o estado sulista mais
tolerante com as escolas de língua alemã. A primeira grande movimentação política
neste estado, visando estabelecer critérios para o funcionamento das chamadas “escolas
estrangeiras”, ocorre em 1929, durante o Congresso das Municipalidades do Rio Grande
do Sul. Neste, exigiu-se que o ensino em todas as escolas particulares fosse em
português, mas houve reação das igrejas católica e evangélica luterana.
Por ocasião da elaboração da nova Constituição Estadual, em 1934/5, a questão
do ensino do português nas escolas teuto-brasileiras voltou à tona. A afirmação da
tradição lusitana e de língua portuguesa como referências centrais para a formação de
um povo ilustrado, homogeneizado lingüística e culturalmente, tranformou-se em
questão prioritária nas décadas de 1930/40. Em contexto mundial de acentuado
nacionalismo e beligerância, com não mais de trinta por cento da população brasileira
escolarizada, com número elevado de imigrantes mantendo a língua de origem,
imprensa e processo escolar étnicos, o Estado Novo, intervencionista, reagiu tomando
uma série de medidas de nacionalização, preventivas inicialmente, compulsórias depois.
A Reforma Capanema, promovendo as leis orgânicas do ensino nacionalizadoras
do processo escolar, foi reforçada também com medidas centralizadoras e
nacionalizadoras na pesquisa, na cultura, na imprensa e na arte. Faz parte deste conjunto
de medidas a criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), do Instituto
Nacional de Livro, do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, do Serviço
de Aprendizagem Industrial (SENAI) e do Serviço Nacional de aprendizagem
Comercial (SENAC).
Segundo Schwartzmann et al. (1984, p.141s.) e Avancini (2001, p.65), o Estado
tentava assumir a construção da Nação, sendo que “a constituição da nacionalidade
deveria ser a culminação de toda a ação pedagógica do ministério”, compreendendo três
aspectos: 1) o estabelecimento de um “conteúdo nacional” à educação transmitida nas
escolas e em outros instrumentos de formação cultural; 2) a padronização do ensino em
todo o país; 3) a erradicação das minorias étnicas, lingüísticas e culturais, cuja
assimilação passou a ser tratada como questão de segurança nacional.
As medidas mais drásticas no processo compulsório de nacionalização foram
tomadas principalmente entre 1938 e 1941. As Secretarias de Educação e as forças
policiais foram mobilizadas neste sentido nos diversos estados com imigrantes.
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Schwartzmann apresenta a palavra de Cordeiro de Farias, Interventor no RS no período
da Nacionalização, para exemplificar este trabalho conjunto entre Secretaria de
Educação e forças policiais.
“Todos os documentos que tenho hoje (...) foram apanhados pela polícia, a
quem cabiam as ações mais violentas de prisão e apreensão de documentos.
Em ações complementares à política de nacionalização e de mudança de
mentalidade realizada pela Secretaria de Educação” (apud Schwartzmann et
al., 1984, p.153).
O Secretário de Educação no RS durante o período de nacionalização
compulsória, Coelho de Souza, entendia que a idéia de nação era conflitiva e
inconciliável com o convívio de tradições étnicas e línguas diferentes num mesmo
território. Em reação aos imigrantes alemães, afirmou a lusitanidade como base para a
nacionalidade brasileira.
“Dominávamos a terra há mais de três séculos, aliás, com direito
incontestado; possuíamos mais de três séculos de língua, de tradição e de
história, quando aqui chegaram as correntes imigratórias” (Coelho de Souza,
1949, p.10).
Neste contexto, os governos, federal e estadual, tomaram uma série de medidas
compulsórias para forçar a integração dos imigrantes e seus descendentes para os
valores político-culturais da nação brasileira, desenhada sob a matriz da lusitanidade.
Uma seqüência de decretos estaduais e federais começaram a disciplinar a licença de
professores, o material didático a ser usado, o idioma nacional obrigatório para a
instrução. Estas medidas significaram o esforço dos governantes para a formação de
uma consciência nacional entre os cidadãos de núcleos etnicamente homogêneos,
prescrevendo o uso obrigatório do português e a intensificação do ensino de história e
da geografia brasileira.
O governo federal iniciou a Nacionalização do Ensino compulsória com o
decreto nº 406, de maio de 1938, ordenando que o material didático usado nas escolas
da imigração fosse em português, que os diretores e professores destas escolas fossem
brasileiros natos, que nenhum texto, livro ou jornal circulasse em língua estrangeira nos
distritos rurais e que o currículo das escolas dos imigrantes tivesse forte ênfase na
história e geografia do Brasil, dando-se destaque à bandeira nacional em dias festivos.
Proibia também o ensino de língua estrangeira a menores de 14 anos. No ano seguinte,
com o decreto nº 1.006, de 10/12/1939, o Presidente da República ordenou ao Ministro
da Educação proceder a uma censura em todos os livros usados na rede de ensino
elementar e de 2º grau. E com o decreto nº 1.545 de 25/08/1939, instruía-se aos
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Secretários Estaduais de Educação para construir escolas públicas em áreas de
imigrantes, fiscalizar o ensino de línguas estrangeiras, intensificar o ensino de história e
geografia do Brasil, nomear oficiais das Forças Armadas, indicadas pelo comandante
militar da região, para orientar a educação física nas escolas. Proibia-se ainda que
alguma escola fosse dirigida por estrangeiro e que se fizesse uso de língua estrangeira
em assembléias e reuniões públicas. O decreto nº 2.072, de 08/03/1940, criava a
Organização da Juventude Brasileira, tornando-a obrigatória para todas as escolas. Os
jovens de 11 a 18 anos deveriam submeter-se à educação física, uniformizando-se
diferenças étnicas por meio de exercícios físicos em comum. E o decreto 3.580, de
03/09/1941 proibia tanto a impressão de livros-texto em língua estrangeira quanto sua
importação.
No Rio Grande do Sul as principais normas referentes à nacionalização do
ensino foram os decretos de 06 e de 23 de abril de 1938. Foi proposto aquilo que, em
essência, seria prescrito logo em sucessivos decretos federais. Tratava-se da criação do
maior número possível de escolas públicas na região colonial, do aperfeiçoamento
qualitativo das mesmas e da nacionalização dos estabelecimentos particulares de ensino.
Além das medidas repressivas, o Governo do Rio Grande do Sul foi tomando uma série
de iniciativas para fomentar um “espírito e um ambiente saturados de brasilidade”.
Tratava-se de caravanas nacionalistas a percorrer o estado, de caravanas de
“coloninhos” ou “gauchinhos”. Todos os anos 500 “coloninhos” ficariam por sete dias
na capital do estado para participarem das comemorações cívicas.
“O seu deslumbramento ante os desfiles escolares, as demonstrações de
educação física e a revista militar bem revelam que estes patriciosinhos da
zona rural ignoram, totalmente, a existência do Brasil, como expressão de
civilização e de organização política.”(Coelho de Souza, 1941, p.78).
Em 1939 o governo do estado criou o Corpo de Delegados Escolares Regionais e
de Orientadores Técnicos que, “distribuídos por todos os municípios, com uma
Superintendência Regional, vigia, permanentemente, estes colégios”(Coelho de Souza,
1941, p.77). Juntamente com estas iniciativas, criou ainda significativo número de
grupos escolares e procedeu à nomeação de 1.222 professores. Segundo o Jornal de
Professores Teuto-Brasileiros Católicos, deste total apenas 148 foram para os distritos
de colonização (LZ, 1935, nº 7, p.71).
Podemos perguntar-nos: e a Igreja Católica no Rio Grande do Sul, como se
posicionou frente às medidas nacionalizadoras do governo? O então secretário de
13
Educação no Rio Grande do Sul, Sr. Coelho de Souza, afirmou no livro Denúncia que
os católicos de tendência não nazista eram a maioria, mas que estavam sendo dirigidos
por padres e religiosos que, valendo-se da relativa autonomia que seu pertencimento à
ordem religiosa lhes conferia, opunham uma certa resistência passiva à ação dos bispos,
favorável à nacionalização.
De fato, uma das conclusões do Primeiro Concílio Plenário Nacional, em 1939,
do Episcopado Brasileiro, foi a de que cessaram as divergências entre a Igreja Católica e
Estado concernente à questão escolar. Esta foi uma mudança radical, pois, as décadas de
1920 e 1930 se caracterizaram exatamente pelo confronto entre católicos e liberais
quanto às competências entre Igreja e Estado sobre o direito de educar e ter escolas. Os
teuto-brasileiros que vinham seguindo a orientação da hierarquia em favor das escolas
confessionais, ficaram surpresos com a nova orientação da hierarquia:
“Nos estabelecimentos oficiais de ensino primário e secundário a instrução
religiosa foi incluída como matéria de curso ordinário de estudos (...); pôs-se,
assim, termo feliz à situação dolorosa e funesta criada pelo laicismo, não
menos contrário às justas exigências da consciência religiosa do país do que
nocivo aos verdadeiros interesses nacionais” (Primeiro Concílio Plenário
Nacional de Episcopado Brasileiro. Resoluções. UNITAS, 1939, p.208-214).
D. João Becker foi mais enfático nesta nova orientação ao reconhecer as
prerrogativas do Estado na Educação:
“O Estado, por sua vez, goza, igualmente, de prerrogativas indiscutíveis de
ensinar. Estas nascem também de sua própria natureza. Pois, o Estado é
destinado a promover o bem comum da coletividade social, já com a
manutenção da paz e da segurança pública, já com o desenvolvimento do
bem estar geral por meio do aumento e abundância de bens materiais e
espirituais (...). Portanto, a família, a Igreja e o Estado devem colaborar,
harmonicamente, na educação da infância e da juventude” (UNITAS, 1941,
p.33-37).
(...)
“é de toda justiça que o Rvmo. Clero colabore, eficazmente, com o
benemérito governo da nossa Pátria na importante obra de nacionalização”
(UNITAS, 1939, p.170).
Retomou a recomendação por diversas vezes (UNITAS, 1939, p.143; 1941,
p.295; 1943, p.160). Firmou convênio com o governo do estado na formação de novas
escolas, especialmente para a Escola Normal Rural (UNITAS, 1940, p.138; 1941, p.99104/246-256). Também ordenou ao clero que a primeira comunhão sempre fosse solene
proibindo qualquer distinção entre alunos dos colégios católicos e os das escolas
públicas, distinção esta recomendada pela hierarquia católica nas décadas de 1920 e
1930. (UNITAS, 1940, p.197/8).
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Uma parte do clero e da liderança leiga vinculada à pastoral entre imigrantes
alemães estranhava esta mudança radical de orientação do arcebispo. O direito para
educar e ter escolas tinha sido defendido pela igreja como um direito e uma
competência sua e da família. A partir de 1938, em novo contexto político, também
competiria por natureza ao Estado? Antes não se poderia aceitar na solene eucaristia os
alunos das escolas públicas. Agora, era proibido não aceita-los.
Para Coelho de Souza (1941, p.17-18), ao contrário, a hierarquia eclesiástico no
Rio Grande do Sul merecia o reconhecimento “por ter colaborado com o governo na
obra de nacionalização das escolas, pois, justiça lhe seja feita, até se antecipou à ação
dos poderes públicos”.
CONSIDERAÇÕES
No limite dos recortes propostos neste estudo, permito-me salientar algumas
indicações:
a) Para os próprios teuto-brasileiros católicos foi um constante desafio conjugar sua
cidadania brasileira com alguns elementos básicos de seu pertencimento étnico,
como língua e escolas étnicas, consideradas fundamentais para sua religiosidade.
Fatores econômicos-sociais e políticos, em curso, pressionavam para uma gradativa
transformação das escolas teuto-brasileiras. Não se pode atribuir pura e simplesmente
o fim da escola teuto-brasileira à Campanha de Nacionalização. Ela precipitou, de
forma coercitiva, um processo mais profundo, já em curso.
b) De 1900 a 1930 houve divergências entre governantes e imigrantes alemães
católicos, mas estas tensões mantiveram-se em nível administrável, avançando-se
numa gradativa nacionalização das escolas étnicas.
c) Na década de trinta, em contexto de acentuado nacionalismo e tensões internacionais,
o governo iniciou a nacionalização compulsória que, em seu período mais crítico a
partir de 1939, desarticulou o processo das escolas étnicas. No acirramento de
ânimos, livros, revistas, almanaques, jornais e muitos outros documentos do período
foram destruídos tanto pelos agentes da nacionalização quanto pelos próprios teutobrasileiros, como mecanismos de prevenção de incômodos. Neste contexto
ocorreram perdas irreparáveis da memória histórica.
d) Muitas comunidades teuto-brasileiras católicas foram privadas de seu líder principal,
o professor e tiveram sua rede de organizações comunitárias desestruturadas.
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e) Criou-se um clima de tensões, de silenciamento e de medo, marcando profundamente
a geração jovem, induzida a negar seu processo identitário.
f) O disciplinamento da licença de professores, do material didático e a proibição da
língua alemã, introduzidos de forma abrupta, influíram negativamente na qualidade
do ensino de toda uma geração de crianças teuto-brasileiras.
g) Ocorreu uma curiosa evolução na relação entre hierarquia da Igreja Católica e
Estado. Quando o contexto político se tornou mais crítico, o discurso de princípios da
hierarquia da Igreja Católica foi se modificando em essência na questão da
competência quanto à escola. Ao contrário do que afirmara anteriormente, em
consonância com a doutrina oficial da igreja, D. João Becker, Arcebispo de Porto
Alegre, começou a reconhecer a partir do final da década de trinta o direito
inalienável do Estado à educação e ao ensino. Em novo contexto político sugeria e
incentivava convênios entre Igreja Católica e Estado na promoção da escola e do
ensino, o que havia proibido anteriormente em nome da doutrina da igreja. Também
suspendeu as sanções anteriormente prescritas aos pais que enviassem seus filhos à
escola pública, como por exemplo, a participação na solenidade da primeira
comunhão.
h) O clero, especialmente o das congregações religiosas mais vinculadas com a pastoral
dos imigrantes, teve estranhamentos com a nova postura do arcebispo em relação às
escolas étnicas.
i) Também o governo do estado começou a transigir em alguns princípios, permitindo o
ensino religioso nas escolas públicas.
Enfim, com a nacionalização do ensino manifesta-se claramente o rico e complexo
processo da etnicidade, entendida como elemento que, em dadas circunstâncias, torna-se
fator preponderante, juntamente com os desencadeamentos da dimensão política, no
processo histórico. Manifesta-se também o fenômeno da historicidade das instituições
mais tradicionais, tais como Igreja e Estado, que vão se redimensionando de acordo com
o contexto histórico.
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