Liberdade de culto: aspectos gerais e evolução histórica.
Área: DIREITO
Categoria: PESQUISA
Andréa Regina de Morais Benedetti
UNIOESTE, Rua Alagoas, 800 Bairro Alvorada, Francisco Beltrão-Paraná CEP 85.601-080
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Fernanda Trindade
UNIOESTE, Rua Alagoas, 800 Bairro Alvorada, Francisco Beltrão-Paraná CEP 85.601-080
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Resumo
A liberdade de culto é uma das vertentes da liberdade religiosa, juntamente com a liberdade
de crença e organização religiosa. A liberdade de crença, por ser interna ao indivíduo, não é
passível de sofrer restrições, assumindo relevância no âmbito social apenas quando
exteriorizada através do culto e da organização religiosa. Assim, para garantir a liberdade
religiosa, deve ser assegurada não apenas a liberdade de crença, como um direito íntimo e
pessoal, mas primordialmente, a exteriorização desta, através das práticas religiosas, dos
cultos, da organização religiosa e qualquer outra manifestação do pensamento religioso. Na
evolução religiosa destas liberdades, observa-se que a liberdade de culto remonta à idade
primitiva, evoluindo no ordenamento brasileiro até a Constituição Federal de 1988, que
assegura expressamente a liberdade religiosa, nos seus três aspectos de abrangência, no artigo
5º, inciso VI, integrando-a ao rol dos direitos fundamentais.
Palavras-chave: Liberdade. Culto. Histórico.
Cascavel – PR – 22 a 24 de junho de 2009
Liberdade de culto: aspectos gerais e evolução histórica.
Área: DIREITO
Categoria: PESQUISA
Resumo
A liberdade de culto é uma das vertentes da liberdade religiosa, juntamente com a liberdade
de crença e organização religiosa. A liberdade de crença, por ser interna ao indivíduo, não é
passível de sofrer restrições, assumindo relevância no âmbito social apenas quando
exteriorizada através do culto e da organização religiosa. Assim, para garantir a liberdade
religiosa, deve ser assegurada não apenas a liberdade de crença, como um direito íntimo e
pessoal, mas primordialmente, a exteriorização desta, através das práticas religiosas, dos
cultos, da organização religiosa e qualquer outra manifestação do pensamento religioso. Na
evolução religiosa destas liberdades, observa-se que a liberdade de culto remonta à idade
primitiva, evoluindo no ordenamento brasileiro até a Constituição Federal de 1988, que
assegura expressamente a liberdade religiosa, nos seus três aspectos de abrangência, no artigo
5º, inciso VI, integrando-a ao rol dos direitos fundamentais.
Palavras-chave: Liberdade. Culto. Histórico.
1. CONCEITO JURÍDICO DE LIBERDADE
Durante toda a história da humanidade, a luta pela liberdade tem sido motivo de
sacrifícios e revoluções, estando ligada à evolução histórica dos povos. A liberdade, em
sentido amplo, está ligada à autonomia da vontade, ao livre-arbítrio, ao poder de agir e não
agir. Neste sentido, Jacques Robert conceitua a liberdade como "qualidade daquilo que não
está sujeito a nenhum tipo de constrangimento, físico ou intelectual, psicológico ou moral. É
qualidade negativa, já que resulta precisamente da ausência de qualquer constrangimento"
(apud CRETELLA JÚNIOR, 1986, p. 20).
No que tange a este estudo importa considerar a conotação jurídica de liberdade, vez
que esta não se restringe à faculdade de agir ou não agir. Não se trata de um direito absoluto,
pois deve possibilitar a coexistência com outros direitos do ordenamento jurídico.
No dizer de Carvalho (1998, p. 236), "o ideal de liberdade é fundamento da construção
democrática, mas deve ser zelosamente aferido porque nele há sempre o risco de competição
com outros valores identicamente respeitáveis".
Para este mesmo autor, existem, no exercício da liberdade, "limitações de
convivência". Como um direito, "sempre necessita de uma dosagem justa em sua expressão,
para que não caia no terreno da ilicitude, esmagando arbitrariamente direitos circunjacentes".
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Pondera ainda que "a liberdade, pois, é um direito fundamental coroado pela moral. É
um direito que é outorgado ao homem para que o use sob cautela de não perturbar o
socialmente pautado e se relacione harmoniosamente na área da interação humana".
De Plácido e Silva (2008, p. 845) traz que liberdade vem "do latim libertas, de liber
(livre) [...] e significa, no conceito jurídico, a faculdade ou o poder outorgado à pessoa para
que possa agir segundo sua própria determinação, respeitadas as regras legais instituídas".
De acordo com Soriano (2002, p. 1-3), os conceitos jurídicos de liberdade - entre os
quais se pode incluir os supracitados - derivam do pensamento kantiano inserido na obra
"Fundamentação Metafísica dos Costumes", que considera, em suma, que "a liberdade
individual está subordinada à vontade estatal". O autor afirma que parte do pensamento de
Kant acerca da liberdade pode ser visualizado no artigo 4º da Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789, in verbis:
A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudique a outrem: assim, o
exercício dos direitos naturais do homem não tem outros limites senão os que
asseguram aos demais membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses
limites somente a lei poderá determinar.
Para Cretella Júnior (1986, p. 12), cabe ao Estado estabelecer um sistema de
limitações à liberdade de todo àquele que afeta o exercício de direitos de outro indivíduo ou
da coletividade ao projetar sua garantia. Nesta esteira, Jacques Robert afirma que a "liberdade
é, em suma, o poder que tem o indivíduo de exercer e desenvolver atividade física, intelectual
e moral, sem que o Estado possa fazer-lhe restrições, nesse particular, a não ser aquelas
necessárias para salvaguardar a liberdade de todos" (apud CRETELLA JÚNIOR, 1986, p. 23).
Assim, a liberdade pode ser entendida no sentido negativo e positivo. O primeiro, se
refere ao exercício ilimitado e sem constrangimento, e o segundo à submissão às regras
estatais. Portanto, unânime entre os autores é o entendimento de que a liberdade deve ser
limitada, mas que esses limites devem ser mínimos de modo a garantir a coexistência dos
direitos. Em nosso ordenamento jurídico, a liberdade, como um direito em sentido amplo, está
prevista no artigo 5º da Constituição Federal, nas modalidades de autodeterminação,
pensamento, religião, expressão, profissional, informação, locomoção, reunião e associação.
2. CONCEITO JURÍDICO DE RELIGIÃO
Para conceituar religião, primeiramente são necessárias algumas considerações acerca
da crença e culto. Cretella Júnior (1986, p. 88) afirma que é necessário distinguir crença de
culto, pois a crença diz respeito à "disposição interior do homem", e o culto ao "conjunto de
cerimônias ou práticas, reveladas exteriormente". Enquanto alguns autores consideram
possível a existência de religião sem culto e culto sem religião, o autor afirma que não pode
existir religião sem culto, "porque as crenças não constituem por si mesmas uma religião".
Dadas as considerações supra, apresenta-se o conceito de religião, que no dizer de
Magalhães Collaço (ADRAGÃO, 2002, p. 16-17) é o
[...] conjunto de crenças visando um ser ou poder superior e sobrenatural em relação
a quem se sentem dependentes [os crentes de qualquer sistema religioso], e com
quem aspirariam estabelecer relações, mediante a observância de um conjunto de
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regras de conduta, ritos e práticas.
Para Tiele, "religião significa a relação entre o homem e o poder sobre-humano no
qual ele acredita ou do qual se sente independente" (apud GAARDER, 2000, p. 17).
Bastos (2000, p. 104) ensina que a religião "possui duas dimensões: uma 'espiritual',
isto é, enquanto ínsita à alma do indivíduo; e outra 'externa', que demanda um aparato, um
ritual, uma solenidade".
Weingartner Neto (2007, p. 79-112), após analisar as definições de diversos autores,
afirma que é difícil apresentar um conceito jurídico adequado para religião, em razão dos
elementos presentes nesta concepção – o grande número de manifestações religiosas a serem
consideradas, elementos típicos do fenômeno religioso, Deus, felicidade, crença, culto,
emoções, etc., além de não existir um consenso sobre a "definição do que é religião". O autor
pondera que "não se trata de um conceito exclusivamente jurídico", afirma que "religião
associa-se à adoração de uma divindade, no reconhecimento da dependência humana em
relação a poderes naturais ou sobrenaturais".
Considerados os aspectos atinentes à religião, apresentam-se os conceitos de liberdade
religiosa e suas derivações.
3. LIBERDADE RELIGIOSA NO SENTIDO JURÍDICO
A liberdade religiosa é tida como uma liberdade secundária, derivada da liberdade
primária de pensamento ou opinião. É o direito fundamental mais antigo da história do
homem, tendo suas origens nas lutas religiosas posteriores à Reforma de Lutero.
No dizer de Soriano (2002, p. 8), a liberdade religiosa é "uma espécie da qual a
liberdade de pensamento é gênero". No conceito de Ferreira (1999, p. 102), "a liberdade
religiosa é o direito que tem o homem de adorar seu deus, de acordo com a sua crença e o seu
culto".
A liberdade religiosa está inserida entre direitos da liberdade, os chamados direitos
fundamentais de primeira dimensão e, ainda, na categoria das liberdades públicas. Greco Filho
(1989, p. 39) explica que "a liberdade se resume sempre em um poder de agir e de não agir;
ela é 'pública' na medida do fato de não estar submetida aos imperativos jurídicos fixados pelo
Estado".
Por fim, cumpre considerar a importância da liberdade religiosa como direito humano
fundamental, consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos, em diversos
tratados internacionais e nas Constituições dos países democráticos.
4. A LIBERDADE RELIGIOSA E SUAS VERTENTES
Para alguns autores, como José Afonso da Silva e José Cretella Júnior, a liberdade
religiosa se apresenta sob três aspectos: liberdade de crença, liberdade de culto e liberdade de
organização religiosa. A liberdade de crença, nesta classificação, se equipara à liberdade de
consciência e "comporta o direito de crer no que se deseja e de filiar-se à religião preferida,
como também o direito de não professar nenhuma religião" (CRETELLA JÚNIOR, 1986, p.
90). É uma liberdade de foro íntimo e, embora apresente semelhança com a liberdade de
consciência, difere desta na medida em razão da presença do elemento religião.
Para outros, como Aldir Guedes Soriano e Celso Ribeiro Bastos, a liberdade religiosa
apresenta quatro vertentes: liberdade de consciência, liberdade de crença, liberdade de culto e
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organização religiosa. Nesta classificação, a liberdade de consciência, mais ampla, protege
tanto o crente quanto o ateu na medida em que abrange o direito de crer ou de não crer,
referindo-se ao foro individual. Já a liberdade de crença, mais restrita, abrange o direito de
escolher, aderir e mudar de religião (SORIANO, 2002, p. 10-12).
A liberdade de crença, assim como a liberdade de consciência, é tida como inviolável
na Constituição, pois, uma vez interna ao indivíduo, não está sujeita a restrições. Neste
aspecto, Mujalli (1999, p. 57) explica que a liberdade de consciência, "enquanto não
manifestada, é condicionada por meios variados, mas sempre é livre, já que ninguém pode ser
obrigado a pensar deste ou daquele modo".
A liberdade de culto garante aos "crentes de qualquer religião honrar a divindade
como melhor lhes parecer, celebrando as cerimônias exigidas pelos rituais" (FERREIRA
FILHO, 1999, p. 33). Distingue-se da liberdade de crença por envolver a manifestação da
religião. Assim, pode haver liberdade de crença sem liberdade de culto, como ocorreu em
muitos momentos da história dos povos e também no ordenamento jurídico brasileiro, no
Brasil Império.
Importante ressaltar que entre as modalidades da liberdade religiosa, a liberdade de
culto tem sido a mais conflituosa no ordenamento jurídico e, conseqüentemente, a que mais
sofre restrições, vez que o Estado precisa restringir o exercício do direito quando a
manifestação religiosa entra em conflito com outros direitos e indivíduos, a fim de garantir a
coexistência pacífica.
Por fim, é importante ressaltar que a liberdade religiosa advém da separação entre a
Igreja e o Estado e implica em atitudes negativas deste, no sentido de não embaraçar o livre
exercício dos cultos religiosos e também não estabelecer ou privilegiar a realização dos
mesmos.
Segundo Bastos (2000, p. 178), "o principio fundamental é o da não-colocação de
dificuldades e embaraços à criação de igrejas". Ainda segundo o autor, o Estado deve manterse neutro, não podendo discriminar as organizações, "quer para beneficiá-las, quer para
prejudicá-las".
A liberdade religiosa e suas vertentes encontram fundamento no princípio da
dignidade da pessoa humana, pelas razões expostas a seguir.
5. LIBERDADE RELIGIOSA E O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA
O principal fundamento para a existência e defesa da liberdade religiosa está no
princípio da dignidade da pessoa humana que, em suma, garante a integridade física e moral
da pessoa, de modo a protegê-la de torturas, ofensas e humilhações, bem como o
desenvolvimento de sua personalidade, culminando na realização de todos os direitos
fundamentais. Em sentido estrito refere-se à pessoa, e em sentido amplo, à coletividade.
A idéia do valor da pessoa humana tem raízes no Cristianismo e na doutrina de que o
homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. De acordo com Sarlet (2007, p. 117), tal
princípio, na concepção jusnaturalista:
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Parte do pressuposto de que o homem, em virtude de sua condição biológica humana
e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem
ser reconhecidos e respeitados pelos seus semelhantes e pelo Estado.
No dizer de Moraes (2006, p. 48):
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta
singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que
traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se
um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que,
somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos
fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem
todas as pessoas enquanto seres humanos (grifos do autor).
A Constituição Federal de 1988 consagra este princípio no artigo 1º, III, pela primeira
vez nos textos constitucionais brasileiros. Ao garantir este princípio, fica estabelecido "que é o
Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o homem constitui a
finalidade precípua, e não meio da atividade estatal" (SARLET, 2007, p. 115).
Segundo Silva Neto (2008, p. 110) este princípio "é o fim supremo de todo o direito" e
"o fundamento maior do Estado brasileiro". No entendimento do autor, a opção religiosa do
indivíduo relaciona-se com o princípio da dignidade da pessoa humana, no sentido de que "a
opção religiosa está tão incorporada ao substrato de ser humano que o seu desrespeito provoca
idêntico desacato à dignidade da pessoa" (SILVA NETO, 2008, p. 114).
Sarlet (2007, p. 122) complementa que uma das principais expressões do princípio da
dignidade da pessoa humana é a garantia de identidade pessoal do indivíduo, no sentido de
autonomia e integridade psíquica e intelectual, concretizada na liberdade de consciência, de
pensamento, de culto, entre outras.
Nesta mesma esteira, Moraes (2007, p. 215) afirma que o "constrangimento à pessoa
humana, de forma a constrangê-lo a renunciar sua fé, representa o desrespeito à diversidade
democrática de idéias, filosofia e à própria diversidade espiritual".
Assim, verifica-se a importância de garantir o exercício da fé religiosa e o respeito
entre os vários segmentos religiosos.
6. PRECEDENTES HISTÓRICOS DA LIBERDADE DE CULTO
Na Idade Primitiva e na Idade Antiga, embora seja difícil determinar exatamente a
religiosidade dos povos primitivos, têm-se nas pinturas e desenhos do homem primitivo
registros de que havia a crença em astros que poderiam protegê-los das intempéries e
predadores. No período Neolítico, surgiram as sociedades gentílicas, nas quais todo o
excedente da produção destinava-se às celebrações religiosas, sendo este um possível
antecedente da liberdade de culto da atualidade.
Na Idade Antiga, muitas são as manifestações de cunho religioso, sendo o Estado
Antigo dominado pelo paganismo e pelas crenças politeístas, a exemplo da civilização
egípcia, que cultuava deuses de forma humana e animal, além da pessoa do faraó. Os egípcios
possuíam templos e cultos. As civilizações persa e mesopotâmica também possuíam
organização religiosa, no entanto, enquanto os mesopotâmicos eram politeístas, os persas
convergiam ao monoteísmo. Para estes, não havia templos nem cultos (SILVA NETO, 2008,
p. 10-14).
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No entanto, muito antes do surgimento dos templos, importam as considerações de
Fustel de Coulanges, em sua obra "A Cidade Antiga", a respeito das características do culto
dos povos antigos, em especial das civilizações grega e romana. Segundo ele, o culto aos
mortos foi predominante entre os antigos, surgindo depois o culto ao fogo (COULANGES,
2004, p. 35/36).
Neste mesmo sentido, Wolkmer (2004, p. 101) comenta que "[...] na religião primitiva,
cada um dos deuses só podia ser adorado por sua família" e, ainda, que toda casa de grego e
romano tinha um altar com fogo aceso, aonde as pessoas prestavam-lhe culto.
Nas sociedades grega e romana, com o surgimento de novas crenças religiosas vieram
os cultos locais e levantaram-se os templos, estabelecendo-se o culto comum e a associação.
Com base nestas informações, pode-se dizer que as sociedades antigas não
conheceram a liberdade religiosa, uma vez que no período sequer havia a liberdade individual,
já que o Império era mais importante que o indivíduo em si (SORIANO, 2002, p. 41).
Segundo Coulanges, "o homem nada tinha de independente. O seu corpo pertencia ao
Estado e era destinado à sua defesa” (2004, p. 248). Ele prossegue afirmando que:
O homem [antigo] não escolhia suas crenças. Só devia acreditar e submeter-se à
religião da cidade [...] a liberdade de pensamento, em matéria de religião, era
totalmente desconhecida entre os antigos. Deviam conformar-se com todas as regras
de culto, participar de todas as procissões e tomar parte nos banquetes sagrados. Os
antigos, portanto, não conheciam a liberdade nem na vida privada, nem na
educação, nem a liberdade religiosa (COULANGES, 2004, p. 251) (grifo nosso).
Nesta mesma esteira, Bicudo (1997, p. 15) assevera que na cidade antiga "não se tinha
o direito à escolha de crenças. Devia-se acreditar e submeter-se à religião própria da cidade" e,
ainda, que "os antigos não conheciam a liberdade religiosa".
Com o mesmo entendimento, Soriano (2002, p. 42) afirma que embora a religião da
antiguidade fosse predominantemente politeísta, o indivíduo não tinha a liberdade de escolher
um deus para servir e adorar. A adoração devia ser dedicada, obrigatoriamente, ao deus da
cidade.
Moraes (2006, p. 7) diverge em parte ao afirmar que
[...] foi o Direito romano que estabeleceu um complexo mecanismo de interditos
visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais. A lei das
doze tábuas pode ser considerada a origem dos textos escritos consagradores da
liberdade, da propriedade e da proteção aos direitos do cidadão.
As primeiras conquistas em relação à liberdade religiosa começaram a surgir a partir
da Idade Média, especialmente no que tange à liberdade de culto.
Os primórdios do Cristianismo foram caracterizados pela perseguição aos cristãos,
primeiramente pelos judeus e depois pelo Estado romano, sendo a prisão e morte dos
seguidores de Jesus espetáculos exibidos nas arenas romanas. Muitas foram as perseguições
até que a religião se fortaleceu o suficiente para não mais ser erradicada (SILVA NETO, 2008,
p. 18).
Fragoso (apud SORIANO, 2002, p. 45) afirma que por ser o cristianismo uma religião
monoteísta e não admitir o culto a outros deuses que não o seu, ser adepto desta crença foi
considerado um crime da pior espécie, uma vez que "a religião era, nos povos antigos,
intimamente ligada ao Estado. As ofensas feitas à religião e ao objeto de culto eram crimes
contra o Estado".
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Com a conversão do imperador Constantino, o Cristianismo foi adotado pelo Império
romano como religião oficial. A perseguição, antes dirigida aos cristãos, passou a ser movida
contra os adoradores de deuses pagãos. Foram proibidas todas as demais religiões e suprimida
a liberdade de crença. Os direitos políticos eram assegurados somente aos cristãos, sendo que
os demais somente possuíam direitos civis (SORIANO, 2002, p. 45-46).
A partir daí o mundo ocidental foi dominado pelo catolicismo. Segundo Maluf (2003,
p. 111), "toda a história política da Idade Média gira em torno das relações entre o Estado e a
Igreja romana". Como conseqüência da dominação religiosa católica e da supremacia do poder
papal, surgiram as Cruzadas contra muçulmanos, judeus, eslavos e gregos. Os cristãos
valdenses foram totalmente exterminados no período em que a Bíblia era um livro proibido.
Por fim, no período da Baixa Idade Média, a Inquisição surgiu para combater qualquer
contestação aos dogmas da Igreja Católica, influenciando até o direito penal, de modo que
introduziu os crimes de heresia e bruxaria (SORIANO, 2002, p. 46-51).
Neste contexto, Ferreira (1999, p. 102) afirma que a Igreja Católica impediu "a
liberdade de crença e culto, queimando nas fogueiras da Inquisição os hereges e os que
discordavam de sua orientação".
Neste período, Soriano (2002, p. 22-23) aponta como precedente histórico mais
significativo a defesa da liberdade religiosa por Tertuliano nos primeiros séculos do
Cristianismo, apesar de não existir nenhuma norma escrita que assegurasse esse direito.
Já a Idade Moderna foi marcada por intolerância e guerras religiosas. Católicos e
protestantes envolveram-se em numerosos e sangrentos conflitos religiosos, como na noite de
São Bartolomeu, na França, em 1572, e na Guerra dos Trinta Anos. A Inquisição iniciada na
Idade Média subsistiu até o século XVIII, e a intensa propaganda anti-semita fez com que os
judeus fossem "responsabilizados por todos os males que afligiam a população". Os crimes
punidos pela Inquisição eram os cometidos contra a fé e os costumes, sendo os primeiros
punidos mais gravemente (SORIANO, 2002, p. 51-54).
Segundo Scampini (1978, p. 14), a liberdade de crença era considerada um "crime de
lesa-religião", e tanto os países católicos como protestantes perseguiram aqueles que não
compartilhavam de sua fé e toda a Idade Moderna "padeceu do mal da intolerância".
Em contrapartida, a Reforma Protestante, após intensas perseguições, "contribuiu para
o aumento do individualismo e surgimento dos direitos individuais" (SORIANO, 2002, p. 5455).
Ferreira Filho (1999, p. 47) traz as considerações de Jellinek, na sua obra Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão, que atribui a filiação das declarações de direitos à
Reforma Religiosa de Lutero.
Lafer (1988, p. 121) considera ainda que da "ruptura da unidade religiosa deriva o
primeiro direito fundamental reivindicado: o da liberdade de opção religiosa".
Com o Iluminismo, nascido no final da Idade Média, observou-se uma "tentativa de
explicar os fatos da vida por meio da ciência". Surgiu uma incompatibilidade entre a "busca
do conhecimento" por meio da razão com os "pressupostos que amparavam os segmentos
religiosos". O racionalismo burguês deu origem ao laicismo e introduziu a liberdade de crença
e culto no período (SILVA NETO, 2008, p. 25).
Dos documentos que passaram a constar sobre a liberdade religiosa, cita-se a Carta de
João Sem-Terra (Magna Charta Libertatum), de 1215, que estabeleceu a liberdade da Igreja
na Inglaterra. O Bill of Rights, de 1689, negava expressamente a liberdade e igualdade
religiosa, e impunha aos súditos da Inglaterra uma religião oficial. O texto foi promulgado
num contexto histórico de grande intolerância religiosa, a liberdade de consciência garantia
apenas o direito ao livre exercício da fé oficial.
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Posteriormente, a Declaração de Virgínia, de 1776, foi a primeira a proclamar a
liberdade religiosa em texto de lei. É considerada a primeira declaração de direitos
fundamentais, em sentido moderno. Estabelecia no artigo 13 que "todos os homens têm igual
direito ao livre exercício da religião com os ditames da consciência".
Na Declaração Norte-Americana, de 1787, assegurava-se a liberdade de religião, de
culto e de reunião pacífica. Mais tarde, a Primeira Emenda da Constituição Federal NorteAmericana, de 1791, estabeleceu princípios fundamentais da liberdade religiosa, entre os
quais a separação da Igreja do Estado e o livre exercício de qualquer religião. Outras
constituições posteriores a esta reproduziram o referido princípio (SCAMPINI, 1978, p. 14).
Já a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, estabeleceu a
liberdade de crença, e em 1795 foi estabelecida a separação entre Igreja e Estado na França.
Esta declaração foi o marco divisório entre a proibição e o reconhecimento da liberdade
religiosa (SILVA NETO, 2008, p. 80).
Por fim, importa comentar sobre a Constituição de Weimar, de 1919, que estabelecia
no capítulo III os direitos da vida religiosa. Esta carta de direitos foi a que exerceu maior
influência no constitucionalismo de pós-Primeira Guerra Mundial, incluindo a Constituição
Brasileira de 1934 (SILVA NETO, 2008, p. 160).
O artigo 135 estabelecia a plena liberdade de consciência e de crença, e que o livre
exercício do culto era garantido pela Constituição e tinha a proteção do Estado. Também
dispunha o artigo 136 que os direitos e deveres civis e políticos não podiam ser condicionados
nem restringidos em razão do livre exercício do culto.
Soriano (2006, p. 24) considera que apesar destas disposições, a referida Carta não
conseguiu evitar a discriminação e as leis anti-semitas que levaram ao holocausto do povo
judeu durante a II Guerra Mundial.
O avanço mais significativo em relação à liberdade religiosa e suas vertentes surgiu no
século XX, após os horrores cometidos pelo nazismo, quando verificou-se a necessidade de
proteção deste direito pela relação direta com a dignidade da pessoa humana.
7. A LIBERDADE RELIGIOSA E DE CULTO NA DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS
O anti-semitismo das igrejas católica e protestante facilitou o extermínio de milhões
de judeus pelos soldados de Hitler. Após as atrocidades cometidas pelos nazistas na II Guerra
Mundial bem como o temor em relação ao uso de armas nucleares, a ONU foi instituída e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos foi promulgada em 1948. A proteção à liberdade
vem consubstanciada nos artigos I, II.1 e, de forma específica, o artigo XVIII consagrou a
liberdade religiosa, in verbis:
Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este
direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar
essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância
isolada ou coletivamente, em público ou em particular.
Como um direito humano fundamental, a liberdade religiosa possui as mesmas
características dos demais direitos humanos, tais como a universalidade, indivisibilidade,
interdependência, imprescritibilidade, inviolabilidade, efetividade, inalienabilidade e
complementaridade.
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8. A LIBERDADE DE CULTO NO DIREITO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO
Durante o período colonial a liberdade de culto era restrita, uma vez que havia a
hegemonia da Igreja católica. Assim, a liberdade de culto existia apenas para aqueles que
professassem da mesma fé dos portugueses. Havia uma forte união entre a Igreja e o Estado
com o objetivo de combater os calvinistas, reformadores e protestantes.
As Ordenações Filipinas, no livro V, previam os crimes de heresia e apostasia. Como
exemplo de restrição religiosa, temos a proibição da observância do sábado, crime punido com
pena restritiva de liberdade e multa, conforme o texto citado, in verbis:
5. DOS QUE FAZEM VIGÍLIAS EM IGREJAS OU BODOS FORA DELAS
Mandamos que pessoa alguma não faça vigílias de dormir, comer e beber em
igrejas, nem se ajuntem a comer e beber em igrejas, nem se ajuntem a comer e beber
por razão das missas que mandam dizer, que chamam missas dos sábados, nem
guardem por devoção o sábado ou quarta-feira, não sendo mandado guardar pela
Igreja ou por constituição do prelado. E a pessoa que cada uma destas coisas fizer
seja presa e da cadeia pague mil réis para quem acusar (grifo nosso) (apud
SORIANO, 2002, p. 69).
De acordo com Soriano (2002, p. 70), a pena pecuniária era revertida em favor do
delator justamente para incentivar as denúncias de infratores do dispositivo. As Ordenações
apresentavam ainda um forte anti-semitismo, dispondo também acerca das vestimentas de
judeus e muçulmanos, que deveriam identificá-los. Assim disposto, in verbis:
94. DOS MOUROS E JUDEUS QUE ANDAM SEM SINAL Os mouros e judeus
que em nosso reino andarem com nossa licença, assim livres como cativos, trarão
sinal por que sejam conhecidos, convém a saber; os judeus carapuça ou chapéu
amarelo, e os mouros uma lua de pano vermelho de quatro dedos, cosida no ombro
direito, na capa e no pelote.
No ensino de Scampini (1978, p. 16), a colonização foi iniciada com o auxílio da
Igreja e o "Brasil era católico", tanto que a Constituição do Império só fez reconhecer uma
situação de fato, estabelecendo a religião católica apostólica romana como oficial.
Os primeiros avanços no reconhecimento da liberdade religiosa começaram a surgir no
Brasil Império, sendo a liberdade de culto conquistada posteriormente, conforme se verá.
No Brasil Império, durante a Constituinte de 1823, a questão religiosa causou
polêmica, porque a maioria católica não queria permitir "privilégios" às demais confissões. De
acordo com Rodrigues (1974, p. 140), "a liberdade religiosa provocou grande debate, o maior
de todos, relativamente aos direitos declarados". A maioria católica resistiu à inovação de
conceder ao cidadão brasileiro a liberdade de adotar a seita religiosa que quisesse, e ter
protegido o exercício público desta religião.
A religião católica era a religião oficial, daí a resistência em conceder esta garantia,
uma vez que significaria permitir a deserção desta. Postulou-se conceder a liberdade religiosa
somente aos estrangeiros, pois era conveniente atrair capitalistas e industriais para o país.
Também se cogitou permitir o culto de religiões não oficiais, somente por estrangeiros, em
capelas particulares.
Ao ser promulgada, a Constituição do Império, no artigo 5º, estabeleceu a religião
católica como oficial, sendo as demais toleradas desde que respeitassem a religião do Estado.
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A estas, apenas era permitido o culto doméstico, sendo-lhes vedada a organização religiosa e a
realização de cultos públicos. Assim, no período imperial havia integral liberdade de crença,
mas não a liberdade de culto.
Neste sentido, Silva (2008, p. 249) ensina que:
A Constituição do Império não reconhecia a liberdade de culto com essa extensão
para todas as religiões, mas somente para a religião católica, que era a religião
oficial do Império. As outras eram toleradas apenas "com o seu culto doméstico, ou
particular em casas para isso destinadas, sem forma alguma exterior de templo"
(artigo 5º).
Da mesma forma Pinto Ferreira (1999, p. 103) afirma que a liberdade de culto era
apenas parcial, vez que "o culto só podia ser exercido nos templos católicos. Às demais
religiões apenas era permitido o culto doméstico ou particular".
Apesar destes entraves, a Constituição do Império foi o início da abertura religiosa no
Brasil.
Com o advento da República (Dec. 119-A, de 17.01.1890), foi estabelecida a
separação entre Igreja e Estado e a liberdade religiosa instituída em todos os aspectos,
inclusive em relação ao culto.
Comparato (2007, p. 314) discorre sobre a importância da separação entre Igreja e
Estado para a realização destes direitos:
Com efeito, não há autêntica liberdade de crença e de opinião, num Estado que adota
uma religião oficial. As pressões de toda sorte – políticas, econômicas e
profissionais – contra os não seguidores da religião de Estado tornam essa liberdade
ilusória. Aliás, os Estados totalitários mais virulentos da atualidade são, justamente,
aqueles que oficializam uma confissão religiosa. A interferência estatal na vida
privada torna-se sufocante.
Com a Constituição de 1891 o Estado tornou-se laico e todas as religiões passaram a
ser toleradas, sendo proibida qualquer subvenção do Estado às Igrejas, secularizando-se o
casamento, os cemitérios e o ensino.
No que tange à liberdade de culto, o § 3º do artigo 72 estabelecia, in verbis, que "todos
os indivíduos e confissões religiosas podem exercer pública e livremente o seu culto,
associando-se para esse fim e adquirindo bens, observadas as disposições do direito comum".
Este texto não menciona a liberdade de consciência ou de crença, apenas a liberdade de culto
e, como verificado anteriormente, existem diferenças entre as modalidades.
Assim, verifica-se a plenitude da liberdade religiosa no Brasil com a promulgação
deste texto constitucional, modificando-se as proscrições estabelecidas aos cultos religiosos.
As Constituições seguintes mantiveram os princípios basilares da Constituição de
1891, apresentando poucas modificações em relação à liberdade religiosa e,
conseqüentemente, em relação ao culto. A Constituição Federal de 1934 inovou apenas ao
estabelecer distinção entre liberdade de crença e culto. O artigo 113, § 5º assim dispunha, in
verbis: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, e garantido o livre exercício dos
cultos religiosos, desde que não contrariem a ordem pública e os bons costumes".
Foram mantidas as disposições acerca do caráter secular dos cemitérios e a respeito do
culto fúnebre. No dizer de Herkenhoff (1994, p. 76-77), a inovação é que esta Carta "permitiu
aquisição de personalidade jurídica, pelas associações religiosas, e introduziu a assistência
religiosa facultativa nos estabelecimentos oficiais".
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As Constituições posteriores mantiveram os mesmos termos no que se refere aos
cultos religiosos. A Constituição Federal de 1937 não apresentou a distinção entre liberdade
de consciência e de culto, distinção apresentada novamente na Constituição Federal de 1946.
A Constituição de 1967 suprimiu o § 10º do artigo 141 da Constituição anterior1.
Segundo Greco Filho (1989, p. 121), tal supressão se deve ao fato de a "liberdade de culto ter
sido incorporada à sociedade, até mesmo dentro dos cemitérios, uma vez que a religião
católica deixou de ser a religião oficial a partir da vigência da Constituição de 1891". A
Emenda Constitucional n. 1 de 17/10/1969 manteve os mesmos preceitos da Carta anterior.
Importante observar que todos estes textos subvencionavam o exercício do culto à
ordem pública e aos bons costumes.
9. A LIBERDADE DE CULTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
A liberdade religiosa e todas as suas vertentes estão consubstanciadas no artigo 5º,
inciso VI, do vigente texto constitucional, in verbis, "é inviolável a liberdade de consciência e
de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei". Ao contrário dos textos anteriores, não há a limitação "que não contrariem a ordem e os
bons costumes".
As controvérsias a respeito das limitações na Constituição atual serão oportunamente
abordadas no quarto capítulo. O artigo 19, I, consagra a caráter laicista do Estado, in verbis:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I –
estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; [...]
Deste dispositivo decorre o tratamento isonômico que deve ser dado pelo Estado a
todas as confissões religiosas, sendo-lhe vedado legislar sobre matéria religiosa.
10. PROTEÇÕES AOS CULTOS RELIGIOSOS DERIVADAS DO ARTIGO 5º, VI, DA
CF/88
Visando garantir a liberdade de culto, a Constituição Federal estabelece a imunidade à
tributação por meio de impostos no artigo 150, VI, "b", da Constituição Federal, da entidade
mantenedora do templo. Caso não houvesse essa prerrogativa, sobre o imóvel do templo onde
o culto se realiza incidiria o IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano); sobre o serviço
religioso o ISS (Imposto Sobre Serviço de qualquer natureza); sobre os dízimos e doações o
Imposto de Renda; e o ITBI (Imposto sobre a Transmissão "inter vivos", por ato oneroso, de
Bens Imóveis) sobre a aquisição de bens imóveis (CARRAZA, 2008, p. 740).
Esta proteção também deriva do disposto no artigo 19, inciso I, da Constituição
Federal, e do princípio de separação entre Igreja e Estado. Mesmo as religiões com poucos
adeptos gozam desta imunidade. Embora controvertida, a imunidade se aplica apenas para as
atividades essenciais ao exercício do culto. Não será feita uma exposição pormenorizada desta
questão por não ser o objetivo deste estudo.
1
Art. 141, § 10º: Os cemitérios terão caráter secular e serão administrados pela autoridade municipal.
É permitido a todas as confissões religiosas praticar neles os seus ritos. As associações religiosas
poderão, na forma da lei, manter cemitérios particulares.
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Garcia (2004, p. 49) comenta que para que a instituição religiosa possa desfrutar da
imunidade, é necessário "requerer seu reconhecimento", e é indispensável que o "estatuto
social esteja registrado em cartório", além da Escritura do imóvel estar averbada em nome da
instituição, assim como os documentos do veículo.
O instituto da imunidade não se confunde com a isenção, que é estabelecida por lei
infraconstitucional e exclui da hipótese de incidência tributária.
A proteção ao culto também se verifica no artigo 208 do Código Penal, que estabelece
o crime de ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo no artigo
supramencionado, de modo a dar eficácia ao disposto no artigo 5º, inciso VI, da Constituição
Federal, in verbis:
Artigo 208. Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função
religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar
publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena – detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único. Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem
prejuízo da correspondente à violência.
O objetivo é proteger o sentimento religioso independente da religião
escolhida, assim, a liberdade de culto é protegida de forma secundária. Para gozar desta
proteção, é necessário que o culto religioso possua um número razoável de adeptos e que se
trate de uma religião amparada pelo Estado, ou seja, que preenche os requisitos de respeito à
ordem pública e aos bons costumes (JESUS, 2002, p. 69-71).
Novamente visualiza-se a questão da manutenção da ordem pública e dos bons
costumes pela doutrina, embora a Constituição não faça menção expressa.
11. A LIBERDADE DE CULTO NO PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA
O Pacto San Jose da Costa Rica, assinado em 1969 e ratificado pelo Brasil em 25 de
setembro, merece destaque dentre outros que dispõem sobre a liberdade religiosa. A forte
expressão da Convenção Americana de Direitos Humanos, como também é conhecido o
pacto, se revela na medida em que amplia o disposto na Constituição Federal ao pormenorizar
em que consiste a liberdade de crença e ao incluir a liberdade de divulgar a religião e de
educar os filhos na religião que segue.
No que tange ao à liberdade de culto, dispõe o artigo 12, in verbis:
Liberdade de Consciência e de Religião
1. Toda pessoa tem direito à liberdade de consciência e de religião. Esse direito
implica a liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de
religião ou de crenças, bem como a liberdade de professar e divulgar sua religião ou
suas crenças, individual ou coletivamente, tanto em público como em privado. [...]
3. A liberdade de manifestar a própria religião e as próprias crenças está sujeita
unicamente às limitações prescritas pela lei e que sejam necessárias para proteger a
segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das
demais pessoas.
Este tratado, ainda, possui especial importância no ordenamento jurídico pátrio no que
se refere ao tema aqui abordado por estabelecer alguns aspectos em que a liberdade de
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manifestação religiosa pode ser restringida. Ademais, menciona o direito de divulgar a crença
religiosa e o proselitismo religioso, aqui entendido como a possibilidade de alguém, por
manifestação de suas idéias, converter terceiros à sua religião.
12. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, a evolução histórica de tão relevante direito fundamental mostra a
importância da proteção da liberdade religiosa e de suas vertentes, em especial da liberdade de
culto que, mesmo sendo a modalidade mais conflituosa no ordenamento jurídico, é
indispensável para a plenitude do exercício da liberdade de crença e de religião.
13. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Liberdade de culto: aspectos gerais e evolução histórica.