O católico de amanhã Para entender Deus e Jesus em um novo milênio Coleção Tempo Axial Coordenação editorial: José María Vigil • Teologia do pluralismo religioso – Para uma releitura pluralista do cristianismo, José María Vigil • Outro cristianismo é possível – A fé em linguagem moderna, Roger Lenaers • Para uma espiritualidade leiga – Sem crenças, sem religiões, sem deuses, Marià Corbí • O Deus libertador na Bíblia –Teologia da libertação e filosofia processual, Jorge Pixley • O católico de amanhã – Para entender Deus e Jesus em um novo milênio, Michael Morwood, MSC O católico de amanhã Para entender Deus e Jesus em um novo milênio Michael Morwood Título original: Tomorrow’s Catholic: Understanding God and Jesus in a New Millennium © 2010 (9ª reimpressão), Twenty-Third Publications, a Division of Bayard (USA) One Montauk Avenue, Suite 200, New London, CT 06320 ISBN 978-0-89622-724-8 Tradução: Barbara Theoto Lambert Direção editorial: Claudiano Avelino dos Santos Assistente editorial: Jacqueline Mendes Fontes Revisão:Caio Pereira Renan Abreu Cícera G. S. Martins Capa: Marcelo Campanhã Diagramação: Dirlene França Nobre da Silva Impressão e acabamento: PAULUS Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Morwood, Michael O católico de amanhã: para entender Deus e Jesus em um novo milênio / Michael Morwood; [tradução Barbara Theoto Lambert]. — São Paulo: Paulus, 2013. — (Coleção Tempo axial) Título original: Tomorrow’s Catholic: Unders.tanding God and Jesus in a New Millennium Bibliografia. ISBN 978-85-349-3801-3 1. Deus (Cristianismo) 2. Igreja católica - Doutrinas - História 3. Jesus Cristo - Pessoa e missão I. Título. II. Série. 13-11279CDD-230.2 Índices para catálogo sistemático: 1. Igreja católica: Doutrinas: História 230.2 1ª edição, 2013 © PAULUS – 2013 Rua Francisco Cruz, 229 04117-091 São Paulo (Brasil) Tel. (11) 5087-3700 Fax (11) 5579-3627 [email protected] www.paulus.com.br ISBN 978-85-349-3801-3 Sumário Introdução...........................................................................................7 Capítulo 1 Nossas imagens de Deus........................................................................13 Capítulo 2 Nossa inconstante visão do mundo ....................................................23 Capítulo 3 Deus em nós.............................................................................................39 Capítulo 4 Revelação..................................................................................................49 Capítulo 5 Para entender Jesus...............................................................................57 Capítulo 6 Jesus revela o sagrado em cada um de nós........................................77 Capítulo 7 Espiritualidade radical..........................................................................99 Capítulo 8 Liderança em um novo milênio............................................................115 Bibliografia .........................................................................................138 Índice........................................................................................................142 Introdução Atravessamos o que bem pode ser o tempo de mudança mais importante da história cristã. Na Igreja católica, ocorre um extraordinário colapso da cultura religiosa que formou a identidade católica para muitos adultos. Há uma divisão de opinião sem precedentes entre nós, bem como discordância e questionamento sem precedentes da autoridade da Igreja em assuntos referentes à fé e à moral. Ao mesmo tempo, estamos conscientes do Espírito de Pentecostes que se move entre nós e estamos cientes do desafio de ser a Igreja em um novo milênio. É um tempo estimulante, contudo, é também tempo de tensão. É um tempo em que inevitavelmente muitos vão relembrar e ter saudades da segurança do passado. É tempo de incerteza, mas também de grande potencial. A perturbação e a mudança que como católicos experimentamos e vamos continuar a experimentar não resultam simplesmente de movimentos ou acontecimentos dentro da Igreja. Influências externas contribuem para a situação em escala nada pequena, e é de importância vital reconhecer isso. Não fazê-lo induz as pessoas a procurar soluções fáceis para as tensões e discordâncias criadas pelo colapso da prática católica antes uniforme. Leva a culpar determinados grupos dentro dela pelos problemas atuais da Igreja. Induz alguns católicos a pôr esperanças em uma política “restauracionista” para resolver os problemas, isto é, querer voltar aos dias de ordem e autoridade seguras, de obediência incondicional e sinais mais visíveis de identidade católica, tais como a volta à confissão ou formas de práticas devocionais. Cega-nos à necessidade urgente de chegar a um acordo com os grandes desenvolvimentos sociais e científicos de nossa época. A realidade é que, para a mensagem cristã ser relevante às pessoas O católico de amanhã: para entender Deus e Jesus em um novo milênio educadas dentro de uma visão do mundo social e científica simplesmente inimaginável no início do século XX, é essencial ter alguma compreensão desses desenvolvimentos e integrá-los aos rudimentos da mensagem cristã. Grande parte do “pacote” católico de crenças, atitudes e práticas que herdamos em nossa educação católica foi formada em uma época em que a Igreja estava no centro da sociedade ocidental e sua autoridade era incontestada. O pacote foi também formado dentro de uma visão do mundo que era muito primitiva pelos padrões do novo milênio, quer consideremos a visão do mundo dos primeiros séculos da história cristã, quer a da Idade Média, ou do século XIX. A Escritura era entendida e interpretada de uma forma literalista, como se Deus tivesse ditado pessoalmente cada palavra e todo evento tivesse acontecido exatamente como foi registrado. Esses fatores contribuíram para produzir um pacote sistematizado muito estável que se conservava bem unido e proporcionava para os católicos uma visão religiosa coesa do mundo. O diagrama abaixo ilustra alguns dos elementos desse pacote e suas influências. MUN D O / C O S M OL OG IA * AU T O * VI SÃ O OD E N T R O DA S IG R E JA I N C O N T EST AD A E A * A IG JA RE NO C DA OC DE IED DA AD RI E Pecado original Queda-Redenção O Céu “no alto”, o Inferno “embaixo” Portas do Céu trancadas Purgatório • Limbo • Indulgências Deus • Todo-Poderoso • Homem • Domina-nos com o olhar Deus está em toda parte • Deus ama • Deus julga Jesus é humano • Jesus é Deus • Jesus nos salva Uma única religião verdadeira • Um único caminho para o Céu Maria: Rainha do Céu • Distribuidora de todas as graças Rosário • Novenas • Bênção • Devoções Autoridade papal • Papel dos leigos • Batismo Confirmação • Eucaristia • Matrimônio Unção • Confissão • Reconciliação Pecado mortal e venial • Sexualidade Moralidade • Divórcio Obrigação dominical N TE ND IM EN T O L I T E R A L DA E S C RI T UR 8 Introdução Houve mudanças dramáticas durante nossa vida. A Igreja já não ocupa o centro da cena; na sociedade ocidental, as pessoas facilmente questionam a autoridade; nosso entendimento do lugar do planeta Terra no universo mudou e com ele nosso conhecimento sobre sua idade e a forma como a vida se desenvolveu aqui. Agora, a erudição bíblica nos proporciona meios diferentes para entender e interpretar a Escritura. A erudição histórica revela-nos que algumas crenças e práticas que julgávamos datar do tempo de Jesus e dos apóstolos só apareceram na Idade Média ou até mesmo mais tarde. Parece que o “pacote” agora está sob ataque e, na verdade, os fatores mencionados acima tiveram impacto extraordinário na vida católica depois do Vaticano II. Enfrentamos uma escolha. Podemos nos absorver no “pacote” e tentar afastar todas as influências que talvez nos persuadissem a modificar ou mudar radicalmente nossas crenças e práticas. Ou podemos educar-nos para entender e nos familiarizar com influências relevantes que se chocam com nossa fé e, em seguida, nos dedicar à tarefa desafiadora de aprofundar nossa compreensão daquilo que cremos à luz dessas influências. Precisamos compreender que nossas dúvidas contemporâneas sobre Deus, Jesus, a Igreja, nós mesmos e o que procuramos na autoridade e liderança da Igreja têm raízes tanto fora quanto dentro da Igreja. Para muitos católicos adultos, as reformas do Vaticano II e também a guerra do Vietnã e a resolução da Igreja contra o controle da natalidade destruíram a sensação orgulhosa de uniformidade de crença e prática. Esses acontecimentos ocorreram no contexto da cultura ocidental, questionando a obediência cega à autoridade e incentivando os indivíduos a assumir a responsabilidade pessoal pelas decisões que afetam sua vida. Para um número significativo de católicos, esses acontecimentos e influências provocaram uma reação inesperada: a recusa a manter obediência absoluta à autoridade da Igreja; a insistência em usar o próprio raciocínio para reexaminar de maneira rigorosa a visão religiosa do mundo na qual foram educados; o desejo de ser tratado como adulto capaz de aceitar responsabilidade. Estavam também preparados para abandonar o medo (quase sempre consequência da teologia católica) que os impedia de ser confiantes; e demonstraram disposição para se afastar das formas estabelecidas do ritual e da prática religiosa católica que não fossem relevantes à jornada de sua vida. 9 10 O católico de amanhã: para entender Deus e Jesus em um novo milênio Pesquisas de opinião pública na América registraram esta extraordinária mudança em atitudes e práticas dos católicos americanos adultos: 70% dos pesquisados acham que ser um bom católico não depende de ir à missa todo domingo. Em 1987, 79% opunham-se à proibição papal do controle de natalidade artificial; em 1992 esse número subiu para 87. 74% acreditam que católicos divorciados e casados novamente devem poder continuar católicos “nas boas graças”. Em 1971, 49% aprovavam o casamento do clero; em 1987, a aprovação subiu para 70. Em 1992, 90% dos católicos americanos acreditavam que alguém podia discordar da doutrina da Igreja e ainda assim continuar a ser um bom católico.1 Alguns católicos diriam que essas pesquisas refletem simplesmente um período de triste declínio do sólido ensinamento da Igreja. O Espírito de Deus não poderia estar dizendo nada válido aqui. As coisas tornaram-se incontroláveis; está na hora de retomar e cuidar das coisas que se descontrolaram! Mas não é tão simples assim. O arcebispo aposentado de San Francisco, John Quinn, em um discurso na Universidade de Oxford, em 29 de junho de 1996, falou das “novas situações” da Igreja de hoje, [...] formada pela destruição do muro de Berlim e o colapso das ditaduras comunistas, pelo despertar da China e sua entrada no mundo político e econômico do século XX, pelo movimento com vistas à unificação na Europa, por uma nova e difundida consciência da dignidade das mulheres, pela chegada de uma imensa diversidade cultural na Igreja, pelo desejo insistente de unidade entre os cristãos. Esta nova situação não é só política, econômica, cultural e tecnológica. É também marcada por uma nova psicologia. As pessoas têm um modo diferente de pensar, reagem de modo diferente, têm novas aspirações, uma nova percepção do que é possível, novas esperanças e novos sonhos. Na Igreja há uma nova consciência da dignidade conferida pelo batismo e da responsabilidade pela missão da Igreja enraizada no batismo.2 Não podemos fingir que não vemos e fazer de conta que esses fatores não afetam profundamente a crença e a prática religiosas. 1 Heinrich FRIES, Suffering from the Church, Collegeville, MN, The Liturgical Press, 1995. A pesquisa aparece no Prefácio por Leonard Swidler, p. 12-13. 2 John QUINN, “Considering the Papacy”, em Origins, July 18, 1996, vol. 28, n. 8, p. 120. Introdução Sendo cautelosos e realistas a respeito dessas influências, a tarefa hoje é ajudar as pessoas a conversar umas com as outras e compartilhar as convicções e as dúvidas que têm a respeito de Deus, Jesus, a Igreja, elas mesmas, sua visão religiosa do mundo e seus laços com o resto da criação. Alguns aspectos dessa tarefa são claros: ajudar os católicos a entender a nova imagem e a nova linguagem de alguns dos fundamentos de sua fé; proporcionar uma visão religiosa coesa do mundo que esteja em harmonia com um entendimento contemporâneo de nosso lugar no universo; apresentar aos católicos adultos alguns dos discernimentos da erudição bíblica contemporânea; examinar o relacionamento do cristianismo com outras religiões do mundo; e expressar e promover uma espiritualidade que inspire, incentive e conteste. O trabalho de desenvolvimento da fé dos adultos é obviamente de suma importância aqui ao tentar transpor a lacuna entre a erudição e o entendimento da fé de todos os crentes. Os educadores da fé adulta são construtores de pontes: escutam, cativam, conversam, apresentam informações, contestam e abrem portas na esperança de que as pessoas entrem e continuem a buscar e aprofundar a fé. Esperemos que este livro ajude nessa tarefa. O livro tem cinco propósitos principais: • primeiro, ajudar os católicos e outros cristãos a desenvolver um sentimento de impressionante fascínio pelo Deus em quem eles creem; • segundo, ajudá-los a melhor apreciar o lugar de Jesus nos assuntos humanos; • terceiro, ajudá-los a perceber que o mesmo Espírito de Deus que intercede em Jesus intercede em todos nós; • quarto, levar essa última declaração realmente a sério e considerar como ela desafia todos nós a ser a presença de Deus no mundo de hoje; • quinto, descobrir qual é o tipo de liderança e autoridade da Igreja que procuramos em um novo milênio. A intenção mais ampla é realizar isso dentro de uma estrutura ou visão do mundo que seja coesa e faça sentido para a mente moderna. O conteúdo precisa resistir ao rigoroso questionamento reinante em qualquer visão religiosa do mundo. Precisa atrair o atual entendimento científico sobre nosso lu- 11 12 O católico de amanhã: para entender Deus e Jesus em um novo milênio gar no universo, o desenvolvimento da vida neste planeta, a conexão de todas as pessoas umas com as outras e com a vida neste planeta e a realidade de um Deus que está em todos, com todos, e por meio de todos. Fundamentando todos esses propósitos, está um desejo muito simples: fazer as pessoas falarem sobre o que acreditam, por que acreditam no que acreditam, quais são os fundamentos de seu sistema de crenças e quais são as dúvidas mais profundas de fé e sentido que talvez nunca tenham expressado por si mesmas antes. Os anos de trabalho na formação da fé dos adultos convenceram-me que jovens adultos, pessoas de meia idade e idosos veem-se travando conversas estimulantes e proveitosas quando questões de fé são abordadas dessa maneira. Uma das preocupações deste livro é comunicar-se com o leitor em linguagem simples – abordagem que tem suas vantagens e desvantagens inerentes. Mas se a tarefa do desenvolvimento é atrair experiências e dúvidas das pessoas, apresentar informações para reflexão e discussão e assim desenvolver a compreensão e o crescimento na fé e na dedicação, para envolver o maior número possível de pessoas, essa tarefa exige linguagem simples. Cada capítulo termina com algumas perguntas para reflexão e/ou discussão. Vários capítulos também oferecem breve lista de leitura recomendada. O principal critério para recomendar um livro (além do fato óbvio de que seu assunto vale a pena) é que seja de leitura bastante simples. Recomendo aos leitores que queiram recursos mais técnicos que consultem as Notas e a Bibliografia. A palavra “Igreja” refere-se à Igreja católica, mas com esse emprego não desejo nem pretendo limitar a realidade de “Igreja” à Igreja católica. Embora partes do livro concentrem-se especificamente na Igreja católica, grande parte dele é pertinente a todas as Igrejas cristãs.