A Psicologia das coisas Marcio Berber Diz Amadeu É comum encontrarmos na mídia, redes sociais ou círculos de amigos a afirmação de que a internet é um problema. Seja em posts de redes sociais, artigos em portais de conteúdo ou mesmo numa conversa informal, quase sempre a tecnologia digital é apontada como um fator que atrapalha as nossas relações, nos afasta de quem gostamos e é responsável pelo isolamento das pessoas no nosso mundo moderno. Afinal, quem consegue passar dez minutos longe do smartphone? Ou ainda resiste à tentação de acompanhar o que acontece no Facebook, Instagram ou WhatsApp? Mas, podemos realmente dizer que cerca de dez ou quinze anos atrás as coisas eram bem diferentes ? Nós olhávamos nos olhos numa conversa ? Prestávamos atenção uns aos outros e as nossas relações caminhavam como deveriam caminhar ? Aqui no NPPI atendemos e cuidamos de casos de dependência nessas novas tecnologias quase que diariamente. É impressionante como a internet é apontada com a grande fonte de dor dos últimos tempos. Podemos afirmar que a maior parte dos nossos atendimentos, nos dias de hoje giram em torno desse mesmo tema: problemas ligados aos usos dessa tecnologia. Porém, um conceito que fundamenta a nossa atuação é que a internet, as redes sociais e a tecnologia como um todo são apenas "ferramentas". Elas não têm o poder individual de nos fazer mal, atrapalhar a nossa vida e destruir as nossas relações. As causas dessa dependência estão ligadas a outros aspectos que permeiam as vidas das pessoas. Por exemplo, se não vou bem na minha vida profissional, é muito fácil me dedicar a jogos online onde o meu esforço é recompensado claramente e me sinto perito naquela tarefa. Portanto, não podemos atribuir à tecnologia e à internet a culpa pelo nosso comportamento. Ou será que podemos? Talvez tenha chegado o momento de expandirmos esse conceito. Bom, partindo de um ponto de vista mais pragmático, toda interface digital é (ou ao menos deveria ser) construída para facilitar a realização de determinada tarefa. Tomemos como exemplo o Facebook: Ele possui uma interface que nos exibe posts de amigos, com ou sem notícias e que nos permite compreender a mensagem que eles querem divulgar. Ao topo disso temos uma área na qual podemos escrever o que pensamos, compartilhar notícias ou gifs de gatinhos engraçados para todos nossos amigos. Podemos até dizer que tanto alguém aqui, no Brasil, como alguém na Índia compreende essa interface e é capaz de se comunicar por ela através de posts, compartilhamentos ou mensagens. Enfim, é uma interface muito eficaz, não? Porém, além de ser uma ferramenta, devemos lembrar que o Facebook foi construído para nos comunicarmos de uma maneira muito específica. E nossas ações são recompensadas através de comentários e curtidas. Não nos comunicamos por ele, como fazemos pelo WhatsApp, email ou Twitter, por exemplo. No Face nos comunicamos de uma maneira que beneficia monetariamente (o que não é necessariamente um problema) a empresa de Mark Zuckerberg. Ou seja, a maneira como essa ferramenta foi construída serve a um propósito específico que afeta o nosso comportamento, de forma explícita ou não. Por isso, extrapolando para internet e a tecnologia como um todo, talvez possamos expandir a visão de que as nossas "ferramentas" interferem, sim, no nosso comportamento. Toda ferramenta tem um propósito e, sem perceber, respondemos de alguma maneira a tal propósito. E o que isso tem a ver com a nossa primeira afirmação? Significa que a tecnologia é um problema por si só; será que as empresas querem nos viciar? Não exatamente ! Isso significa que, mesmo sendo apenas ferramentas, nos relacionamos de alguma maneira com elas. Somos seres humanos e além da nossa capacidade incrível de construir coisas, temos uma facilidade, ainda mais incrível, de nos relacionar com as coisas. E essa relação é um reflexo da nossa sociedade. Sherry Turkle, em seu livro “Alone Together” argumenta que a nossa falta de capacidade de nos relacionarmos verdadeiramente - aprendendo a lidar com ansiedade e decepções - é se reflete na nossa vida online, onde nos exibimos como queremos e nos relacionamos parcialmente com todo mundo. Ou seja, se estamos tão desesperados pelo contato com o outro e encontramos ferramentas que permitem esse contato de maneira segura, controlada e parcial, não é à toa que nos viciamos. As redes sociais podem ser só ferramentas, mas a frequência com que temos problemas de dependência desses meios diz muito mais a respeito da nossa sociedade moderna do que da nossa vida individual. Talvez, tenhamos chegado num ponto em que, para podermos compreender a sociedade e o nosso meio, devemos olhar não apenas para as relações com outras pessoas, mas também a nossa relação com a internet e as novas tecnologias: a nossa relação com as coisas.